ARTIGO ORIGINAL
Prevalência da cárie dental em brancos e não brancos1
José Maria Pacheco de SouzaI; Alberto Nuñez ArrillagaII; Fernando Vernaza OchoaIII; Oswaldo RochaIV
IDa Cadeira de Estatística Aplicada à Saúde Pública da FHSP/USP
IIDa Divisão de Odontologia Sanitária do "Ministério de Sanidad y Asistencia Social" Caracas, Venezuela
IIIDo Departamento de Odontologia da "Secretaria de la Salud Publica Municipal" Calli, Colômbia
IVDa Secretaria da Saúde do Distrito Federal Brasília
RESUMO
Foram examinadas 378 crianças de um grupo escolar da Capital do Estado de São Paulo, com a finalidade de verificar se a prevalência de cárie dental em crianças de côr branca é maior do que em crianças de côr não branca. Após a análise estatística dos dados, utilizando o teste U, de Mann-Whitney, não paramétrico, concluiu-se que os brancos apresentam uma prevalência de cárie estatìsticamente maior, nas idades de 8, 10 e 12 anos, a um nível de significância de 5%.
SUMMARY
Authors examined 378 children belonging to a primary school in the Capital of São Paulo in order to know whether the prevalence of dental caries is higher in whites than in non-whites.
After statistical analysis, using Mann-Whitney non-parametric "U" test, they conclude that white children 8, 11 and 12 years old present a higher prevalence of caries, at the 5% level of significance.
1 INTRODUÇÃO
Uma das grandes preocupações dos pesquisadores em relação à epidemiologia da cárie dental, é saber quais são as variáveis que podem alterar, para mais, ou para menos, sua prevalência. Até o presente momento, está suficientemente estabelecido que há duas grandes variáveis que agem nêste sentido: Açúcar e Flúor. Segundo o esquema de EASLICK2 (1952), os açúcares refinados consttiuem o "substrato de glúcides fermentáveis" que leva ao processo de descalcificação do esmalte. Por sua vez, o flúor atua melhorando a "estrutura solúvel aos ácidos" e inibindo o "sistema enzimático". O mesmo autor considera ainda outros três fatôres essenciais que são presença de microorganismos acidófilos e acidógenos, placa bacteriana dental e suscetibilidade do paciente, êste último, ìntimamente relacionado com nosso trabalho.
Com respeito à suscetibilidade, já existem vários estudos quanto a povos diferentes, sexo, côr, condições sócio-econômicas, etc., comprovando-se que há indivíduos que possuem uma imunidade que os protege. KLEIN 3 (1946) apresenta observações de famílias humanas cujos membros apresentam muito pouca, ou nenhuma cárie dental, durante algumas gerações. Em relação a raças, temos que tomar cuidado quanto ao meio ambiente em que vivem, devendo-se, portanto, estudar grupos humanos que tenham condições de vida as mais semelhantes possíveis (VIEGAS 8 (1961). BLACKERBY 1 (1939) comparou as condições dentais entre brancos e negros, em crianças de 6 a 17 anos, em zonas rurais e semi-rurais do sul dos Estados Unidos, encontrando para os brancos uma média de 4,16 dentes afetados por criança e para os negros, 2,29. SEBELIUS 5 (1944) examinou 2.928 crianças brancas e 2.917 pretas, entre 3 e 17 anos, no Tenessee, EUA, encontrando uma média de 4,07 dentes CPO entre os brancos e 3,15 entre os negros.
No Brasil, têm-se a impressão, baseada em observações clínicas, que os negros têm melhores condições dentais. O objetivo dêste trabalho é fazer uma comparação da prevalência de cárie dental em dentes permanentes, entre brancos e não brancos, em crianças que freqüentam escola em bairro de baixo nível econômico, nas idades de 8, 10, 11 e 12 anos.
MATERIAL E MÉTODO
A Tabela 1 contém a distribuição de tôdas as crianças, segundo idade e sexo, matriculadas, em 1965, no Grupo Escolar Ary Barroso, localizado no Parque Peruche, bairro desta Capital, que tem como habitantes pessoas de baixa condição sócio-econômica.
Limitações de ordem material e de tempo não permitiram estudar tôdas as crianças. Resolvemos, por isso examinar aquelas presentes nos 1.° e 2.° período de aulas, nos dias 20 e 21 de setembro de 1965; destas, constituímos uma amostra, sempre com a preocupação de, em cada grupo etário, manter, para brancos e não brancos, a mesma distribuição por sexo, pois sabe-se que as meninas têm maior prevalência do que os meninos, numa mesma idade (KLEIN & PALMER 4, 1938). Assim procedendo chegamos a um total de 378 crianças, distribuídas segundo as Tabelas 2, 3 e 4. O critério acima explicado levou-nos a ter uma distribuição amostral por idade que não se afasta substancialmente daquela verificada no grupo total de crianças, como vemos na Tabela 5.
A classificação das crianças segundo a côr, foi feita pelos próprios examinadores, prèviamente aos exames, levando-se em conta os sinais externos, tais como côr da pele, cabelos, nariz, lábios, côr da palma da mão e gengivas. As crianças de côr amarela e as de côr duvidosa foram eliminadas do estudo.
Para verificar se seus critérios, conceitos e técnicas de diagnóstico eram uniformes, os autores já haviam realizado anteriormente um outro trabalho, de calibração. Os resultados obtidos foram considerados bons, com diferenças INTRA e ENTRE examinadores menores do que 10%, em média.
Os exames dentais foram feitos em um pátio coberto, com boa luz natural, utilizando-se espelho bucal e sonda exploradora n.° 5. As crianças permaneciam sentadas em cadeiras comuns, de frente para a luz. Os examinadores também trabalharam sentados em cadeiras comuns, do lado direito da criança, com o anotador do lado opôsto, sentado. Êstes anotadores eram alunos do 4.° ano do mesmo Grupo Escolar, prèviamente treinados. Todos os examinadores tiveram oportunidade de examinar crianças de tôdas as idades, sexo e côr, diminuindo, assim o risco de um vício devido a critério de exame.
Nêste estudo apenas se levaram em conta os dentes permanentes, adotando-se o índice CPOD para medir a condição dental. Os critérios de diagnóstico foram os seguintes: dente
Cariado
a) quando apresentava evidência de esmalte socavado, devendo haver uma cavidade definida, na qual o explorador penetrasse;
b) em caso de fissuras ou fóssulas, quando a ponta do explorador penetrasse e prendesse, satisfazendo ainda às condições de existir tecido cariado amolecido, ou de haver opacidade do esmalte, ou manchas típicas de cárie;
c) em caso de superfícies proximais, quando a ponta do explorador prendesse, permanecendo retida ao se fazer movimentos no sentido cérvico-oclusal.
Obturado
a) quando o dente se apresentasse perfeitamente restaurado, com material como amálgama de prata, ouro, cimento de silicato, porcelana, acolite, primaloy e acrílico.
Extraído
Quando foi extraído, devido a cárie dental.
Extração indicada
Quando o dente apresentasse uma lesão cariosa que atingisse a câmara pulpar.
Ausente
Quando ainda não tivesse irrompido, ou quando houvesse sido extraído por motivos ortodônticos.
Temos que chamar a atenção ainda, para as seguintes considerações: a) cada dente recebeu sòmente uma classificação; b) se um dente tivesse uma cárie e uma obturação, era contado como cariado; c) o dente era considerado presente quando já havia atravessado a fibro-mucosa gengival; d) se houvesse um dente permanente e um decíduo ocupando o mesmo espaço, só o permanente era considerado; e) em caso de dúvida entre são e cariado, o dente era considerado são, e em caso de dúvida entre cariado e extração indicada, era considerado cariado.
A análise estatística foi feita pelo teste U, de Mann-Whitney, não paramétrico, que leva em consideração os postos obtidos pelos valôres da unidade considerada (SIEGEL6, 1956). Assim o fizezemos porque não temos ainda evidência suficiente para supor que a distribuição da variável aleatória CPOD seja normal. Por outro lado, tivemos também o propósito de chamar a atenção para os testes não paramétricos, que acreditamos sejam de grande uso na pesquisa odontológica.
Em cada grupo etário testamos as seguintes hipóteses, a um nível de significância de 5%:
H0: prevalência de cárie dental em brancos = prevalência em não brancos;
H1: prevalência de cárie dental em brancos > prevalência em não brancos.
As decisões de aceitar ou rejeitar H0 foram tomadas levando-se em conta os valôres obtidos para a variável reduzida z, pois pudemos usar a aproximação normal para a variável U, em vista de nossas amostras, por grupo etário e côr, terem sido sempre maiores do que 20.
Calculamos também, o número médio de dentes erupcionados por criança, pois uma possível maior prevalência poderia ser considerada existente apenas porque havia maior número de dentes expostos, devido a uma erupção precoce (STAGERDA & HILL7, 1942).
3 RESULTADOS
Os valôres encontrados para brancos nas idades 8, 10, 11 e 12 anos, foram respectivamente: 3,28, 4,45, 7,34 e 7,58 CPOD, por criança; para não brancos tivemos: 2,21, 3,70, 3,87 e 6,76, como podemos observar na Tabela 6, que nos dá, também, as variabilidades.
Os testes estatísticos nos deram os seguintes valôres de U: para 8 anos, 551,5; para 10 anos, 961,5; para 11 anos, 765; para 12 anos, 803, aos quais correspondem os seguintes valôres de z: 1,807; 1,399; 5,087 e 1,663. Como para o nível de significância de 5%, o valor crítico de z é 1,64, nós aceitamos a hipótese H0 apenas para a idade de 10 anos, rejeitando-a nas demais, como nos mostra a Tabela 7.
Finalmente, a Tabela 8 nos informa que o número médio de dentes irrompidos por criança foi, na mesma ordem de idade: para brancos, 13,31, 18,60, 23,62 e 25,93. Para não brancos tivemos: 13,52, 20,48, 23,27 e 25,85. Como vemos são bem semelhantes, com exceção para as crianças de 10 anos, onde observou-se um número médio de dentes irrompidos, maior para as não brancas, o que talvez pudesse explicar aquela aceitação de H0.
4 - CONCLUSÕES
Para as idades de 8, 11 e 12 anos, há uma maior prevalência de cárie dental entre os brancos em relação aos não brancos, em escolares de baixa condição sócio-econômica.
Esta maior prevalência não é devida a uma erupção precoce entre os brancos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BLACKERBY Jr., P. E. Comparative analysis of dental conditions among white and negro children of rural and semirural communities. J. Amer. dent. Ass., 26(9):1574-1576, Sept. 1939.
2. EASLICK, K. A. Practical application of caries control technics. J. Mich. dent. Soc., 34:110-119, 1952. Apud VIEGAS, A. R.8, p. 8.
3. KLEIN, H. The family and dental disease. IV. Dental disease (DMF) experience in parents and offspring. J. Amer. dent. Ass., 33(11):735-743, June 1946.
4. KLEIN, H. & PALMER, C. E. Studies on dental caries. VII. Sex differences in dental caries experience of elementary school children. Publ. Hlth Rep., 53(38):1685-1690, Sept. 1938.
5. SEBELIUS, C. L. Variations in dental caries: rates among white and negro children. J. Amer. dent. Ass., 31(7):544-549, Apr. 1944.
6. SIEGEL, S. Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York, McGraw-Hill, 1956. p. 116-127.
7. STEGGERDA, M. & HILL, T. J. Eruption time of teeth among whites, negroes, and indians. Amer. J. Orthodont. Oral Surg., 28(6):361-370, June 1942.
8. VIEGAS, A. R. Aspectos preventivos da cárie dentária. São Paulo, FHSP, 1961. p. 58 (Manual de odontologia sanitária, v. 3).
Recebido para publicação em 6-7-1967
1 Da Cadeira de Estatística Aplicada à Saúde Pública da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP. Realizado sob a orientação da Cadeira de Odontologia Sanitária da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP.