Editorial

Editorial

 

A desigualdade e a saúde pública

Inequality and public health

 

 

Apesar das muitas mudanças que vive o Brasil nos últimos anos, uma realidade mantém-se estável: o País continua sendo caracterizado por ter distribuição de renda das mais desiguais do mundo. Segundo informe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA1, 1996), o decil de renda mais elevado chega a ser de 43 vezes a renda per capita das famílias pertencentes ao decil de mais baixa renda. Apesar de o rápido crescimento econômico ter provocado marcante diminuição da proporção de brasileiros na pobreza - de 32% em 1992/3 para 23% em 1996 (IPEA2, 1997) -, a parcela de renda dos 50% mais pobres ainda não passa de 12% da renda total. Isso leva à pergunta: que implicações têm a persistência da desigualdade numa época de crescimento geral para o estudo e planejamento da saúde?

Livro recentemente publicado na Inglaterra é sem dúvida relevante para responder a essa pergunta. Em Unhealthy societies: the aflictions of inequality, Wilkinson6 mostra que o grau de desigualdade na sociedade está diretamente relacionado às taxas de mortalidade e morbidade, independente do nível de renda. Nos Estados Unidos, por exemplo, a mortalidade por todas as causas está altamente correlacionada, em nível dos 52 Estados, com a proporção da renda total recebida pelos 50% mais pobres. No Japão, o processo histórico de redução dos diferenciais de renda, que já chegaram a ser os menores registrados no mundo, coincidiu com o aumento da expectativa de vida em nível sem paralelo. Na Grã-Bretanha, os anos 80 trouxeram importante aumento da desigualdade e, ao mesmo tempo, uma redução da velocidade na queda das taxas de mortalidade. Em geral, as causas de morte mais estreitamente relacionadas com o grau de desigualdade são as doenças do fígado, os acidentes de trânsito, as infecções e as violências. Wilkinson6 agrupa evidências de várias disciplinas para mostrar que, uma vez passada a transição epidemiológica, os fatores psicossociais são fundamentais na relação entre a privação material e a saúde. Sua mensagem central é que a privação relativa pode ser tão prejudicial à saúde quanto a pobreza absoluta.

Com um Produto Interno Bruto (PIB) que já passou de $5.000 percapita, quando calculado pelo método de Paridade de Poder Adquisitivo (World Bank7, 1997), o Brasil está entrando numa fase histórica em que, se não forem acompanhados de outros tipos de transformações, os aumentos de renda dificilmente conduzirão a grandes melhorias na expectativa de vida, atualmente chegando a 67 anos. A desnutrição infantil foi praticamente eliminada de grandes áreas do país (Bemfam4, 1996), e já outras causas, entre elas a violência (Vermelho e Jorge5, 1996) e a cirrose do fígado (Lessa3, 1996) começam a marcar os registros de óbitos. É certo que, desde os anos 80, a epidemiologia brasileira encontra-se na vanguarda da pesquisa sobre a relação pobreza-saúde. Porém, a combinação da persistência da desigualdade com a nova realidade da transição epidemiológica sugere a necessidade de novas abordagens e metodologias na pesquisa e planejamento da saúde, no Brasil  do século 21.

 

Saul Morris
International Food Policy Research Institute - USA
Membro do Grupo de Assessores da RSP

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Crescimento, desigualdade e pobreza: o impacto da estabilização. Carta de Conjuntura, number 62, February 1996. Brasília: IPEA, 1996.        

2. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). A evolução recente do bem-estar social, da pobreza e da desigualdade. Carta de Conjuntura, number 71, March 1997. Brasília: IPEA, 1996.        

3. LESSA, I. Liver cirrhosis in Brazil: mortality and productive years of life lost prematurely. Bol. Ofic. Sanit. Panamer. 121(2):111-22, 1996.        

4. SOCIEDADE CIVIL BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL (BEMFAM). Pesquisa nacional sobre demografia e saúde, 1996. Rio de Janeiro, BEMFAM, 1996.        

5. VERMELHO, L. L. & JORGE, M. H. P. M. Mortalidade de jovens: análise do período de 1930 a 1991 (a transição epidemiológica para a violência). Rev. Saúde Pública, 30:319-31, 1996.        

6. WILKINSON, R. G. Unequal societies: the afflictions of inequality. London, Routledge, 1996.        

7. WORLD BANK. World development indicators, 1997. Washington D.C., 1997.        

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