Notas e Informações | Notes and Information |
Condições de higiene de "cachorro-quente" comercializado em vias públicas
Hygienic conditions of hot dogs sold on the streets, Brazil
Alessandra Lucca e Elizabeth Aparecida FS Torres
Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
DESCRITORES Manipulação de alimentos. Higiene dos alimentos. Comércio. Contaminação de alimentos. Vigilância sanitária. Qualidade dos alimentos. Qualidade de produtos para o consumidor. Alimentos de rua. Cachorro-quente. Segurança alimentar. | RESUMO |
KEYWORDS
| ABSTRACT |
INTRODUÇÃO
O comércio de alimentos de rua apresenta aspectos positivos devido a sua importância socioeconômica, cultural e nutricional, e negativos no que diz respeito às questões higiênico-sanitários.
Essa atividade informal, embora satisfaça as necessidades ¾ especialmente da população de baixa renda ¾ de obtenção de alimentos rápidos, de baixo custo e em local próximo ao trabalho e seja uma alternativa para o sustento de milhões de pessoas,3 também pode oferecer riscos à saúde da população.
Isso indica que a venda de alimentos de rua é muito controversa, pois representa uma ameaça à saúde do consumidor, principalmente devido a técnicas de higiene inadequadas e manipulação dos alimentos. Por isso, a importância deste estudo para a saúde pública.
Muitos trabalhos estabelecem associações epidemiológicas entre alimentos de rua e doenças. Essas associações basearam-se no alto número de bactérias patogênicas, incluindo cólera na América Latina5 e Ásia,4 encontradas em amostras de alimentos colhidos nas ruas.2
Em São Paulo, são comercializados diversos alimentos em vias públicas, e, nos últimos dez anos, houve aumento crescente no número de pessoas que comercializam alimentos, principalmente o cachorro-quente.
Os pontos de venda ambulantes não contam com as facilidades disponíveis nos estabelecimentos. Além disso, as matérias-primas são, geralmente, de qualidade inferior, armazenadas inadequadamente e mantidas em temperaturas abaixo do critério de segurança.
No Brasil, a ocorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTA) não é de notificação compulsória, o que compromete a real avaliação do problema. A Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde recomendam o uso do sistema de análise de riscos e pontos críticos de controle, conhecido internacionalmente como HACCP, para melhorar a segurança dos alimentos de rua nas diversas condições em que são feitos,1 uma vez que esse método pode ser aplicado em todas as etapas da cadeia alimentar para identificar e caracterizar os pontos críticos em que ocorrem riscos e para estabelecer prioridades para intervenção e controle.
MÉTODOS
O estudo foi realizado na região de Cerqueira César, entre outubro de 1998 e maio de 1999, em 20 pontos de comercialização de cachorros-quentes.
A coleta de dados foi feita por meio de entrevista estruturada por questionário, que visava a identificar os pontos críticos e estabelecer os de controle.
Para o desenvolvimento do sistema HACCP e sua aplicação, foram investigados os itens temperatura e pH, além de dados relacionados a aspectos higiênico-sanitários (Tabela).
Mediu-se, de hora em hora, a temperatura interna da salsicha utilizada na preparação com o termômetro Digital Modelo Digi-Thermo da marca Nortus, escala em ºF e ºC, capacidade de -10ºC a +110ºC. Após o uso, o termômetro era esterilizado com álcool 70%.
Para a medição do pH dos molhos dos lanches, utilizaram-se fitas indicadoras de pH (Merck), e as medições eram feitas duas vezes para cada ingrediente, uma no início da pesquisa, outra no final.
RESULTADOS E COMENTÁRIOS
Os principais problemas encontrados foram equipamentos e utensílios em más condições de higiene, utensílios descobertos, armazenamento de ingredientes em locais inadequados, baixa freqüência de lavagem de mãos e presença de animais (pombos) e insetos.
Purê de batata e preparações cárneas foram considerados de alto risco, pois apresentavam pH, temperatura e tempo de espera favoráveis ao crescimento bacteriano.
Os índices do pH dos molhos foram os seguintes: maionese (4,1), mostarda (3,95), catchup (3,85), molho vinagrete (3,9) e purê de batata (5,26), sendo este um pH acima de 4,5, valor considerado de risco.
Os produtos cárneos foram considerados de alto risco, por não atingir o critério de temperatura para reaquecimento (74ºC) e longo tempo de espera (superior a 5 horas). O ideal seria que fossem utilizados purê industrializado, cujo preparo não envolve adição de leite fluido, e as preparações cárneas reaquecidas até 74ºC.
Excetuando esses ingredientes, o cachorro-quente não é uma preparação considerada de alto risco, pois o processo de fabricação é simples, não são realizadas muitas etapas e envolve pouco manuseio. O fato de o consumo do lanche ser imediato ao preparo também é um fator positivo, pois não se adicionam ao processamento os possíveis erros realizados pelo consumidor.
Os outros ingredientes, por serem industrializados, oferecem menor risco. No entanto, cuidados com a manipulação e higiene dos alimentos e utensílios devem ser tomados.
A freqüência de higienização dos dispensadores de uso repetido (bisnagas) de catchup, mostarda e maionese era muito baixa, apresentando aspecto insatisfatório.
As condições higiênicas de automóveis adaptados tendem a ser mais satisfatórias quando comparadas aos estabelecimentos fixos (barracas e carrinhos), devido à maior facilidade de deslocamento e, conseqüentemente, de higienização. As condições higiênico-sanitárias foram consideradas péssimas em 17,4% e regulares em 13% dos estabelecimentos.
Os baixos índices de adequação encontrados devem-se, principalmente, à falta de conhecimento sobre higiene dos alimentos, e não por negligência em adotar medidas não-higiênicas.
A freqüência da lavagem de mãos foi baixíssima em todos os pontos de venda estudados. Geralmente, a lavagem acontecia apenas quando as mãos encontravam-se visivelmente muito sujas, e o que havia sido relatado pelo vendedor não correspondeu ao observado pelo pesquisador.
Na maioria das vezes, os utensílios encontravam-se descobertos, favorecendo a contaminação por insetos e sujidades trazidas pelo vento.
Foi verificada a presença de pombos em 100% dos locais estudados e de insetos (52%), devido a acúmulo de resíduos em torno do ponto de venda e a cestos de lixo destampados.
Devido à grande importância do comércio ambulante de alimentos, algumas medidas deveriam ser adotadas, como desenvolvimento e aplicação de normas sanitárias adequadas para a venda ambulante, oferta de cursos de capacitação aos vendedores, estabelecimento de sistema de vigilância e informação epidemiológica de doenças transmitidas por alimentos de rua e aplicação do sistema HACCP, como estratégia para a prevenção de contaminações. Outras medidas, como a adoção de políticas de regularização, concessão de licenças e mecanismos de controle da atividade, entre outras, também deveriam ser adotadas.
Tendo em vista o exposto, pela falta de dados oficiais e pesquisas científicas sobre o comércio de alimentos de rua no Brasil, propõe-se que sejam realizados estudos adicionais.
AGRADECIMENTOS
Aos participantes do estudo, vendedores e consumidores, pela contribuição para realização da pesquisa.
REFERÊNCIAS
1. Bryan FL. Hazard analysis critical control point system: a guide to identifying hazards and assessing risks associated with food preparation and storage. Geneva: WHO; 1992.
2. Bryan FL, Jermini M, Schmitt R, Chilufya EN, Mwanza M, Matoba A et al. Hazards associated with holding and reheating foods at vending sites in a small town in Zambia. J Food Protect 1997;60:391-8.
3. [FAO/OPAS] Food and Agriculture Organization, Organización Panamericana de La Salud. Informe del Seminário- Taller Latinoamericano FAO/OPS sobre Control de Alimentos que se Venden en las Calles; 1994 Mayo 9-13; Montevideo, Uruguay. Santiago, Chile; 1991. RELAC/ 94/ 07 ¾ NUT ¾ 57.
4. Goh K, Lam S, Kumarapathy S, Tan J. A common source foodborne outbreak of cholera in Singapore. Int J Epidemiol 1984;13:210-5.
5. Ries A, Vugia D, Beingolea L, Palacios AM, Vasquez E, Wells JG et al. Cholera in Piura, Peru: a modern urban epidemic. J Infect Dis 1992;166:1429-33.
Correspondência para/Correspondence to:
Elizabeth AFS Torres
Departamento de Nutrição
Faculdade de Saúde Pública ¾ USP
Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César
01246-904 São Paulo, SP, Brasil
E-mail: eatorres@usp.br
Baseado em dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP em 2000.
Apresentado no 17º Congresso Internacional de Nutrição, Viena, Áustria, 2001.
Edição financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp ¾ Processo nº 01/01661-3).
Recebido em 24/5/2001. Reformulado em 7/12/2001. Aprovado em 6/2/2002.