COMUNICAÇÃO BREVE
Atenção aos tabagistas pela capacitação de profissionais da rede pública
Renata Cruz Soares de AzevedoI; Celina Matiko Hori HigaII; Isilda Sueli Andreolli Mira de AssumpçãoIII; Rejane Firmino FernandesIV; Marília Montoya BoscoloII; Cecília Regina Gonzaga FrazattoV; Welson GoulartVI
IDepartamento de Psicologia Médica e Psiquiatria. Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil
IIAmbulatório de Substâncias Psicoativas. Hospital de Clínicas (HC). Unicamp. Campinas, SP, Brasil
IIIAmbulatório de Pneumologia. HC/Unicamp. Campinas, SP, Brasil
IVPrograma de Pós Graduação em Ciências Médicas. FCM/Unicamp. Campinas, SP, Brasil
VServiço de Odontologia. HC/Unicamp. Campinas, SP, Brasil
VISecretaria Municipal de Saúde de Campinas. Campinas, SP, Brasil
Correspondência | Correspondence
RESUMO
O estudo avaliou desdobramentos de um treinamento para abordagem de tabagistas para 40 profissionais da rede pública, de novembro de 2004 a março de 2007. Os profissionais realizaram abordagem mínima individual (3.419 tabagistas) e grupal (982). Dos pacientes fumantes que participaram dessas atividades, 9,2% conseguiram parar de fumar. As dificuldades relatadas pelos profissionais foram baixa adesão dos pacientes (11%), falta de medicação (38%) e de apoio/estrutura da unidade (29%). O treinamento aumentou a população abordada pelas unidades de saúde nas estratégias de prevenção do tabagismo.
Descritores: Capacitação de Recursos Humanos em Saúde. Abandono do Uso de Tabaco. Tabagismo, prevenção e controle. Humanização da Assistência.
INTRODUÇÃO
O tabagismo é uma das dependências mais prevalentes em todo o mundo. Levantamento realizado em 2005 apontou 10,1% da população brasileira de 12 a 65 anos como sendo dependente de tabaco.*
A expectativa de vida de um fumante é 25% menor que a de um não fumante. A cessação tabágica promove redução significativa na taxa de mortalidade antes dos 35 anos e em menor escala na faixa acima de 65 anos, representando uma intervenção custo-efetiva.3 A intervenção nos tabagistas é a melhor estratégia para a redução a médio prazo da mortalidade relacionada ao tabagismo.4
Embora 70% dos fumantes manifeste desejo de parar de fumar, somente 5% consegue fazê-lo sem auxílio de profissionais da saúde.2 Além disso, há escassez no número e no treinamento de profissionais capacitados para abordar o paciente tabagista e empreender medidas de intervenção. Ademais, o número de serviços de apoio para abandono do fumo é insuficiente, assim como a distribuição gratuita de medicamentos utilizados na cessação do tabagismo na rede pública.1
O objetivo do presente estudo foi descrever o desdobramento de um treinamento de profissionais de saúde da rede pública na abordagem de tabagistas.
MÉTODOS
Estudo realizado em serviço de atenção ao tabagismo em ambulatório de um hospital universitário. Esse hospital possui programa de abordagem de tabagistas desde 2003.
No período de novembro de 2004 a março de 2007, 40 profissionais de saúde da rede pública de Campinas e região participaram de treinamento com duração de um mês, oferecido por aquele hospital. Os profissionais da área da saúde, provenientes de 12 equipes, eram: 12 médicos, 12 enfermeiros, seis assistentes sociais, quatro psicólogos, dois dentistas, dois terapeutas ocupacionais, um farmacêutico e um auxiliar de enfermagem. Cada equipe passou por todas as atividades oferecidas aos pacientes, além de participarem da supervisão dos casos e dos seminários teóricos.
As atividades incluíram: grupo de motivação, triagem clínica (composta por coleta de dados sociodemográficos, história do tabagismo, avaliação de comorbidades clínicas e psiquiátricas, aplicação da Escala de Fagestrom e avaliação do grau de motivação), grupo de tratamento, manejo do uso de bupropiona, nortriptilina e/ou terapia de reposição de nicotina e supervisão dos casos.
Em maio de 2007 foram feitos contatos telefônicos com todos os profissionais e solicitadas informações sobre os desdobramentos do estágio. As informações foram anotadas em uma ficha de coleta de dados semi-estruturada sobre as iniciativas relacionadas à abordagem do tabagismo desenvolvidas em sua unidade de saúde e as dificuldades encontradas.
RESULTADOS
Após o treinamento, 37 (92%) profissionais desenvolveram medidas de abordagem do tabagista em sua unidade; 22 (54%) treinaram membros de sua equipe, 8 (19%) treinaram outras equipes e 15 (38%) realizaram atividades para a comunidade.
Os profissionais referiram ter atendido 3.419 tabagistas em abordagem mínima individual e 982 pacientes em abordagem grupal. Dos pacientes tabagistas que participaram das atividades desenvolvidas pelos profissionais, 9,2% conseguiram parar de fumar.
As principais dificuldades relatadas pelos profissionais para a continuidade e ampliação da abordagem ao tabagismo em sua unidade foram baixa adesão dos pacientes (11%), falta de medicação (38%) e de apoio/estrutura da unidade (29%).
DISCUSSÃO
Os resultados apontaram a contribuição alcançada com o treinamento na capacitação para o desenvolvimento de iniciativas de abordagem do tabagismo na rede pública. Tais ações incluíram desde medidas de menor impacto, como atividades sobre tabagismo para a comunidade (palestras, cartazes), até a multiplicação do treinamento para outros profissionais. Estratégias também foram estabelecidas diretamente para os tabagistas por meio de abordagem mínima individual ou tratamento em grupo.
O presente trabalho possui algumas limitações: uma delas refere-se à coleta de dados por meio de contato telefônico, que apresenta menor acurácia do que as entrevistas face-a-face. Outro ponto é que, embora a taxa de cessação do tabagismo tenha sido expressiva (9,7%), esse número provavelmente não se sustente em sua totalidade num período maior de seguimento. Considerando que não havia disponibilidade de apoio farmacológico de primeira linha (terapia de reposição de nicotina e bupropiona) nas unidades, deve-se considerar que esta foi a taxa de cessação durante o tratamento.
A disponibilidade de tratamento em uma unidade básica de saúde pode facilitar o acesso e adesão do paciente tabagista. As condições favoráveis como a possibilidade de ser atendido por uma equipe que já lhe é familiar, próxima ao seu domicílio e inserida em seu contexto sociocultural podem influenciar positivamente no processo de cessação de fumar.
A capacitação de profissionais da rede pública realizada pelo hospital universitário de referência reforçou o papel da universidade na sua responsabilidade de formação de profissionais que atuam na rede pública de saúde. Os resultados obtidos representaram um estímulo à equipe para incremento dessa atividade que, em última análise, permitiu expandir a população atingida pelas estratégias de abordagem do tabagismo.
REFERÊNCIAS
1. Balbani APS, Montovani JC. Métodos para abandono do tabagismo e tratamento da dependência de nicotina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005;71(6): 820-7.
2. Laranjeira R, Giglioti A. Tratamento da dependência de nicotina. Psiq Prat Med. 2000;33(2):9-18.
3. Rosemberg J, Rosemberg AMA, Moraes MA. Nicotina: droga universal. São Paulo: Secretaria da Saúde. Centro de Vigilância Epidemiológica; 2003.
4. World Health Organization. The world health report 1999: making a difference. Geneva; 1999. Combating the tobacco epidemia; p. 65-79.
Correspondência | Correspondence:
Renata Cruz Soares de Azevedo
R. Severo Penteado, 131/9, Cambuí
13025-050 Campinas, SP, Brasil
E-mail: azevedo.renata@uol.com.br
Recebido: 17/8/2007
Aprovado: 27/9/2007
* Carlini EA, Galduróz JCF. II Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007.