Resumos
O Brasil não apresenta circulação endêmica do vírus do sarampo desde o ano 2000. Entre maio e junho de 2011, a Região Metropolitana de Campinas, Estado de São Paulo, registrou três casos de sarampo. Foram descritos casos, as medidas de controle, a busca de possível fonte e de casos secundários. A caracterização genotípica do vírus identificou o genótipo D4, circulante no continente europeu. Não foram encontrados casos índice ou secundários. As medidas de controle efetuadas, aliadas à cobertura vacinal adequada da Região Metropolitana de Campinas contribuíram para que a transmissão da doença fosse interrompida.
Sarampo, epidemiologia; Vírus do Sarampo, isolamento & purificação; Surtos de Doenças; Zonas Metropolitanas; Epidemiologia Descritiva
Brasil no presenta circulación endémica del virus sarampión desde el año 2000. Entre mayo y junio de 2011, la Región Metropolitana de Campinas, Estado de Sao Paulo, registró tres casos de sarampión. Se describieron los casos, las medidas de control, la búsqueda de la posible fuente y de casos secundarios. La caracterización genotípica del virus identificó el genotipo D4. No se encontraron casos índices o secundarios. Las medidas de control efectuadas, aliadas a la adecuada cobertura de la vacuna en la Región Metropolitana de Campinas contribuyeron para que la transmisión de la enfermedad fuera interrumpida.
Sarampión, epidemiología; Virus del Sarampión, aislamiento & purificación; Brotes de Enfermedades; Zonas Metropolitanas; Epidemiología Descriptiva
INTRODUÇÃO
Estima-se que a transmissão endêmica do sarampo no Brasil tenha sido interrompida em 2000, decorrente da intensificação das ações de vigilância e da cobertura vacinal elevada contra a doença. 44 . Prevots DR, Parise MS, Segatto TC, Siqueira MM, Santos ED, Ganter B, et al. Interruption of measles transmission in Brazil, 2000-2001. J Infect Dis. 2003;189 Suppl 1:S111-20. DOI:10.1086/368030
https://doi.org/10.1086/368030... Casos esporádicos foram registrados desde então, todos associados à importação do vírus. aaMinistério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7. ed. Brasília (DF); 2009. O Estado de São Paulo registrou quatro casos entre 2000 e 2010. bbSecretaria da Saúde de São Paulo. Cento de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”. Divisão de Doenças de Transmissão Respiratória. São Paulo; 2011 [citado 2012 mai 18]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/cve_im.html
Os serviços de vigilância epidemiológica (SVE) dos municípios de Americana e Nova Odessa, na Região Metropolitana de Campinas (RMC), identificaram três casos de sarampo entre 20 de maio e 1º de junho de 2011. Esses casos apresentaram histórico de deslocamento para os municípios vizinhos de Santa Bárbara D´Oeste e Sumaré, na RMC, durante o período de transmissibilidade.
Uma equipe composta por técnicos do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo (CVE-SP) deslocou-se para a RMC. O objetivo deste estudo foi confirmar e descrever a ocorrência de um surto, investigar fonte(s) de infecção e possíveis casos secundários.
MÉTODOS
Foi realizado estudo descritivo dos três casos de sarampo identificados, detalhando sua evolução clínica, situação vacinal e locais frequentados pelos respectivos portadores, nos períodos de incubação e transmissibilidade da doença, assim como seus contactantes, nesses períodos.
Confirmadas as datas de início de sintomas, foi possível estabelecer os períodos de incubação após exposição com possível caso fonte, além de estabelecer períodos de transmissibilidade e tempo máximo para o surgimento de casos secundários de sarampo. aaMinistério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7. ed. Brasília (DF); 2009. Dessa maneira, a investigação compreendeu o período de 1º de abril a 17 de junho de 2011.
Foram investigados contactantes no ambiente familiar e de trabalho, além de estabelecimentos de ensino e de saúde.
Atestados médicos de afastamento arquivados em instituições de ensino ou empresas frequentadas pelos casos confirmados foram revisados. Foram investigados aqueles com hipótese diagnóstica envolvendo doenças com erupção cutânea, quadro respiratório alto, síndromes febris agudas ou sem especificações. Resultados de sorologia positivos ou negativos para sarampo e/ou rubéola nos laboratórios públicos e privados dos quatro municípios foram revistos, excluindo-se os exames solicitados na rotina pré-natal.
Notificações de dengue nos SVE municipais com sorologia negativa, porém com registro de febre e exantema ou sem qualquer registro de sintomas, foram reavaliados.
Amostra aleatória simples dos pacientes, acompanhantes e profissionais presentes nos estabelecimentos de saúde, no período de atendimento médico dos casos, foi selecionada, considerando a prevalência de 50% e limite de confiança de 5%. Esses indivíduos foram contatados por telefone e questionados quanto à sintomatologia no período considerado. O contato telefônico ocorreu em até três tentativas em períodos e dias diferentes. Foi considerado perda quando não houve resposta em nenhuma das tentativas. O contato foi feito com os pais ou responsáveis, caso a pessoa selecionada fosse menor de idade. Considerou-se caso compatível o indivíduo que referiu febre e exantema. Os indivíduos classificados como caso compatível foram entrevistados pessoalmente, aplicando-se questionário semiestruturado desenvolvido para o estudo.
Foi classificado como caso suspeito aquele que apresentou tosse e/ou coriza e/ou conjuntivite, além de febre e exantema.
Casos com diagnóstico (clínico ou laboratorial) de outra doença foram descartados.
Amostras biológicas foram coletadas dos suspeitos sintomáticos há menos de 28 dias no momento da investigação. Amostras de soro armazenadas coletadas na presença de sintomas foram resgatadas e testadas para sarampo. O caso suspeito seria reclassificado como caso confirmado se apresentasse exame de sorologia com IgM positivo para sarampo.
RESULTADOS
Caso 1, sexo masculino, sete anos, residente em Americana e estudante no município de Nova Odessa, notificado em 20/5/2011. Apresentou início dos sintomas no dia 7/5/2011 e exantema em 10/5/2011.
Caso 2, sexo feminino, 42 anos, mãe do caso 1, professora na escola de seu filho, manifestou início dos sintomas em 18/5/201 e exantema em 21/5/2011.
Caso 3, sexo masculino, 21 anos, residente em Nova Odessa, estudante em Santa Bárbara D´Oeste e trabalhando em Sumaré. Apresentou inicio dos sintomas em 3/5/2011 e exantema em 8/5/2011.
Os casos 1 e 2 não apresentaram vacinação documentada, por opção familiar à prática alternativa de medicina. O caso 3 apresentou carteira vacinal com registro de duas doses de vacinas contra sarampo, administradas aos nove e 15 meses. Referiu histórico de leucemia linfoide aguda e quimioterapia aos seis anos.
Os três casos negaram histórico de deslocamento internacional ou contato com pessoas com viagem recente ao exterior.
Todos apresentaram exantema maculo-papular, acompanhado de coriza; dois casos apresentaram tosse seca e febre. Um referiu mal-estar, dor de garganta e conjuntivite. Nenhum deles apresentou complicações ou foi internado. Todos evoluíram para cura sem sequelas.
A confirmação laboratorial para sarampo ocorreu pela detecção de anticorpos IgM em ensaio imunoenzimático e soroconversão de IgG em amostras pareadas de soro. Foi possível a identificação do vírus genótipo D4 nas amostras clínicas dos casos 1 e 2.
Além dos 53 casos compatíveis levantados na busca ativa, três outros casos identificados durante as ações do SVE de Santa Bárbara D´Oeste encaixaram-se na definição de caso compatível e foram incluídos no estudo (Figura).
Os 56 casos compatíveis apresentaram idade entre zero e 48 anos com mediana de 18 anos. Foram reclassificados 15 (27,0%) casos suspeitos após a entrevista e 18 (32,0%) foram descartados. Dentre estes, um apresentou sorologia positiva para dengue, enquanto os 17 (30,0%) apresentaram diagnóstico clínico de varicela.
Entre os 38 casos compatíveis restantes, 25 apresentaram vacinação documentada no momento da entrevista, todos com registro de pelo menos uma dose de vacina contra sarampo.
Os 15 casos suspeitos apresentaram tosse e/ou coriza e nenhum apresentou conjuntivite. Dentre eles, um foi submetido à coleta de amostras para sorologia e isolamento viral em tempo oportuno e apresentou resultados negativos. Onze casos suspeitos foram previamente investigados em laboratório como suspeitos de dengue. Suas amostras de soro foram resgatadas e testadas no laboratório de saúde pública para sarampo e rubéola, todas com resultados não reagentes.
Não foi possível a investigação laboratorial de três casos suspeitos. No entanto, esses casos haviam sido vacinados com pelo menos uma dose de vacina contra o sarampo.
DISCUSSÃO
Houve um surto com três casos confirmados de sarampo na RMC em 2011, após mais de dez anos de ausência de casos na região. Os casos cumpriam a definição padronizada de suspeita, com quadro clínico característico e confirmação laboratorial. aaMinistério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7. ed. Brasília (DF); 2009. O estudo não identificou relação direta entre os três casos e um possível caso fonte importado. Não foi encontrado vínculo epidemiológico entre o caso 3 e os casos 1 e 2. A busca ativa não encontrou casos secundários.
A ausência de circulação da doença na região até então e o isolamento de vírus do genótipo D4, circulante na Europa, 22 . Increased transmission and outbreaks of measles- European Region, 2011. Wkly Epidemiol Rec. 2011;86(49):559-64. sugerem a importação do vírus. A Europa registrou mais de 26.000 casos de sarampo e 115 surtos em 36 países em 2011, até o mês de novembro. A baixa cobertura vacinal é a causa da transmissão sustentada da doença na região. A França, país que registrou mais de 14.000 casos em 2011, apresentou coberturas vacinais contra a doença em torno de 87,0% a 90,0%, entre 2004 e 2010. 22 . Increased transmission and outbreaks of measles- European Region, 2011. Wkly Epidemiol Rec. 2011;86(49):559-64.
A RMC é a segunda maior região do Estado de São Paulo em termos de geração do Produto Interno Bruto (PIB) estadual. A investigação mostrou intensa mobilidade de pessoas pelos diversos municípios da região, em função de moradia, trabalho, lazer e estudo. Além disso, é frequente a circulação de estrangeiros nessa região, que conta com empresas multinacionais e aeroporto internacional. ccEmpresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária. Superintendência de Planejamento Aeroportuário e de Operações. Movimento Operacional da Rede Infraero de Janeiro a Dezembro de 2010. Brasília (DF); 2010 [citado 2012 mai 18]. Disponível em: http://www.infraero.gov.br/images/stories/Estatistica/2010/set.pdf
A RMC registrou coberturas da vacina tríplice viral superiores a 98,0% em 2010 e 2011. ddMinistério da Saúde. Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações. Avaliação do Programa de Imunizações (API) [ software ]. Brasília (DF); [s.d.].
A interrupção da circulação endêmica do sarampo desde 2000 e as altas coberturas vacinais resultaram na ausência de casos da doença em uma década. 44 . Prevots DR, Parise MS, Segatto TC, Siqueira MM, Santos ED, Ganter B, et al. Interruption of measles transmission in Brazil, 2000-2001. J Infect Dis. 2003;189 Suppl 1:S111-20. DOI:10.1086/368030
https://doi.org/10.1086/368030... Essa situação pode dificultar o rápido reconhecimento e diagnóstico da doença. A notificação tardia interfere na investigação da cadeia de transmissão e na implementação de medidas de controle oportunas.
A situação particular de suscetibilidade à doença neste evento foi determinante na ocorrência dos três casos de sarampo. Os casos 1 e 2 não foram vacinados por opção pessoal. Indivíduos não vacinados por objeções ideológicas estiveram envolvidos em outros surtos de sarampo. 22 . Increased transmission and outbreaks of measles- European Region, 2011. Wkly Epidemiol Rec. 2011;86(49):559-64. , 33 . Muscat M. Who gets measles in Europe? J Infect Dis. 2011;204 Suppl 1:S353-65. DOI:10.1093/infdis/jir067
https://doi.org/10.1093/infdis/jir067... O caso 3 recebeu duas doses de vacina contra sarampo ao longo de sua vida, mas desenvolveu leucemia linfoide aguda aos seis anos, quando recebeu tratamento quimioterápico. Pacientes com esse tipo de leucemia e pós-quimioterapia podem apresentar diminuição dos títulos de anticorpos contra antígenos vacinais após a quimioterapia. 11 . Esposito S, Cecinati V, Brescia L, Principi N. Vaccinations in children with cancer. Vaccine . 2010;28(19):3278-84. DOI:10.1016/j.vaccine.2010.02.096
https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2010.0... , 55 . Zengin E, Sarper N. Humoral immunity to diphtheria, tetanus, measles, and hemophilus influenzae type b in children with acute lymphoblastic leukemia and response to re-vaccination. Pediatr Blood Cancer. 2009;53(6):967-72. DOI:10.1002/pbc.22135
https://doi.org/10.1002/pbc.22135...
A busca ativa apresentou limitações, principalmente relacionadas a perdas associadas à impossibilidade de contato telefônico, à recusa de resposta ao questionário ou acesso aos atestados médicos. As pessoas foram entrevistadas até três meses após os sintomas, o que pode gerar viés de memória.
O caráter altamente transmissível do vírus do sarampo e sua circulação endêmica em vários países, aliado à globalização, mantém o risco potencial de sua reintrodução no País. É importante manter altas coberturas vacinais na população, alertar os viajantes brasileiros sobre a necessidade de manterem suas vacinas atualizadas antes de viajar e reforçar essa recomendação aos viajantes visitantes antes de entrarem no País. Além disso, deve-se manter os profissionais de saúde alertas à doença e a vigilância epidemiológica ativa para identificar oportunamente os casos de sarampo.
REFERÊNCIAS
- 1Esposito S, Cecinati V, Brescia L, Principi N. Vaccinations in children with cancer. Vaccine . 2010;28(19):3278-84. DOI:10.1016/j.vaccine.2010.02.096
» https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2010.02.096 - 2Increased transmission and outbreaks of measles- European Region, 2011. Wkly Epidemiol Rec. 2011;86(49):559-64.
- 3Muscat M. Who gets measles in Europe? J Infect Dis. 2011;204 Suppl 1:S353-65. DOI:10.1093/infdis/jir067
» https://doi.org/10.1093/infdis/jir067 - 4Prevots DR, Parise MS, Segatto TC, Siqueira MM, Santos ED, Ganter B, et al. Interruption of measles transmission in Brazil, 2000-2001. J Infect Dis. 2003;189 Suppl 1:S111-20. DOI:10.1086/368030
» https://doi.org/10.1086/368030 - 5Zengin E, Sarper N. Humoral immunity to diphtheria, tetanus, measles, and hemophilus influenzae type b in children with acute lymphoblastic leukemia and response to re-vaccination. Pediatr Blood Cancer. 2009;53(6):967-72. DOI:10.1002/pbc.22135
» https://doi.org/10.1002/pbc.22135
- aMinistério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância Epidemiológica. 7. ed. Brasília (DF); 2009.
- bSecretaria da Saúde de São Paulo. Cento de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”. Divisão de Doenças de Transmissão Respiratória. São Paulo; 2011 [citado 2012 mai 18]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/cve_im.html
- cEmpresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária. Superintendência de Planejamento Aeroportuário e de Operações. Movimento Operacional da Rede Infraero de Janeiro a Dezembro de 2010. Brasília (DF); 2010 [citado 2012 mai 18]. Disponível em: http://www.infraero.gov.br/images/stories/Estatistica/2010/set.pdf
- dMinistério da Saúde. Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações. Avaliação do Programa de Imunizações (API) [ software ]. Brasília (DF); [s.d.].
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Dez 2013
Histórico
- Recebido
19 Fev 2013 - Aceito
30 Jul 2013