Rotinas de organização de exames e entrevistas no centro de investigação ELSA-Brasil

Isabela M Bensenor Rosane H Griep Karina Araújo Pinto Carolina Perim de Faria Mariana Felisbino-Mendes Edna I Caetano Liliane da Silva Albuquerque Maria Inês Schmidt Sobre os autores

Resumos

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) é um estudo de coorte prospectivo com avaliações abrangentes ao longo do tempo. O artigo descreve a rotina de exames e entrevistas realizados pelo participante, assim como a estruturação da área física e da equipe dos Centros de Pesquisa. O ELSA-Brasil pressupõe o comparecimento do participante ao Centro de Pesquisa para a realização dos exames e entrevistas segundo protocolos padronizados desenvolvidos pelo estudo. Considerando a multiplicidade de atividades envolvidas, cada uma delas com suas necessidades particulares de padronização, foram criadas várias ordenações pré-determinadas de exames e entrevistas. Isso possibilitou um elevado padrão de qualidade na coleta dos dados sem prejuízo do conforto ao participante. Cada participante era previamente designado para uma sequência de exames e entrevistas com horário de chegada, tempo de permanência médio de cinco a seis horas e horário de saída previamente definidos.

Estudos de Coortes; Coleta de Dados, métodos; Adulto; Seleção de Pacientes; Anamnese; Técnicas e Procedimentos Diagnósticos; Entrevistas como Assunto, utilização


INTRODUÇÃO

Um dos primeiros estudos de coorte, o Framingham Heart Study, tinha como objetivo identificar a incidência e fatores associados à doença cardiovascular ao longo do tempo, desde a linha de base iniciada em 1948. O estudo adotou como estratégia o comparecimento dos voluntários a um centro de pesquisa com infraestrutura adequada para realização de exames clínicos, aplicação de questionários sobre hábitos de vida e antecedentes clínicos, além da coleta de material biológico para exames. Essa rotina de avaliação se repetiu a cada dois anos e foi mantida na coleta de dados dos filhos e netos adultos dos participantes originais (2ª e 3ª geração).66. Dawber TR, Meadors GF, Moore Jr FE. Epidemiological approaches to heart disease: the Framingham Study. Am J Public Health Nations Health. 1951;41(3):279-81. , 2020. Wilson PW, Meigs JB, Sullivan L, Fox CS, Nathan DM, D'Agostino RB. Prediction of incident diabetes mellitus in middle-aged adults: the Framingham Offspring Study. Arch Intern Med. 2007;167(10):1068-74. DOI:10.1001/archinte.167.10.1068
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Outros estudos de coorte surgiram posteriormente, utilizando metodologia semelhante, mas envolvendo procedimentos cada vez mais complexos. Estudos de coortes como o Atherosclerosis Risk in Communities (Aric) incluíram a ultrassonografia para determinação da espessura médio-intimal das carótidas (IMT),1717. The Aric Investigators. The Atherosclerosis Risk in Communities (Aric) Study: design and objectives. Am J Epidemiol. 1989;129(4):687-702.retinografia,2121. Wong TY, Klein R, Amirul Islam FM, Cotch MF, Couper DJ, Klein BE, et al. Three-year incidence and cumulative prevalence of retinopathy: the atherosclerosis risk in communities study. Am J Ophtalmol. 2007;143(6):970-6.DOI:10.1016/j.ajo.2007.02.020.
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ressonância nuclear magnética99. Grosso A, Mosley TH, Klein R, Couper DJ, Tikellis G, Wong TY. Is early age-related macular degeneration associated with cerebral MRI changes? Atherosclerosis Risk in Communities Study. Am J Ophtalmol. 2007;143(1):157-9. DOI:10.1016/j.ajo.2006.07.040
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além de dosagens bioquímicas sofisticadas.1515. Selvin E, Coresh J, Golden SH, Boland LL, Brancati FL, Steffes MW. Glycemic control, atherosclerosis, and risk factors for cardiovascular disease in individuals with diabetes: the atherosclerosis risk in communities study. Diabetes Care. 2005;28(8):1965-73. DOI:10.2337/diacare.28.8.1965.
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O Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA) incluiu, entre outros exames, a tomografia de tórax com cálculo do escore de cálcio e a ressonância nuclear magnética do coração com avaliação de função ventricular esquerda.1

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) tem objetivos semelhantes e incluiu em seu protocolo exames e entrevistas similares, que também exigiram a visita do voluntário a um centro de pesquisa clínica. Considerando o grande número de voluntários requeridos, a periodicidade prevista para as visitas e o significado de uma sede fixa para assegurar a adesão dos participantes ao estudo, foram criadas infraestruturas físicas referidas neste artigo como Centros de Pesquisa ELSA (CPs ELSA). O CP ELSA-Brasil é a estrutura do Centro de Investigação ELSA onde foram realizados as entrevistas e os exames. O Centro de Investigação (CI) engloba, além do CP, os Centros de Leitura, o Centro de Dados e as biotecas locais e centrais.

O volume de informações buscadas na linha de base por meio de entrevistas e exames levou à divisão dessa etapa em duas fases. Na Fase 1 (duração média de uma hora e meia), que ocorria logo após o recrutamento, um entrevistador informava sobre o estudo visando ao consentimento livre e esclarecido. Em seguida era feita uma entrevista e eram dadas instruções para a realização da Fase 2, que durava de cinco a seis horas. Este artigo descreve a estrutura do CP e a organização operacional das atividades e equipes previstas para a coleta de dados na linha de base.

ESTRUTURA FÍSICA DOS CENTROS DE PESQUISA

Cada um dos seis CPs ELSA montou área de pesquisa própria. Os recursos financeiros para esse fim foram empregados para reforma ou construção de nova área física, muitas vezes de forma integrada a CP dos hospitais universitários envolvidos no projeto e que também fazem parte da Rede Nacional de Pesquisa Clínica. As áreas físicas úteis variam de 214 m2 a 639 m2. A Figura 1 mostra um exemplo de área física para um centro com meta de inclusão de 2.000 participantes.

Figura 1
Planta de um Centro de Pesquisa ELSA, onde foram realizadas as entrevistas e os exames.

As particularidades de cada CI exigiram algumas decisões operacionais centro-específicas. O CI BA, localizado fora do campus da Universidade Federal da Bahia, exigiu contratação de serviço especializado de vigilância 24 horas. Os centros de São Paulo (SP), Minas Gerais (MG) e Rio Grande do Sul (RS) utilizaram estrutura hospitalar para lavagem dos uniformes, limpeza e manutenção da estrutura física (respectivamente: Hospital Universitário, Hospital Borges da Costa e Hospital de Clínicas de Porto Alegre). No Rio de Janeiro, foram utilizados uniformes descartáveis. Em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, foi montado posto avançado para facilitar o recrutamento dos participantes em campi mais distantes. O CP ES utilizou área reformada e construiu nova área física. O CP RS localiza-se em prédio novo de seis andares (Centro de Pesquisa Clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre), o que retardou o início de suas atividades plenas.

A Fase 1, realizada após o recrutamento do voluntário, era iniciada pela leitura do termo de consentimento livre e esclarecido e assinatura, com duração média de dez minutos. Era realizada então uma entrevista padronizada com duração aproximada de 40 minutos. O restante do tempo era dedicado às instruções para as atividades da Fase 2. Especificamente, os sujeitos eram orientados sobre a coleta de urina de 12h e sobre o jejum na noite precedente à visita agendada ao CP. Nesse momento eram também esclarecidas dúvidas, como, por exemplo, suspensão ou não de medicamentos ou sobre as características de alguns exames. Em seguida era feito o agendamento dos participantes. Pessoas com diabetes conhecido ou portadores de necessidades físicas especiais eram prioridade, sendo alocadas nos primeiros horários do estudo.

A Fase 1 foi realizada geralmente no local do trabalho dos voluntários ou em posto avançado em área próxima. No Rio Grande do Sul, a proximidade de dois campi permitiu que a maior parte dos participantes realizasse a Fase 1 no próprio CP (à tarde). Isso também ocorreu em São Paulo, dada a proximidade do CP com várias unidades do campus principal da USP. Em outros CP situados longe do local de trabalho dos participantes, o entrevistador é que se deslocava até o lugar da entrevista.

Foi criado o ELSA-Chama, lembretes telefônicos sobre dia e horário da visita visando maximizar assiduidade e pontualidade, bem como otimizar a preparação para as atividades da Fase 2. Essas ligações ocorriam 48 e/ou 24 horas antes do dia agendado. Nas ligações, eram esclarecidas dúvidas e reforçada a necessidade de trazer consigo os medicamentos e de verificar seu peso ao nascer em registros ou com seus familiares. A maior dificuldade de compreensão foi verificada quanto aos limites do jejum (10h a 14h) e quanto à coleta urinária de 12h (por exemplo, entender que no tempo zero deve-se descartar a urina e no tempo final, deve-se urinar no frasco).

Mesmo com todos esses cuidados, procurou-se agendar um número extra de participantes para garantir um número mínimo de avaliações diárias. O número de contatos por participante para efetivar sua participação no estudo com sua visita ao CP foi limitado a quatro, na suposição de que as faltas representassem eventual perda de interesse em participar do projeto.

ROTINAS NO CENTRO DE PESQUISA ELSA

O Manual de Operações Clínicas, parte do Manual de Operações Geral do projeto, define as atividades desenvolvidas com o participante no CP.

Fluxo de atividades: exames e entrevistas

Inicialmente foi definido um fluxo com a ordenação das atividades a serem realizadas por cada participante, visando manter a padronização entre os CPs. No entanto, devido às necessidades logísticas específicas entre os CIs - por exemplo, enquanto no ES eram avaliados em média quatro participantes por dia, em SP a média era de 16 a 18 por dia - , foi preciso também estabelecer limites para flexibilização do fluxo entre os seis CIs. A Figura 2 mostra um exemplo da organização do fluxo dos participantes para realização dos exames e entrevistas.

Figura 2
Fluxo (ordenação dos exames a serem realizados em cada participante) para 16 participantes no Centro de Investigação São Paulo.

Cada participante era designado para um determinado fluxo, com horário previamente estabelecido de chegada, saída e de tempo de permanência em cada sala para realização dos procedimentos. O fluxo padrão começava pelos exames em jejum: antropometria, medida da pressão arterial sentada e pela coleta de sangue. Participantes sem diagnóstico prévio de diabetes tomavam solução glicosada com 75 g, de acordo com a padronização do teste de tolerância à glicose feita pela Organização Mundial da Saúde.2222. World Health Organization; International Diabetes Federation. Definition and diagnosis of diabetes mellitus and intermediate hyperglycemia: report of a WHO/IDF consultation. Geneva: WHO; 2006.Participantes que informavam ter diabetes recebiam um lanche padronizado.33. Ceriello A. The possible role of postprandial hyperglycaemia in the pathogenesis of diabetic complications. Diabetologia. 2003;46(Suppl.1):M9-16. DOI:10.1007/s00125-002-0931-5
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4. Ceriello A, Quagliaro L, Piconi L, Assaloni R, Da Ros R, Maier A, et al. Effect of postprandial hypertriglyceridemia and hyperglycemia on circulating adhesion molecules and oxidative stress generation and the possible role of simvastatin treatment. Diabetes. 2004;53(3):701-10. DOI:10.2337/diabetes.53.3.701
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- 55. Ceriello A, Davidson J, Hanefeld M, Leiter L, Monnier L, Owens D, et al. Postprandial hyperglycaemia and cardiovascular complications of diabetes: an update. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2006;16(7):453-6. DOI:10.1016/j.numecd.2006.05.006
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, 88. Ebenbichler CF, Kirchmair R, Egger C, Patsch JR. Postprandial state and atherosclerosis. Curr Opin Lipidol. 1995;6(5):286-90. , 1212. Nijpels G, Popp-Snijders C, Kostense PJ, Bouter LM, Heine RJ. Fasting proinsulin and 2-h post-load glucose levels predict the conversion to NIDDM in subjects with impaired glucose tolerance: The Hoorn Study. Diabetologia. 1996;39(1):113-8.Nova coleta de sangue era realizada 120 min após o início da ingestão do lanche ou solução glicosada. A Tabela lista todos os exames e procedimentos realizados nos CP e as referências dos protocolos em que foram baseados. A ordenação dos exames variava para permitir o melhor aproveitamento dos equipamentos e das salas, sempre respeitando os aspectos definidos pela padronização.

Tabela
Procedimentos realizados no dia da visita ao centro de investigação de acordo com a necessidade ou não de jejum.

O questionário foi aplicado em três blocos, em ordenação pré-definida, para permitir intercalar entrevista com exames e assim não cansar o participante. Além disso, definiram-se módulos que não poderiam ser interrompidos para a realização de exames (cognição e saúde mental) e o módulo que não deveria ser aplicado com o participante em jejum (questionário de frequência alimentar). Um exemplo de tais restrições é a coleta de sangue aos 120 minutos, que nunca poderia ser feita durante o módulo de saúde mental ou cognição. Algumas peculiaridades na definição dos fluxos merecem menção. Exames feitos em posição deitado (por exemplo eletrocardiograma, variabilidade da frequência cardíaca e medida da velocidade da onda de pulso) eram integrados em uma sala para que sua realização ocorresse em períodos em que o participante permanecesse deitado (em geral 30 minutos). Exames em jejum (antropometria e medida da pressão arterial) foram integrados em um bloco, em geral na mesma sala. A realização do índice tornozelo-braquial também foi integrada com a manobra postural para medida da pressão arterial na mesma sala.

Ao definir a padronização dos exames, visou-se ao conforto do participante, na medida do possível. Por exemplo, o eletrocardiograma e a variabilidade da frequência cardíaca não foram realizados em jejum. O momento de sua realização foi padronizado para ocorrer após 30 minutos a 60 minutos da ingestão da solução glicosada ou do lanche padrão. Não foi permitido uso de telefone celular durante os exames, mas foram em geral disponibilizados revistas, televisão, internet e alguns fumantes solicitaram pausa para fumar, o que foi permitido após a finalização do teste de tolerância à glicose. Água estava sempre disponível, mas não café ou chá. O fluxo de cada participante ainda levava em conta o conhecimento prévio de condições clínicas do participante (diabetes, necessidades especiais, hábito de fumar, entre outros).

O participante recebia ao final da sua visita os resultados da antropometria e da medida de pressão arterial. Antes de sair, ele ainda preenchia um questionário de satisfação anônimo que quantificava aspectos ligados à qualidade do atendimento no CPI, mas que incluía também um campo aberto para comentários livres; ou conversava com algum membro da equipe, que ouvia sugestões que pudessem aprimorar a realização dos procedimentos.

Situações específicas

Para participantes que relatavam dependência à nicotina ou para aqueles que precisavam sair mais cedo sem completar o fluxo, priorizavam-se os procedimentos definidos como critérios mínimos para participação no estudo: glicemia em jejum, pressão arterial, eletrocardiograma e algumas entrevistas. Nova data era agendada para realização dos exames e entrevistas faltantes. A principal causa de reagendamento foi o não cumprimento do jejum de 10h a 14h. Casos em que o jejum fosse inferior a 10h ou superior a 14h eram remarcados, de preferência na mesma semana.

Intercorrências

O projeto definiu mecanismos para atendimento em caso de intercorrências, que variaram conforme o centro. As intercorrências clínicas mais comuns foram náuseas e vômitos associados à ingestão da solução de glicose, tontura persistente após a manobra postural para medida da pressão arterial, cefaleia, elevação da pressão arterial e ideações suicidas nos últimos sete dias, detectadas durante o questionário de saúde mental. O médico do CP presente avaliava o participante e orientava a equipe, registrando a ocorrência em formulário específico ou no diário de campo. O número de ocorrências graves foi muito pequeno no estudo, com menos de dez casos encaminhados para serviço de emergência. A causa dos encaminhamentos realizados não se associou ao protocolo do estudo e decorreu da detecção de alterações nos resultados dos exames realizados como, por exemplo, alterações ecocardiográficas detectadas em participante assintomático ou de descompensação da doença de base no caso dos diabéticos. Em todos esses casos a equipe do CP providenciou o atendimento e o encaminhamento aos serviços de referência.

Entrega de resultados de exames

O projeto definiu a priori alguns sinais de alerta que exigiriam comunicação do resultado ao participante para busca de atendimento em serviço de saúde. Resultados alterados que indicavam maior gravidade tinham prioridade de devolução. Para exames sem alterações importantes, o participante poderia optar pela devolução no próprio CP, pelo correio ou via internet. O tipo de encaminhamento a serviço de saúde para casos de alertas clínicos poderia ser atendimento na instituição (SP), plano de saúde da instituição (RJ) ou plano de saúde/Sistema Único de Saúde (RS, MG, BA e ES).

A devolução de exames alterados demandou um grande esforço por parte de todos os centros. Houve casos em que foram detectadas doenças graves, como insuficiência cardíaca com fração de ejeção abaixo de 35% e estenose aórtica grave, que exigiram encaminhamento imediato a um serviço de cardiologia. Em todos os centros foram identificados casos novos de hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, doenças da tireoide (hipotireoidismo, hipertireoidismo), neoplasias, pancreatites, anemias e doença de Chagas. A presença de determinadas alterações nos exames de retinografia, ecocardiografia e eletrocardiografia motivou encaminhamento imediato para melhor avaliação por especialista. As alterações mais frequentes ao eletrocardiograma que necessitaram encaminhamento foram fibrilação atrial, arritmias ventriculares e ritmos juncionais, sinais de isquemia aguda ou crônica e presença de áreas eletricamente inativas.

Organização da equipe

O ELSA-Brasil contou com uma equipe treinada, certificada (e periodicamente recertificada) para a realização dos procedimentos e das rotinas do estudo. Supervisores treinados e certificados em nível central treinavam equipes locais, visando garantir uniformidade dos padrões dos procedimentos que eram realizados em todos os CPs. Cada exame adotou critérios mínimos, baseados em estudos internacionais e incluídos nos manuais específicos do ELSA-Brasil, para considerar um aferidor/entrevistador apto para a realização dos exames. Ao longo da coleta de dados, quando houve necessidade de substituir membros da equipe executora, novos treinamentos/certificação foram realizados pelos supervisores. Aspectos relacionados à seleção, treinamento e certificação dos aferidores/entrevistadores do ELSA-Brasil são abordados em artigos específicos deste suplemento.

A composição da equipe para a realização da Fase 2 foi definida pelo protocolo do estudo, mas houve mudanças entre os centros e ao longo da coleta de dados. Algumas equipes eram multifuncionais, isto é, treinadas para realizar a maior parte das atividades previstas. Outras eram treinadas para realizar apenas entrevistas ou, então, apenas exames. Vantagens e desvantagens foram observadas com as duas formas de organização das equipes. Como esperado, membros da equipe conquistaram espaço no mercado de trabalho durante a coleta de dados, o que motivou a perda de parte dos quadros formados e exigiu novos treinamentos. Centros que utilizaram equipe multifuncional realizaram treinamentos progressivos, permitindo a inclusão pronta de novos membros na equipe tão logo uma certificação específica estivesse completada.

As remunerações das equipes eram feitas sob a forma de bolsa de fundações apoiadoras ou do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ou por estágio remunerado de graduação. Todos foram treinados para realizar os procedimentos contemplados no estudo e certificados por provas teóricas e práticas, realização dos vários procedimentos sob observação de um supervisor e análise de um número mínimo de exames pelo Centro de Leitura responsável pela padronização do procedimento no estudo.

Em todos os centros um coordenador ou supervisor de operações clínicas era responsável pelo treinamento, certificação e recertificação da equipe, pela supervisão dos procedimentos e pela organização dos fluxos de todos os participantes. Sua tarefa era que um problema localizado não prejudicasse o fluxo dos demais participantes. Além disso, sempre que algum procedimento atrasasse e o participante ficasse livre, o coordenador adaptava espaços que permitiam privacidade para aplicação do questionário.

Outra figura importante foi a presença de um médico no CP para atendimento de eventuais intercorrências, esclarecimento de dúvidas da equipe em relação à realização de algum procedimento, dúvidas quanto ao encaminhamento dos resultados dos exames, além da própria devolução dos exames. Todas as decisões tomadas pelo médico se baseavam no conteúdo e nas padronizações do Manual de Operações Clínicas, mas sua presença diminuía o estresse da equipe e facilitava decisões. Por exemplo, quando havia dúvida se o participante deveria ou não realizar o teste de tolerância oral a glicose ou quando era necessário o encaminhamento de participantes com resposta positiva a alguns itens do questionário de saúde mental.

Outra logística complexa foi a contratação de ecocardiografistas e de ultrassonografistas para realização dos exames de imagem. Isso porque o salário desses profissionais é alto, muito além do valor permitido para as bolsas disponíveis. Foi acordado entre os centros que os exames de ecocardiografia deveriam ser realizados por médico especializado, dada a complexidade do procedimento. Nos centros de SP e RS, a medida da espessura médio-intimal, do parênquima hepático e da espessura da parede abdominal e pré-peritoneal foram realizadas por tecnólogos com bastante sucesso. Em alguns centros, inicialmente, o ecocardiografista realizava também os demais procedimentos de ultrassonografia. No entanto, após breve período de teste, todos os centros optaram por utilizar profissionais distintos. Outra alternativa utilizada por alguns centros (CI BA, SP e RJ) foi a realização dos exames de ecocardiografia e ultrassonografia em dia ou horário diferente do fluxo principal de exames e entrevistas (à tarde, quando especialistas vinham em horários específicos para realizar exames de vários participantes). Essa estratégia levou a um número maior de faltas, mas viabilizou a inclusão dos referidos exames no projeto. No caso da ecocardiografia, adotaram-se critérios de priorização, como idade acima de 55 anos e pertencer à amostra aleatória da coorte.

COMENTÁRIOS FINAIS

O ELSA-Brasil se diferencia de outros estudos em andamento no País por ser desenvolvido por pesquisadores radicados no Brasil com um financiamento proveniente público e nacional e, portanto, totalmente voltado à realidade brasileira. Devido a essas características, o ELSA-Brasil teve que desenvolver estratégias singulares de implementação de procedimentos e treinamento das equipes com identidade própria aliada a um alto padrão de qualidade. O estudo inova ao mostrar que no Brasil temos condições de realizar um estudo de coorte sem a necessidade de financiamento ou de um protocolo internacional. O mapa de navegação está registrado em manuais específicos, acessíveis a outros pesquisadores que queiram desenvolver projetos semelhantes. Os aspectos relacionados à articulação dos CIs com o Centro de Dados e à aplicação das estratégias de garantia e controle de qualidade do ELSA são abordados em artigos específicos deste suplemento.

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  • Artigo disponível em português e inglês em: www.scielo.br/rsp

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2011
  • Aceito
    11 Set 2012
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br