Resumos
OBJETIVO
: Descrever as refeições realizadas por adultos quanto ao local e tipo de preparação consumido em cidade de médio porte, do sul do Brasil.
MÉTODOS
: Estudo transversal, de base populacional, na cidade de Pelotas, RS, em 2012. A amostragem foi realizada em dois estágios, tendo os setores censitários do Censo Demográfico de 2010 como unidade amostral primária. Foram coletadas informações sobre o local das refeições (em casa ou fora de casa) e sobre o tipo de preparação consumida em casa (comida caseira, lanches, comida de restaurante) nos dois dias prévios à entrevista, utilizando-se questionário padronizado.
RESULTADOS
: Participaram do estudo 2.927 adultos: 59,0% mulheres, 60,0% com idade abaixo de 50 anos e 58,0% estava trabalhando. Foram obtidas informações sobre 11.581 refeições nos dois dias anteriores à entrevista, sendo 25,0% delas realizadas fora de casa, no almoço, e 10,0% no jantar. Quanto às refeições realizadas em casa, a maioria dos participantes referiu ter consumido comida preparada em casa, tanto no almoço quanto no jantar. A maioria das refeições fora de casa (64,0% no almoço e 61,0% no jantar) foram realizadas no local de trabalho, majoritariamente preparadas em casa. As refeições fora de casa foram realizadas principalmente por pessoas do sexo masculino, jovens, com alta escolaridade. Quanto à ocupação, os grupos que tiveram refeições mais frequentemente em restaurantes foram trabalhadores do comércio, empresários, professores e profissionais de nível superior.
CONCLUSÕES
: Apesar das mudanças que vêm sendo registradas nos padrões de alimentação do brasileiro, adultos residentes em cidades de médio porte ainda se alimentam majoritariamente em casa e de comida caseira.
Hábitos Alimentares; Consumo de Alimentos; Comportamento Alimentar; Inquéritos Demográficos; Estudos Transversais
OBJECTIVE
: To describe the meals consumed by adults living in a midsize city in the South of Brazil, according to the place and preparation.
METHODS
: A population-based cross-sectional study was conducted in Pelotas, Southern Brazil, in 2012. The two-stage sampling design used the 2010 census tracts as primary sampling units. Data were collected on the place of meals (at home or out) and on the kind of preparations consumed at home (homemade, snacks, take away food) covering the two days prior to the interview, using a standardized questionnaire.
RESULTS
: The study included 2,927 adults, of which 59.0% were female, 60.0% were below 50 years of age and 58.0% were in work. Data were collected on 11,581 meals consumed on the two days preceding the interview, 25.0% were consumed outside of the home at lunchtime, and 10.0% at dinnertime. Considering home meals, most participants reported eating food prepared at home at both lunch and dinner. The majority of out-of-home meals (64.0% for lunch and 61.0% for dinner) were consumed in the work place, mostly based on food prepared at home. Individuals eating out of home were mostly male, young and highly educated. The occupational categories that ate at restaurants more often were trade workers, businessmen, teachers and graduate professionals.
CONCLUSIONS
: Despite the changes in eating patterns described in Brazil in recent years, residents of medium-sized towns still mostly eat at home, consuming homemade food.
Food Habits; Food Consumption; Feeding Behaviour; Population Surveys; Cross-Sectional Studies
OBJETIVO
: Describir las comidas realizadas por adultos con respecto al local y tipo de preparación consumido en ciudad de porte medio, del sur de Brasil.
MÉTODOS
: Estudio transversal, de base poblacional, en la ciudad de Pelotas, RS – Brasil, en 2002. El muestreo fue realizado en dos fases, considerando los sectores censados por el Censo Demográfico de 2010 como unidad de muestreo primaria. Se colectaron informaciones sobre el lugar de las comidas (en casa o fuera de casa) y sobre el tipo de preparación consumida en casa (comida casera, lanches, comida de restaurante) en los dos días previos a la entrevista, utilizándose cuestionario estandarizado.
RESULTADOS
: Participaron del estudio 2.927 adultos: 59,0% mujeres, 60,0% con edad por debajo de 50 años y 58,0% estaba trabajando Fueron obtenidas informaciones sobre 11.581 comidas en los dos días anteriores a la entrevista, siendo 25,0% de ellas realizadas fuera de casa, en el almuerzo, y 10,0% en la cena. Con respecto a las comidas realizadas en casa, la mayoría de los participantes mencionó haber consumido comida preparada en casa, tanto en el almuerzo como en la cena. La mayoría de las comidas fuera de casa (64,0% en el almuerzo y 61,0% en la cena) fueron realizadas en el lugar de trabajo, mayoritariamente preparadas en casa. Las comidas fuera de casa fueron realizadas principalmente por personas del sexo masculino, jóvenes, con alta escolaridad. Con respecto a la ocupación, los grupos que hicieron comidas más frecuentemente en restaurantes fueron trabajadores del comercio, empresarios, profesores y profesionales de nivel superior.
CONCLUSIONES
: A pesar de los cambios que vienen registrándose en los patrones de alimentación del brasileño, adultos residentes en ciudades de medio porte aún se alimentan mayoritariamente en casa y de comida casera.
Hábitos Alimenticios; Consumo de Alimentos; Conducta Alimentaria; Encuestas Demográficas; Estúdios Transversales
INTRODUÇÃO
As alterações no estilo de vida da população, advindas da globalização e da urbanização, provocaram mudanças nos padrões e comportamentos alimentares. 66 Dave JM, An LC, Jeffery RW, Ahluwalia JS. Relationship of attitudes toward fast food and frequency of fast-food intake in adults. Obesity (Silver Spring). 2009;17(6):1164-70. DOI:10.1038/oby.2009.26
https://doi.org/10.1038/oby.2009.26...
7 Diez Garcia RW. Práticas e comportamento alimentar no meio urbano: um estudo no centro da cidade de São Paulo. Cad Saude Publica. 1997;13(3):455-67. DOI:10.1590/S0102-311X1997000300021
https://doi.org/10.1590/S0102-311X199700... - 88 Diez Garcia RW. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev Nutr. 2003;16(4):483-92. DOI:10.1590/S1415-52732003000400011
https://doi.org/10.1590/S1415-5273200300... , 1313 Ortiz-Hernandez L, Gomez-Tello BL. Food consumption in Mexican adolescents. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):127-35. DOI:10.1590/S1020-49892008000800007
https://doi.org/10.1590/S1020-4989200800... , 1414 Vandevijvere S, Lachat C, Kolsteren P, Van Oyen H. Eating out of home in Belgium: current situation and policy implications. Br J Nutr. 2009;102(6):921-8. DOI:10.1017/S0007114509311745
https://doi.org/10.1017/S000711450931174... A falta de tempo para o preparo e consumo de alimentos estimulou a indústria alimentícia a desenvolver novas técnicas de conservação e de preparo de alimentos, disponibilizando maior variedade de preparações para consumo rápido. 77 Diez Garcia RW. Práticas e comportamento alimentar no meio urbano: um estudo no centro da cidade de São Paulo. Cad Saude Publica. 1997;13(3):455-67. DOI:10.1590/S0102-311X1997000300021
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https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... Além disso, o consumo de alguns alimentos tornou-se globalizado, sendo introduzidos em diferentes contextos culturais e econômicos. 88 Diez Garcia RW. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev Nutr. 2003;16(4):483-92. DOI:10.1590/S1415-52732003000400011
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https://doi.org/10.1017/S136898001000324...
No Brasil, foram observadas mudanças no padrão alimentar dos indivíduos nas últimas décadas, não apenas referente ao aumento no consumo de ultraprocessados, 1111 Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... mas também quanto ao local onde são feitas as refeições e tipos de preparações consumidas.
Nos Estados Unidos, os gastos com alimentação fora de casa em relação aos gastos totais com alimentos aumentaram de 26,0%, em 1970, para 39,0% em 1996, chegando a 42,0% em 2002. aa Lin B-H, Frazão E, Guthrie J. Away-from-home foods increasingly important to quality of American diet. Agric Inform Bull (Washington DC). 1999;(749):1-22. No Brasil, comparando-se os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) entre 2002-2003 e 2008-2009, também observa-se aumento na despesa média mensal com alimentação fora do domicílio (de 24,1% para 31,1%), bb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. especialmente em restaurantes que oferecem refeições rápidas, cujo número também cresceu em adaptação a essa demanda. 44 Bezerra IN, Sichieri R. Characteristics and spending on out-of-home eating in Brazil. Rev Saude Publica. 2010;44(2):221-9. DOI:10.1590/S0034-89102010000200001
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201000... , 55 Bleil SI. O padrão alimentar ocidental: considerações sobre a mudança de hábitos no Brasil. Cad Debate. 1998;6:1-25.
O objetivo do presente estudo foi descrever as refeições realizadas por adultos quanto ao local e tipo de preparação consumida em cidade de médio porte do sul do Brasil.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo transversal descritivo, de base populacional, na cidade de Pelotas, sul do Brasil, no período de fevereiro a junho de 2012. O estudo integrou uma pesquisa sobre a saúde da população de Pelotas, denominada de consórcio de pesquisas. 22 Barros AJD, Menezes AMB, Santos IS. O Mestrado do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da UFPel baseado em consórcio de pesquisa: uma experiência inovadora. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(Supl 1):133-44. DOI:10.1590/S1415-790X2008000500014
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200800... A amostragem foi realizada em dois estágios, tendo os setores censitários do Censo Demográfico de 2010 cc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: famílias e domicílios, resultados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE; 2012. como unidade amostral primária. Os setores foram selecionados com probabilidade proporcional ao tamanho, depois de ordenados por localização geográfica. Dentro de cada setor, selecionou-se um número fixo de domicílios de forma a produzir amostra autoponderada.
Para o cálculo amostral, na falta de estimativas locais, foi considerada uma prevalência de 50,0% de refeições fora de casa, que maximiza o tamanho amostral. Foi utilizado um nível de confiança de 95% e erro aceitável de três pontos percentuais, incluindo-se 10,0% para perdas e recusas e uma correção para efeito de delineamento de 1,5. A amostra mínima necessária estimada foi de 1.759 adultos. Dado que o estudo contemplou outros objetivos que demandavam mais indivíduos, o tamanho amostral final foi 3.120 adultos.
As refeições – almoço e jantar – relatadas pelos entrevistados nos dois dias anteriores à entrevista foram estudadas em relação a dois aspectos: (1) local onde foram realizadas (em casa, restaurante a quilo, restaurante à la carte , lancheria/pizzaria ou local de trabalho); e (2) tipo de alimentos consumidos. Os tipos foram pré-codificados, o que limitou as opções de resposta. Para refeições feitas em casa, os tipos de alimentos registrados foram: preparação feita em casa, lanches preparados em casa, congelados, marmita e lanches comprados prontos. Para refeições fora de casa foram coletadas informações sobre o local, assumindo-se que nestes casos o local também define o tipo de preparação consumida: restaurante a quilo, restaurante à la carte , lancheria, pizzaria, trabalho ou outro local.
Devido à limitação de questões nas entrevistas domiciliares do consórcio de pesquisas, o tipo de preparação consumida no local de trabalho foi investigado em uma subamostra entrevistada por telefone. Essa subamostra foi selecionada de forma sistemática para cada uma das categorias de ocupação. Foram selecionados dez entrevistados de cada categoria, com exceção da categoria de professores, na qual apenas nove indivíduos responderam almoçar no trabalho ou outro local fora de casa, no dia anterior à entrevista. Totalizaram-se, assim, 89 entrevistas telefônicas. Perguntou-se se o entrevistado havia levado comida de casa para o trabalho ou, caso contrário, o local onde a refeição foi realizada e o tipo de preparação.
As variáveis demográficas e socioeconômicas estudadas foram: sexo, idade, escolaridade, nível econômico utilizando-se o Indicador Econômico Nacional (IEN), 11 Barros AJD, Victora CG. A nationwide wealth score based on the 2000 Brazilian demographic census. Rev Saude Publica. 2005;39(4):523-9. DOI:10.1590/S0034-89102005000400002
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200500... baseado em bens domésticos e escolaridade do chefe da família. A classificação de ocupação foi elaborada a partir da Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), dd Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações: estrutura, tábua de conversão e índice de títulos. Brasília (DF); 2002. totalizando nove categorias: (1) não trabalha; (2) empregado doméstico, incluindo empregado em geral, faxineiro, cozinheiro, copeiro, babá, vigia, jardineiro, caseiro; (3) serviços gerais e limpeza de empresa; (4) técnico, serviços, comércio: funcionários públicos, motoristas, supervisores, autônomos; (5) empresários, comerciantes: gerentes, microempresários, executivos, diretoria; (6) serviços industriais, construção civil, carga e descarga de caminhão, serralheiro, operários, pedreiro, pintor, eletricista, marceneiro, soldador, carpinteiro; (7) profissionais de nível superior: nutricionistas, advogados, agrônomos, psicólogos, médicos, entre outros; (8) professores, profissionais de ensino; (9) outros: nesta categoria foram agrupadas as ocupações poucos frequentes, como militares das forças armadas, polícia, bombeiros.
A coleta de dados foi realizada por 30 entrevistadoras treinadas. O treinamento teve carga de 40 horas, incluindo a realização de estudo piloto em um setor censitário que não foi selecionado para compor a amostra do consórcio.
Realizou-se controle de qualidade em 10,0% da amostra, por meio de uma segunda entrevista, incluindo um subconjunto do questionário original. A pergunta referente a este trabalho foi: “tem algum dia da semana em que o(a) sr.(a) normalmente almoça fora de casa?”.
As análises foram realizadas utilizando-se o software Stata 12.1, considerando o desenho amostral. Inicialmente, a amostra foi descrita apresentando-se as frequências absolutas e relativas das características socioeconômicas e demográficas dos entrevistados. O percentual das refeições realizadas fora de casa nos dois dias prévios à entrevista foi estimado para o almoço e jantar, estratificado pelas variáveis independentes analisadas. Utilizou-se o teste exato de Fisher para testar diferenças entre os grupos quanto à proporção de refeições fora de casa, adotando-se um nível de significância de 5%.
A partir da subamostra de indivíduos que estavam trabalhando, entrevistada por telefone, estimou-se percentual total de refeições com preparações levadas de casa para consumo no trabalho. Como foi entrevistado um número fixo de pessoas em cada categoria ocupacional, para obter um valor representativo para a população, calculamos o percentual geral ponderado pelo número de indivíduos na amostra em cada grupo ocupacional investigado.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (OF.77/11). As entrevistas foram realizadas nos domicílios, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
Identificaram-se 3.120 adultos elegíveis para o estudo. Destes, 2.927 foram entrevistados, totalizando-se 9,3% de perdas e recusas. Para a pergunta utilizada no controle de qualidade, encontrou-se um índice Kappa de 0,73 (p < 0,001).
A Tabela 1 apresenta a caracterização dos entrevistados, dos quais 58,9% era do sexo feminino, 59,7% tinha idade inferior a 50 anos e 63,7% tinha escolaridade acima de oito anos de estudo. Em relação à ocupação, 42,2% não trabalhava, grupo que incluiu estudantes e aposentados, além dos desempregados. O grupo ocupacional mais frequente foi composto por técnicos, serviços e comércio (26,6%), que engloba uma grande variedade de funções e, em seguida, o grupo de serviços industriais e construção civil (7,8%), profissionais de nível superior (5,5%) e empregados domésticos (5,1%).
Para cada entrevistado, questionou-se sobre as refeições – almoço e jantar – realizadas nos dois dias prévios à entrevista. Obtiveram-se informações sobre 11.581 refeições, sendo a proporção de almoço e jantar fora de casa de 25,0% e 9,7%, respectivamente (Tabela 2). Identificou-se que os homens, indivíduos na faixa etária de 20 a 29 anos, aqueles com 12 anos ou mais de estudo, bem como os empregados domésticos apresentaram maiores frequências de almoço fora de casa. Para o jantar, observou-se perfil similar de indivíduos que faziam as refeições fora de casa, exceto quanto à ocupação. Os indivíduos profissionais de nível superior, bem como aqueles com outras ocupações, apresentaram maior percentual de jantar fora de casa. As refeições realizadas fora de casa de segunda a sexta-feira ocorreram predominantemente no almoço (25,2%). No sábado e domingo, o jantar fora de casa foi mais frequente (11,5%).
A Figura apresenta a caracterização das refeições em casa e fora de casa conjuntamente, segundo os grupos de ocupação. O almoço em casa foi o mais comum para todos os grupos, dos quais os que não trabalhavam apresentaram a maior proporção de almoço em casa. Os grupos de empregados domésticos, serviços gerais e serviços industriais apresentaram as maiores frequências de almoços realizados no trabalho ou outro local. Os professores, profissionais de nível superior e empresários ou empregados do comércio, por outro lado, apresentam os maiores percentuais de almoço em restaurantes a quilo. Em relação ao jantar, em todas as categorias houve largo predomínio das refeições realizadas em casa, com maior participação de lanches preparados em casa em comparação com o almoço.
Local e tipo de refeições realizadas segundo ocupação. Pelotas, RS, 2012. (almoço: N = 5.791; jantar: N = 5.699)
A Tabela 3 apresenta o tipo de preparação das refeições feitas em casa e local das refeições feitas fora de casa. Quando em casa, foram mais frequentes preparações caseiras tanto no almoço, com 95,6% de comida feita em casa, quanto no jantar com 66,5% de comida e 30,1% de lanches preparados em casa. Observou-se que a maioria das refeições fora de casa foram realizadas no trabalho ou outro local, tanto no almoço (64,3%) quanto no jantar (61,1%). O segundo local que se destacou no almoço foi o restaurante a quilo (28,8%) e no jantar a lancheria ou pizzaria com (23,6%).
Tipo de preparação das refeições feitas em casa e local das refeições feitas fora de casa. Pelotas, RS, 2012.
Em relação à subamostra dos entrevistados que referiram ter almoçado no trabalho ou em outro local, a maioria respondeu que consumia comida levada de casa, com exceção do grupo ocupacional “outros”. Neste grupo, que inclui majoritariamente militares e policiais, todos os entrevistados referiram almoçar em refeitório. Nos outros grupos, a proporção de comida levada de casa variou de 70,0% entre empresários a 100% para os grupos de domésticos, serviços gerais e industriais. A proporção média para todos os grupos ocupacionais foi 91,0% de refeições baseadas em comida levada de casa (dados não apresentados).
Usando esta estimativa de 91,0% de comida caseira consumida nas refeições no local de trabalho, foi possível avaliar o percentual total de refeições relatadas em que se consome preparações feitas em casa. Neste caso houve 96,5% de consumo de comida caseira. Nas refeições feitas fora de casa, o consumo de comida caseira foi de 55,9%. No total das refeições relatadas, estimou-se 89,4% de consumo de comida caseira.
DISCUSSÃO
Em nosso estudo de base populacional, realizado em uma cidade de médio porte do sul do Brasil, identificaram-se elevados percentuais de refeições realizadas em casa, com consumo majoritariamente de preparações feitas em casa. As refeições fora de casa foram realizadas, predominantemente, no trabalho e em restaurante por quilo. Não se observaram diferenças relevantes em termos de dia da semana, mas sim quanto às categorias ocupacionais estudadas.
Os resultados encontrados contrariam a percepção geral de que há importante participação de comida pronta e alimentação fora de casa no dia a dia do brasileiro. Este estudo, realizado em cidade de médio porte, reflete uma realidade que, provavelmente, é muito diferente das capitais ou grandes cidades. No cenário estudado, há maior facilidade de almoçar em casa em função dos tempos menores de deslocamento. Além disso, os relatos apontam a inexistência de refeitórios nas empresas.
Estudos realizados em países desenvolvidos que abordam o consumo de refeições fora de casa, como os de Guthrie 99 Guthrie JF, Lin BH, Frazao E. Role of food prepared away from home in the American diet, 1977-78 versus 1994-96: changes and consequences. J Nutr Educ Behav. 2002;34(3):140-50. DOI:10.1016/S1499-4046(06)60083-3
https://doi.org/10.1016/S1499-4046(06)60... e Kant, 1010 Kant AK, Graubard BI. Eating out in America, 1987-2000: trends and nutritional correlates. Prev Med. 2004;38(2):243-9. DOI:10.1016/j.ypmed.2003.10.004
https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2003.10.... mostraram que, desde a década de 1970, os padrões alimentares destas populações caracterizaram-se pela diminuição no consumo de refeições preparadas em casa e pelo aumento nas refeições fora de casa. Estudo na Bélgica encontrou que 35,0% de indivíduos consomem mais de 25,0% de sua ingestão calórica diária fora de casa. 1414 Vandevijvere S, Lachat C, Kolsteren P, Van Oyen H. Eating out of home in Belgium: current situation and policy implications. Br J Nutr. 2009;102(6):921-8. DOI:10.1017/S0007114509311745
https://doi.org/10.1017/S000711450931174...
Estudos brasileiros também têm mostrado altos percentuais de consumo de alimentos fora de casa, da ordem de 40,0% ee Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. com associação positiva entre comer fora de casa e excesso de peso. 44 Bezerra IN, Sichieri R. Characteristics and spending on out-of-home eating in Brazil. Rev Saude Publica. 2010;44(2):221-9. DOI:10.1590/S0034-89102010000200001
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201000...
Observa-se, no entanto, que apenas 16,0% da energia total consumida é proveniente da alimentação fora de casa. Isso pode ser explicado pelo tipo de alimento consumido com apenas 28,0% das refeições realizadas em restaurantes, independentemente do tipo de refeição consumida – rápida, a quilo ou outros. 33 Bezerra IN, Sichieri R. Eating out of home and obesity: a Brazilian nationwide survey. Public Health Nutr. 2009;12(11):2037-43. DOI:10.1017/S1368980009005710
https://doi.org/10.1017/S136898000900571...
No presente estudo, observou-se que cerca de 90,0% das refeições relatadas nos dois dias prévios à entrevista se baseiam em comida caseira. Este achado se contrapõe à ideia que tem se formado a partir da literatura 33 Bezerra IN, Sichieri R. Eating out of home and obesity: a Brazilian nationwide survey. Public Health Nutr. 2009;12(11):2037-43. DOI:10.1017/S1368980009005710
https://doi.org/10.1017/S136898000900571... de que o aumento de gasto com alimentos comprados prontos e alimentação fora de casa signifique que o consumo de comida pronta ou industrializada seja elevado no Brasil. É inegável que a importância desse tipo de alimento vem crescendo, mas o gasto crescente não implica (não se usa em neste caso) consumo majoritário desse tipo de alimento. Além disso, o preço do alimento pronto para consumo, especialmente o industrializado, é muito alto no Brasil, o que acaba restringindo sua utilização pela maioria da população, mas faz com que do ponto de vista de gasto, o percentual seja muito maior do que o percentual de consumo alimentar. Nosso estudo refere-se aos adultos e as questões foram individualmente aplicadas, garantindo a identificação do consumo individual de refeições e não familiar, como acontece nos estudos de gastos com alimentos. No contexto em estudo, de uma cidade de médio porte e do interior, a comida caseira é predominante na alimentação dos indivíduos.
Mesmo nos Estados Unidos, em que a preparação rápida é bastante adotada, estudo das tendências de comer fora de casa mostrou que o número médio de refeições fora de casa por semana passou de 2,5 para 2,8 entre 1987 e 2000 e que o percentual de indivíduos que faz seis ou mais refeições fora de casa variou de 12,0% a 15,0%,no mesmo período. 1010 Kant AK, Graubard BI. Eating out in America, 1987-2000: trends and nutritional correlates. Prev Med. 2004;38(2):243-9. DOI:10.1016/j.ypmed.2003.10.004
https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2003.10.... A partir dessas informações conclui-se que grande percentual das refeições nos Estados Unidos também é feita em casa, embora não haja informações sobre as preparações consumidas.
Algumas limitações precisam ser consideradas ao interpretar os resultados deste estudo. A maior delas foi a preparação do alimento consumido no local de trabalho não ter sido investigada. Essa informação foi obtida posteriormente, a partir de uma subamostra. Ainda assim, o panorama que se apresenta é inequívoco. A escolha de dois dias anteriores à entrevista privilegiou a capacidade de recordar com precisão o que foi consumido, mas apresenta inconvenientes. Primeiro, o fato de serem dois dias consecutivos, incluindo na maioria dos casos dois dias de trabalho. Segundo, a sexta-feira e o sábado acabaram sub-representados, visto que um menor número de entrevistas foi realizado no domingo. Além disso, verificar os alimentos consumidos individualmente nos dois dias anteriores não explica o consumo de refeições realizadas, mas quando verificada por grupos de pessoas, permite caracterizar as refeições numa semana típica do consumo.
A interpretação dos nossos resultados também precisa levar em conta que apenas as refeições principais (almoço e jantar) foram investigadas. Não se levantou informação sobre lanches, petiscos ou outros alimentos. Essa abordagem com foco no local e tipo de preparo das refeições principais contrasta com a maior parte da literatura disponível, que, usando dados de inquéritos nacionais, se concentra no grupo alimentar e em seu conteúdo calórico. 33 Bezerra IN, Sichieri R. Eating out of home and obesity: a Brazilian nationwide survey. Public Health Nutr. 2009;12(11):2037-43. DOI:10.1017/S1368980009005710
https://doi.org/10.1017/S136898000900571... , 44 Bezerra IN, Sichieri R. Characteristics and spending on out-of-home eating in Brazil. Rev Saude Publica. 2010;44(2):221-9. DOI:10.1590/S0034-89102010000200001
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201000...
Buscamos também avaliar de forma mais detalhada as diferenças por categoria ocupacional, visto que esse é um recorte relevante para o desenho de políticas de saúde. Verificamos que há diferenças importantes, e que os grupos de empregados domésticos, industriais, da construção civil e de serviços gerais – justamente os menos especializados – são os que mais consomem preparações caseiras. Grupos mais especializados e os trabalhadores do comércio, por outro lado, fazem uso de restaurantes a quilo com mais frequência.
Esse conjunto de informações deve servir para orientar novos estudos que aprofundem esse panorama e para não deixar que o eixo de políticas de prevenção da obesidade e de orientação sobre alimentação negligencie o ambiente doméstico e o preparo caseiro de alimentos. Afinal, é nesse contexto que a grande maioria das refeições de adultos está sendo planejada e preparada.
Artigo baseado na tese de mestrado de Carús JP, intitulada: “Caracterização de refeições realizadas em casa e fora de casa por adultos”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Epidemiologiada Universidade Federal de Pelotas, em 2013.
REFERÊNCIAS
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- Estudo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – Bolsa de estudo nível mestrado – PROEX 337/2010).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Fev 2014
Histórico
- Recebido
29 Jan 2013 - Aceito
20 Set 2013