Resumo
OBJETIVO
Analisar a prevalência de anemia e os fatores associados em idosos.
MÉTODOS
Com base no Estudo SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), foram estudados a prevalência e os fatores associados à anemia em idosos. Foram entrevistados 1.256 indivíduos na terceira coleta do Estudo SABE em São Paulo, SP, em 2010, sendo 60,4% do sexo feminino, média de idade de 70,4 anos e escolaridade média de 5,3 anos de estudo. A variável dependente foi presença de anemia (hemoglobina < 12 g/dL para mulheres e < 13 g/dL para homens). Realizou-se análise descritiva e regressão logística hierárquica. As variáveis independentes foram: a) bloco sociodemográfico: sexo, idade, escolaridade; e b) bloco de saúde: relato de doenças crônicas, presença de declínio cognitivo e de sintomas depressivos, índice de massa corporal.
RESULTADOS
A prevalência de anemia foi de 7,7%, tendo sido maior em idosos mais longevos. Não houve diferença entre os sexos, mas a curva de distribuição de hemoglobina das mulheres foi deslocada em direção aos valores mais baixos em relação à curva referente aos homens. Idade mais avançada (OR = 1,07; IC95% 0,57;1,64; p < 0,001), presença de diabetes (OR = 2,30; IC95% 1,33;4,00; p = 0,003), câncer (OR = 2,72; IC95% 1,21;6,11; p = 0,016) e sintomas depressivos (OR = 1,75; IC95% 1,06;2,88; p = 0,028) permaneceram significantes após análise múltipla.
CONCLUSÕES
A prevalência de anemia na população idosa de São Paulo foi de 7,7% e esteve associada principalmente à idade mais avançada e doenças crônicas. A anemia deve ser um marcador importante na investigação de saúde em idosos, por ser facilmente detectada e impactar fortemente na qualidade de vida do idoso.
Idoso; Anemia, epidemiologia; Fatores de Risco; Inquéritos Epidemiológicos; Estudo SABE
INTRODUÇÃO
Anemia é a redução patológica da concentração de hemoglobina circulante, desencadeada por mecanismos fisiopatológicos diversos.2424 . Zakai NA, Katz R, Hirsch C, Shlipak MG, Chaves PHM, Newman AB, et al. A prospective study of anemia status, hemoglobin concentration, and mortality in an elderly cohort: the Cardiovascular Health Study. Arch Intern Med. 2005;165(19):2214-20. DOI:10.1001/archinte.165.19.2214 É a disfunção hematológica mais comumente encontrada em idosos. Begué et al (2004) apontam diferentes prevalências na população idosa em revisão sobre o tema: de 2,9% a 61,0% em homens e de 3,3% a 41,0% em mulheres.44 . Beghé C, Wilson A, Ershler WB. Prevalence and outcomes of anemia in geriatrics: a systematic review of the literature. Am J Med. 2004;116(Suppl 7A):3S-10S. DOI:10.1016/j.amjmed.2003.12.009 Na maioria dos casos, o declínio nos níveis de hemoglobina apresenta-se em torno de 1 g/dL abaixo do limite proposto.1212 . Makipour S, Kanapuru B, Ershler WB. Unexplained anemia in the elderly. Semin Hematol. 2008;45(4):250-4. DOI:10.1053/j.seminhematol.2008.06.003,1616 . Paltiel O, Clarfield AM. Anemia in elderly people: risk marker or risk factor? CMAJ. 2009;181(3-4):129-30. DOI:10.1503/cmaj.091199
A anemia em idosos tem múltiplas etiologias, com 1/3 atribuído a deficiências nutricionais (ferro, folato, vitamina B12) e 1/3 às doenças crônicas (em especial renais) e/ou inflamação. A resposta eritropoiética é inadequada quando existem maiores níveis circulantes de citocinas pró-inflamatórias, e.g., interleucina 6 (IL6). O terço restante permanece sem explicação.1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812,1212 . Makipour S, Kanapuru B, Ershler WB. Unexplained anemia in the elderly. Semin Hematol. 2008;45(4):250-4. DOI:10.1053/j.seminhematol.2008.06.003
A anemia parece ter maior prevalência em idades mais avançadas. Estudo realizado nos Estados Unidos (EUA), analisando dados do Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III), aponta prevalência superior em idosos com idade ≥ 85 anos, especialmente no sexo masculino. A prevalência entre mulheres foi de 8,5% de 65 a 74 anos e 20,1% em > 85 anos; para as mesmas faixas etárias, os homens apresentaram prevalência de 7,8% e 26,1%, respectivamente.1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812
Dados de anemia em idosos no Brasil são escassos. Estudos transversais realizados nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo indicam prevalências entre 4,5% e 11,0%.33 . Barbosa DL, Arruda IKG, Diniz AS. Prevalência e caracterização da anemia em idosos do Programa de Saúde da Família. Rev Bras Hematol Hemoter. 2006;28(4):288-92. DOI:10.1590/S1516-84842006000400014,2020 . Santos IS, Scazufca M, Lotufo PA, Menezes PR, Benseñor IM. Anemia and dementia among the elderly: the São Paulo Ageing & Health Study. Int Psychogeriatr. 2012;24(1):74-81. DOI:10.1017/S1041610211001724,2121 . Silva CLA, Lima-Costa MF, Firmo JOA, Peixoto SV. Nível de hemoglobina entre idosos e sua associação com indicadores do estado nutricional e uso de serviços de saúde: Projeto Bambuí. Cad Saude Publica. 2012;28(11):2085-94. DOI: 10.1590/S0102-311X2012001100008
O objetivo deste estudo foi analisar a prevalência de anemia e fatores associados em idosos.
MÉTODOS
Com base no Estudo SABE1111 . Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. DOI:10.1590/S1415-790X2005000200005 (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), estudo longitudinal iniciado em 2000 com amostra probabilística de 2.143 idosos (≥ 60 anos) residentes em São Paulo, SP, foram estudados a prevalência e os fatores associados da anemia em idosos. A amostra de referência (coorte A) foi obtida por método de amostragem estratificada em dois estágios, com base em setores censitários da cidade. Indivíduos ≥ 75 anos tiveram uma sobreamostra para compensar a maior taxa de mortalidade nessa faixa etária. Detalhes sobre o desenho amostral do estudo inicial estão descritos em publicação anterior.1111 . Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. DOI:10.1590/S1415-790X2005000200005
Em 2006, foi realizada a segunda entrevista com 1.115 participantes. Nova amostra (coorte B; n = 298) de idosos entre 60 e 64 anos foi obtida seguindo o mesmo procedimento da primeira visita, já que essa faixa etária não era representada na primeira coorte.
A terceira visita de seguimento foi realizada entre 2010 e 2011, localizando 748 idosos da amostra inicial e 242 da amostra de 2006. A terceira amostra de idosos entre 60 e 64 anos foi adicionada (coorte C; n = 355).
Quase metade dos indivíduos da coorte inicial não localizados entre o início do estudo e a terceira visita de acompanhamento foi a óbito no período (44,2%). Menor parcela correspondeu a perdas de seguimento, como mudança de cidade, recusa e indivíduos não localizados (20,9%). Os pesos amostrais foram recalculados em 2010, com base no Censo de 2010, para manter a amostra representativa das populações do município. Pesos derivados de estratificação a posteriori foram incorporados aos pesos devidos ao desenho amostral.
A amostra de 2010 teve 1.345 idosos (≥ 60 anos), que representam cerca de 1.338.138 idosos residentes em São Paulo. A amostra final estudada foi formada por 1.256 idosos com informações disponíveis de exames bioquímicos na terceira visita (Figura 1).
O estudo contou com entrevista domiciliar em todas as visitas de seguimento. Cada entrevista foi realizada por um único entrevistador, por meio de um questionário padronizado, que abordou condições de vida e estado de saúde da pessoa idosa, mensuração de dados antropométricos e testes de desempenho físico realizados por nutricionistas treinados.
Coleta e análise de sangue foram incluídas na terceira visita (2010/2011). Os participantes foram orientados a jejuar por 10h a 12h antes da coleta de sangue. Esta foi realizada na residência do idoso, por técnicos de enfermagem treinados, na posição sentada por punção venosa. As concentrações de hemoglobina no sangue foram determinadas por meio de contador eletrônico pelo laboratório do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os participantes receberam cópia dos resultados dos exames realizados. Detalhes sobre a terceira visita de seguimento do estudo SABE podem ser encontrados no estudo de Corona et al.66 . Corona LP, Andrade FCD, Duarte YAO, Lebrão ML. The association of hemoglobin concentration with disability and decreased mobility among older Brazilians. J Nutr Health Aging. 2014;18(3):336-41. DOI:10.1007/s12603-013-0389-9
A anemia foi identificada pela dosagem de hemoglobina sanguínea, utilizando o ponto de corte proposto pela Organização Mundial da Saúde:2424 . Zakai NA, Katz R, Hirsch C, Shlipak MG, Chaves PHM, Newman AB, et al. A prospective study of anemia status, hemoglobin concentration, and mortality in an elderly cohort: the Cardiovascular Health Study. Arch Intern Med. 2005;165(19):2214-20. DOI:10.1001/archinte.165.19.2214 12 g/dL para mulheres e 13 g/dL para homens.
Foram calculados média e erro padrão para as variáveis contínuas e proporções para as variáveis categóricas. Diferenças entre os grupos foram estimadas pelo teste de Wald da igualdade média e o teste de Rao-Scott, que consideram pesos amostrais para as estimativas de população com ponderações populacionais.
Regressão logística hierarquizada foi realizada para analisar fatores associados à presença de anemia. O modelo conceitual partiu do pressuposto de que, apesar de as características sociodemográficas terem influência direta sobre a anemia, precedem a ocorrência de condições crônicas nos idosos. Essas condições podem influenciar de maneira mais proximal a ocorrência da anemia.11 . Alexandre TS, Corona LP, Nunes DP, Santos JLF, Duarte YAO, Lebrão ML. Similarities among factors associated with components of frailty in elderly: SABE Study. J Aging Health. 2014;26(3):441-57. DOI:10.1177/0898264313519818,2626 . Zimmer Z, Martin LG, Nagin DS, Jones BL. Modeling disability trajectories and mortality of the oldest-old in China. Demography. 2012;49(1):291-314. DOI:10.1007/s13524-011-0075-7 Os fatores investigados foram agrupados em dois blocos. O das variáveis sociodemográficas foi incluído primeiro, seguido pelo bloco das variáveis clínicas. As variáveis selecionadas no primeiro bloco foram mantidas no modelo, mesmo que a significância estatística não fosse preservada com a inclusão do subsequente e permaneceram como fatores de ajuste para o bloco proximal. Adotaram-se valores de p ≤ 0,2 nas análises univariadas para a seleção das variáveis destinadas à modelagem. Os blocos foram separados em:
características sociodemográficas (bloco distal): sexo, idade e escolaridade (anos de estudo);
características clínicas (bloco proximal): presença de doenças crônicas autorreferidas (hipertensão, diabetes, doença cardiovascular, acidente vascular encefálico, osteoporose e câncer), triagem positiva para sintomas depressivos, declínio cognitivo e índice de massa corporal (kg/m2). A presença de sintomas depressivos foi avaliada utilizando a versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica, com pontuação ≥ 6 para triagem positiva.1818 . Paradela EMP, Lourenço RA, Veras RP. Validation of geriatric depression scale in a general outpatient clinic. Rev Saude Publica. 2005;39(6):918-23. DOI:10.1590/S0034-89102005000600008 A triagem para declínio cognitivo foi realizada usando a versão modificada do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), validada para o Estudo SABE. Essa medida conta com 13 itens (pontuação máxima de 19 pontos) menos dependentes da escolaridade e o ponto de corte utilizado para triagem positiva é de 12 ou menos.1111 . Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. DOI:10.1590/S1415-790X2005000200005
“Modelo parcial” foi considerado o ajustado pelas variáveis sociodemográficas e “modelo final” o ajustado pelos dois blocos de variáveis. Considerou-se que a identificação de associação estatisticamente significativa (p < 0,05) entre determinada variável em estudo e o desfecho em questão, após ajuste para as potenciais variáveis do mesmo bloco e dos blocos hierárquicos superiores, indicaria a existência de efeito independente, próprio à referida variável.
As variáveis incluídas nas análises foram coletadas na terceira visita. A análise dos dados foi realizada utilizando o pacote Stata® versão 11. Os pesos amostrais foram aplicados em todas as análises.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Processo 2.044 de 2010). A participação foi voluntária e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
Cerca de 60,4% dos idosos estudados eram do sexo feminino, com média de idade de 70,4 anos e escolaridade média de 5,3 anos de estudo. A anemia foi identificada em 7,7% da população estudada (7,3% nos homens e 7,9% nas mulheres) (Tabela 1).
Houve maior prevalência com o avançar da idade, em idosos menos escolarizados, com triagem positiva para declínio cognitivo, que referiram diagnóstico prévio de hipertensão arterial, diabetes, câncer, doença cardiovascular, acidente vascular encefálico/embolia, osteoporose, com três ou mais doenças crônicas e com sintomas depressivos. Não houve diferença estatisticamente em relação ao estado nutricional.
Apesar de não haver diferença na prevalência entre os sexos, a distribuição dos valores de hemoglobina apresentou diferenças importantes entre homens e mulheres. A curva de distribuição desses valores entre as mulheres ficou mais à esquerda, em direção aos valores mais baixos, e deslocou-se mais à direita entre os homens (Figura 2).
A distribuição dos valores de hemoglobina em relação às faixas etárias apresentou curvas dos idosos mais jovens (de 60 a 69 anos e 70 a 79 anos) próximas e curva dos idosos ≥ 80 anos mais deslocada para a esquerda, em direção aos valores mais baixos (Figura 3).
Distribuição da hemoglobina em idosos segundo faixa etária. Estudo SABE, São Paulo, SP, 2010.
A idade permaneceu significativa após inserção do primeiro bloco de variáveis no modelo de regressão logística hierarquizada. Idade, presença de diabetes, sintomas depressivos e câncer permaneceram estatisticamente significantes ao se incluírem as variáveis de saúde no modelo final (Tabela 2).
Fatores associados à presença de anemia em idosos no modelo de regressão logística hierárquica. Estudo SABE, São Paulo, SP, 2010.
DISCUSSÃO
A prevalência de anemia na população idosa de São Paulo foi de 7,7%, ligeiramente inferior à de países desenvolvidos, como nos Estados Unidos (10,6%).1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812 Em revisão sistemática realizada por Gaskell et al88 . Gaskell H, Derry S, Moore RA, McQuay HJ. Prevalence of anaemia in older persons: systematic review. BMC Geriatr. 2008;8:1. DOI:10.1186/1471-2318-8-1 (2008), a prevalência média de anemia em idosos da comunidade foi de 12,0%. Esse estudo incluiu idosos mais velhos (a partir de 65 anos), o que poderia explicar prevalências mais altas. Os escassos estudos brasileiros mostram prevalências diferentes desses resultados: entre 4,5% em Bambuí, MG, e 10,0% a 11,0% em São Paulo e Camaragibe, PE.33 . Barbosa DL, Arruda IKG, Diniz AS. Prevalência e caracterização da anemia em idosos do Programa de Saúde da Família. Rev Bras Hematol Hemoter. 2006;28(4):288-92. DOI:10.1590/S1516-84842006000400014,2020 . Santos IS, Scazufca M, Lotufo PA, Menezes PR, Benseñor IM. Anemia and dementia among the elderly: the São Paulo Ageing & Health Study. Int Psychogeriatr. 2012;24(1):74-81. DOI:10.1017/S1041610211001724,2121 . Silva CLA, Lima-Costa MF, Firmo JOA, Peixoto SV. Nível de hemoglobina entre idosos e sua associação com indicadores do estado nutricional e uso de serviços de saúde: Projeto Bambuí. Cad Saude Publica. 2012;28(11):2085-94. DOI: 10.1590/S0102-311X2012001100008
Essas diferenças provavelmente devem-se às diferenças das populações estudadas. A baixa prevalência em Bambuí2121 . Silva CLA, Lima-Costa MF, Firmo JOA, Peixoto SV. Nível de hemoglobina entre idosos e sua associação com indicadores do estado nutricional e uso de serviços de saúde: Projeto Bambuí. Cad Saude Publica. 2012;28(11):2085-94. DOI: 10.1590/S0102-311X2012001100008 pode ser devida à população bastante engajada com o acompanhamento de saúde da coorte. Isso favorece melhores controle de saúde e condições gerais dessa população. O estudo de Camaragibe33 . Barbosa DL, Arruda IKG, Diniz AS. Prevalência e caracterização da anemia em idosos do Programa de Saúde da Família. Rev Bras Hematol Hemoter. 2006;28(4):288-92. DOI:10.1590/S1516-84842006000400014 abrangeu uma população da região Nordeste do Brasil, conhecidamente menos escolarizada e com menor acesso à saúde, além de apresentar maior exposição à insegurança alimentar.99 . Gubert MB, Benício MHD’A, Santos LMP. Estimativas de insegurança alimentar grave nos municípios brasileiros. Cad Saude Publica. 2010;26(8):1595-605. DOI:10.1590/S0102-311X2010000800013,1919 . Salvato MA, Ferreira PCG, Duarte AJM’A. O impacto da escolaridade sobre a distribuição de renda. Estud Econ (São Paulo). 2010;40(4):753-91. DOI:10.1590/S0101-41612010000400001,2222 . Travassos C, Oliveira EXG, Viacava F. Desigualdades geográficas e sociais no acesso aos serviços de saúde no Brasil: 1998 e 2003. Cienc Saude Coletiva. 2006:11(4):975-86. DOI:10.1590/S1413-81232006000400019 A população de Camaragipe parece ter perfil sociodemográfico equivalente à população de São Paulo,2020 . Santos IS, Scazufca M, Lotufo PA, Menezes PR, Benseñor IM. Anemia and dementia among the elderly: the São Paulo Ageing & Health Study. Int Psychogeriatr. 2012;24(1):74-81. DOI:10.1017/S1041610211001724 com prevalência semelhante. Isso porque o referido estudo,2020 . Santos IS, Scazufca M, Lotufo PA, Menezes PR, Benseñor IM. Anemia and dementia among the elderly: the São Paulo Ageing & Health Study. Int Psychogeriatr. 2012;24(1):74-81. DOI:10.1017/S1041610211001724 apesar de realizado na cidade de São Paulo, com maior escolaridade média e mais acesso a serviços de saúde, abrangeu bairros de baixa condição sociodemográfica na região do Butantã e incluiu idosos mais velhos (≥ 65 anos). O presente estudo, desenvolvido com idosos residentes em São Paulo, cidade de grande porte, utiliza amostra probabilística representativa da população. Apesar de disponibilizar maior oferta de serviços de saúde do que municípios menores, São Paulo conta com idosos de todos os níveis sociodemográficos e diferentes níveis de acesso a esses serviços.
A proporção de anêmicos não diferiu entre homens e mulheres. Isso porque as perdas menstruais cessam em mulheres idosas, tornando o risco de anemia igual para ambos os sexos. Na população dos EUA, e.g., a prevalência da anemia entre adultos é mais elevada em mulheres do que em homens, mas, entre 65 e 74 anos, a prevalência é similar.1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812 Diversos autores discutem se é razoável manter pontos de corte mais baixos em mulheres mesmo vários anos após a menopausa, visto que valores de hemoglobina entre 12 g/dL e 13 g/dL são preditivos de consequências adversas.55 . Chaves PH, Semba RD, Leng SX, Woodman RC, Ferrucci L, Guralnik JM, et al. Impact of anemia and cardiovascular disease on frailty status of community-dwelling older women: The Women’s Health and Aging Studies I and II. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2005;60(6):729-35. DOI:10.1093/gerona/60.6.729,1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812,2525 . World Health Organization. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control: a guide for programme managers. Geneva; 2001.
A prevalência de anemia foi maior em idosos mais longevos, corroborando o achado de Guralnik et al1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812 (2004). Cerca de 8,0% dos idosos jovens (entre 65 e 74 anos) e entre 20,0% e 26,0% dos idosos ≥ 85 anos eram anêmicos nos EUA, em 2004, em contraste com nossos resultados, com prevalência de cerca de 17,0% para idosos ≥ 80 anos.
Alguns mecanismos podem explicar a maior prevalência de anemia quanto maior a idade. O primeiro deles é o aumento da demanda de eritropoietina (EPO) – em idosos saudáveis, parece haver acréscimo dos níveis de EPO para satisfazer esse aumento na necessidade; em outros, a capacidade de produção hormonal dos rins está diminuída, desencadeando o processo anêmico. Adicionalmente, o envelhecimento associa-se à elevada expressão de citocinas pró-inflamatórias, podendo contribuir para a insensibilidade à EPO. Assim, a variação genética da expressão dessas citocinas pode influenciar o desenvolvimento de anemia em pacientes idosos por meio de indução da expressão de hepcidina (anemia por inflamação) e pela supressão de citocinas de formação de colônias eritroides.2323 . Vanasse GJ, Berliner N. Anemia in elderly patients: an emerging problem for the 21st century. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2010;2010:271-5. DOI:10.1182/asheducation-2010.1.271
Somente a idade permanece significativamente associada à anemia no primeiro bloco no modelo hierárquico de regressão múltipla. A idade continua significante com a inclusão do bloco de saúde, o que mostra efeito independente, mesmo após o controle das principais doenças associadas à anemia.
Presença de diabetes, sintomas depressivos e câncer permaneceram significantemente associados à anemia.
Diabetes é uma das principais causas da insuficiência renal crônica. Mesmo em estágios subclínicos, é responsável por considerável parcela dos casos de anemia em idosos, por diminuir a secreção de eritropoetina.77 . El-Achkar TM, Ohmit SE, McCullough PA, Crook ED, Brown WW, Grimm R, et al. Higher prevalence of anemia with diabetes mellitus in moderate kidney insufficiency: The Kidney Early Evaluation Program. Kidney Int. 2005;67(4):1483-8. DOI:10.1111/j.1523-1755.2005.00226.x,1313 . Mehdi U, Toto RD. Anemia, diabetes, and chronic kidney disease. Diabetes Care. 2009;32(7):1320-6. DOI:10.2337/dc08-0779 Cerca de 12,0% dos casos de anemia são associados à doença renal nos EUA.1010 . Guralnik JM, Eisenstaedt RS, Ferrucci L, Klein HG, Woodman RC. Prevalence of anemia in persons 65 years and older in the United States: evidence for a high rate of unexplained anemia. Blood. 2004;104(8):2263-8. DOI:10.1182/blood-2004-05-1812
A presença de câncer é fator de risco importante para anemia, sobretudo quando presente no aparelho digestivo, pois provoca sangramento intermitente (geralmente imperceptível) e leva o idoso à anemia.22 . Balducci L. Anemia, cancer, and aging. Cancer Control. 2003;10(6):478-86. Outro mecanismo é a menor resposta à eritropoetina, principalmente durante tratamento quimioterápico.1414 . Miller CB, Jones RJ, Piantadosi S, Abeloff MD, Spivak JL. Decreased erythropoietin response in patients with the anemia of cancer. N Engl J Med. 1990;322(24):1689-92. DOI:10.1056/NEJM199006143222401
A associação entre depressão e anemia é explorada em idosos, e essa associação tem duas possíveis direções de causalidade: a anemia pode levar à depressão, mas também pode ser consequência dela Pode levar à depressão por deficiência de vitaminas como folato e vitamina B12, que diminuem a produção de S-adenosilmetionina, ou pode aumentar a produção de homocisteína. S-adenosilmetionina é cofator da síntese de neurotransmissores, incluindo a serotonina, e o acúmulo de homocisteína pode produzir efeito nos receptores do sistema nervoso central.1717 . Pan WH, Chang YP, Yeh WT, Guei YS, Lin BF, Wei IL, et al. Co-occurrence of anemia, marginal vitamin B6, and folate status and depressive symptoms in older adults. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2012;25(3):170-8. DOI:10.1177/0891988712458365 Onder et al,1515 . Onder G, Penninx BW, Cesari M, Bandinelli S, Lauretani F, Bartali B, et al. Anemia is associated with depression in older adults: results from the InCHIANTI study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2005;60(9):1168-72. DOI:10.1093/gerona/60.9.1168 em estudo italiano, encontraram associação entre depressão e risco significativamente aumentado de anemia (OR = 1,93). Esse reaultado foi persistente mesmo após exclusão de deficiência de vitamina B12 e de participantes com comorbidades relevantes.1515 . Onder G, Penninx BW, Cesari M, Bandinelli S, Lauretani F, Bartali B, et al. Anemia is associated with depression in older adults: results from the InCHIANTI study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2005;60(9):1168-72. DOI:10.1093/gerona/60.9.1168 Segundo estudo realizado em Taiwan, anemia e deficiência marginal de B6 associaram-se significativamente com a presença de sintomas de depressão, assim como a coexistência de anemia com baixo nível de vitamina B6 ou folato.1717 . Pan WH, Chang YP, Yeh WT, Guei YS, Lin BF, Wei IL, et al. Co-occurrence of anemia, marginal vitamin B6, and folate status and depressive symptoms in older adults. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2012;25(3):170-8. DOI:10.1177/0891988712458365
A depressão também pode ter papel no desenvolvimento da anemia. A fadiga e a falta de interesse na realização das atividades de vida diária (como fazer compras, cozinhar e outras), sintomas depressivos comuns, podem afetar a qualidade da alimentação dos idosos, facilitando o desenvolvimento de anemia. A má nutrição é característica comum em indivíduos deprimidos.1515 . Onder G, Penninx BW, Cesari M, Bandinelli S, Lauretani F, Bartali B, et al. Anemia is associated with depression in older adults: results from the InCHIANTI study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2005;60(9):1168-72. DOI:10.1093/gerona/60.9.1168
Este estudo apresenta algumas limitações. Não é possível determinar a direção das associações por tratar-se de uma análise transversal. Além disso, não há dados de outros marcadores biológicos que poderiam ser importantes na determinação das causas da anemia, principalmente interleucina-6, folato e vitamina B12.
Profissionais de saúde devem concentrar esforços para detectar e tratar a anemia em idosos, principalmente quando está associada com outras condições de saúde, como diabetes, câncer e depressão. A anemia é facilmente detectada e impacta fortemente a saúde dos idosos. Sua reversão pode ter papel importante na melhora da qualidade de vida dessa população.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Out 2014
Histórico
- Recebido
10 Jul 2013 - Aceito
21 Mar 2014