Proposta de versão curta da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar

Leonardo Pozza dos Santos Ivana Loraine Lindemann Janaína Vieira dos Santos Motta Gicele Mintem Eliana Bender Denise Petrucci Gigante Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

: Propor versão curta da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. Foram analisados dois estudos constituídos por amostra de 230 famílias de baixa renda, de Pelotas, RS, e de 15.575 mulheres com base nos dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, de 2006.

MÉTODOS

: Foram utilizadas duas amostras para testar os resultados obtidos nas análises em dois cenários distintos. Um dos estudos foi composto por 230 famílias de baixa renda, de Pelotas, RS, e o outro, por 15.575 mulheres, cujos dados foram obtidos na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2006. Foram testados dois modelos, o primeiro contendo sete questões e o segundo as cinco consideradas mais relevantes na análise de concordância. Os modelos foram comparados à Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, calculando-se os parâmetros de sensibilidade, especificidade e acurácia e o teste de concordância de kappa.

RESULTADOS

: Comparando as prevalências de insegurança alimentar entre a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e os dois modelos, as diferenças ficaram em torno de dois pontos percentuais. Na análise de sensibilidade, a versão curta de sete questões obteve 97,8% e 99,5% na amostra de Pelotas e da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, respectivamente, enquanto a especificidade foi de 100% em ambos os estudos. O modelo de cinco questões mostrou resultados semelhantes (sensibilidade de 95,7% e 99,5% na amostra de Pelotas e da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, respectivamente). A versão de sete questões apresentou teste de kappa de 97,0% e a versão de cinco questões, de 95,0%, na amostra de Pelotas. Já na amostra da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, os dois modelos apresentaram kappa de 99,0%.

CONCLUSÕES

: Sugere-se o modelo com cinco questões para ser utilizado como versão curta da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, visto que apresentou resultados semelhantes à escala original com menor número de questões. É necessário que essa versão seja aplicada em outras populações do Brasil, de forma a permitir adequada avaliação dos parâmetros de validade.

Segurança Alimentar e Nutricional; Escalas. Questionários, utilização; Estudos de Validação


INTRODUÇÃO

Realizar o direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais é conhecido como segurança alimentar.aa Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Brasília (DF); 2006. Artigo 3. [citado 2014 jul 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Lei/L11346.htm Os graus de insegurança alimentar variam desde preocupação e angústia pela incerteza de dispor regularmente de comida até a falta de alimento.aa Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Brasília (DF); 2006. Artigo 3. [citado 2014 jul 6]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Lei/L11346.htm,bb Bickel GW, Nord M, Price C, Hamilton W, Cook J. Measuring food security in the United States: guide to measuring household food security. Rev. ed. Alexandria: U. S. Department of Agriculture; 2000 [citado 2014 jul 7]. Disponível em: http://www.fns.usda.gov/fsec/files/fsguide.pdf

Nos anos 1990, foi desenvolvido nos Estados Unidos um instrumento que avalia insegurança alimentar,7. Kendall A, Olson CM, Frongillo Jr EA. Validation of the Radimer/Cornell measures of hunger and food insecurity. J Nutr. 1995;125(11):2793-801. posteriormente modificado e adaptado em diversos países.1. Albert PL, Sanjur D. La adaptacion y validación de una escala de seguridad alimentaria en una comunidad de Caracas, Venezuela. Arch Latinoam Nutr. 2000;50(4):334-40.,2. Alvarez MC, Estrada A, Montoya EC, Melgar-Quiñónez H. Validación de escala de la seguridad alimentaria doméstica en Antioquia, Colombia. Salud Publica Mex. 2006;48(6):474-81. DOI:10.1590/S0036-36342006000600005,6. Harrison GG, Stormer A, Herman DR, Winham DM. Development of a Spanish-language version of the U.S. household food security survey module. J Nutr. 2003;133(4):1192-7.,8. Melgar-Quiñonez H, Zubieta AC, Valdez E, Whitelaw B, Kaiser L. Validación de un instrumento para vigilar la inseguridad alimentaria en la Sierra de Manantlán, Jalisco. Salud Publica Mex. 2005;47(6):413-22. DOI:10.1590/S0036-36342005000600005 Para auxiliar pesquisas de menor duração e/ou recurso financeiro, Blumberg et al desenvolveram escala com seis questões, baseada na versão original norte-americana.4. Blumberg SJ, Bialostosky K, Hamilton WL, Briefel RR. The effectiveness of a short form of the Household Food Security Scale. Am J Public Health. 1999;89(8):1231-4.

O Brasil também possui adaptação da escala, conhecida como Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), devidamente validada para a população e amplamente utilizada.3. Antunes MML, Sichieri R, Salles-Costa R. Consumo alimentar de crianças de três anos residentes em área de alta prevalência de insegurança alimentar domiciliar. Cad Saude Publica. 2010;26(8):1642-50. DOI:10.1590/S0102-311X2010000800017,9. Panigassi G, Segall-Corrêa AM, Marin-León L, Pérez-Escamilla R, Sampaio MFA, Maranha LK. Insegurança alimentar como indicador de iniquidade: análise de inquérito populacional. Cad Saude Publica. 2008;24(10):2376-84. DOI:10.1590/S0102-311X2008001000018,1616 . Velásquez-Melendez G, Schlüssel MM, Brito AS, Silva AAM, Lopes-Filho JD, Kac G. Mild but not light or severe food insecurity is associated with obesity among Brazilian women. J Nutr. 2011;141(5):898-902. DOI:10.3945/jn.110.135046. Entretanto, alguns inquéritos não utilizam a EBIA devido ao grande número de questões e ao custo para aplicá-las. Estudos nacionais se propuseram a utilizar a escala americana de seis questões para verificar a situação de insegurança alimentar,1111 . Santos JV, Gigante DP, Domingues MR. Prevalência de insegurança alimentar em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, e estado nutricional de indivíduos que vivem nessa condição. Cad Saude Publica. 2010;26(1):41-9. DOI:10.1590/S0102-311X2010000100005,1212 . Santos LMP, Carneiro FF, Hoefel MGL, Santos W, Nogueira TQ. The precarious livelihood in waste dumps: a report on food insecurity and hunger among recyclable waste collectors. Rev Nutr. 2013;26(3):323-34. DOI:10.1590/S1415-52732013000300007 mas estudo realizado em Pelotas verificou que não há concordância adequada entre a EBIA e essa escala.1313 . Santos LP, Costa MG, Santos JV, Lindemann IL, Gigante DP. Comparação entre duas escalas de segurança alimentar. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(1):279-86. DOI:10.1590/1413-81232014191.2058

O objetivo do presente estudo foi propor versão curta da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar.

MÉTODOS

Foram utilizadas duas amostras. A primeira foi composta por 230 famílias de baixa renda, residentes na cidade de Pelotas, RS, e a segunda, por 15.575 mulheres de 15 a 49 anos, em idade fértil, cujos dados foram obtidos da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 2006.cc Ministério da Saúde, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. Brasília (DF); 2008. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/img/relatorio_final_pnds2006.pdf

A amostra de Pelotas faz parte de um estudo transversal realizado entre abril e outubro de 2011 na área de abrangência da Unidade de Saúde da Família (USF) de um bairro situado na periferia da cidade.19 Esse estudo objetivou validar a versão curta da escala de insegurança alimentar proposta por Bickel et albb Bickel GW, Nord M, Price C, Hamilton W, Cook J. Measuring food security in the United States: guide to measuring household food security. Rev. ed. Alexandria: U. S. Department of Agriculture; 2000 [citado 2014 jul 7]. Disponível em: http://www.fns.usda.gov/fsec/files/fsguide.pdf (2000) e teve como público-alvo as famílias residentes naquela localidade. A segunda amostra (PNDS) analisou a saúde materno-infantil de mulheres em idade reprodutiva e crianças < 5 anos. Informações complementares da metodologia podem ser obtidas nos citados estudos.1313 . Santos LP, Costa MG, Santos JV, Lindemann IL, Gigante DP. Comparação entre duas escalas de segurança alimentar. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(1):279-86. DOI:10.1590/1413-81232014191.2058,cc Ministério da Saúde, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. Brasília (DF); 2008. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/img/relatorio_final_pnds2006.pdf

As duas amostras foram utilizadas para testar os resultados da análise em diferentes cenários, tornando mais robustas as conclusões. Em ambas as amostras aplicou-se a EBIA ao responsável pela alimentação no domicílio. As questões referiam-se ao período de três meses antecedentes à entrevista. Para cada resposta afirmativa, atribuiu-se o valor “1”. A escala aplicada na PNDS diferiu da EBIA original quanto ao número de questões, sendo 16 na PNDS e 15 na original. Isso não influenciou a análise, pois essa mudança originou-se do desdobramento da questão 5 em duas perguntas, posteriormente reagrupadas na análise.

Em ambos os estudos, para classificação da segurança/insegurança alimentar, calculou-se escore considerando o número de respostas positivas em cada item da escala, de acordo com a composição etária do domicílio. Apenas oito questões aplicavam-se a domicílios sem indivíduos < 18 anos. Portanto, a pontuação máxima atingida seria oito. Para domicílios com indivíduos < 18 anos, aplicava-se o questionário completo, com o máximo de 15 pontos. Esse critério de pontuação e ponto de corte da EBIA permite a divisão em quatro categorias e três níveis de intensidade – segurança alimentar (SA), insegurança alimentar leve, moderada e grave –, arbitrados segundo presença ou ausência de indivíduos < 18 anos no domicílio.

Uma vez que a versão curta proposta deverá servir como rastreador de insegurança alimentar entre as famílias e funcionar da mesma forma para domicílios com e sem indivíduos < 18 anos, as questões da escala referentes a essa faixa etária foram excluídas da escala proposta. Na última Oficina Técnica para Análise da Escala de Medida Domiciliar da Insegurança Alimentar,dd Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Relatório da Oficina Técnica para Análise da Escala de Medida Domiciliar da Insegurança Alimentar. Brasília (DF); 2010. (Nota Técnica, 128). aprovou-se a exclusão da associação entre perda de peso e insegurança alimentar e de um item repetitivo, a questão 9.

Após essas exclusões, restaram sete questões da escala original, a partir das quais testaram-se dois modelos de escala curta para avaliação de insegurança alimentar. O primeiro continha as sete questões (Tabela 1A).

Tabela 1
Propostas de uma escala de insegurança alimentar, versão reduzida da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. Pelotas, RS, 2013.

Para a construção do segundo modelo foi realizada uma análise de concordância com a escala completa, i.e., foram observadas quais questões apresentavam maior proporção de respostas positivas dentre as famílias com insegurança alimentar. Após análise, o segundo modelo foi composto pelas cinco questões consideradas mais relevantes quanto à concordância com a escala completa (Tabela 1B).

Para testar os modelos propostos com a versão completa da EBIA, inicialmente analisou-se a concordância de respostas positivas de famílias com insegurança alimentar, em cada questão remanescente, para detectar as questões mais relevantes na identificação da insegurança alimentar. Posteriormente, os modelos (de sete e cinco questões) foram comparados à EBIA, considerada padrão-ouro. Foram calculadas: sensibilidade – proporção de indivíduos com insegurança alimentar, por meio da EBIA, com resultado positivo nas versões curtas –, especificidade – proporção de indivíduos sem insegurança alimentar e com resultado negativo nas versões curtas – e acurácia – probabilidade de o modelo proposto estar de acordo com o padrão-ouro para todos os indivíduos estudados. Adicionalmente, foi realizado teste de concordância (índice kappa).5. Fletcher RH, Fletcher SW. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 4.ed. Porto Alegre: ArtMed; 2006.

As análises foram conduzidas no programa Stata, versão 12.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Devido ao banco da PNDS apresentar um desenho amostral complexo, todas as estimativas foram ponderadas, considerando o efeito do delineamento, bem como a calibração segundo estimativas da população brasileira, por meio do comando “svy”.

RESULTADOS

Na amostra de Pelotas, 58,3% dos chefes dos domicílios entrevistados eram do sexo masculino. Menos de 20,0% tinha nove ou mais anos de estudo e quase 75,0% apresentava idade inferior a 60 anos. Já na amostra da PNDS, quase metade vivia no Sudeste do País e cerca de 40,0% tinha nove ou mais anos de estudo. Quanto à insegurança alimentar medida pela EBIA, observou-se prevalência de mais de 60,0% na primeira amostra e aproximadamente 40,0% na amostra da PNDS. A Figura A mostra as questões com maior número de respostas positivas em famílias com insegurança alimentar (questões 1, 2, 3, 5 e 6). Ao fazer essa análise no banco de dados da PNDS obteve-se o mesmo resultado (Figura B). Com base nesses resultados, chegou-se à versão de cinco questões composta pelas questões 1, 2, 3, 5 e 6 da EBIA. A Tabela 1 mostra a versão curta proposta baseada em sete questões da EBIA (A) e a versão curta baseada em cinco questões (B).

Figura
Percentual de respostas positivas em famílias com insegurança alimentar nas questõesa que permaneceram para a proposta de uma versão curta baseada na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar; (A) amostra de Pelotas, (B) amostra da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, 2006. Pelotas, RS, 2013.

Ao comparar as prevalências de insegurança alimentar encontradas utilizando-se os dois modelos propostos com a EBIA, observou-se que, enquanto a escala completa encontrou prevalência de cerca de 60,0% na amostra de Pelotas, a versão curta com sete questões mostrou prevalência de 59,0% e a de cinco questões, 58,0%. Na amostra da PNDS foram encontradas prevalências de 39,0% pela escala completa, 38,8% pela de sete questões e 38,1% pela versão de cinco questões (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de insegurança alimentar de acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e com ambas as propostas de versão curta em duas amostras. Pelotas, RS, 2013.

Na análise de sensibilidade e especificidade, a versão curta de sete questões apresentou resultados excelentes ao se considerar o mesmo ponto de corte adotado pela EBIA para classificar insegurança alimentar (uma resposta positiva ou mais). A sensibilidade ficou próxima de 98,0% para a amostra de Pelotas e quase 100% para a PNDS. Além disso, o resultado com maior acurácia é o de ponto de corte igual a “1”, classificando corretamente quase 100% dos indivíduos em ambas as amostras (Tabela 3).

Tabela 3
Sensibilidade e especificidade da versão curta da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, com sete questões.a Pelotas, RS, 2013.

Resultados semelhantes foram encontrados para o modelo proposto com cinco questões. O ponto de corte com melhores resultados foi, novamente, o mesmo preconizado pela versão tradicional. Ademais, constatou-se que, para a amostra de Pelotas e da PNDS, a sensibilidade foi de 95,7% e 98,1%, respectivamente, tendo sido em ambas a especificidade de 100%. Mais uma vez, para esse ponto de corte, a acurácia foi muito alta: 97,0% para a amostra de Pelotas e próximo de 100% para a amostra da PNDS (Tabela 4).

Tabela 4
Sensibilidade e especificidade da versão curta da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, com cinco questões.a Pelotas, RS, 2013.

Na análise da estatística kappa, ambos os modelos propostos apresentaram alta concordância com a versão completa da escala de insegurança alimentar, tanto na amostra de Pelotas quanto na amostra da PNDS 2006. Na primeira, a versão de sete questões apresentou concordância de 97,0% e a versão de cinco questões, de 95,0%. Na PNDS, ambas as propostas apresentaram concordância de 99,0%.

DISCUSSÃO

Independentemente do tamanho da versão curta proposta, ambos os modelos mostraram alta sensibilidade e especificidade quando comparados à EBIA, método considerado padrão-ouro. Ademais, os modelos propostos foram precisos ao medirem a prevalência de insegurança alimentar, mostrando resultados semelhantes àqueles encontrados pela versão original. Destaca-se que este é o primeiro estudo a propor uma versão curta para medir a insegurança alimentar baseada na EBIA.

A partir de sua validação em 2004, a EBIA tem sido utilizada em estudos nacionais para medir o nível de insegurança alimentar das famílias.1515 . Segall-Corrêa AM, Marin-Leon L. A segurança alimentar no Brasil: proposição e usos da Escala Brasileira de Medida da Insegurança Alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segur Aliment Nutr. 2009;16(2):1-19.,cc Ministério da Saúde, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. Brasília (DF); 2008. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/img/relatorio_final_pnds2006.pdf,ee Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: 2006. Rio de Janeiro; 2007. v.27. Essa escala mostra-se útil no auxílio a políticas de combate à fome, avaliando tanto a percepção das pessoas com relação aos alimentos quanto a disponibilidade de alimentos no domicílio.1414 . Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estud Avan. 2007;21(60):143-54. DOI:10.1590/S0103-40142007000200012,1515 . Segall-Corrêa AM, Marin-Leon L. A segurança alimentar no Brasil: proposição e usos da Escala Brasileira de Medida da Insegurança Alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segur Aliment Nutr. 2009;16(2):1-19. Considerando a importância de verificar e/ou monitorar a situação alimentar,1414 . Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estud Avan. 2007;21(60):143-54. DOI:10.1590/S0103-40142007000200012 utilizar escala mais curta baseada na própria EBIA, e não em instrumentos não validados para a população brasileira, pode facilitar a mensuração da insegurança alimentar e o desenvolvimento de estudos cujos recursos ou tempo são insuficientes para a aplicação da escala completa.

Contudo, a insegurança alimentar não é facilmente mensurada, pois diversos fatores estão associados a essa condição, e.g., cor da pele, escolaridade e gênero da pessoa de referência do domicílio,ff Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios 2009: Segurança Alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.,gg Ministério do Desenvolvimento Social. Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: 2012/2015. Brasília (DF): Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional; 2011. e devem ser considerados na avaliação. Os modelos de versão curta propostos não objetivam substituir a EBIA, pois não medem os graus de intensidade da insegurança alimentar, não detectando famílias que vivem em situação de fome, caracterizada por um quadro de insegurança alimentar grave. A primeira escala proposta para mensurar o nível de insegurança alimentar domiciliar foi criada no início da década de 1990 nos Estados Unidos da América.hh Hamilton WL, Cook JT, Thompson WW, Buron LF, Frongillo EA, Olson CM, et al. Household food security in the United States in 1995: technical report of the Food Security Measurement Project. Alexandria (VA): US Department of Agriculture, Food and Consumer Service; 1997. Constituída de 18 questões, abrange todos os níveis de severidade da insegurança alimentar observados nos domicílios com e sem crianças.ff Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios 2009: Segurança Alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. Posteriormente, no ano de 1999, foi desenvolvida uma versão curta da escala norte-americana, de seis questões, com o intuito de se obter alternativa mais rápida e de menor custo para avaliação da insegurança alimentar.4. Blumberg SJ, Bialostosky K, Hamilton WL, Briefel RR. The effectiveness of a short form of the Household Food Security Scale. Am J Public Health. 1999;89(8):1231-4.

O diferencial do presente estudo foi utilizar duas amostras, uma de área carente de município de médio porte do País e outra representativa de mulheres brasileiras em idade fértil, tornando a análise mais robusta. Entretanto, entre as limitações do instrumento proposto estão: a impossibilidade de captar outras causas de insegurança alimentar, como a indisponibilidade de quantidade adequada de alimentos em determinada comunidade, bairro e/ou região; as crenças que restringem o consumo de alimentos disponíveis ou o menor acesso aos alimentos por parte de algumas pessoas;4. Blumberg SJ, Bialostosky K, Hamilton WL, Briefel RR. The effectiveness of a short form of the Household Food Security Scale. Am J Public Health. 1999;89(8):1231-4. incapacidade de fazer distinção entre domicílios com e sem menores de 18 anos; maior risco para insegurança alimentar; e, assim como a EBIA, incapacidade de captar a medida de insegurança alimentar de forma individual, refletindo uma medida relativa da situação vivenciada por todos os indivíduos de um mesmo domicílio.

Dadas as circunstâncias e razões supramencionadas, sugere-se o uso do modelo proposto de cinco questões, visto que apresentou resultados muito semelhantes à escala original, mas com menor número de questões em relação ao modelo proposto de sete questões. Em determinados casos, como de estudos com amostras muito grandes, 14 questões elevam o tempo de resposta; dessa forma, o instrumento na versão curta permitirá rastreamento das famílias em situação de insegurança alimentar. Caso haja interesse de verificar os graus de intensidade da insegurança alimentar, poderá ser realizada aplicação posterior da escala completa somente nas famílias classificadas com insegurança alimentar pela versão curta. Além disso, inúmeros estudos utilizam a insegurança alimentar de forma dicotômica (presença ou ausência) e, nessa linha, a versão curta também é uma opção de instrumento.

Em conclusão, há necessidade de aplicação dessa versão curta de cinco questões em estudos de base populacional, em populações de diferentes regiões do Brasil, para atestar seu uso como rastreador da insegurança alimentar e auxiliar as pesquisas que investiguem essa condição, bem como os programas que objetivem combater esse agravo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2013
  • Aceito
    12 Maio 2014
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