Tendências no uso de antidepressivos entre idosos mais velhos: Projeto Bambuí

Antônio Ignácio de Loyola Filho Érico Castro-Costa Josélia Oliveira Araújo Firmo Sérgio Viana Peixoto Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Analisar a tendência e os fatores associados ao uso de antidepressivos por idosos mais velhos.

MÉTODOS

Estudo de base populacional com idosos integrantes da linha base (n = 351, em 1997) e dos sobreviventes no 15º seguimento (n = 462, em 2012) da coorte idosa de Bambuí. Estimou-se a prevalência do consumo de antidepressivos e foram identificados os antidepressivos mais consumidos em cada ano. Razões de prevalência com intervalos de confiança de 95% foram estimadas por meio da regressão de Poisson, com variância robusta, na investigação de diferenças de prevalência no uso do medicamento entre os dois anos.

RESULTADOS

O consumo global de antidepressivo (RP = 2,87; IC95% 1,94;4,25) e do grupo dos inibidores seletivos da recaptura da serotonina (RP = 7,50; IC95% 3,74;15,02) foi significativamente maior em 2012. Entretanto, não foi observada diferença significativa no consumo de antidepressivos tricíclicos entre as duas coortes (RP = 0,89; IC95% 0,49;1,62). Na coorte recente (2012), o uso de antidepressivos mostrou-se associado ao sexo feminino, à idade e à renda (≥ 4 salários mínimos) mais elevadas, à autoavaliação da saúde como razoável e à realização de cinco ou mais consultas médicas nos últimos 12 meses.

CONCLUSÕES

O crescimento do consumo de antidepressivos no período, devido ao aumento no uso dos inibidores seletivos da recaptura da serotonina, mostrou-se consistente com o observado em estudos internacionais, com diferentes populações e contextos. A associação positiva observada em relação à renda alerta para possível desigualdade no acesso aos serviços de saúde mental.

Idoso; Antidepressivos, uso terapêutico; Uso de Medicamentos, tendências; Fatores Socioeconômicos; Farmacoepidemiologia


INTRODUÇÃO

Os antidepressivos (AD) são considerados o tratamento de eleição nas manifestações agudas da depressão moderada e grave, seja para melhoria sintomática, seja para sua remissão completa.99 Fleck MP, Berlim MT, Lafer B, Sougey EB, Del Porto JA, Brasil MA, et al. Revisão das diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (Versão integral). Rev Bras Psiquiatr. 2009;31Suppl 1:7-17. DOI:10.1590/S1516-44462009000500003 São utilizados, ainda, no manejo de outros problemas de saúde, como transtornos de ansiedade e dores crônicas.1515 Lieberman JA. History of the Use of Antidepressants in Primary Care. J Clin Psychiatry. 2003;5 Suppl 7:6-10.

Estudos internacionais de base populacional têm identificado tendência de crescimento no uso de AD, tanto na população adulta geral22 Barbui C, Campomori A, D’Avanzo B, Negri E, Garattini S. Antidepressant drug use in Italy since the introduction of SSRIs: national trends, regional differences and impact on suicide rates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1999;34(3):152-6. DOI:10.1007/s001270050127,1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262 quanto entre idosos.88 Desplenter F, Caenen C, Meelberghs J, Hartikainen S, Sulkava R, Bell JS. Change in psychotropic drug use among community-dwelling people aged 75 years and older in Finland: repeated cross-sectional population studies. Int Psychogeriatr. 2011;23(8):1278-84. DOI:10.1017/S1041610211000718,1212 Grunenbaum MF, Oquendo MA, Manly JJ. Depressive symptoms and antidepressant use in a random community sample of ethnically diverse, urban elder persons. J Affect Disord. 2008;105(1-3):273-7. DOI:10.1016/j.jad.2007.04.022 Esse crescimento deve-se ao incremento da utilização dos inibidores seletivos da recaptura da serotonina que vêm paulatinamente substituindo os antidepressivos tricíclicos como o subgrupo químico mais utilizado.22 Barbui C, Campomori A, D’Avanzo B, Negri E, Garattini S. Antidepressant drug use in Italy since the introduction of SSRIs: national trends, regional differences and impact on suicide rates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1999;34(3):152-6. DOI:10.1007/s001270050127,1313 Hansen DG, Rosholm JU, Gichangi A, Vach W. Increased use of antidepressants at the end of life: population-based study among people aged 65 years and above. Age Ageing. 2007;36(4):449-54. DOI:10.1093/ageing/afm056,1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262

Até o momento, apenas um estudo brasileiro2020 Rodrigues MAP, Facchini LA, Lima MS. Modificações nos padrões de consumo de psicofármacos em localidade do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 2006;40(1):107-14. DOI:10.1590/S0034-89102006000100017 avaliou a tendência de consumo de AD em bases populacionais. A investigação foi desenvolvida em cidade de médio porte no sul do País e comparou o consumo de psicofármacos na população adulta (15 anos ou mais), entre os anos de 1994 e 2003. Identificou-se aumento significativo, de 8,4% para 31,6%, no uso de AD, mas essa diferença não foi ajustada por características da população de estudo que eventualmente estivessem associadas ao consumo desses medicamentos. Outros estudos brasileiros investigaram o uso de AD em nível populacional, em termos de prevalência e fatores associados, mas também o fizeram com a população adulta.66 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults: the Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7. DOI:10.1016/j.jad.2013.05.054,1010 Garcias CMM, Pinheiro RT, Garcias GL, Horta BL, Brum CB. Prevalence of antidepressant use and associated factors among adults in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2006. Cad Saude Publica. 2008;24(7):1565-71. DOI:10.1590/S0102-311X2008000700011,1919 Quintana MI, Andreoli SB, Moreira FG, Ribeiro WS, Feijo MM, Bressan RA, et al. Epidemiology of psychotropic drug use in Rio de Janeiro, Brazil: gaps in mental illness treatments. PLoS ONE. 2013;8(5):e62270. DOI:10.1371/journal.pone.0062270

A presença de comorbidade crônica é uma realidade frequente na vida do idoso e a depressão está entre as doenças crônicas que frequentemente o acometem.55 Boing AF, Melo GR, Boing AC, Moretti-Pires RO, Peres KG, Peres MA. Associação entre depressão e doenças crônicas: um estudo populacional. Rev Saude Publica. 2012;46(4):617-23. DOI:10.1590/S0034-89102012005000044 Os idosos são os principais consumidores de AD66 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults: the Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7. DOI:10.1016/j.jad.2013.05.054,2020 Rodrigues MAP, Facchini LA, Lima MS. Modificações nos padrões de consumo de psicofármacos em localidade do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 2006;40(1):107-14. DOI:10.1590/S0034-89102006000100017,2323 Ufer M, Meyer SM, Junge O, Selke G, Volz HP, Hedderich J, et al. Patterns and prevalence of antidepressant drug use in the German state of Baden-Wuerttemberg: a prescription-based analysis. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2007;16(10):1153-60. DOI:10.1002/pds.1405 e aqueles mais velhos apresentam maior consumo que os seus pares mais jovens.33 Barbui C, Broglio E, Laia AC, D’Agostino S, Enrico F, Ferraro L, et al. Cross-sectional Database Analysis of Antidepressant Prescribing in Italy. J Clin Psychopharmacol. 2003;23(1):31-4. DOI:10.1097/00004714-200302000-00006 Considerando o rápido envelhecimento da população brasileira e os desafios impostos por esse fenômeno à assistência farmacêutica, bem como a carência de pesquisas na área, este estudo teve por objetivo analisar a tendência e os fatores associados ao uso de AD por idosos mais velhos.

MÉTODOS

Este estudo constitui um recorte do Projeto Bambuí, estudo longitudinal que investiga incidência e preditores de eventos de saúde em população idosa, residente em comunidade. Detalhes da metodologia utilizada estão apresentados em outra publicação.1616 Lima-Costa MF, Firmo JOA, Uchoa E. The Bambuí Cohort Study of Aging: methodology and health profile of participants at baseline. Cad Saude Publica. 2011;27Suppl 3:327-35. DOI:10.1590/S0102-311X2011001500002

O citado estudo1616 Lima-Costa MF, Firmo JOA, Uchoa E. The Bambuí Cohort Study of Aging: methodology and health profile of participants at baseline. Cad Saude Publica. 2011;27Suppl 3:327-35. DOI:10.1590/S0102-311X2011001500002 foi realizado na cidade de Bambuí, localizado no sudoeste de Minas Gerais, que contava com 15.000 habitantes no ano de 1997, quando a linha-base da coorte idosa foi constituída, a partir do recenseamento da população idosa residente na cidade. No presente estudo foram considerados elegíveis os idosos com idade entre 75 e 89 anos, que integraram a linha-base da coorte em 1997 (nascidos entre 1908 e 1922), doravante chamados de coorte antiga, bem como os sobreviventes da coorte em 2012, doravante chamados de coorte recente, na mesma faixa etária (nascidos entre 1923 e 1937).

A variável dependente foi a utilização de antidepressivo, referida pelo participante em entrevista, com verificação de embalagem e prescrição médica. O medicamento referido foi identificado, desdobrado em seus princípios ativos e classificado de acordo com o Anatomical Therapeutic Chemical Indexaa World Health Organization. Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. ATC/DDD Index 2013. Geneva; 2013. Disponível em: http://www.whocc.no/atc_ddd_index (ATC).

Foram considerados AD os medicamentos relacionados na ATC sob a codificação N06A; os AD foram classificados ainda de acordo com o subgrupo químico (nível 4 da ATC) e substância química (nível 5 da ATC).

As variáveis independentes incluíram características sociodemográficas, de condições de saúde e descritoras da utilização de serviços de saúde. No primeiro conjunto constaram: sexo, idade, escolaridade (nenhuma; 1-3 e 4 ou mais anos completos), situação conjugal (casado/união consensual; viúvo; separado/solteiro), renda familiar mensal (< 2,0; 2,0-3,9 e 4,0 ou mais salários mínimos) e morar sozinho (não; sim). O salário mínimo equivalia a US$120,00 em 1997 e US$333,00 em 2012. As condições de saúde investigadas foram: presença de transtornos mentais comuns (depressivos e de ansiedade), autoavaliação da saúde, número de doenças crônicas e incapacidade funcional. Para mensuração dos transtornos mentais comuns utilizou-se o General Health Questionnaire, versão 12 itens (GHQ-12),1111 Goldberg DP, Hillier VF. A scaled version of the General Health Questionnaire. Psychol Med. 1979;9(1):139-45. DOI:10.1017/S0033291700021644 tendo sido classificado como positivo o indivíduo com escore maior ou igual a cinco pontos. A autoavaliação da saúde foi baseada na resposta à pergunta: “Como você avaliaria sua saúde?” (muito boa/boa; razoável; ruim). As condições crônicas de saúde foram: hipertensão, diabetes, doença de Chagas, infarto e acidente vascular encefálico, e sua medida baseou-se no relato de diagnóstico médico para elas. Quanto à capacidade funcional, foram considerados incapazes os idosos que relataram muita dificuldade ou impossibilidade de realizar sem ajuda pelo menos uma das seguintes atividades básicas de vida diária: levantar-se da cama, alimentar-se, caminhar de um cômodo para outro e tomar banho. O histórico de internação hospitalar e o número de consultas médicas realizadas nos últimos 12 meses, além da cobertura por plano de saúde, foram as variáveis descritoras da utilização de serviços de saúde.

Os dados foram coletados domiciliarmente, por meio de questionários aplicados por entrevistadores. Estes foram recrutados na comunidade, possuíam escolaridade acima de 11 anos e foram treinados pela equipe de pesquisadores, tendo sido garantida uniformidade nos instrumentos e procedimentos de coleta de dados utilizados em 1997 e 2012.

A prevalência do uso de AD (global e por subgrupo químico) foi calculada separadamente para cada coorte de nascimento, dividindo-se o número de idosos que relataram o uso do medicamento pelo total de membros da coorte. Na avaliação dos subgrupos químicos e princípios ativos mais utilizados, o medicamento foi a unidade de análise. Assim, as proporções foram calculadas dividindo-se o total de medicamentos de cada subgrupo químico ou princípio ativo pelo total de AD referidos. Os subgrupos químicos considerados foram os inibidores seletivos da recaptura da serotonina (ISRS), os antidepressivos tricíclicos (ADT) e os inibidores da monoaminoxidase (IMAO). O teste do Qui-quadrado de Pearson foi utilizado na comparação das duas coortes de nascimento em relação às variáveis de estudo. A investigação dos fatores associados ao uso de AD (global) em cada uma das coortes de nascimento foi feita por meio do modelo de regressão de Poisson, utilizando variância robusta, que permitiu estimar razões de prevalência e respectivos intervalos de confiança de 95%. A inclusão da covariável no modelo estatístico não esteve condicionada aos resultados das análises univariadas. A mesma estratégia analítica foi utilizada para testar hipótese de associação entre o ano da coorte e o consumo de AD (global e por subgrupo químico). Todavia, para a investigação das diferenças de prevalência entre a coorte antiga e a coorte recente, só foram incluídas no modelo multivariado aquelas variáveis independentemente associadas ao uso de AD, em pelo menos uma das coortes. Em todas as etapas analíticas, adotou-se nível de significância de 5%. A análise dos dados foi realizada com o recurso do pacote estatístico Stata®, versão 10 (Stata Corp., College Station, EUA).

O Projeto Bambuí foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Pesquisas René Rachou (Parecer 346.329 – CAAE 01082212.7.0000.5091). Todos os participantes da linha base e do segmento de 2012 assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

A coorte antiga (1997, n = 351) e a recente (2012, n = 462) foram semelhantes quanto à idade (média de 79,8 e 79,9 anos, respectivamente), ao sexo (a maior parte era do sexo feminino, respectivamente 60,1% e 66,5%) e à situação conjugal (maioria viúvo, respectivamente, 50,4% e 57,7%). Em comparação à coorte antiga, a coorte recente apresentou escolaridade e renda mais elevadas (p < 0,001 em ambos os casos), menor prevalência de transtornos depressivos e de incapacidade para pelo menos uma atividade básica de vida diária, melhor avaliação da própria saúde (p < 0,001), maior cobertura por plano de saúde (p < 0,001) e maior frequência de consulta médica nos últimos 12 meses (p = 0,014), embora seus componentes tenham se hospitalizado menos no mesmo período (p = 0,048). A caracterização completa das duas coortes pode ser visualizada na Tabela 1.

Tabela 1
Comparação das características entre os idosos da linha base (1997) e dos sobreviventes (2012) da coorte de Bambuí, Minas Gerais.

O consumo de antidepressivo aumentou, passando de 8,3% em 1997 para 23,6% em 2012 – tendência observada em ambos os sexos e em todas as faixas etárias. Em ambas as coortes, o consumo foi mais elevado entre as mulheres e aumentou com a idade, exceto entre os idosos da coorte antiga do sexo masculino, que apresentaram consumo estável ao longo das faixas etárias (Figura).

Figura
Consumo de antidepressivos em função do sexo e da faixa etária, entre idosos de 75 a 89 anos. Bambuí, MG, 1997 e 2012.

Em relação às classes farmacológicas, observou-se alteração no padrão de consumo entre as duas coortes: na antiga, prevaleceu o consumo dos ADT, que responderam por 69,0% dos AD consumidos, enquanto na coorte recente os ISRS foram a classe mais utilizada (68,1%). O uso de IMAO foi referido apenas na coorte antiga e o consumo de outros AD (código N06AX) foi restrito à coorte recente. Entretanto, em ambas as coortes, o consumo desses subgrupos químicos foi inferior ao de ADT e ISRS. Quanto ao princípio ativo, o citalopram foi o mais referido (31,1%) na coorte recente; na antiga, não se observou predomínio de nenhum princípio ativo (dados não mostrados).

Na análise univariada, nos idosos da coorte recente, os seguintes fatores apresentaram-se positivamente associados (p < 0,05) ao uso de AD: sexo feminino, idade e renda familiar (entre as características sociodemográficas), presença de transtornos depressivos, pior autoavaliação da saúde (entre as condições de saúde), ter consultado o médico duas ou mais vezes e ser afiliado a plano de saúde (entre as características de utilização de serviços de saúde). Após análise multivariada, permaneceram independente e positivamente associadas ao uso de AD: sexo feminino, ter renda familiar igual ou superior a quatro salários mínimos, avaliar sua própria saúde como razoável e ter consultado o médico cinco ou mais vezes nos últimos 12 meses (Tabela 2). Na coorte antiga, apenas ter consultado o médico cinco vezes ou mais apresentou-se positivamente associado ao uso de AD, tanto na análise univariada quanto na multivariada (RP = 4,41; IC95% 1,21;16,1) (resultados não mostrados).

Tabela 2
Resultados das análises univariada e multivariada dos fatores associados ao uso de antidepressivos, entre idosos de 75 a 89 anos. Bambuí, MG, 2012.

A Tabela 3 descreve os resultados das análises univariada e multivariada relativos à associação entre a coorte de nascimento e o uso de AD (global e dos dois subgrupos químicos mais consumidos). Mesmo após o ajustamento por sexo, idade, renda familiar mensal, autoavaliação da saúde e número de consultas médicas, o consumo global de AD e de ISRS foi significativamente maior na coorte recente, mas não foi observada diferença significativa no consumo de ADT entre as duas coortes. Em razão de o uso de AD ter se mostrado diferente entre homens e mulheres idosas, foi realizada análise da tendência de uso estratificada por sexo e os resultados verificados no interior de cada estrato não diferiram do observado na população total.

Tabela 3
Consumo de antidepressivos entre idosos com 75-89 anos. Bambuí, MG, 1997 e 2012.

DISCUSSÃO

Este estudo identificou crescimento expressivo no uso de AD entre os anos de 1997 e 2012, devido basicamente à elevação do consumo dos ISRS. Em ambas as coortes e em todas as faixas etárias, o consumo de AD foi maior entre as mulheres. Na coorte recente, além do sexo feminino, apresentaram-se positivamente associados ao uso desses medicamentos a idade e a renda mais elevadas, a autoavaliação da saúde como razoável e a realização de cinco ou mais consultas médicas nos últimos 12 meses.

Entre 1997 e 2012, o consumo de AD pelos idosos mais velhos de Bambuí praticamente triplicou e esse aumento mostrou-se significativo, independentemente das características associadas ao seu uso nessa população. O crescimento do consumo de AD vem sendo também detectado em países de maior renda, tanto na população adulta22 Barbui C, Campomori A, D’Avanzo B, Negri E, Garattini S. Antidepressant drug use in Italy since the introduction of SSRIs: national trends, regional differences and impact on suicide rates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1999;34(3):152-6. DOI:10.1007/s001270050127,1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262 quanto na idosa.44 Blazer DG, Hybels CF, Fillenbaum GG, Pieper CF. Predictors of antidepressant use among older adults: have they changed over time? Am J Psychiatry. 2005;162(4):705-10. DOI:10.1176/appi.ajp.162.4.705,88 Desplenter F, Caenen C, Meelberghs J, Hartikainen S, Sulkava R, Bell JS. Change in psychotropic drug use among community-dwelling people aged 75 years and older in Finland: repeated cross-sectional population studies. Int Psychogeriatr. 2011;23(8):1278-84. DOI:10.1017/S1041610211000718,1212 Grunenbaum MF, Oquendo MA, Manly JJ. Depressive symptoms and antidepressant use in a random community sample of ethnically diverse, urban elder persons. J Affect Disord. 2008;105(1-3):273-7. DOI:10.1016/j.jad.2007.04.022,1313 Hansen DG, Rosholm JU, Gichangi A, Vach W. Increased use of antidepressants at the end of life: population-based study among people aged 65 years and above. Age Ageing. 2007;36(4):449-54. DOI:10.1093/ageing/afm056 Estudo brasileiro de base populacional mostrou expressivo aumento no uso de AD (de 8,4% para 31,6%), mas a investigação não contemplou exclusivamente a população idosa, incluindo todos os residentes com ≥ 15 anos.2020 Rodrigues MAP, Facchini LA, Lima MS. Modificações nos padrões de consumo de psicofármacos em localidade do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 2006;40(1):107-14. DOI:10.1590/S0034-89102006000100017

A literatura discute algumas explicações para o crescimento do uso de AD, as quais não se excluem mutuamente. A mais óbvia seria atribuir o crescimento no consumo de AD ao aumento da prevalência da depressão na população idosa.11 Atlantis E, Sullivan T, Sartorius N, Almeida OP. Changes in the prevalence of psychological distress and use of antidepressants or anti-anxiety medications associated with comorbid chronic diseases in the adult Australian population, 2001-2008. Aust N Z J Psychiatry. 2012;46(5):445-56. DOI:10.1177/0004867411433218 De fato, além da melhoria no reconhecimento e diagnóstico de transtornos depressivos pelos profissionais de saúde,22 Barbui C, Campomori A, D’Avanzo B, Negri E, Garattini S. Antidepressant drug use in Italy since the introduction of SSRIs: national trends, regional differences and impact on suicide rates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1999;34(3):152-6. DOI:10.1007/s001270050127,2020 Rodrigues MAP, Facchini LA, Lima MS. Modificações nos padrões de consumo de psicofármacos em localidade do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 2006;40(1):107-14. DOI:10.1590/S0034-89102006000100017 a depressão na fase final de vida é um evento comum entre idosos mais velhos, em função da presença de doenças crônicas, prejuízo na capacidade funcional, solidão e diminuição da rede de suporte social.11 Atlantis E, Sullivan T, Sartorius N, Almeida OP. Changes in the prevalence of psychological distress and use of antidepressants or anti-anxiety medications associated with comorbid chronic diseases in the adult Australian population, 2001-2008. Aust N Z J Psychiatry. 2012;46(5):445-56. DOI:10.1177/0004867411433218,1313 Hansen DG, Rosholm JU, Gichangi A, Vach W. Increased use of antidepressants at the end of life: population-based study among people aged 65 years and above. Age Ageing. 2007;36(4):449-54. DOI:10.1093/ageing/afm056 Outra causa seria o prolongamento do tratamento medicamentoso da depressão, especialmente entre aqueles com histórico de múltiplos episódios depressivos. Isso tem sido observado em estudos internacionais, sejam eles baseados em dados primários,1414 Harris T, Carey IM, Shah SM, DeWilde S, Cook DG. Antidepressant prescribing in older primary care patients in community and care home settings in England and Wales. J Am Med Dir Assoc. 2012;13(1):41-7. DOI:10.1016/j.jamda.2010.09.005,2121 Sihvo S, Wahlbeck K, McCallum A, Sevon T, Arffman M, Haukka J, et al. Increase in the duration of antidepressant treatment from 1994 to 2003: a nationwide population-based study from Finland. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2010;19(11):1186-93. DOI:10.1002/pds.2017,2222 Soudry A, Dufouil C, Ritchie K, Dartigues JF, Tzourio C, Alpérovitch A. Factors associated with antidepressant use in depressed and non-depressed community-dwelling elderly: the three-city study. Int J Geriatr Psychiatry. 2008;23(3):324-30. DOI:10.1002/gps.1890 sejam baseados em banco de dados de consultas e prescrições médicas.11 Atlantis E, Sullivan T, Sartorius N, Almeida OP. Changes in the prevalence of psychological distress and use of antidepressants or anti-anxiety medications associated with comorbid chronic diseases in the adult Australian population, 2001-2008. Aust N Z J Psychiatry. 2012;46(5):445-56. DOI:10.1177/0004867411433218 88 Desplenter F, Caenen C, Meelberghs J, Hartikainen S, Sulkava R, Bell JS. Change in psychotropic drug use among community-dwelling people aged 75 years and older in Finland: repeated cross-sectional population studies. Int Psychogeriatr. 2011;23(8):1278-84. DOI:10.1017/S1041610211000718 Uma terceira causa seria a crescente aceitação, por parte dos profissionais de saúde e dos pacientes, dos AD de nova geração, como os ISRS, que apresentam menos efeitos adversos, são mais bem tolerados e mais seguros que os ADT e IMAO (mais antigos), sobretudo em situações de sobredosagem.1414 Harris T, Carey IM, Shah SM, DeWilde S, Cook DG. Antidepressant prescribing in older primary care patients in community and care home settings in England and Wales. J Am Med Dir Assoc. 2012;13(1):41-7. DOI:10.1016/j.jamda.2010.09.005 Não se descarta o fato de que os idosos depressivos são comumente tratados com fármacos, em detrimento de outras opções terapêuticas, como a psicoterapia.2424 Unützer J, Katon W, Callahan CM, Williams Jr JW, Hunkeler E, Harpole L, et al. Depressed treatment in an sample of 1,801 depressed old adults in primary care. J Am Geriatr Soc. 2003;51(4):505-14. DOI:10.1046/j.1532-5415.2003.51159.x

Em consonância com os resultados de estudos internacionais de base populacional,22 Barbui C, Campomori A, D’Avanzo B, Negri E, Garattini S. Antidepressant drug use in Italy since the introduction of SSRIs: national trends, regional differences and impact on suicide rates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1999;34(3):152-6. DOI:10.1007/s001270050127,1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262,2525 Zhang Y, Chow V, Vitry AI, Ryan P, Roughead EE, Caughey GE, et al. Antidepressant use and depressive symptomatology among older people from the Australian Longitudinal Study of Ageing. Int Psychogeriatr. 2010;22(3):437-44. DOI:10.1017/S1041610209991554 o incremento no consumo de AD em Bambuí deveu-se, fundamentalmente, ao crescimento da utilização dos ISRS, uma vez que o consumo de ADT foi semelhante entre as duas coortes. O predomínio dos ISRS entre os AD utilizados na coorte recente é consistente com o observado no Brasil66 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults: the Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7. DOI:10.1016/j.jad.2013.05.054,1919 Quintana MI, Andreoli SB, Moreira FG, Ribeiro WS, Feijo MM, Bressan RA, et al. Epidemiology of psychotropic drug use in Rio de Janeiro, Brazil: gaps in mental illness treatments. PLoS ONE. 2013;8(5):e62270. DOI:10.1371/journal.pone.0062270 e em outros países.2222 Soudry A, Dufouil C, Ritchie K, Dartigues JF, Tzourio C, Alpérovitch A. Factors associated with antidepressant use in depressed and non-depressed community-dwelling elderly: the three-city study. Int J Geriatr Psychiatry. 2008;23(3):324-30. DOI:10.1002/gps.1890 Esse resultado remete à possibilidade de que, entre os idosos de Bambuí, o crescimento do consumo de AD derive de maior aceitação dos ISRS por profissionais e pacientes. Após o advento desse subgrupo químico, os clínicos gerais têm prescrito AD mais frequentemente, prática inicialmente restrita aos psiquiatras.1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262 Saliente-se que apenas 1,0% da população estudada consultou o psiquiatra. Quanto à possível relação entre prevalência de consumo de AD e da depressão, esta diminuiu na coorte recente, concomitante ao aumento do consumo de AD. Isso pode dever-se ao tratamento adequado em mais idosos na coorte recente, determinando melhoria ou remissão dos sintomas depressivos e, consequentemente, classificação negativa para o GHQ-12. Isso pode também ser consequência do uso de AD no manejo de outros problemas de saúde que não a depressão, como transtornos de ansiedade e outras doenças crônicas.44 Blazer DG, Hybels CF, Fillenbaum GG, Pieper CF. Predictors of antidepressant use among older adults: have they changed over time? Am J Psychiatry. 2005;162(4):705-10. DOI:10.1176/appi.ajp.162.4.705

A identificação de fatores independentemente associados ao uso de AD ficou praticamente restrita à coorte recente (2012). Na coorte antiga (1997), a única característica associada ao uso de AD após o múltiplo ajuste foi o número de consultas médicas.

O consumo de AD foi maior entre as mulheres. A literatura internacional1212 Grunenbaum MF, Oquendo MA, Manly JJ. Depressive symptoms and antidepressant use in a random community sample of ethnically diverse, urban elder persons. J Affect Disord. 2008;105(1-3):273-7. DOI:10.1016/j.jad.2007.04.022,1414 Harris T, Carey IM, Shah SM, DeWilde S, Cook DG. Antidepressant prescribing in older primary care patients in community and care home settings in England and Wales. J Am Med Dir Assoc. 2012;13(1):41-7. DOI:10.1016/j.jamda.2010.09.005,1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262,2525 Zhang Y, Chow V, Vitry AI, Ryan P, Roughead EE, Caughey GE, et al. Antidepressant use and depressive symptomatology among older people from the Australian Longitudinal Study of Ageing. Int Psychogeriatr. 2010;22(3):437-44. DOI:10.1017/S1041610209991554 e nacional66 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults: the Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7. DOI:10.1016/j.jad.2013.05.054,1010 Garcias CMM, Pinheiro RT, Garcias GL, Horta BL, Brum CB. Prevalence of antidepressant use and associated factors among adults in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2006. Cad Saude Publica. 2008;24(7):1565-71. DOI:10.1590/S0102-311X2008000700011,1919 Quintana MI, Andreoli SB, Moreira FG, Ribeiro WS, Feijo MM, Bressan RA, et al. Epidemiology of psychotropic drug use in Rio de Janeiro, Brazil: gaps in mental illness treatments. PLoS ONE. 2013;8(5):e62270. DOI:10.1371/journal.pone.0062270 mostram associação entre sexo feminino e uso de AD. Alguns autores argumentam que o maior consumo de AD entre mulheres decorre da maior prevalência de transtornos depressivos nessa população.66 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults: the Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7. DOI:10.1016/j.jad.2013.05.054,1010 Garcias CMM, Pinheiro RT, Garcias GL, Horta BL, Brum CB. Prevalence of antidepressant use and associated factors among adults in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2006. Cad Saude Publica. 2008;24(7):1565-71. DOI:10.1590/S0102-311X2008000700011,1717 Middleton N, Gunnell D, Whitley E, Dorling D, Frankel F. Secular trends in antidepressant prescribing in the UK, 1975-1998. J Public Health Med. 2001;3(4):262-7. DOI:10.1093/pubmed/23.4.262 Entretanto, no presente estudo, a associação entre sexo feminino e uso de AD manteve-se significativa, independentemente da presença de transtornos depressivos. Grunenbaum1212 Grunenbaum MF, Oquendo MA, Manly JJ. Depressive symptoms and antidepressant use in a random community sample of ethnically diverse, urban elder persons. J Affect Disord. 2008;105(1-3):273-7. DOI:10.1016/j.jad.2007.04.022 (2008) chama a atenção para a possibilidade da feminização da depressão, visto que mulheres identificam os quadros psiquiátricos e buscam mais intensamente o tratamento para esses transtornos que os homens. Neste estudo, o consumo de AD não foi diferenciado entre homens e mulheres com transtornos depressivos, mas o foi na ausência destes (dados não mostrados). Esse resultado poderia indicar que, em Bambuí, as mulheres idosas utilizam AD para tratamento de outros problemas de saúde que não a depressão, como transtornos de ansiedade e distúrbios de sono, problemas físicos e até mesmo problemas sociais decorrentes das dificuldades presentes na vida diária,2525 Zhang Y, Chow V, Vitry AI, Ryan P, Roughead EE, Caughey GE, et al. Antidepressant use and depressive symptomatology among older people from the Australian Longitudinal Study of Ageing. Int Psychogeriatr. 2010;22(3):437-44. DOI:10.1017/S1041610209991554 ou, alternativamente, que as mulheres estariam aderindo ao tratamento farmacológico da depressão mais frequentemente que os homens.

Outras características sociodemográficas associadas ao uso de AD foram idade e faixa de renda mais elevada. Associação positiva entre idade e uso de AD foi observada em outras populações idosas.1313 Hansen DG, Rosholm JU, Gichangi A, Vach W. Increased use of antidepressants at the end of life: population-based study among people aged 65 years and above. Age Ageing. 2007;36(4):449-54. DOI:10.1093/ageing/afm056,2525 Zhang Y, Chow V, Vitry AI, Ryan P, Roughead EE, Caughey GE, et al. Antidepressant use and depressive symptomatology among older people from the Australian Longitudinal Study of Ageing. Int Psychogeriatr. 2010;22(3):437-44. DOI:10.1017/S1041610209991554 Clínicos gerais têm descrito a depressão ao final da vida como um espectro que inclui solidão, carência de rede social e redução da funcionalidade.1313 Hansen DG, Rosholm JU, Gichangi A, Vach W. Increased use of antidepressants at the end of life: population-based study among people aged 65 years and above. Age Ageing. 2007;36(4):449-54. DOI:10.1093/ageing/afm056 Em relação à associação positiva com renda, a maior acessibilidade ao medicamento poderia decorrer da maior capacidade de sustentar os gastos com saúde entre aqueles de melhor nível socioeconômico.1010 Garcias CMM, Pinheiro RT, Garcias GL, Horta BL, Brum CB. Prevalence of antidepressant use and associated factors among adults in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2006. Cad Saude Publica. 2008;24(7):1565-71. DOI:10.1590/S0102-311X2008000700011 Em Bambuí, a prevalência de transtornos depressivos foi mais elevada no extrato de menor renda (dados não mostrados), o que gera preocupação quanto à possibilidade de existência de desigualdade na atenção à saúde mental desse segmento populacional, decorrente de sua menor acessibilidade aos serviços de saúde mental.66 Brunoni AR, Nunes MA, Figueiredo R, Barreto SM, Fonseca MJM, Lotufo PA, et al. Patterns of benzodiazepine and antidepressant use among middle-aged adults: the Brazilian longitudinal study of adult health (ELSA-Brasil). J Affect Disord. 2013;151(1):71-7. DOI:10.1016/j.jad.2013.05.054

No caso das variáveis descritoras de condições de saúde e de utilização de serviços de saúde, apenas a autoavaliação da saúde (no primeiro caso) e o número de consultas médicas (no segundo caso) apresentaram-se associadas ao uso de AD, após ajuste pelas demais covariáveis. A associação positiva entre o consumo de AD e pior autoavaliação da saúde – ainda que restrita à categoria razoável – é consistente com o verificado entre idosos australianos2525 Zhang Y, Chow V, Vitry AI, Ryan P, Roughead EE, Caughey GE, et al. Antidepressant use and depressive symptomatology among older people from the Australian Longitudinal Study of Ageing. Int Psychogeriatr. 2010;22(3):437-44. DOI:10.1017/S1041610209991554 e indica a importância da avaliação subjetiva da saúde na determinação do uso de AD. Já a associação positiva com número de consultas médicas relaciona-se à obrigatoriedade da prescrição profissional para dispensação do medicamento.

Uma das limitações deste estudo é a impossibilidade de avaliar a adequação do uso dos AD, referente à indicação e posologia, devido à não utilização de método considerado padrão-ouro para diagnóstico de depressão e à indisponibilidade de informações sobre tempo de uso/dosagem do medicamento e acesso à psicoterapia. O GHQ-12,1111 Goldberg DP, Hillier VF. A scaled version of the General Health Questionnaire. Psychol Med. 1979;9(1):139-45. DOI:10.1017/S0033291700021644 instrumento de rastreamento para transtornos mentais comuns, na população estudada, apresentou a mesma acurácia que a 30-itens Geriatric Depression Scale (GDS-30) para detectar sintomas depressivos.77 Costa E, Barreto SM, Uchoa E, Firmo JOA, Lima-Costa MF, Prince M. Is the GDS-30 better than the GHQ-12 for screening depression in elderly people in the community? The Bambuí Health Aging Study (BHAS). Int Psychogeriatr. 2006;18(3):493-503. DOI:10.1017/S1041610205002954 No entanto, o GHQ-12 só determina a presença de sintomas depressivos, mas não gera diagnóstico clínico. Ademais, o ponto de corte utilizado para classificação do participante como positivo não permitiu a diferenciação entre presença de sintomas leves ou de sintomas graves. No primeiro caso, a abordagem psicoterápica é indicada, enquanto a terapia medicamentosa é a primeira escolha para os casos de depressão grave.99 Fleck MP, Berlim MT, Lafer B, Sougey EB, Del Porto JA, Brasil MA, et al. Revisão das diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (Versão integral). Rev Bras Psiquiatr. 2009;31Suppl 1:7-17. DOI:10.1590/S1516-44462009000500003 Outra limitação é a impossibilidade de determinar se o antidepressivo foi prescrito por psiquiatra. Os presentes resultados não são generalizáveis para outras populações idosas, especialmente as usuárias de hospital-dia geriátrico ou asilos. Entretanto, o estudo apresenta vantagens, sobretudo em relação aos estudos de dispensação ou baseados em prescrições, por utilizar informação de uso do medicamento, sendo que a precisão da mensuração foi garantida pela conferência das embalagens e receita médica. A estratégia de base populacional adotada, a mínima perda de informação sobre medicamentos entre os elegíveis e a uniformidade dos procedimentos de coleta de dados entre os anos sob comparação garantem a confiabilidade e validade interna do estudo. Além disso, trata-se do primeiro estudo brasileiro de base populacional que avaliou a tendência de consumo de AD entre idosos mais velhos.

Em resumo, o aumento do consumo de AD e o predomínio daqueles da nova geração revelaram-se consistentes com o observado em estudos internacionais, em diferentes populações e contextos. A associação positiva observada em relação à renda deve alertar para potencial desigualdade no acesso aos serviços de saúde mental. Novos estudos, com metodologias e desenhos distintos (estudos qualitativos e epidemiológicos longitudinais), serão necessários para aprofundar o conhecimento sobre o uso de AD entre idosos. Isso poderá subsidiar intervenções que melhorem o acesso à assistência farmacêutica com cobertura e qualidade adequadas ao controle e resolução dos problemas de saúde de origem psíquica desse segmento populacional.

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  • Pesquisa financiada pela Fundação Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG – Processo APQ-00526-1), pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Processo 482721/2011-1) e pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado em Saúde (SUS 101/2009 – bolsa para Castro-Costa E). Firmo JOA e Peixoto SV são bolsistas produtividade do CNPq.
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  • Apresentado no IX Congresso Brasileiro de Epidemiologia (EPIVIX), Vitória, ES, em 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2014
  • Aceito
    28 Jul 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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