Distribuição espacial de serviços especializados em cardiologia no estado de Santa Catarina

Silviana Cirino Fabiana Santos Lima Mirian Buss Gonçalves Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Analisar metodologia para distribuição espacial de serviços especializados em cardiologia.

MÉTODOS

Foi utilizado método de modelagem e simulação de aplicação prática para o serviço de atendimento cardiológico do estado de Santa Catarina, por meio do modelo de p-medianas. Considerando-se a divisão do estado em 21 regiões de saúde, foi analisada uma metodologia que propõe a instalação de oito centros de atendimento cardiológico intermediários, comparando-se os resultados de 1996 e 2012.

RESULTADOS

A aplicação com dados de 2012 refletiu mudanças ocorridas no estado, principalmente quanto ao adensamento populacional na região litorânea. A proposta atual apresentou uma resposta eficiente, observada pela homogeneidade dos resultados referentes à localização dos centros de atendimento cardiológico intermediários e às regiões que ficam a eles alocadas, com redução da distância média percorrida às unidades de serviço em regiões com maior densidade demográfica. A validade do modelo foi confirmada na análise da alocação dos vértices medianos propostos em 1996 e 2012.

CONCLUSÕES

A distribuição espacial de serviços especializados em cardiologia apresenta configuração mais homogênea e reflete as mudanças demográficas ocorridas no estado nos últimos 17 anos. A comparação entre as duas simulações realizadas e a configuração atual mostrou a validade do modelo como ferramenta auxiliar na tomada de decisão para a expansão do sistema.

Serviços de Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde; Equidade no Acesso; Distribuição Espacial


INTRODUÇÃO

Os princípios políticos que regulamentam o Sistema Único de Saúde no Brasil estão embasados na equidade, na universalidade, na igualdade, na participação da comunidade e na integralidade de assistência.aa Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto consolidado até a Emenda Constitucional nº 66 de 13 de julho de 2010. Brasília (DF): Senado Federal; 2010 [citado 2012 jul 5]. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/ A equidade em saúde e em serviços de saúde é amplamente aceita como um objetivo importante das políticas públicas.1616 Wang F. Measurement, optimization, and impact of health care accessibility: a methodological review. Ann Assoc Am Geogr. 2012;102(5):1104-12. DOI:10.1080/00045608.2012.657146 A eficácia na melhoria do acesso aos sistemas de saúde depende, entre outras coisas, da adequada alocação de recursos para áreas carentes.1616 Wang F. Measurement, optimization, and impact of health care accessibility: a methodological review. Ann Assoc Am Geogr. 2012;102(5):1104-12. DOI:10.1080/00045608.2012.657146 Minimizar a desigualdade auxilia na identificação das melhorias necessárias para que as lacunas sejam fechadas ou, pelo menos, reduzidas.1616 Wang F. Measurement, optimization, and impact of health care accessibility: a methodological review. Ann Assoc Am Geogr. 2012;102(5):1104-12. DOI:10.1080/00045608.2012.657146

Com o objetivo de organizar regionalmente a assistência à saúde, a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina redesenhou, em 2008, o Plano Diretor de Regionalização, buscando garantir o acesso dos cidadãos a um conjunto de ações e serviços necessários à resolução de seus problemas de saúde.bb Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano Diretor de Regionalização PDR - 2012. Florianópolis (SC); 2012.

Segundo esse Plano, a regionalização orienta a descentralização das ações e serviços e potencializa os processos de pactuação e negociação entre gestores. Sua melhoria depende da construção de desenhos regionais que respeitem as realidades locais.bb Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano Diretor de Regionalização PDR - 2012. Florianópolis (SC); 2012. Nessa integração, os serviços especializados de saúde têm papel importante na medida em que o paciente poderá encontrar o tratamento mais adequado e recuperar-se mais rapidamente.

A regionalização depende da hierarquização dos serviços, pois para integrar uma rede de complexidade crescente é necessário que o poder sobre ela esteja próximo de quem utiliza seus serviços. A integração significa o poder de encaminhar um paciente de uma unidade para outra, de maior complexidade, o paciente ser recebido, tratado e posteriormente encaminhado para acompanhamento.

O processo de descentralização dos serviços públicos de saúde tem sido fonte de preocupação para vários pesquisadores, com muitos indícios de problemas de localização de instalações.

No Brasil, Galvão et al1010 Galvão RD, Nobre FF, Vasconcellos MM. Modelos matemáticos de localização aplicados à organização espacial de unidades de saúde. Rev Saude Publica. 1999;33(4):422-34. DOI: 10.1590/S0034-89101999000400014 apresentam diversos modelos de localização com aplicação em saúde pública analisando a localização de serviços não emergenciais, de serviços de emergência e a localização de serviços hierarquicamente relacionados. Scarpin et alcc Scarpin CT, Steiner MTA, Dias GJC. Técnicas da pesquisa operacional aplicadas na otimização do fluxo de pacientes do Sistema Único de Saúde do Estado do Paraná. In: Anais do 38º Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional – SBPO; 2006; Goiânia, Brasil. p. 1066-1074. apresentam proposta de otimização no serviço de saúde no estado do Paraná quanto ao fluxo de pacientes dentro do estado e a regionalização deste, obtendo novas configurações hierárquicas. Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. desenvolveu metodologia para determinar a localização espacial de centros intermediários de serviços especializados de saúde em uma região, utilizando como estudo de caso os serviços especializados em cardiologia no estado de Santa Catarina.ee Lima FS, Gonçalves MB. Distribuição espacial de serviços especializados de saúde: uma aplicação prática para o serviço de Cardiologia em Santa Catariana. In: Anais do 30º Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional – SBPO; 1998; Curitiba, Brasil.,ff Lima FS, Gonçalves MB. Logística de serviços públicos: uma aplicação à distribuição espacial de serviços especializados de saúde. In: Anais do XIII ANPET – Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes; São Carlos, SP; 1999. v.1, p.482-493. Para a localização desses centros foi utilizado o problema clássico de p-medianas. Muitos outros estudos11 BaïOu M, Barahona F. On the linear relaxation of the p-median problem. Discrete Optim. 2011;8(2):344-75. DOI:10.1016/j.disopt.2010.12.002

2 Berman O, Wang J. The network p-median problem with discrete probabilistic demand weights. Comput Oper Res. 2010;37(8):1455-63. DOI:10.1016/j.cor.2009.10.007

3 Calvo AB, Marks DH. Location of health care facilities: an analytical approach. Socioecon Plann Sci. 1973;7(5):407-22.

4 Canós MJ, Ivorra C, Liern V. Fuzzy p-median problem: a global analysis of the solutions. Eur J Oper Res. 2001;130(2):430-6. DOI:10.1016/S0377-2217(99)00500-7

5 Church RL. COBRA: a new formulation of the classic p-median location problem. Ann Oper Res. 2003;122(1-4):103-20.
-66 Church RL. BEAMR: an exact and approximate model for the p-median problem. Comput Oper Res. 2008;35(2):417-26. DOI: 10.1016/j.cor.2006.03.006,88 Elloumi S. A tighter formulation of the p-median problem. J Comb Optim. 2010;19(1):69-83. DOI:10.1007/s10878-008-9162-0,99 Elloumi S, Plateau A. A computational study for the p-median problem. Electron Notes Discrete Math. 2010;36:455-62. DOI:10.1016/j.endm.2010.05.058,1414 Resende MGC, Werneck RF. A hybrid heuristic for the p-median problem. J Heuristics. 2004;10(1):59-88. também fazem uso do modelo de p-medianas, representado de forma clássica ou com alguma variação.

Segundo o Plano para a Organização da Rede Estadual de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular em Santa Catarina,gg Secretaria do Estado de Saúde. Plano para a Organização da Rede Estadual de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular em Santa Catarina. Florianópolis; 2005 [citado 2012 jul 09]. Disponível em: http://portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=301&Itemid=82 o grupo de doenças cardiovasculares é uma das principais causas de óbito no Brasil e contribui com um terço do total das mortes no estado.

O objetivo deste estudo foi analisar metodologia para distribuição espacial de serviços especializados em cardiologia.

MÉTODOS

Com base na metodologia proposta por Lima,dd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. procedeu-se a uma nova distribuição espacial de unidades intermediárias de serviços especializados em cardiologia. Foram analisados dados de 2012 e os resultados foram comparados aos de 1996.

Utilizando os princípios básicos da Teoria do Lugar Central de Christaller,77 Corrêa RL. A rede urbana. 3.ed. São Paulo: Ática; 1989. (Série Princípios, 168). foi realizada hierarquização, pela qual centros intermediários foram incluídos no sistema para que a procura a um centro maior diminuísse, proporcionando melhor atendimento – e a uma distância menor – dos serviços oferecidos.dd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996.

Em 1996, o estado de Santa Catarina era dividido em 260 municípios, com 224 unidades hospitalares, incluindo hospitais públicos, privados e mistos. Entre estes, existia apenas um hospital público com serviço especializado em cardiologia.dd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996.

A questão a ser respondida foi onde localizar tais unidades de serviços intermediários, denominadas de centros de atendimento cardiológico intermediários (CACI).dd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996.

Para a implementação das unidades intermediárias, distribuídas em diferentes pontos do estado, Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. propôs a classificação destas em três níveis, baseada nos serviços oferecidos: nível 1: unidades hospitalares (já existentes), onde realizam-se atendimentos emergenciais ou o primeiro contato do paciente com o serviço médico; nível 2: CACI (centros a serem implantados), com atendimento aos pacientes oriundos das unidades hospitalares (nível 1) que necessitam de exames e médicos especializados na área; e nível 3: centro de referência: atendimento aos pacientes que constituem os casos mais graves, como, e.g., transplantes.

Essa classificação sugere uma hierarquização dos serviços cardiológicos, de modo a promover a diminuição do fluxo de pacientes e o atendimento em um intervalo menor de tempo.

Posteriormente, foi realizado processo de seleção dos municípios aptos a sediar os CACI. Para eleger tais municípios, os critérios utilizados por Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. foram mantidos para que a comparação com a atual configuração do estado de Santa Catarina pudesse ser feita.

Os requisitos básicos considerados na seleção dos municípios, conforme exigência da Secretaria de Estado da Saúde, foram:

  • População que justifica a existência do serviço: municípios com população mínima de 28 mil habitantes;

  • Existência de hospitais: os municípios selecionados foram aqueles que possuíam hospitais de grande e/ou médio porte.

Outro critério utilizado foi o da maior população, onde o município com maior número de habitantes em cada regional seria selecionado. Caso houvesse municípios com diferença não significativa quanto ao número de habitantes, o mais central, na regional, seria escolhido.

Modelagens baseadas em elaborações geométricas, com recursos computacionais, são geralmente utilizadas para solução de problemas de natureza econômica. Tais problemas podem ser classificados em três vertentes:1414 Resende MGC, Werneck RF. A hybrid heuristic for the p-median problem. J Heuristics. 2004;10(1):59-88. vertente prática – problemas assumidos por empresas de consultoria que buscam determinar a localização ideal de uma atividade industrial e comercial; vertente acadêmica – problemas estudados com o intuito de desenvolver modelos matemáticos cada vez mais refinados; vertente aplicada – pesquisadores que trabalham com problemas reais.

O presente trabalho classifica-se na vertente aplicada, contribuindo na direção do planejamento, o que envolve a tomada de decisão sobre a localização e dimensão dos serviços.

O modelo escolhido foi o de p-medianas, considerado apropriado nos casos em que cada usuário seguidamente percorre a distância entre a sua origem e o local que oferece o serviço, tornando-se conveniente minimizar o somatório de tais distâncias. O uso desse modelo é adequado para países com poucos recursos financeiros (como é o caso do Brasil),hh Souza JC. Dimensionamento, localização e escalonamento de serviços de atendimento emergencial [tese de doutorado]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico; 1996. condição típica do deslocamento de um enfermo e seus familiares aos hospitais.

Há diversos métodos para resolução de problemas de p-medianas. A formulação adotada neste trabalho, proposta por Revelle & Swain em 1970, é apresentada por Swersey1515 Swersey AJ. The deployment of police, fire and emergency medical units. In: Pollock SM, Rothkopf MH, Barnett A, editors. Operations research and the public sector. Amsterdam; North-Holland; 1994. p.151-200. (Handbooks in Operations Research and Management Science, 6). (1994), representada matematicamente por um problema de programação linear inteira, expresso por:

Minimizar

Sujeito a

onde:

  • ai é o peso atribuído ao nó i;

  • [dij]né uma matriz simétrica de custos (ou distâncias);

  • xij é uma variável binária, xij = 1 com se o nó i está alocado à mediana j e xij = 0 caso não esteja; xjj = 1 se o nó j é uma mediana e xjj = 0 caso contrário;

  • p é um número inteiro e positivo de instalações que se deseja localizar. No caso desse modelo essas instalações são as medianas;

  • n é o número de pontos considerados no problema.

Essa formulação impõe que: (1) todo ponto de demanda i deve estar alocado a uma única mediana j; (2) um ponto de demanda i só pode estar alocado a um vértice j se nesse vértice houver mediana; (3) o número total de medianas seja p; e (4) as variáveis de decisão só podem assumir valores 0 ou 1.

O modelo de p-medianas é utilizado para definir quais dos municípios candidatos serão sede de CACI. Para isso, associa-se um peso proporcional à população total do município a cada nó da rede (no caso, os municípios candidatos a sediarem um CACI). O peso atribuído é w calculado por populaçãow.1022 Berman O, Wang J. The network p-median problem with discrete probabilistic demand weights. Comput Oper Res. 2010;37(8):1455-63. DOI:10.1016/j.cor.2009.10.007habitantes.dd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996.

O caminho mínimo sobre a rede viária entre as cidades selecionadas foi obtido mediante informações do Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina e do Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina.ii Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina. Mapa interativo do Estado de Santa Catarina: tabela de distâncias. Florianópolis; 1996 [citado 2012 jul 3]. Disponível em: http://www.mapainterativo.ciasc.gov.br/tabeladistancias.php Esses dados foram usados para construir a atual matriz de distâncias.

Os municípios selecionados para sediar um CACI (vértices da rede) estavam localizados dentro de um determinado distrito, no caso, as regionais de saúde. Sendo assim, a distância média percorrida pelos usuários em cada regional para se deslocar até o município candidato foi considerada (não nula) e calculada pelo valor esperado da distância média de deslocamento dos usuários até as unidades de serviço. Esse valor esperado da distância é dado por:1111 Larson RC, Odoni AR. Urban operations research. Belmont (Mass): Dynamic Ideas; 2007.

onde c é uma constante de proporcionalidade e A0 é a área total da região.

Observa-se na equação (5) que esse valor esperado é proporcional à área da região. Além disso, o valor da constante de proporcionalidade depende de três fatores:1111 Larson RC, Odoni AR. Urban operations research. Belmont (Mass): Dynamic Ideas; 2007. (a) localização da unidade de serviço na região; (b) forma geométrica da região; e (c) métrica usada (retangular ou euclidiana).

Para determinar a diagonal da matriz distância de uma unidade de serviço posicionada no centro da área, com a métrica euclidiana, é sugerido o valor c = 0,38.1111 Larson RC, Odoni AR. Urban operations research. Belmont (Mass): Dynamic Ideas; 2007. Considerou-se que as regionais estudadas teriam, de modo geral, formato compacto e convexo e que as cidades candidatas a sediarem um dos CACI estariam localizadas aproximadamente na área central de cada regional.

Como distâncias reais são usadas neste estudo, o valor 1,3 é utilizado como coeficiente de correção.1212 Novaes AG, Alvarenga AC. Logística aplicada: suprimento e distribuição física. São Paulo: Pioneira; 1994. Assim, o valor esperado da distância usado para compor a diagonal principal da matriz é dado por:

onde A0é a área total da regional. Essa área foi obtida mediante dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.jj Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Unidades da Federação: Santa Catarina. Rio de Janeiro; 2012 [citado 2012 jun 26]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=sc

Em 2012 o estado de Santa Catarina compreendia 293 municípios agrupados em 21 regiões de saúde e nove macrorregiões, conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde.bb Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano Diretor de Regionalização PDR - 2012. Florianópolis (SC); 2012. As linhas mais escuras da Figura 1 mostram a divisão das nove macrorregiões e as diferentes tonalidades de cinza indicam as regiões de saúde. Uma macrorregião é formada por uma ou mais regiões de saúde, organizada e estruturada para acolher parte dos serviços de média e alta complexidade.bb Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano Diretor de Regionalização PDR - 2012. Florianópolis (SC); 2012. Devem resolver, dentro da capacidade, os problemas encaminhados pelas regiões de saúde, que são a base territorial de planejamento à saúde.bb Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano Diretor de Regionalização PDR - 2012. Florianópolis (SC); 2012. Santa Catarina possui um centro de referência de alta complexidade cardiovascular, localizado na região da Grande Florianópolis, e unidades de referência distribuídas em outras regiões.kk Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano para a Organização da Rede Estadual de Atenção em Alta Complexidade Cardiovascular em Santa Catarina. Florianópolis; 2005 [citado 2012 jul 9]. Disponível em: http://portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=301&Itemid=82 Essas unidades equivalem aos CACI propostos neste trabalho.

Figura 1
Mapa das regiões de saúde e localização das unidades especializadas em atendimento cardiológico. Santa Catarina, 2012.

RESULTADOS

Para a solução do problema da instalação dos CACI com dados atuais (coletados em 2012), optou-se por trabalhar com a divisão do estado em 21 regiões de saúde apresentadas na Figura 1, a qual mostra a configuração existente das unidades de assistência de alta complexidade cardiovascular, distribuídas em oito cidades do Estado. Para representar as regiões, 21 municípios foram selecionados, conforme critérios descritos anteriormente. Os municípios escolhidos, o código atribuído a cada um, bem como o peso associado são apresentados na Tabela 1. As oito cidades com estrutura para atendimento de complexidade cardiovascular faziam parte dos municípios selecionados para a aplicação baseada na configuração atual.

Da análise visual da Figura 1 é possível notar uma ampla faixa do estado, que compreende o Meio Oeste, o Planalto Serrano e parte do Planalto Norte, com baixo número de unidades especializadas em cardiologia. Essa falta de atendimento especializado poderia ser um dos fatores que influenciam no comportamento dos usuários, fazendo com que a população migre, muitas vezes, para regiões como o litoral, que proporcionam uma melhor estrutura de apoio específico na área da saúde. Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde, a maior quota populacional encontrava-se no litoral, a qual abrigava cerca de 60,0% da população do estado.ll Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Plano Estadual de Saúde 2012-2015. Versão Preliminar. Florianópolis; 2011 [citado 2014 mar 24]. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/materiais/PES_2012_CES.pdf Algumas regiões, e.g., o Meio Oeste, estavam carentes de cuidado especializado, muitas vezes por apresentarem densidade populacional mais baixa. Entretanto, possuíam cidades de médio porte, com tamanho populacional que justificaria o serviço.

Tabela 1
Municípios candidatos a sediar centros de atendimento cardiológico intermediários. Santa Catarina, 2.012.

Buscou-se determinar quais as p-medianas para localizar esses centros de modo a minimizar a soma ponderada das distâncias dos usuários. O problema foi resolvido por programação linear inteira e a solução exata foi obtida implementando o algoritmo em linguagem C.

A localização dos oito CACI propostos por Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. e o resultado da localização desses para os dados atuais são apresentados na Tabela 2. A Figura 2 foi construída com o intuito de mostrar quais seriam as regiões atendidas em cada um dos centros localizados (indicadas com diferentes tons de cinza); a Figura 3 mostra a solução obtida por Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. no ano de 1996 (diferentes hachuras representam as regiões atendidas pelos centros). Na solução do problema com os dados atuais (Figura 2), a macrorregião do Extremo Oeste e parte do Meio Oeste contou com a instalação de um centro no município de Chapecó, responsável pelo atendimento dessa região, o que não ocorreu em 1996, quando a macrorregião do Extremo Oeste contou com a instalação de dois centros cardiológicos (São Miguel do Oeste e Chapecó), conforme Figura 3.

Tabela 2
Localização dos oito centros de atendimento cardiológico intermediários e das unidades da estrutura fixa atual. Santa Catarina, 1996 e 2012.

Figura 2
Localização dos oito centros de atendimento cardiológico intermediários. Santa Catarina, para dados atuais, 2012.

Figura 3
Localização dos oito centros de atendimento cardiológico intermediários. Santa Catarina, 1996.

Na proposta atual, a macrorregião de Lages foi contemplada com um centro para atendimento aos usuários da região, o que não ocorreu na configuração de 1996, que encaminhava os usuários do serviço para atendimento no centro instalado em Curitibanos, responsável também pela região de Joaçaba.

A região de Brusque, na nova proposta (Figura 2), integrante da macrorregião da Grande Florianópolis, passaria a ser atendida pelo centro localizado em Balneário Camboriú, ficando apenas a região de Florianópolis para ser atendida pelo centro localizado na capital do Estado.

A macrorregião do Planalto Norte, antes contemplada quase na sua totalidade pelo centro em Canoinhas, ficou dividida para atendimento em dois centros: a região de saúde de Mafra seria atendida por Joinville e a região de saúde de Canoinhas, por Caçador. A macrorregião do Vale do Itajaí, cuja proposta de centro em 1996 era Blumenau (que prestaria atendimento às duas regiões), seria atendida por Indaial, não precisando contemplar a macrorregião da Foz do Rio Itajaí.

Outra melhoria observada foi o fato de a região de Lages ter sido selecionada como sede de um centro, diminuindo a distância média percorrida pelos usuários desse serviço – de 77,4 km na proposta feita em 1996 para 62,7 km nesta proposta atual –, correspondente a uma redução de aproximadamente 19,0%. O centro localizado em Lages refletiria o momento presente, tendo em vista o aumento de mais de 10,0% na população desse município nos últimos 17 anos. A macrorregião Sul foi a única que permaneceu com a mesma configuração para instalação do centro responsável pelas regiões de Araranguá, Criciúma e Tubarão.

A distância média total percorrida até as unidades de serviço no cenário atual foi 51 km, um pouco maior do que a apresentada por Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. (48,1 km). Entretanto, essa distância foi menor na maior parte das regiões de saúde, exceto nas atendidas pelos centros de Caçador, Chapecó e Joinville. O aumento na distância média percorrida nas regiões de Caçador e Chapecó deveu-se à diminuição (de três para dois) do número de centros alocados para o Extremo Oeste e Meio Oeste.

No cenário atual, a região a ser atendida por Joinville contaria com mais uma região de saúde, a de São Bento do Sul, que não fazia parte desse centro no cenário de 1996. A inclusão dessa região de saúde contribuiu para aumento pequeno da distância média percorrida. Já a distância média percorrida pelos usuários do litoral do estado reduziu significativamente em função da instalação de mais um centro, localizado em Balneário Camboriú. A inclusão de mais um centro nessa região foi decorrente do adensamento populacional ocorrido nos últimos anos.

Tendo em vista que o número de cidades que apresentaram estrutura para atendimento cardiovascular no estado equivalia ao número de medianas localizadas na aplicação proposta neste estudo, baseada no trabalho realizado em 1996, realizou-se a alocação fundamentada na estrutura atual fixa dessas unidades.

Ao considerar a estrutura atual fixa, a distância média percorrida pelos usuários foi 50,4 km, praticamente a mesma obtida na aplicação realizada; porém, a disparidade na distância média percorrida em cada região foi maior. A distância média nas regiões atendidas por centros localizados em municípios mais próximos do litoral, como Itajaí, Blumenau, Tubarão e Criciúma, apresentou valores entre 13 km e 32 km. Já os pacientes atendidos pelo centro localizado em Xanxerê, Extremo Oeste do Estado, deveriam se deslocar a uma distância média superior a 100 km. Destaca-se a não existência de centro especializado em Lages, município com mais de 150 mil habitantes e que a distância média percorrida para essa região foi superior a 120 km na estrutura atual.

A análise visual da Figura 2 (cenário com os dados atuais) mostrou melhor distribuição espacial dos serviços especializados em cardiologia no estado.

DISCUSSÃO

A solução obtida com dados atuais apresentou maior homogeneidade referente à localização dos CACI e às regiões que ficam a eles alocadas. Observou-se, e.g., que a região do oeste ficou toda alocada ao CACI de Chapecó, justificando ainda mais a localização do Centro Cardiológico que hoje se encontra instalado nessa região.

Pode-se perceber que o aumento no número de divisões no Estado ocasionou melhor distribuição espacial dos centros de atendimento cardiológico, mesmo com a manutenção do mesmo número de centros. Em algumas regiões, como São Miguel do Oeste, Lages, Joinville, Florianópolis, Criciúma e Araranguá, o peso atribuído foi maior que o utilizado em 1996 (Tabela 1). Tal aumento decorre do crescimento populacional dessas regiões, que interfere na distribuição espacial dos centros de atendimento cardiológico. O número de centros intermediários depende do seu dimensionamento. Quanto mais especializados, maior será seu alcance espacial máximo.

A hierarquia proposta, com maior número de centros intermediários, espacialmente distribuídos, permite que, na maioria dos casos, os pacientes não se desloquem a grandes distâncias para obter o atendimento necessário. Isso evita o isolamento do paciente numa cidade distante, propiciando melhores condições de acompanhamento por parte de sua família e, consequentemente, melhoria na qualidade do serviço.

Na busca da descentralização dos serviços especializados de saúde pública, a metodologia proposta por Limadd Lima FS. Distribuição espacial de serviços especializados em saúde [dissertação de mestrado] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 1996. pode ser vista como atemporal e multidisciplinar e reflete a mudança ocorrida no estado, principalmente quando se avalia o adensamento populacional ocorrido nos últimos anos, como na região do litoral. A distribuição mais homogênea pode auxiliar em uma tomada de decisão mais eficiente e eficaz.

Pizzolato et al,1313 Pizzolato ND, Raupp FMP, Alzamora GS. Revisão de desafios aplicados em localização com base em modelos da p-mediana e suas variantes. Pesq Oper Desenv. 2012;4(1):13-42. ao apresentarem uma série de trabalhos pioneiros em âmbito nacional que utilizam o modelo de p-medianas e suas variantes, confirmam a metodologia aplicada e oferecem uma intensa motivação para estudos aplicados sobre esse tema.

A ponderação dos dados de entrada interfere diretamente na análise dos resultados. Para futuros trabalhos, propõe-se a utilização de um índice que traduza a necessidade do tipo de serviço especializado oferecido na região. Assim, outros atributos poderão ser considerados, como o nível de estresse em grandes metrópoles, que faz com que a probabilidade de ocorrerem problemas cardíacos aumente, podendo ser esse um dos indicativos referentes ao tipo de serviço oferecido.

Os achados deste estudo podem contribuir para auxiliar órgãos gestores na tomada de decisão sobre a melhor localização para instalar centros especializados em cardiologia, levando-se em conta os critérios de infra-estrutura hospitalar e de distância.

AGRADECIMENTOS

À dra. Márcia M. Altimari Samed, pela revisão crítica e sugestões para a conclusão do manuscrito, e ao MSc. Louis A. Gonçalves, pela elaboração do código de otimização.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2013
  • Aceito
    7 Maio 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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