Resumo
OBJETIVO
Analisar taxas de permanência hospitalar e de proporção de óbitos por internações por condições sensíveis à atenção primária em saúde, caracterizando-as segundo cobertura pela Estratégia de Saúde da Família.
MÉTODOS
Trata-se de estudo ecológico que teve como unidade de análise os 853 municípios do estado de Minas Gerais, estratificados pelas 28 regionais de saúde. Foram utilizados dados do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde. As internações por condições sensíveis de 2000 foram comparadas às de 2010. Dados populacionais foram obtidos dos censos demográficos.
RESULTADOS
As internações por condições sensíveis à atenção primária apresentaram queda de 20,75/mil hab (DP = 10,42) em 2000 para 14,92/mil hab (DP = 10,04) em 2010. A insuficiência cardíaca foi a causa mais frequente em ambos os períodos. Houve redução nas taxas de internações por hipertensão arterial, asma e diabetes mellitus, bem como aumento nas internações por angina pectoris, doenças relacionadas ao pré-natal e parto, infecções de rim e trato urinário, além de outras infecções agudas. A permanência hospitalar e a proporção de óbitos por internações por condições sensíveis aumentaram significativamente.
CONCLUSÕES
A taxa média de internações por condições sensíveis foi significativamente menor em 2010 do que em 2000, mas não foi observada correlação com a expansão de cobertura populacional da Estratégia de Saúde da Família. As taxas de permanência hospitalar e proporção de óbitos entre os anos avaliados comportaram-se de forma distinta entre as diversas regionais de saúde, apontando necessidade de priorização de atenção primária resolutiva e de qualidade.
Hospitalização; Tempo de Internação; tendências; Assistência Ambulatorial; Atenção Primária à Saúde; Estratégia Saúde da Família; Sistemas de Informação Hospitalar; Estudos Ecológicos
INTRODUÇÃO
O conceito de condições sensíveis à atenção primária teve origem nos Estados Unidos no início da década de 1990 com os indicadores “ambulatory care sensitive conditions” e “avoidable hospitalizations”,66 Billings J, Zeitel L, Lukomnik J, Carey TS, Blank AE, Newman L. Impact of socioeconomic status on hospital use in New York City. Health Aff (Millwood). 1993;12(1):162-73. passando a ser utilizado também no Canadá e em países da Europa como instrumento de avaliação da atenção oferecida a populações com baixos níveis socioeconômicos como marcador de qualidade dos cuidados primários e na avaliação do acesso aos serviços de saúde.22 Ansari Z, Laditka JN, Laditka SB. Access to health care and hospitalization for ambulatory care sensitive conditions. Med Care Res Rev. 2006;63(6):719-41. DOI:10.1177/1077558706293637,55 Bermudez D, Baker L. The relationship between SCHIP enrollment and hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions in California. J Health Care Poor Underserved. 2005;16(1):96-110. DOI:10.1353/hpu.2005.0003,77 Bindman AB, Chattopadhyay A, Osmond DH, Huen W, Bacchetti P. The impact of Medicaid managed care on hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions. Health Serv Res. 2005;40(1):19-38. DOI:10.1111/j.1475-6773.2005.00340.x Patologias que apresentem alta prevalência, considerável impacto na morbimortalidade e passíveis de tratamento e prevenção ambulatorial têm sido consideradas objeto de intervenção prioritária na atenção primária à saúde e pertinentes ao conceito de condição sensível a esse nível de atenção.11 Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, et al. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP – Brasil). Cad Saude Publica. 2009;25(6):1337-49. DOI:10.1590/S0102-311X2009000600016
Nessa perspectiva, maior capacidade de resolução dos serviços de atenção primária deveria implicar diminuição das internações hospitalares. Tal expectativa tem levado à crescente responsabilidade da atenção primária à saúde ao eleger esse nível como uma das alternativas de atenção mais efetiva e de custo mais razoável, o que contribui para elevar a importância desse nível assistencial no sistema saúde, ainda bastante polarizado pela atenção hospitalar.
Essa é a base das propostas de avaliação do funcionamento do primeiro nível assistencial a partir das hospitalizações devidas a causas preveníveis mediante intervenção da atenção primária adequada quanto ao tipo, localização, intensidade e oportunidade para cada problema de saúde.1010 Caminal-Homar J, Casanova-Matutano C. La evaluación de la atención primaria y las hospitalizaciones por “ambulatory care sensitive conditions”: marco conceptual. Aten Primaria. 2003;31(1):61-5. DOI:10.1157/13042583
No Brasil, a partir de 2001, surgiram na literatura as primeiras listas de condições sensíveis à atenção ambulatorial nos estados do Cearáaa Secretaria de Estado da Saúde do Ceará. Lista de diagnósticos sensíveis à atenção ambulatorial da Secretaria de Estado da Saúde do Ceará. Fortaleza; 2001. e Minas Geraisbb Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais. Resolução SES/MG nº 1093, de 29 de dezembro de 2006. Belo Horizonte; 2006 [citado 2014 ago 16]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/sobre/institucional/resolucoes e no município de Curitiba, PR,cc Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Centro de Epidemiologia, Coordenação de Diagnóstico em Saúde. Avaliação das internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial. Curitiba; 2006. as quais, juntamente com as experiências internacionais, deram suporte à elaboração do indicador internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP).11 Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, et al. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP – Brasil). Cad Saude Publica. 2009;25(6):1337-49. DOI:10.1590/S0102-311X2009000600016
A concentração dos artigos científicos nos últimos anos mostra o interesse crescente na utilização do indicador ICSAP em todo o mundo, mesmo que com distintas denominações e diferenças entre as listas de enfermidades. A maioria dos estudos reconhece que a oferta adequada de serviços de atenção primária reduz as hospitalizações pelas condições sensíveis, ainda que a magnitude dessa relação varie em função de condições sociodemográficas e das políticas de saúde vigentes.1616 Nedel FB, Facchini LA, Martín M, Navarro A. Características da atenção básica associadas ao risco de internar por condições sensíveis à atenção primária: revisão sistemática da literatura. Epidemiol Serv Saude. 2010;19(1):61-75.
Nesse sentido, as ICSAP apresentam potencial de utilização na avaliação do impacto das ações da Estratégia Saúde da Família (ESF), programa de orientação da atenção primária à saúde no âmbito do SUS.
No contexto da ESF, a avaliação da efetividade implica levar em conta a multiplicidade de elementos que compõem tal estratégia, influenciados pelo contexto social, econômico, político, cultural e biológico, e ainda pela proposta de processo de trabalho diferenciado que envolve novas habilidades. A ESF exige das equipes ampliação do foco de atenção dos aspectos assistenciais para atividades de vigilância em saúde. Isso significa mudanças nas formas de abordagem individual e coletiva, bem como uma atuação integrada dos diversos setores da gestão pública municipal.dd Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF): UNESCO/Ministério da Saúde; 2002.
O objetivo do estudo foi analisar taxas de permanência hospitalar e de proporção de óbitos por internações por condições sensíveis à atenção primária, caracterizando-as segundo cobertura da Estratégia de Saúde da Família.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico,ee Pesquisa realizada pelo Núcleo de Assessoria, Treinamento e Estudos em Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora em 2002. Intitulada: “Uso integrado da base de dados na avaliação em saúde”. realizado no estado de Minas Gerais, considerando unidade de análise cada um dos 853 municípios, estratificados por 28 regionais de saúde. A população do estado de Minas Gerais era de 19.597.330 habitantes.ff Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS. População residente: Minas Gerais [citado 2014 ago 20]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popmg.def Optou-se por essa estratificação nas análises, uma vez que os municípios de Minas Gerais apresentam ampla diversidade de condições socioeconômicas, de contextos ambientais e comportamentais, além de grande heterogeneidade no processo de expansão da ESF. Essas regionais são referências político-administrativas da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) que coexistem com a regionalização assistencial proposta pelo Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais.gg Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. O PDR: Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais. Belo Horizonte; 2010 [citado 2013 fev 28]. Disponível em http://www.saude.mg.gov.br/politicas_de_saude/plano-diretor-de-regionalizacao-pdr-novo/PDR.pdf
Foram selecionados dados das internações hospitalares, por local de residência, nos anos de 2000 e 2010, obtidos do Sistema de Informação Hospitalar (SIH-SUS), que tem como base as Autorizações de Internações Hospitalares.hh Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS [homepage]. Brasília (DF): s.d. [citado 2014 ago 16]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php
A identificação das ICSAP foi realizada utilizando-se os descritores da lista brasileira proposta pelo Ministério da Saúde,55 Bermudez D, Baker L. The relationship between SCHIP enrollment and hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions in California. J Health Care Poor Underserved. 2005;16(1):96-110. DOI:10.1353/hpu.2005.0003 conforme a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima Revisão (CID-10). Foi utilizado um algoritmo idealizado pelos pesquisadores envolvidos, utilizando o programa Stata.
As taxas foram calculadas utilizando-se o número de ICSAP e os dados populacionais dos censos 2000 e 2010,ff Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS. População residente: Minas Gerais [citado 2014 ago 20]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popmg.def respectivamente, por 1.000 habitantes. Inicialmente, foi realizada análise descritiva utilizando razões de taxas (RTx 2010/2000) das ICSAP para o estado, considerando os grupos de causas que levaram à internação. Analisou-se também a evolução das taxas de ICSAP nas Regionais de Saúde/SES-MG. A significância da diferença entre os anos de 2000 e 2010 foi verificada com aplicação do teste t para dados pareados.
Posteriormente, realizou-se comparação das taxas de ICSAP entre as regionais de saúde, nos anos de 2000 e 2010. Para a análise de significância utilizou-se ANOVA, seguida do teste post hoc de Dunnett.
A proporção de óbitos por ICSAP entre os dois períodos (R% 2010/2000) e a proporção entre dias de permanência hospitalar (RPerm 2010/2000) foi analisada por regional de saúde. A significância estatística também foi obtida com aplicação do teste t para dados pareados.
As significâncias das diferenças entre as proporções médias de óbitos por ICSAP dos dois períodos (R% 2010/2000) e dos tempos médios de permanência hospitalar (RPerm 2010/2000) foram obtidas com aplicação do teste t para dados pareados.
Dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) foram coletados para o cálculo da cobertura populacional pela ESF, tendo sido utilizada a fórmula: (número de pessoas cadastradas no SIAB / população total) × 100, com limitador de 100% para a cobertura. Calculou-se a diferença da cobertura pela ESF nas regionais de saúde entre os dois períodos estudados (Dif. ESF 2010-2000).
A correlação entre a diferença de cobertura pela ESF (Dif. ESF 2010-2000) com a razão das taxas de ICSAP foi verificada com o cálculo do coeficiente de correlação de Pearson.
Para as análises de significância estatística e de correlação foi utilizado o programa SPSS, versão15.0.
RESULTADOS
A população de Minas Gerais aumentou 9,5% entre 2000 e 2010, perfazendo um total de 19.597.330 habitantes segundo o censo 2010. O total de hospitalizações apresentou queda de 1.256.761 para 1.149.253 no mesmo período (8,5%). As taxas de ICSAP no estado apresentaram diminuição significante de 20,75/mil hab (dp = 10,42) em 2000 para 14,92/mil hab (dp = 10,04) em 2010 (p < 0,001).
As dez causas mais frequentes de hospitalizações corresponderam a 86,0% do total das ICSAP em ambos os períodos. A insuficiência cardíaca e as gastroenterites apresentaram taxas mais elevadas nos dois períodos. Algumas outras causas apresentaram acréscimo das taxas durante o período avaliado: a angina pectoris (RTx = 1,7), as doenças relacionadas ao pré-natal e parto (RTx = 1,6), as infecções de nariz, ouvido e garganta (RTx = 1,9), as infecções de rim e trato urinário (RTx = 1,34) e a tuberculose (RTx = 1,2). Mantiveram-se estáveis ou não apresentaram diferenças significativas as hospitalizações por desnutrição, diabetes mellitus, infecções cutâneas e pneumonia bacteriana. As demais causas de ICSAP apresentaram redução, com destaque para a asma, doenças inflamatórias dos órgãos pélvicos femininos e hipertensão, que apresentaram razões de taxas inferiores a 0,5 (Tabela 1).
Assim como o observado na análise geral do estado, a queda das taxas de ICSAP entre os dois períodos foi significativa em 22 das 28 regionais de saúde. A diferença observada de 2000 para 2010, em cada regional, apresentou grande variabilidade, revelando a maior queda (10,25/mil hab) na regional de saúde de Ituiutaba e o maior aumento (1,05/mil hab) na regional de Juiz de Fora. Dados de outras regionais estão indicados na Tabela 2.
Em 2000, a regional de saúde com maior taxa média de ICSAP foi Leopoldina (33,06/mil hab), com diferença significativa entres as regionais de Januária (p = 0,029) e Montes Claros (p = 0,017). A regional de Ubá identifica-se com diferença significativa com as de Belo Horizonte (p = 0,017), Januária (p = 0,007) e Montes Claros (0,001) (Tabela 2).
Em 2010, a taxa média da regional de Ubá foi significativamente superior às médias de outras regionais (Tabela 2). A segunda maior taxa média de ICSAP, no mesmo ano, correspondeu à regional de Leopoldina (23,88/mil hab), significativamente mais elevada do que as encontradas em outras regionais (Tabela 2).
A proporção de óbitos por ICSAP no estado aumentou de 4,8% para 6,5% (p < 0,01) no período estudado. As regionais de saúde que apresentaram aumento significativo das proporções médias de óbitos foram Coronel Fabriciano, Divinópolis, Governador Valadares, Itabira, Januária, Manhumirim, Montes Claros, Passos, Pouso Alegre, Sete Lagoas, Teófilo Otoni e Varginha. Embora sem significância estatística, observou-se queda nas proporções médias de óbitos nas regionais de Barbacena, Juiz de Fora e Ubá (Tabela 3).
O aumento médio na permanência hospitalar por ICSAP no estado, entre os dois anos do estudo, embora pequeno (de 5,0 para 5,2 dias), mostrou-se significativo (p = 0,004). Os tempos médios de hospitalização por ICSAP foram significativamente maiores em 2010 do que em outras regionais (Tabela 3).
Em relação à cobertura pela ESF, observou-se aumento significativo médio em todas as regionais de saúde do estado. Tal aumento variou de 26,5% em Sete Lagoas a 74,8% em Governador Valadares. A única regional que apresentou correlação significante entre a expansão da ESF e a razão das taxas médias de ICSAP foi Manhumirim (r = 0,369, p = 0,027), indicando que, para os municípios dessa regional, quanto maior a expansão da ESF, menor a razão das taxas de ICSAP. Para as regionais de Pedra Azul, Januária e Juiz de Fora, a despeito da elevação da cobertura pela ESF (49,1%, 52,4% e 54,7% respectivamente), não foram observadas alterações significativas nas ICSAP. A regional de Sete Lagoas apresentou menor aumento da cobertura pela ESF (26,5%) e maior queda nas taxas de ICSAP (RTx = 0,5), embora não estatisticamente significante (Tabela 4).
Não foram encontradas correlações significantes entre a permanência hospitalar e o aumento da cobertura pela ESF nas regionais de saúde. Essa correlação também não foi significativa na análise geral do estado (coeficiente de Pearson = 0,039, p = 0,252).
DISCUSSÃO
O total de hospitalizações por causas gerais no estado de Minas Gerais apresentou queda de 1.256.761 para 1.149.253 (8,5%) entre os anos de 2000 e 2010. As taxas de ICSAP no estado diminuíram significativamente no mesmo período, mas as características próprias de cada uma das 28 regionais de saúde podem ter refletido nos diferentes resultados observados na comparação entre as regionais. A divisão dos estados brasileiros em regionais de saúde é uma característica do sistema descentralizado de saúde no território nacional. São espaços geográficos contíguos, com infraestrutura de redes de comunicação e transporte compartilhados, constituídos com base nas identidades culturais, econômicas e sociais.dd Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF): UNESCO/Ministério da Saúde; 2002. A lógica de organização em regionais de saúde fortalece a regionalização e consolidação de redes de atenção à saúde, visando ampliar o acesso, a efetividade e eficiência de ações e serviços de saúde, como orientado pelo Decreto 7.508/2011, que regulamentou a Lei Orgânica da Saúde.
As taxas de internações por causas gerais e por condições sensíveis à atenção primária apresentaram queda entre 2000 e 2010 na análise geral do estado, mesmo com o crescimento da população (9,5%) e redução de 10,2% do número de leitos hospitalares entre 2006 e 2010.hh Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS [homepage]. Brasília (DF): s.d. [citado 2014 ago 16]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php Esses resultados aproximam-se de alguns estudos brasileiros, como o de Alfradique et al (2009), que mostrou redução de 15,8% das ICSAP e de 10,1% para as demais causas de internação no Brasil, no período de 2000 a 2006, o que se confirmou em trabalhos mais recentes.99 Boing AF, Vicenzi RB, Magajewski F, Boing AC, Moretti-Pires RO, Peres KG, et al. Reduction of ambulatory care sensitive conditions in Brazil between 1998 and 2009. Rev Saude Publica. 2012;46(2):359-66. DOI:10.1590/S0034-89102012005000011,1919 Rehem TCMSB, Egry EY. Internações por condições sensíveis à atenção primária no Estado de São Paulo. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(12):4755-66. DOI:10.1590/S1413-81232011001300024 Duas regionais de saúde – Januária e Juiz de Fora –, em tendência contrária, apresentaram aumento das taxas. Nesta última, o aumento identificado corrobora estudo que indicou incremento das ICSAP entre os quadriênios 2002 e 20092020 Rodrigues-Bastos RM, Campos EMS, Ribeiro LC, Firmino RUR, Bustamante-Teixeira MT. Internações por condições sensíveis à atenção primária no Sudeste do Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2013;59(2):120-7. DOI:10.1016/j.ramb.2012.11.001 no município de Juiz de Fora, sede da regional de saúde. Tal situação pode ser atribuída às dificuldades na priorização da atenção primária nesse município, conforme apontado por Campos et al.ii Campos EMS, Bustamante-Teixeira MT, Bonin HB, Oliveira LZ, Cruzeiro CNL, Mauad NM, et al. Tecnologias ativas de integralidade em saúde na Atenção Básica: a experiência do município de Juiz de Fora. In: Pinheiro R, Silva Jr AIG, Mattos RA. Atenção Básica e integralidade: contribuições para estudos e práticas avaliativas em saúde. Rio de Janeiro: CEPESC-IMS/Abrasco; 2008. p.129-52.
As demais regionais de saúde do estado acompanharam a tendência de queda das ICSAP. Entretanto, ocorreram hospitalizações por patologias como as doenças imunopreveníveis e a desnutrição. As duas causas mais frequentes de ICSAP (insuficiência cardíaca e gastroenterites), em ambos os períodos, somadas às infecções de rim, de trato urinário, de ouvido, nariz e garganta, à angina pectoris e à tuberculose – cujas taxas elevaram-se entre os dois períodos (2000 e 2010) –, indicam que as necessidades do estado para a melhoria da efetividade da atenção primária não devem se concentrar em apenas uma grande área da saúde. Devem ser contempladas patologias agudas e crônicas, transmissíveis e não transmissíveis, focando no controle dos fatores de risco, na prevenção de complicações, associados a ações contínuas de promoção da saúde. Embora a prevalência das causas de ICSAP por regional de saúde não faça parte do escopo deste estudo, tais resultados apontam a necessidade de avaliações mais detalhadas e individualizadas de cada regional, contemplando a distribuição por grupos etários, especialmente as de Leopoldina e Ubá, que apresentaram as taxas mais elevadas em ambos os períodos.
As taxas de internação por hipertensão arterial, asma e diabetes mellitus, em menor nível, apresentaram queda no período. Esses diagnósticos estão entre aqueles que compõem o elenco dos mais sensíveis à atenção primária, cujo controle e monitoramento fazem parte do Pacto pela Saúdejj Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Departamento de Apoio à Descentralização. Coordenação Geral de Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes operacionais dos pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão. 2.ed. Brasília (DF); 2006 [citado 2014 ago 16]. (Série A Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://www.saude.mppr.mp.br/arquivos/File/volume1.pdf e das ações programáticas prioritárias para a atenção primária.
O aumento das internações por infecção de rim e trato urinário, angina pectoris, infecções de ouvido, nariz e garganta pode significar que a atenção primária está menos organizada para atender a tais diagnósticos ou que estes possam ser menos sensíveis a esse nível de atenção. Já o aumento das internações por doenças relacionadas ao pré-natal e parto aponta a necessidade de melhor investigar a relação entre o acompanhamento no pré-natal e os mecanismos de referência e da qualidade do cuidado no parto.1212 Coutinho T, Monteiro MFG, Sayd JD, Teixeira MTB, Coutinho CM, Coutinho LM. Monitoramento do processo de assistência pré-natal entre as usuárias do Sistema Único de Saúde em município do Sudeste brasileiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(11):563-9. DOI:10.1590/S0100-72032010001100008
A insuficiência cardíaca, causa mais prevalente de ICSAP nos dois anos estudados, representa também a principal causa de internação no sistema público brasileiro em indivíduos acima de 65 anos de idade.33 Araújo DV, Tavares LR, Veríssimo R, Ferraz MB, Mesquita ET. Custo da insuficiência cardíaca no Sistema Único de Saúde. Arq Bras Cardiol. 2005;84(5):422-7. DOI:10.1590/S0066-782X2005000500013 Estudo das hospitalizações por condições cardiovasculares sensíveis à atenção primária nos municípios goianos concluiu que as taxas diminuíram nesses municípios, independentemente da cobertura da ESF.44 Batista SRR, Jardim PCBV, Sousa ALL, Salgado CM. Hospitalizações por condições cardiovasculares sensíveis à atenção primária em municípios goianos. Rev Saude Publica. 2012;46(1):34-42. DOI:10.1590/S0034-89102012005000001 Philbin et al1717 Philbin EF, Dec GW, Jenkins PL, DiSalvo TG. Socioeconomic status as an independent risk factor for hospital readmission for heart failure. Am J Cardiol. 2001;87(12):1367-71. DOI:10.1016/S0002-9149(01)01554-5 identificaram o baixo nível socioeconômico como um fator de risco para os casos de readmissão hospitalar. Identificar essas e outras barreiras que impeçam a prevenção das hospitalizações por insuficiência cardíaca é uma tarefa que exige ações interdisciplinares, intersetoriais e monitoramento constante do processo de trabalho das equipes de saúde.
Um dos resultados do presente trabalho que merece atenção é o aumento de 4,6% para 5,4% na proporção de óbitos dos indivíduos hospitalizados por doenças que sequer deveriam tê-los levado à internação.
Os resultados deste estudo não mostraram correlação entre expansão da ESF e diminuição das ICSAP, com exceção da regional de saúde de Manhumirim. No entanto, estudos com 1.622 municípios brasileiros identificaram correlação negativa entre cobertura da ESF e ICSAP,1515 Macinko J, Dourado I, Aquino R, Bonolo PF, Lima-Costa MF, Medina MG, et al. Major expansion of primary care in Brazil linked to decline of unnecessary hospitalization. Health Aff (Millwood). 2010;29(12):2149-60. DOI:10.1377/hlthaff.2010.0251 efeito potencializado pelo tempo de implantação da ESF nos municípios,1818 Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data. BMJ. 2014;349:4014. DOI:10.1136/bmj.g4014 demonstrando que, quanto maior o tempo de atuação das equipes de saúde da família, menor a prevalência de ICSAP. Embora a cobertura populacional pela ESF tenha aumentado em todas as regionais de saúde de Minas Gerais no período, esta não ocorreu de forma homogênea, tendo variado entre 26,5% e 74,8%. Pode-se inferir que a implantação da ESF contribuiu para ampliar a cobertura da atenção básica e para a organização de um modelo assistencial que adotou a saúde da família como porta de entrada para o sistema, mas possivelmente não se fez acompanhar de uma correspondente melhoria no nível de organização e práticas desses serviços, não atingindo a resolutividade esperada.2222 Silva CC, Silva ATMC, Losing A. A integração e articulação entre as ações de saúde e de educação no Programa de Saúde da Família – PSF. Rev Eletron Enferm. 2006;8(1):70-4.
Existem grandes desafios para analisar os efeitos das ações propostas para a melhoria da atenção primária. O impacto das ações de saúde é influenciado por múltiplos fatores que interferem no processo saúde-doença, dificultando a verificação de associação entre as ações executadas e os desfechos avaliados.1414 Habicht JP, Victora CG, Vaughan JP. Evaluation designs for adequacy, plausibility and probability of public health programme performance and impact. Int J Epidemiol. 1999;28(1):10-18. DOI:10.1093/ije/28.1.10
15 Macinko J, Dourado I, Aquino R, Bonolo PF, Lima-Costa MF, Medina MG, et al. Major expansion of primary care in Brazil linked to decline of unnecessary hospitalization. Health Aff (Millwood). 2010;29(12):2149-60. DOI:10.1377/hlthaff.2010.0251
16 Nedel FB, Facchini LA, Martín M, Navarro A. Características da atenção básica associadas ao risco de internar por condições sensíveis à atenção primária: revisão sistemática da literatura. Epidemiol Serv Saude. 2010;19(1):61-75.
17 Philbin EF, Dec GW, Jenkins PL, DiSalvo TG. Socioeconomic status as an independent risk factor for hospital readmission for heart failure. Am J Cardiol. 2001;87(12):1367-71. DOI:10.1016/S0002-9149(01)01554-5
18 Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data. BMJ. 2014;349:4014. DOI:10.1136/bmj.g4014
19 Rehem TCMSB, Egry EY. Internações por condições sensíveis à atenção primária no Estado de São Paulo. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(12):4755-66. DOI:10.1590/S1413-81232011001300024
20 Rodrigues-Bastos RM, Campos EMS, Ribeiro LC, Firmino RUR, Bustamante-Teixeira MT. Internações por condições sensíveis à atenção primária no Sudeste do Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2013;59(2):120-7. DOI:10.1016/j.ramb.2012.11.001
21 Silva AS, Laprega MR. Avaliação crítica do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2005;21(6):1821-28. DOI:10.1590/S0102-311X2005000600031
22 Silva CC, Silva ATMC, Losing A. A integração e articulação entre as ações de saúde e de educação no Programa de Saúde da Família – PSF. Rev Eletron Enferm. 2006;8(1):70-4.
23 Tibiriçá SHC, Ezequiel OS, Carminate DLG, Rioga GMP, Ribeiro LC, Bustamante-Teixeira MT. O potencial do cadastro das famílias no Sistema de Informação da Atenção Básica em Saúde, como base para determinação da amostra em pesquisas na área da saúde. Rev APS. 2009;12(2):161-7.-2424 Viacava F, Ugá MAD, Porto S, Laguardia J, Moreira RS. Avaliação de Desempenho de Sistemas de Saúde: um modelo de análise. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(4):921-34. DOI:10.1590/S1413-81232012000400014
Por se tratar de um estudo que utiliza dados secundários, alguns aspectos merecem consideração. Não se pode descartar a existência de problemas no registro da autorização de internação hospitalar (AIH) de diagnósticos presumíveis e o registro intencional de diagnóstico diferente do real com o intuito de obter maior receita do SUS. 2323 Tibiriçá SHC, Ezequiel OS, Carminate DLG, Rioga GMP, Ribeiro LC, Bustamante-Teixeira MT. O potencial do cadastro das famílias no Sistema de Informação da Atenção Básica em Saúde, como base para determinação da amostra em pesquisas na área da saúde. Rev APS. 2009;12(2):161-7. No entanto, revisão da literatura sobre utilização dos dados do Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH/SUS) na saúde coletiva indica que, embora o SIH/SUS tenha cobertura incompleta e incertezas quanto à confiabilidade de suas informações, a variedade de estudos aliada a resultados que mostraram consistência interna e coerência com os conhecimentos atuais reforça a sua importância e potencialidade de utilização.88 Bittencourt SA, Camacho LAB, Leal MC. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saude Publica. 2006;22(1):19-30. DOI:10.1590/S0102-311X2006000100003 Estudo em três municípios mineiros afirma que o cadastro de famílias (Ficha A do SIAB) é confiável como base populacional para pesquisas.2121 Silva AS, Laprega MR. Avaliação crítica do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2005;21(6):1821-28. DOI:10.1590/S0102-311X2005000600031 Silva & Laprega observam que, a despeito da falta de supervisão e controle da qualidade dos dados produzidos pelas equipes, o sistema representa, potencialmente, uma fonte de dados de grande valor para o planejamento e avaliação de ações em saúde.2121 Silva AS, Laprega MR. Avaliação crítica do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2005;21(6):1821-28. DOI:10.1590/S0102-311X2005000600031
Embora relevantes, os resultados do presente trabalho não permitem avaliar o impacto da ESF nas ICSAP. Estudos mostram que altas taxas de ICSAP em uma população ou subgrupo podem indicar sérios problemas de acesso ao sistema de saúde ou de seu desempenho.22 Ansari Z, Laditka JN, Laditka SB. Access to health care and hospitalization for ambulatory care sensitive conditions. Med Care Res Rev. 2006;63(6):719-41. DOI:10.1177/1077558706293637,55 Bermudez D, Baker L. The relationship between SCHIP enrollment and hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions in California. J Health Care Poor Underserved. 2005;16(1):96-110. DOI:10.1353/hpu.2005.0003,1111 Casanova C, Starfield B. Hospitalizations of children and access to primary care: a cross-national comparison. Int J Health Serv. 1995;25(2):283-94. Trata-se, portanto, de um indicador valioso para o monitoramento, e a avaliação e sua utilização devem buscar contemplar os contextos demográficos e regionais.55 Bermudez D, Baker L. The relationship between SCHIP enrollment and hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions in California. J Health Care Poor Underserved. 2005;16(1):96-110. DOI:10.1353/hpu.2005.0003 Identificar padrões das ICSAP em realidades distintas possibilita conhecer uma das dimensões de análise da efetividade, uma vez que aspectos relacionados à estrutura e ao processo também interferem nos resultados dos serviços de saúde.
Starfield observa que uma das principais metas dos serviços de saúde deve ser a de minimizar as disparidades entre subgrupos populacionais.dd Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF): UNESCO/Ministério da Saúde; 2002. Os resultados apresentados podem ser de grande valia para a gestão dos serviços, assistência à população e para a qualidade da informação, contribuindo para a avaliação e implementação de políticas que visem conformar uma atenção primária à saúde resolutiva e de qualidade, que resulte na redução das iniquidades.
DESTAQUES
As iniciativas governamentais visando à consolidação da atenção primária em Minas Gerais mostraram-se não efetivas na diminuição de ICSAP no período estudado. A expansão da cobertura pela Estratégia de Saúde da Família não mostrou correlação com a queda das taxas de ICSAP entre os períodos. Embora tenha ocorrido diminuição das ICSAP, evidenciou-se queda na oferta de leitos hospitalares e das taxas de internações por causas gerais. Apesar da descentralização do gerenciamento da saúde em regionais do estado, o perfil das internações manteve-se inalterado, com taxas mais elevadas nas regionais, de Leopoldina e Ubá.
Hospitalizações por insuficiência cardíaca e gastroenterites mantiveram-se como as principais causas de ICSAP no estado. Internações por infecções de rins e trato urinário, angina pectoris, infecções de ouvido, nariz e garganta e doenças relacionadas ao pré-natal e parto apresentaram aumento das taxas, a despeito de programas destinados à melhoria da atenção a essas condições de saúde.
Os resultados do estudo poderão contribuir para o processo de gestão do SUS em Minas Gerais. A expansão da cobertura pela Estratégia de Saúde da Família, por si só, não garantiu a diminuição das internações por causas potencialmente evitáveis.
Em conclusão, este estudo fornece subsídios para a implementação de estratégias de avaliação da efetividade da atenção primária nos demais estados da Federação, utilizando os sistemas de informação disponibilizados pelo Ministério da Saúde e contribuindo para a tomada de decisões de gestores e profissionais de saúde.
Rita de Cássia Barradas Barata
Editora Científica
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Dez 2014
Histórico
- Recebido
10 Nov 2013 - Aceito
15 Jul 2014