Resumo
Objetivou-se apresentar os principais marcos históricos e regulatórios da prevenção das infecções relacionadas à assistência em saúde, a magnitude do problema no Brasil e uma visão crítica sobre os desafios e necessidades para sua prevenção no País. Assim, foi desenvolvida narrativa crítica sobre infecções relacionadas à assistência à saúde quanto aos elementos normativos e administrativos da prevenção, da magnitude do fenômeno, apontando desafios para o controle de tais infecções no Brasil. São discutidos aspectos históricos do controle de infecções relacionadas à assistência à saúde, as dificuldades impostas pelas características do sistema de saúde e dimensões geográficas do País, as limitações de suporte laboratorial, custos, cultura institucional, capacitação de profissionais e engajamento dos pacientes. Considerou-se premente haver discussão nacional sobre o tema por meio do diálogo entre os segmentos da representação governamental, das instituições, dos trabalhadores e usuários do sistema de saúde, para superação desses desafios.
Infecção Hospitalar, prevenção & controle; Programa de Controle de Infecção Hospitalar; Serviço Hospitalar de Limpeza; Transmissão de Doença Infecciosa do Paciente para o Profissional; Transmissão de Doença Infecciosa do Profissional para o Paciente; Vigilância Sanitária; Vigilância Epidemiológica
INTRODUÇÃO
Os danos infecciosos da assistência foram trazidos à tona durante a chamada “revolução pasteuriana”, por nomes como Ignaz Semmelweis, Florence Nightingale e Joseph Lister.66 Larson E. Innovations in health care: antisepsis as a case study. Am J Public Health. 1989;79(1):92-9. DOI:10.2105/AJPH.79.1.92 Ao longo do século XX, em consequência do suporte avançado de vida e de terapias imunossupressoras, observou-se a necessidade de medidas de controle nos hospitais. Assim, as infecções hospitalares passaram a ser combatidas de forma sistemática nos países desenvolvidos.1010 Nogueira Jr C, Mello DS, Padoveze MC, Boszczowski I, Levin AS, Lacerda RA. Characterization of epidemiological surveillance systems for healthcare-associated infections (HAI) in the world and challenges for Brazil. Cad Saude Publica. 2014;30(1):11-20. DOI:10.1590/0102-311X00044113,1515 Selwyn S. Hospital infection: the first 2500 years. J Hosp Infect. 1991;18 Suppl A:5-64. Desde meados da década de 1990, o termo “infecções hospitalares” foi substituído por “infecções relacionadas à assistência em saúde” (IRAS), sendo essa designação uma ampliação conceitual que incorpora infecções adquiridas e relacionadas à assistência em qualquer ambiente.44 Horan TC, Andrus M, Dudeck MA. CDC/NHSN surveillance definition of health care-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting. Am J Infect Control. 2008;36(5):309-32. DOI:10.1016/j.ajic.2008.03.002
As IRAS apresentam impacto sobre letalidade hospitalar, duração da internação e custos. O aumento das condições que induzem à internação de indivíduos cada vez mais graves e imunocomprometidos, somado ao surgimento da resistência a antimicrobianos, confere às IRAS especial relevância para a saúde pública. Além disso, os países em desenvolvimento sofrem com maior carga de IRAS, podendo ser até 20 vezes superior aos países desenvolvidos.22 Allegranzi B, Bagheri Nejad S, Combescure C, Graafmans W, Attar H, Donaldson L, et al. Burden of endemic health-care-associated infection in developing countries: systematic review and meta-analysis. Lancet. 2011;377(9761):228-41. DOI:10.1016/S0140-6736(10)61458-4,1313 Pittet D, Allegranzi B, Storr J, Bagheri Nejad S, Dziekan G, Leotsakos A, et al. Infection control as a major World Health Organization priority for developing countries. J Hosp Infect. 2008;68(4):285-92. DOI:10.1016/j.jhin.2007.12.013 Fatores associados à escassez e qualificação de recursos humanos, aliados à estrutura física inadequada em serviços de saúde e ao desconhecimento de medidas de controle de IRAS, contribuem para esse cenário.
Reconhecendo o fenômeno das IRAS como problema de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que a autoridade de saúde designe uma agência para o gerenciamento de um plano em âmbito nacional, o qual deverá estar alinhado com os demais objetivos em saúde.aa World Health Organization. Practical guidelines for infection control in healthcare facilities. Geneva; 2004 [citado 2012 dez 4]. Disponível em: http://www.wpro.who.int/publications/docs/practical_guidelines_infection_control.pdf Para o Brasil, é importante haver discussão sobre as ações programáticas, reconhecendo os avanços até o momento, identificando os desafios e propondo caminhos que possam ampliar a potencialidade dessas ações.
O presente artigo teve por objetivo apresentar os principais marcos históricos e regulatórios da prevenção das infecções relacionadas à assistência em saúde, a magnitude do problema no Brasil e uma visão crítica sobre os desafios e necessidades para sua prevenção no País.
Marcos históricos e regulatórios referentes às IRAS no Brasil
Embora as primeiras comissões de controle de infecção hospitalar (CCIH) tenham surgido na década de 1960, as ações governamentais programáticas no País tiveram início nos últimos anos da ditadura militar por meio de normativas do Ministério da Saúde (MS).bb Brasil. Lei nº 9.431, de 6 de Janeiro de 1997. Dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de programas de controle de infecção hospitalar pelos hospitais do país. Diario Oficial Uniao. 7 jan 1997:265. Na década de 1980, teve início a publicação de guias técnicos nacionais os quais tratavam o tema no âmbito da avaliação sanitária de estrutura, sendo ainda incipiente o uso de métodos epidemiológicos. Inclusive, nessa década o tema passou a ser pauta das autoridades sanitárias e o MS implementou um programa de treinamento de capacitação para 14 mil profissionais.55 Lacerda RA, coordenador. Controle de infecção em centro cirúrgico: fatos, mitos e controvérsias. São Paulo: Atheneu; 2003. Entretanto, o impacto dessa iniciativa não foi mensurado e o projeto foi descontinuado. Seguiram-se anos de lacuna de atividades governamentais de capacitação e somente em 2004 surgiu um novo treinamento direcionado aos profissionais das vigilâncias sanitárias, utilizando curso à distância.33 Guerra CM, Ramos MP, Penna VZ, Goto JM, Santi LQ, de Andrade Stempliuk V, et al. How to educate health care professionals in developing countries? A Brazilian experience. Am J Infect Control. 2010;38(6):491-3. DOI:10.1016/j.ajic.2009.09.015
Em 1990, foi realizada a Conferência Regional sobre Prevenção e Controle de Infecções Hospitalares, em que foi apontada a necessidade de implementação de comissões nacionais de prevenção de controle de IRAS.cc Santos AAM. O modelo brasileiro para o controle das infecções hospitalares após vinte anos de legislação, onde estamos e para onde vamos? [dissertação de mestrado]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2006. Entrementes no Brasil, essa comissão já havia sido implantada por meio da instituição do Programa Nacional de Controle de Infecção Hospitalar (PNCIH).cc Santos AAM. O modelo brasileiro para o controle das infecções hospitalares após vinte anos de legislação, onde estamos e para onde vamos? [dissertação de mestrado]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2006. Como resultado, foi criada a Divisão Nacional de Controle de Infecção Hospitalar.11 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa intensifica controle de infecção em serviços de saúde. Rev Saude Publica. 2004;38(3):47-8. DOI:10.1590/S0034-89102004000300022 Há poucos relatos de ações efetivas dessa comissão e somente 20 anos depois uma nova comissão nacional foi instituída (Tabela). Outras diretrizes emergiram da citada conferência: (a) a vinculação da acreditação hospitalar à presença de programa de IRAS; (b) a inclusão do tema nos currículos das ciências da saúde e programas de educação continuada; (c) a cooperação entre instituições estatais e universidades nas investigações epidemiológicas; (d) a identificação de laboratórios de referência regional em microbiologia; (e) a instituição de grupos de trabalho voltados ao uso de antimicrobianos e diagnóstico microbiológico de IRAS. Entretanto, a despeito dos muitos avanços no setor, não foram alcançadas as recomendações apontadas nessa conferência.
Atualmente, as legislações que determinam as diretrizes gerais para a prevenção e controle de IRAS são a Lei 9.431 (1997),bb Brasil. Lei nº 9.431, de 6 de Janeiro de 1997. Dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de programas de controle de infecção hospitalar pelos hospitais do país. Diario Oficial Uniao. 7 jan 1997:265. a Portaria 2.616 (1998)dd Ministério da Saúde. Portaria nº 2.616, de 12 de maio de 1998. Diario Oficial Uniao. 13 maio 1998;Seção1;133. e a RDC 48 (2000).ee Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Roteiro de inspeção do programa de controle de infecção hospitalar. RDC nº 48, de 2 de junho de 2000. Diario Oficial Uniao. 6 jul 2000;Seção I:1415. Como elemento nuclear dessas diretrizes está a obrigatoriedade da composição de CCIH nos hospitais. A Portaria 2.616 introduziu a proposta de estruturas de programas também nos níveis federal, estadual e municipal. Há, no entanto, heterogeneidade no desempenho das coordenações estaduais de controle de infecção hospitalar, sendo a melhoria desse cenário uma das principais propostas do PNCIH desde o início da década de 2000.ff Sociedade Brasileira de Infectologia. São Paulo; 2014 [citado 2012 nov 5]. Disponível em: http://www.sbinfecto.org.br
A partir de 2000, o PNCIH foi vinculado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que assumiu as interfaces com os demais órgãos de vigilância sanitária (Tabela). Essa transição do Programa Nacional de IRAS para a Anvisa é um marco emblemático, indicando que para o Estado brasileiro o manejo das IRAS em âmbito governamental deveria manter-se na esfera da auditoria sanitária. Ao contrário de outros agravos, as IRAS vêm sendo compreendidas como fenômeno que demanda normatização e auditoria. Os resultados dessa postura foram ambíguos. Por um lado, houve notável avanço na legislação aplicada à prevenção de IRAS e aumento do controle por parte da vigilância sanitária. Paradoxalmente, o controle de IRAS passou a ser entendido como uma atividade centrada no cumprimento de normas, relacionado à postura individual dos serviços perante a lei. O resultado foi o esmaecimento da visão das IRAS como problema de saúde pública, ou a perda da perspectiva coletiva do problema. Esse fator contribuiu, em parte, para o fracasso inicial de tentativas de quantificar o impacto desse agravo em âmbito nacional.
A atividade da Anvisa no âmbito da regulação tem sido intensiva desde sua criação. A regulação de produtos comercializados, como saneantes e produtos para saúde (incluindo equipamentos), é uma das áreas de forte atuação, bem como a normatização referente a áreas físicas dos serviços de saúde (Tabela). Durante os últimos anos intensificou-se a produção de guias de orientação: até 2012 já se encontravam disponíveis na página eletrônica da Anvisa 16 manuais de orientação.gg Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do paciente e qualidade em serviços de saúde. Bol inform Segur Pac Qual Serv Saude. 2011 [citado 2013 fev 2];I(1):1-12. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f72c20804863a1d88cc88d2bd5b3ccf0/BOLETIM+I.PDF?MOD=AJPERES
A história recente do controle de IRAS no Brasil sofreu impacto de eventos epidêmicos. Os surtos de micobactérias de crescimento rápido em procedimentos invasivoshh Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Relatório descritivo de investigação de casos de infecções por micobactérias não tuberculosas de crescimento rápido (MCR) no Brasil no período de 1998 a 2009. Brasília (DF); 2011 [citado 2011 nov 25]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/hotsite_micobacteria/relatorio_descrito_mcr_16_02_11.pdf trouxeram à tona falhas importantes no reprocessamento de artigos, agravadas pela detecção de resistência de micobactérias de crescimento rápido ao glutaraldeído.77 Lorena NS, Pitombo MB, Cortes PB, Maya MC, Silva MG, Carvalho AC, et al. Mycobacterium massiliense BRA100 strain recovered from postsurgical infections: resistance to high concentrations of glutaraldehyde and alternative solutions for high level disinfection. Acta Cir Bras. 2010;25(5):455-9. DOI:10.1590/S0102-86502010000500013,88 Matsumoto CK, Chimara E, Ramos JP, Campos CE, Caldas PC, Lima KV, et al. Rapid tests for the detection of the Mycobacterium abscessus subsp. bolletii strain responsible for an epidemic of surgical-site infections in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2012;107(8):969-77. DOI:10.1590/S0074-02762012000800002,99 Monego F, Duarte RS, Nakatani SM, Araujo WN, Riediger IN, Brockelt S, et al. Molecular identification and typing of Mycobacterium massiliense isolated from postsurgical infections in Brazil. Braz J Infect Dis. 2011;15(5):436-41. DOI:10.1016/S1413-8670(11)70224-0,1111 Padoveze MC, Fortaleza CM, Freire MP, Brandão de Assis D, Madalosso G, Pellini AC, et al. Outbreak of surgical infection caused by non-tuberculous mycobacteria in breast implants in Brazil. J Hosp Infect. 2007;67(2):161-7. DOI:10.1016/j.jhin.2007.07.007 Surtos de enterobactérias produtoras da Carbapenemase da Klebsiella pneumoniae e Enterococcus spp resistentes à vancomicinaii Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Investigação e controle de bactérias multiresistentes. Brasília (DF); 2007 [citado 2012 nov 3]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/reniss/manual%20_controle_bacterias.pdf repercutiram na imprensa leiga (televisiva e impressa), culminando na proibição da compra de antimicrobianos sem receita médica e obrigatoriedade do uso de preparação alcoólica nas instituições (Tabela). Quanto à área de suporte de laboratório e resistência microbiana, houve a formação de comitês assessores compostos por especialistas, porém as ações até o momento são ainda tímidas considerando a dimensão do problema (Tabela).
No ano de 2007, em consonância com o movimento mundial na prevenção de IRAS, o MS aceitou oficialmente o engajamento no Desafio Global para Segurança do Paciente proposto pela OMS. Contudo, a maior parte dessas ações têm se mantido no âmbito da Anvisa, com recente envolvimento do MS nessa proposta.gg Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do paciente e qualidade em serviços de saúde. Bol inform Segur Pac Qual Serv Saude. 2011 [citado 2013 fev 2];I(1):1-12. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f72c20804863a1d88cc88d2bd5b3ccf0/BOLETIM+I.PDF?MOD=AJPERES
Magnitude do problema de IRAS no Brasil
A única avaliação de amplitude nacional de que se tem conhecimento no Brasil até o momento é o estudo de Prade et al (1995), que, em 1994, identificou prevalência de 15,0% de taxas de IRAS em 99 hospitais terciários.1414 Prade SS, Oliveira ST, Rodriguez R, Nunes F, Netto EM, Félix JQ, et al. Estudo brasileiro da magnitude das infecções hospitalares em hospital terciário. Rev Contr Inf Hosp. 1995;2(2):11-24.
A partir de 2001, a Anvisa iniciou diagnóstico do controle de IRAS no Brasil.jj Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Diagnóstico do controle de infecção hospitalar no Brasil. Brasília (DF); 2005 [citado 2013 fev 2]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/Infectes%20Hospitalares_diagnostico.pdf Tais achados apontaram questões de fragilidade estrutural para o controle de IRAS: 1/3 dos hospitais não possuíam suporte de laboratório de microbiologia, sendo essa proporção mais acentuada no Nordeste (46,0%) e menos no Sudeste (24%).cc Santos AAM. O modelo brasileiro para o controle das infecções hospitalares após vinte anos de legislação, onde estamos e para onde vamos? [dissertação de mestrado]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2006. Requisitos essenciais não eram atendidos por todas as instituições, como, por exemplo, ter a CCIH nomeada (76,0%) e realizar vigilância epidemiológica (77,0%). Em 2002 foi desenvolvido um inquérito nacional sobre a adequação dos laboratórios de microbiologia do Brasil, apontando importantes fragilidades nesse campo.kk Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Análise do Inquérito Nacional sobre infra-estrutura, recursos humanos, equipamentos, procedimentos, controle de qualidade e biossegurança nos Laboratórios de Microbiologia. Brasília (DF); 2007.
Entretanto, é reconhecido que somente um efetivo sistema de vigilância epidemiológica em âmbito nacional poderá definir a real magnitude do problema de IRAS no País.1010 Nogueira Jr C, Mello DS, Padoveze MC, Boszczowski I, Levin AS, Lacerda RA. Characterization of epidemiological surveillance systems for healthcare-associated infections (HAI) in the world and challenges for Brazil. Cad Saude Publica. 2014;30(1):11-20. DOI:10.1590/0102-311X00044113 As primeiras iniciativas de sistemas de vigilância organizadas, em âmbito governamental, que lograram obter resultados concretos ocorreram nos Estados de São Paulo e Paraná.1212 Padoveze MC, Assis DB, Freire MP, Madalosso G, Ferreira SA, Valente MG, et al. Surveillance Programme for Healthcare Associated Infections in the State of Sao Paulo, Brazil. Implementation and the first three years’ results. J Hosp Infect. 2010;76(4):311-5. DOI:10.1016/j.jhin.2010.07.005,11 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa intensifica controle de infecção em serviços de saúde. Rev Saude Publica. 2004;38(3):47-8. DOI:10.1590/S0034-89102004000300022 66 Larson E. Innovations in health care: antisepsis as a case study. Am J Public Health. 1989;79(1):92-9. DOI:10.2105/AJPH.79.1.92
A partir de 1998, o entendimento das ações programáticas para IRAS passou a incorporar o manejo epidemiológico do problema. Em 2010, a Anvisa implantou o sistema de vigilância das infecções primárias da corrente sanguínea associadas ao cateter venoso central. Os dados de 2012, referentes a 1.128 hospitais, identificaram incidência de 5,7 e 2,0 de infecções primárias da corrente sanguínea por 1.000 cateter venoso central-dia, respectivamente critério laboratorial e clínico, em UTI de adultos, com Staphylococcus coagulase negativo como principal agente etiológico.gg Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do paciente e qualidade em serviços de saúde. Bol inform Segur Pac Qual Serv Saude. 2011 [citado 2013 fev 2];I(1):1-12. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f72c20804863a1d88cc88d2bd5b3ccf0/BOLETIM+I.PDF?MOD=AJPERES Em 2013, foi lançado o Programa Nacional de Prevenção e Controle de IRAS.ll Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde. Brasília (DF); 2013 [citado 2014 jun 24]. Disponível em: http:// http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/home/servicosdesaude
Desafios para o futuro da prevenção e controle de IRAS no Brasil
O monitoramento das IRAS no âmbito da Anvisa implica abordagem diferente quando comparada aos demais agravos em saúde, que atualmente se encontram sob a Secretaria Nacional de Vigilância, no MS. Na ordem prática, há recursos humanos insuficientes para o seu manejo e não há um financiamento específico para o Programa Nacional de Prevenção e Controle de IRAS.
A dimensão territorial com alguns locais de difícil acesso, o grande número de instituições (especialmente nos estados e municípios de maior porte), muitos hospitais pequenos (≤ 50 leitos) com dificuldade para instituir uma CCIH, a heterogeneidade de oferta assistencial e a insuficiência de leitos de terapia intensiva aportam agravantes aos desafios. Há diferenças econômicas e culturais entre as regiões, com visões políticas distintas a respeito do fenômeno, as quais dificultam o estabelecimento de padrões normativos homogêneos para o País. Como exemplo, o CNESmm Ministério da Saúde. CNES: Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde. Brasília (DF); 2000 [citado 2014 jun 24]. Disponível em: www.cnes.datasus.gov.br contabilizava 6.266 hospitais em junho de 2012, distribuídos de forma heterogênea no território brasileiro, com mais de 50,0% dos hospitais concentrados nas Regiões Sudeste e Sul.
A constituição brasileira considera a saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado, mas não proíbe a existência de serviços de saúde privados.nn Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Legislação do SUS. Progestores 2003 - Programa de Informação e Apoio Técnico às Novas Equipes Gestoras Estaduais do SUS de 2003. Brasília (DF); 2003. O Sistema Único de Saúde atua nos três níveis de gestão de forma direta ou através de convênios ou contratos com serviços privados. Por outro lado, o setor privado (saúde suplementar) se organiza de forma variada, através de planos de saúde ou desembolso direto do usuário. Assim, esse sistema dual de saúde, a implementação de modalidades alternativas de gestão e o modelo descentralizado de gestão implicam em um grande número de interlocutores para o diálogo relativo às estratégias de prevenção.
A insuficiência de laboratórios de referência para dar suporte, em tempo oportuno, à crescente necessidade de investigação microbiológica, especialmente a resposta rápida nas situações de surto, é um desafio a ser superado com prioridade. Considerando que pesquisas de alto nível em microbiologia têm sido realizadas nas universidades brasileiras, é um paradoxo que a maior parte desses resultados não tenha sido direcionada às prioridades da saúde pública no País.
Os custos crescentes em saúde e os recursos limitados de materiais e profissionais especializados para o controle de IRAS são adversidades relevantes. No tangente à formação dos profissionais de saúde, raros são os cursos de graduação que capacitam nessa área. Independentemente da formação, a educação permanente em serviço é essencial e esse é um desafio a ser enfrentado no âmbito dos governos, das instituições de saúde e do próprio profissional, que deve ser proativo na busca da sua atualização. A magnitude do problema é às vezes subestimada por parte dos gestores das instituições e o suporte para ações de prevenção nem sempre é robusto.
Apesar de algumas iniciativasoo Silva PF, Padoveze MC. Infecções relacionadas a serviço de saúde - orientações para público geral. Conhecendo um pouco mais sobre as precauções específicas. São Paulo: Centro de Vigilância Epidemiológica; 2012 [citado 2013 Fev 02]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/ih/pdf/IRAS12_LEIGOS_PRECAUCAO.pdf há falta de informação qualificada sobre IRAS para os cidadãos, incluindo o papel do próprio paciente e de seus familiares. A mídia, ao abordar a questão das IRAS, é, em geral, exagerada e assustadora. É necessário estimular a representação da comunidade nos comitês de assessoramento das instituições governamentais e de saúde.
É premente uma profunda discussão nacional sobre qual deve ser a manifestação concreta de interesse do Estado brasileiro para a prevenção de IRAS. O diálogo entre os segmentos da representação governamental, das instituições de saúde, dos trabalhadores em saúde e dos usuários do sistema é elemento chave na superação desses desafios.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Dez 2014
Histórico
- Recebido
9 Mar 2013 - Aceito
28 Jun 2014