Consumo de alimentos ultraprocessados e impacto na dieta de adultos jovens

Renata M Bielemann Janaína V Santos Motta Gicele C Minten Bernardo L Horta Denise P Gigante Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Avaliar o consumo de alimentos ultraprocessados, os fatores associados e a sua influência na ingestão de nutrientes em adultos jovens.

MÉTODOS

Em 2004-2005, os participantes da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 1982 foram identificados para entrevista domiciliar. Foram entrevistados 4.297 indivíduos (taxa de acompanhamento de 77,4%) e incluídos no estudo 4.202. O consumo alimentar foi avaliado por meio de questionário de frequência alimentar e estimada a proporção da ingestão calórica diária atribuída aos alimentos ultraprocessados, bem como a ingestão de macro e micronutrientes. A associação entre características dos indivíduos e consumo de alimentos ultraprocessados foi avaliada utilizando-se regressão linear. A análise de variância e o teste Qui-quadrado de Pearson foram utilizados na associação entre quintis de consumo de alimentos ultraprocessados, ingestão e na adequação da ingestão de nutrientes, respectivamente.

RESULTADOS

O consumo de alimentos ultraprocessados contribuiu com 51,2% das calorias totais ingeridas. A ingestão de alimentos ultraprocessados foi maior entre indivíduos: do sexo feminino; de maior escolaridade; que nunca foram pobres e eutróficos. Maior consumo de alimentos ultraprocessados foi positivamente associado ao consumo de gorduras, colesterol, sódio, ferro, cálcio e calorias (p < 0,001) e negativamente associado ao consumo de carboidratos, proteínas e fibras alimentares (p < 0,001).

CONCLUSÕES

O elevado consumo de alimentos ultraprocessados e sua relação positiva com a ingestão de sódio, colesterol e gorduras chama a atenção para a realização de intervenções visando a redução da ingestão desse grupo de alimentos.

Adulto Jovem; Consumo de Alimentos; Alimentos Industrializados; Alimentos Preparados; Fast Foods; Fatores Socioeconômicos; Estudos de Coortes


INTRODUÇÃO

No Brasil, segundo publicação da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, a prevalência de excesso de peso dobrou nos últimos 30 anos, atingindo 50,0% dos homens e 48,0% das mulheres.aa Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Rio de Janeiro; 2010. Dietas não saudáveis e sedentarismo constituem os principais fatores de risco para o excesso de peso.1111. Malik VS, Willett WC, Hu FB. Global obesity: trends, risk factors and policy implications. Nat Rev Endocrinol. 2013;9(1):13-27. DOI:10.1038/nrendo.2012.199 Quanto à dieta, as recomendações e diretrizes atuais, embora disponibilizem as orientações para o consumo de alimentos, tendem a ser direcionadas para nutrientes, de certa forma desconsiderando os elementos favoráveis à escolha alimentar.1414. Monteiro CA. Nutrition and health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing. Public Health Nutr. 2009;12(5):729-31. DOI:10.1017/S1368980009005291 A Estratégia Global para Alimentação, Atividade Física e Saúde, da Organização Mundial da Saúde, enfatiza a necessidade de redução do consumo de alimentos com alto teor de energia e de sódio, gorduras saturadas, gorduras trans e carboidratos refinados e pobre em nutrientes.bb World Health Organization, Department of Chronic Diseases and Health Promotions. Global strategy on diet, physical activity and health. Geneva; 2003. O novo Guia Alimentar Para a População Brasileira,cc Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira (versão para consulta pública). Brasília (DF); 2014. foca as orientações nas refeições e nos aspectos que permeiam o comportamento alimentar, como as dimensões culturais, sociais, econômicas e ambientais.

Devemos considerar que os indivíduos consomem alimentos e/ou preparações sem que o nutriente em si seja o principal determinante na escolha – fato conhecido e explorado pelo comércio e indústria alimentícia que oferecem, cada vez mais, alimentos práticos, palatáveis, duráveis e mais atrativos para a população.1414. Monteiro CA. Nutrition and health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing. Public Health Nutr. 2009;12(5):729-31. DOI:10.1017/S1368980009005291 Os alimentos processados tornam-se cada vez mais acessíveis para todas as faixas etárias, sendo vendidos pré-prontos ou prontos para o consumo.1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005 O aumento no consumo de alimentos e bebidas processadas tem sido considerado um dos fatores que contribuem para o aumento na prevalência de obesidade e doenças crônicas.2525. World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases: Report of a Joint WHO/FAO Expert Consultation. Geneva; 2003. (WHO Technical Report Series, 916).

De acordo com a classificação proposta por Monteiro et al,1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005 aqueles alimentos e/ou ingredientes culinários que, pelo processo de produção, adquirem e proporcionam algumas ou todas as características supracitadas são chamados de alimentos ultraprocessados. Embora com literatura ainda escassa, estudos apontam que a aquisição domiciliar desse grupo de alimentos aumentou nas últimas décadas.1212. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saude Publica. 2013;47(4):656-65. DOI:10.1590/s0034-8910.2013047004968 , 1818. Moubarac JC, Batal M, Martins AP, Claro R, Levy RB, Cannon G, et al. Processed and ultra-processed food products: consumption trends in Canada from 1938 to 2011. Can J Diet Pract Res. 2014;75(1):15-21. DOI:10.3148/75.1.2014.15 Estudos de consumo individual desse grupo de alimentos são desconhecidos, mas sua disponibilidade domiciliar tem sido associada a maior renda1616. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011;14(1):5-13. DOI:10.1017/S1368980010003241 e risco de obesidade nos brasileiros.66. Canella DS, Levy RB, Martins AP, Claro RM, Moubarac JC, Baraldi LG, et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008-2009). PLoS One. 2014;9(3):e92752. DOI:10.1371/journal.pone.0092752

O objetivo deste estudo foi avaliar o consumo de alimentos ultraprocessados, os seus fatores associados e a sua influência na ingestão de nutrientes em adultos jovens.

MÉTODOS

Foram identificados os participantes do estudo de coorte realizado em Pelotas, RS, em 1882.2323. Victora CG, Barros FC. Cohort profile: the 1982 Pelotas (Brazil) birth cohort study. Int J Epidemiol. 2006;35(2):237-42. DOI:10.1093/ije/dyi290 A metodologia detalhada da coorte de 1982 encontra-se em outras publicações.99. Halpern R, Barros AJD, Matijasevich A, Santos IS, Victora CG, Barros FC. Estado de desenvolvimento aos 12 meses de idade de acordo com peso ao nascer e renda familiar: uma comparação de duas coortes de nascimentos no Brasil. Cad Saud Publica. 2008;24(Supl 3):S444-50. DOI:10.1590/S0102-311X2008001500010 , 2323. Victora CG, Barros FC. Cohort profile: the 1982 Pelotas (Brazil) birth cohort study. Int J Epidemiol. 2006;35(2):237-42. DOI:10.1093/ije/dyi290 Em 2004-2005 foi realizado acompanhamento dos participantes da coorte, em aproximadamente 98.000 domicílios, cujos indivíduos estavam com idade média de 22,8 anos (amplitude de 21,9 a 23,7 anos).

As entrevistas, realizadas no domicílio dos participantes, foram aplicadas por pesquisadores treinados utilizando questionário estruturado previamente testado (pré-piloto e piloto), que abordou diversos aspectos sociodemográficos e de saúde, incluindo alimentação. Para avaliação do consumo alimentar, utilizou-se o questionário de frequência alimentar (QFA). O QFA, adaptado de instrumento desenvolvido e validado por Sichieri,2020. Sichieri R, Everhart JE. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutr Res. 1998;18(10):1649-59. DOI:10.1016/S0271-5317(98)00151-1 continha 85 itens alimentares, distribuídos em dois componentes: quantitativo, com avaliação da porção em medidas caseiras e composto por 70 alimentos e preparações; e qualitativo, com apenas avaliação da frequência de consumo dos alimentos. O percentual de ingestão calórica diária proveniente de alimentos ultraprocessados foi avaliado utilizando-se os alimentos do QFA quantitativo. O consumo calórico desses alimentos foi estimado a partir da conversão da frequência de consumo relatada em cada item para o consumo anual. A ingestão diária relatada foi multiplicada por 365, 24 dias do ano; a ingestão semanal, por 52, 18 semanas em um ano; o consumo mensal, por 12 meses; e para a ingestão anual foi considerado o valor 1.

A ingestão da porção em medidas caseiras dos alimentos foi convertida em gramas utilizando-se a Tabela para Avaliação do Consumo Alimentar em Medidas Caseiras – 5ª edição.1919. Pinheiro ABV, Lacerda EMA, Benzecry EH, Gomes MCS, Costa VM. Tabela de avaliação de consumo alimentar em medidas caseiras. 5.ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2005. A ingestão do alimento em gramas foi convertida em quantidade de macro e micronutrientes. Para tanto, foi utilizada a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO),dd Universidade Estadual de Campinas, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação - NEPA. Tabela brasileira de composição de alimentos - TACO. 2 ed. Campinas (SP): UNICAMP; 2006. ou a USDA Nutrient Database for Standard Reference,ee USDA National Nutrient Database for Standard Reference [Internet]. Beltsville: Human Nutrition Research Center, Nutrient Data Laboratory; 2011 [citado 2014 dez 10]. Disponível em: http://ndb.nal.usda.gov/ quando indisponível na TACO. Os nutrientes avaliados foram: carboidratos, proteínas, gorduras, colesterol, fibras alimentares, sódio, ferro e cálcio. A ingestão energética de cada alimento foi estimada pela multiplicação dos valores de carboidratos e proteínas por 4 kcal e de lipídios por 9 kcal, sendo obtido o consumo calórico anual de cada alimento após soma das calorias provenientes de cada macronutriente. Para ingestão energética diária de cada alimento, o consumo calórico anual foi dividido por 365,24. A ingestão energética diária total foi avaliada somando-se as calorias consumidas em cada um dos 70 itens alimentares.

O consumo de alimentos ultraprocessados foi avaliado de acordo com a classificação proposta por Monteiro,1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005 ou seja, conforme o grau de processamento, em: alimentos não processados ou minimamente processados (grupo 1), alimentos processados utilizados como ingredientes de preparações culinárias ou pela indústria de alimentos (grupo 2) e alimentos ou produtos alimentícios ultraprocessados (grupo 3). Nessa classificação, são considerados alimentos ultraprocessados os produtos provenientes do processamento de uma mistura de alimentos dos grupos 1 e 2 desenvolvidos com o intuito de criar produtos alimentares pré-prontos ou prontos para o consumo e que sejam duráveis, acessíveis, convenientes e palatáveis. Os processos empregados na produção costumam caracterizar esses alimentos como salgados, curados, adoçados, assados, fritos, defumados ou em conserva, além de poderem inserir aditivos conservantes ou cosméticos, vitaminas e minerais sintéticos e utilizarem tipos sofisticados de acondicionamento.1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005 , 1616. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011;14(1):5-13. DOI:10.1017/S1368980010003241 As bebidas alcoólicas não foram incluídas neste estudo.

Do QFA quantitativo, 21 itens alimentares foram classificados como ultraprocessados dos seguintes grupos: pães; biscoitos; doces; refrigerantes; carnes salgadas, curadas, defumadas e salsichas; molhos; lanches, pizzas, salgados e frituras; e bebidas lácteas adocicadas. A partir dessa classificação, foi construído o percentual da ingestão calórica diária proveniente de cada grupo de alimentos ultraprocessados.

As variáveis independentes estudadas foram: sexo, situação conjugal, escolaridade atual (anos completos de estudo), mudança de renda do nascimento aos 23 anos e estado nutricional. Para a construção da mudança de renda, a variável renda familiar coletada de forma categórica em salários mínimos, em 1982 (< 1; 1,1-3; 3,1-6; 6,1-10; e > 10 – com frequências de 21,9%, 47,4%, 18,5%, 6,5% e 5,7%, respectivamente) sofreu processo de estimativa de renda, baseado em características domiciliares e familiares, com análise de componentes principais de quatro variáveis (filiação previdenciária na assistência ao parto, escolaridade, altura e cor da pele da mãe da criança). Devido às frequências desiguais entre as categorias, os indivíduos foram classificados em tercis para permitir o estudo das mudanças nos níveis de renda desde a infância. Assim, o escore gerado pelo primeiro componente de análise de componentes principais contribuiu para a identificação de pontos de corte que possibilitaram a diferenciação de indivíduos da segunda categoria de renda familiar (47,4%) para um tercil inferior ou intermediário. Os participantes da coorte responderam a perguntas sobre a renda de cada membro da família obtida por trabalho, pensão, benefício social, aposentadoria, aluguel, entre outros. A partir dos tercis de renda familiar em 1982 e 2004-2005, foi realizada a seguinte classificação: sempre pobre (aqueles pertencentes ao tercil inferior de renda familiar, tanto em 1982, como em 2004-2005), pobre → não pobre (tercil inferior em 1982 passando para o tercil médio ou superior em 2004-2005), não pobre → pobre (tercil médio ou superior em 1982 passando para o tercil inferior em 2004-2005); e nunca pobre (tercil médio ou superior em 1982 e 2004-2005).

O estado nutricional dos membros da coorte foi classificado conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde para categorias de índice de massa corporal (IMC).ff World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a WHO Consultation; Geneva; 1997 June 3-5. Geneva; 2000. (WHO Technical Report Series, 894). Para obtenção do IMC, o peso dos indivíduos foi aferido utilizando-se balança eletrônica, subtraindo o peso das roupas com base na tabela com peso de diversos itens do vestuário, construída pela equipe de pesquisa. A altura foi aferida em estadiômetro, com os indivíduos descalços e posição da cabeça no plano de Frankfurt.

Análise de variância e teste de regressão linear foram utilizados nas associações brutas e ajustadas entre consumo de alimentos ultraprocessados (percentual da ingestão calórica) e variáveis sociodemográficas. Foram avaliados o percentual da ingestão calórica proveniente de carboidratos, proteínas e gorduras e a média de consumo de fibras alimentares (g), colesterol (mg), sódio (mg), ferro (mg) e cálcio (mg), conforme quintis do consumo de alimentos ultraprocessados, por meio do teste t de Student, análise de variância ou teste não-paramétrico correspondente, quando observado o não cumprimento de algum dos pressupostos. Também foi avaliada a associação entre o percentual de participantes da coorte que atenderam as recomendações atuais dos nutrientes estudados, conforme o Guia Alimentar para a População Brasileiragg Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília (DF); 2005. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). e Dietary Reference Intakes (DRI),hh Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Dietary reference Intakes: a risk assessment model for establishing upper intake levels for nutrients. Washington (DC): National Academy of Sciences; 1998. e os quintis do consumo de alimentos ultraprocessados pelo teste Qui-quadrado de Pearson. Em todas as análises foi considerado nível de significância de 5%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (Processo 20/2003). Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Foram entrevistados 4.297 participantes da coorte de 1982, correspondendo a 77,4% de acompanhamento, considerando-se os 282 óbitos identificados.

Foram excluídos do estudo 95 indivíduos, sendo: 52 em razão das respostas ao QFA não plausíveis, como o alto relato de ingestão alimentar (ingestão de todos os alimentos diariamente) ou o consumo diário excessivo de alimentos do mesmo grupo alimentar (consumo cinco vezes/dia de feijão e lentilha); e 43 que relataram consumo calórico diário superior a +3DP da média. Assim, foram incluídos no estudo 4.202 adultos jovens, representando 97,8% dos entrevistados em 2004-2005. A Tabela 1 mostra que a maioria dos participantes é do sexo masculino (51,4%) e que 61,4% declarou não morar com companheiro, 64,0% atingiu o ensino médio e 52,0% nunca tinha sido pobre.

Tabela 1
Características demográficas e socioeconômicas dos indivíduos pertencentes à coorte de Pelotas de 1982, acompanhados em 2004-2005.

O consumo calórico diário médio foi de 3.758 calorias, sendo mais da metade atribuídas ao consumo de alimentos ultraprocessados (Tabela 2). Avaliando esse consumo por grupos de alimentos, os pães contribuíram com 15,1% do consumo calórico diário nos homens, seguido dos doces com 13,0%. Já para as mulheres, os doces foram os que mais contribuíram com o consumo calórico diário (16,8%), seguido dos pães (13,0%). Os lanches consistiram no terceiro grupo de alimentos ultraprocessados mais consumidos por ambos os sexos (homens: 10,8%; mulheres: 10,4%). Os participantes diferiram estatisticamente na proporção da ingestão calórica atribuída ao consumo de doces, biscoitos e iogurtes, que foi maior entre as mulheres, e a ingestão de pães, refrigerantes e carnes processadas, maior entre os homens. O consumo de alimentos ultraprocessados foi mais frequente nos participantes do sexo feminino, que viviam sem companheiro, com maior escolaridade, que nunca foram pobres e que não apresentavam excesso de peso (Tabela 3). Após ajuste para as demais variáveis sociodemográficas, a escolaridade manteve associação positiva com o percentual da ingestão calórica atribuída ao consumo de alimentos ultraprocessados. Assim, participantes da coorte com 12 anos ou mais de escolaridade relataram 4,8 pontos percentuais a mais da ingestão calórica atribuída a esses alimentos em comparação com os indivíduos com até quatro anos de escolaridade (IC95% 2,9;6,7). Indivíduos que nunca foram pobres relataram maior consumo de alimentos ultraprocessados do que aqueles que foram sempre pobres (β = 5,3; IC95% 4,0;6,6). Indivíduos com sobrepeso apresentaram menor relato de consumo de alimentos ultraprocessados (β = -1,0; IC95% -1,9;0,0), enquanto os obesos apresentaram menor percentual de ingestão calórica atribuído a esses alimentos (β = -2,0; IC95% -3,4;-0,5).

Tabela 2
Contribuição calórica do consumo de alimentos ultraprocessados para a ingestão energética total dos indivíduos pertencentes à coorte de nascimentos de Pelotas de 1982, acompanhados em 2004-2005.
Tabela 3
Análise bruta e ajustada entre a contribuição energética (%) do consumo de alimentos ultraprocessados e as características sociodemográficas e estado nutricional dos participantes da coorte de Pelotas de 1982, acompanhados em 2004-2005.

Na Tabela 4 observa-se tendência ao declínio do consumo diário de proteínas conforme o aumento no consumo de ultraprocessados (p < 0,001). A mesma tendência foi observada na associação com o consumo de carboidratos (p < 0,001), sendo que membros da coorte no quintil inferior e superior da ingestão de ultraprocessados apresentaram, respectivamente, média de consumo de carboidratos de 65,6% e 54,7% do valor calórico total da dieta. Ao contrário, a proporção do valor calórico total atribuída ao consumo de gorduras oscilou de 19,5% no primeiro quintil a 33,6% no último quintil (p < 0,001). Com relação às gorduras saturadas e trans, indivíduos do quintil superior do consumo de alimentos ultraprocessados apresentaram, em média, 8,2% e 0,4%, respectivamente, das calorias totais atribuídas a estes tipos de gorduras, enquanto no primeiro quintil os percentuais foram de 6,0% e 0,2%, respectivamente.

Tabela 4
Consumo de alguns nutrientes conforme quintil de contribuição da ingestão de alimentos ultraprocessados para o consumo energético diário aos 23 anos dos indivíduos pertencentes à coorte de Pelotas de 1982 e acompanhados em 2004-2005.

Quanto ao consumo de colesterol, indivíduos (Tabela 4) nos três primeiros quintis de ingestão de alimentos ultraprocessados apresentaram consumo similar, enquanto aqueles nos dois quintis superiores apresentaram maior consumo (p < 0,001). Foi observada tendência ao declínio no consumo das fibras alimentares com o aumento na ingestão de alimentos ultraprocessados (p < 0,001), de forma que indivíduos no primeiro quintil relataram em média 15 g a mais de ingestão de fibras do que os participantes do último quintil. Adicionalmente, indivíduos no quintil superior do consumo de ultraprocessados relataram em média 1.400 mg a mais por dia de ingestão do sódio do que aqueles no primeiro quintil de consumo (p < 0,001). A ingestão diária de ferro e de cálcio também esteve positivamente relacionada com o consumo de ultraprocessados (p < 0,001). Indivíduos com maior consumo de ultraprocessados relataram maior consumo calórico diário, sendo 1.000 kcal/dia maior naqueles no quintil superior comparados àqueles do quintil inferior do consumo de utltraprocessados (p < 0,001).

O consumo de alimentos ultraprocessados e a adequação do consumo de nutrientes mostraram-se associados (Tabela 5). Os participantes da coorte no primeiro quintil de consumo apresentaram a menor proporção de ingestão adequada de proteínas (p < 0,001). Embora não observada tendência, menor proporção de indivíduos classificados nos dois últimos quintis de consumo de ultraprocessados apresentou ingestão de carboidratos e gorduras dentro das faixas recomendadas, sendo que apenas 47,4% e 33,8% dos participantes da coorte no último quintil relataram consumo adequado de carboidratos (p < 0,001) e de gorduras (p < 0,001), respectivamente. Grande parte dos indivíduos atende à recomendação de ingestão de gorduras trans, mas a proporção de indivíduos com consumo adequado deste tipo de gordura variou de 92,3% a 99,2% do quintil superior ao quintil inferior do consumo de alimentos ultraprocessados. Mais de 90,0% dos participantes da coorte no primeiro quintil do consumo de alimentos ultraprocessados atingiu a recomendação de ingestão de menos de 10,0% das calorias diárias provenientes de gorduras saturadas, enquanto no quintil superior a proporção diminuiu para 78,3%.

Tabela 5
Consumo adequado de nutrientes e energia de acordo com o quintil de contribuição de alimentos ultraprocessados para o consumo energético diário dos indivíduos pertencentes à coorte de Pelotas de 1982 e acompanhados em 2004-2005.

Quanto ao consumo de colesterol, fibras alimentares e sódio, a proporção de indivíduos com consumo adequado desses nutrientes no quintil mais baixo de consumo de alimentos ultraprocessados foi 15, 12 e 49 pontos percentuais, superiores à proporção de indivíduos com ingestão desses nutrientes conforme a recomendação no último quintil. O contrário foi observado com a adequação de consumo de ferro e cálcio, com tendência de aumento na proporção de participantes com consumo adequado desses nutrientes, conforme o aumento na ingestão de alimentos ultraprocessados (p < 0,001) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Neste estudo, cerca da metade da ingestão calórica diária dos participantes da coorte aos 23 anos foi atribuída ao consumo de alimentos ultraprocessados e foi encontrada influência importante das características socioeconômicas sobre esse consumo. A associação positiva entre consumo de alimentos ultraprocessados e ingestão de gorduras totais e saturadas, colesterol, sódio, ferro, cálcio e também com o valor calórico total chama a atenção para consequências negativas à saúde decorrentes do consumo desses alimentos e à necessidade de intervenção na população.

Estudos seguindo a mesma classificação para alimentos ultraprocessados, utilizando dados da POF no Brasil e do Food Expenditure Survey no Canadá, encontraram proporção do total da disponibilidade domiciliar de alimentos atribuída aos alimentos ultraprocessados de 28,0% e 61,7%, respectivamente.1616. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011;14(1):5-13. DOI:10.1017/S1368980010003241 , 1717. Moubarac JC, Martins AP, Claro RM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health. Evidence from Canada. Public Health Nutr. 2013;16(12):2240-8. DOI:10.1017/S1368980012005009 Ainda, dados do mesmo estudo no Brasil apontaram acréscimo de nove pontos percentuais na disponibilidade de alimentos ultraprocessados em um período de 15 anos. Uma vez que cerca de 28,0% dos gastos com alimentação foram atribuídos a compras de alimentos para consumo fora de casa, provavelmente maior parte do consumo alimentar dos membros dos domicílios seja atribuída aos alimentos ultraprocessados.1616. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011;14(1):5-13. DOI:10.1017/S1368980010003241

No Brasil, ainda são incipientes as políticas públicas que envolvam o cuidado na transmissão de informações pela mídia e pelas embalagens dos produtos alimentícios. Em contrapartida, avanço importante, cujo impacto no perfil alimentar da população brasileira poderá ser avaliado no futuro, consiste no processamento de alimentos ser agora abordado no Guia Alimentar para a População Brasileira.cc Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira (versão para consulta pública). Brasília (DF); 2014. Esta versão apresenta o conceito de alimentos ultraprocessados, possibilitando sua identificação por parte da população. Além disso, o guia aborda questões importantes que interferem no consumo desses alimentos, como a oferta, o custo, o tempo e a publicidade.

O envolvimento da publicidade nas escolhas alimentares foi tratado nessa nova versão do citado Guiac devido à exploração da mídia na divulgação da prática do consumo de alimentos ultraprocessados1414. Monteiro CA. Nutrition and health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing. Public Health Nutr. 2009;12(5):729-31. DOI:10.1017/S1368980009005291 e também dos benefícios dos fortificados, induzindo o consumidor a pensar que alimentos industrializados fortificados seriam necessariamente mais saudáveis.1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005 Essa pode ser uma das possíveis justificativas da relação entre maior escolaridade e maior consumo de alimentos ultraprocessados pelos participantes deste estudo, uma vez que escolaridade e acesso à informação são questões interligadas, além do próprio poder de compra de alimentos.

Observou-se neste estudo que o consumo de alimentos ultraprocessados ocorre independentemente da mobilidade social. Entretanto, em estudos que avaliaram a associação entre mobilidade social e estilo de vida, a prevalência do comportamento investigado, no caso fumo e inatividade física, esteve de acordo com o seu novo estrato socioeconômico nos grupos que apresentaram alteração de renda.22. Azevedo MR, Horta BL, Gigante DP, Victora CG, Barros FC. Fatores associados ao sedentarismo no lazer de adultos na coorte de nascimentos de 1982, Pelotas, RS. Rev Saude Publica. 2008;42(Supl 2):70-7. DOI:10.1590/S0034-89102008000900010 , 1313. Menezes AM, Minten GC, Hallal PC, Victora CG, Horta BL, Gigante DP, et al. Smoking prevalence in the 1982 birth cohort: from adolescence to adult life, Pelotas, Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2008;42(Supl 2):78-85. DOI:10.1590/S0034-89102008000900011 Em contrapartida, a relação positiva entre consumo de alimentos ultraprocessados e renda, observada neste estudo, esteve em consonância ao encontrado em relação à disponibilidade domiciliar desse grupo de alimentos no Brasil.1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005

Quanto à influência do consumo de alimentos ultraprocessados sobre a ingestão de alguns nutrientes, estudo canadense1717. Moubarac JC, Martins AP, Claro RM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health. Evidence from Canada. Public Health Nutr. 2013;16(12):2240-8. DOI:10.1017/S1368980012005009 mostra que a proporção de proteínas na dieta estava inversamente relacionada com a disponibilidade domiciliar de alimentos ultraprocessados; e o aumento na ingestão de alimentos ultraprocessados levou ao maior consumo de gordura e sódio e menor ingestão de fibras alimentares. Em contrapartida, este estudo não observou associação com a proporção de carboidratos no total da dieta.1717. Moubarac JC, Martins AP, Claro RM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health. Evidence from Canada. Public Health Nutr. 2013;16(12):2240-8. DOI:10.1017/S1368980012005009

A quantidade de energia consumida é preocupante pela possibilidade de balanço energético positivo desses indivíduos, o que poderia levar ao aumento de peso, embora essa observação não tenha sido possível devido à natureza transversal da análise. Com relação aos nutrientes citados no parágrafo anterior, embora exista controvérsia,2121. Siri-Tarino PW, Sun Q, Hu FB, Krauss RM. Meta-analysis of prospective cohort studies evaluating the association of saturated fat with cardiovascular disease. Am J Clin Nutr. 2010;91(3):535-46. DOI:10.3945/ajcn.2009.27725 a relação entre ingestão de gordura e sódio, por exemplo, e o risco de doenças cardiovasculares é alvo de preocupação na literatura.88. Clarke R, Frost C, Collins R, Appleby P, Peto R. Dietary lipids and blood cholesterol: quantitative meta-analysis of metabolic ward studies. BMJ. 1997;314(7074):112-7. DOI:10.1136/bmj.314.7074.112 Especula-se que alguns estudos podem não encontrar associação entre ingestão de gorduras saturadas e risco de doença cardiovascular pela substituição dessas por carboidratos, enquanto a substituição por gorduras poliinsaturadas poderia ser benéfica à saúde cardiovascular.1010. Kuipers RS, Graaf DJ, Luxwolda MF, Muskiet MH, Dijck-Brower DA, Muskiet FA. Saturated fat, carbohydrates and cardiovascular disease. Neth J Med. 2011;69(9):372-8. , 2222. Siri-Tarino PW, Sun Q, Hu FB, Krauss RM. Saturated fatty acids and risk of coronary heart disease: modulation by replacement nutrients. Curr Atheroscler Rep. 2010;12(6):384-90. DOI:10.1007/s11883-010-0131-6 , 2424. Willett WC. Dietary fats and coronary heart disease. J Intern Med. 2012;272(1):13-24. DOI:10.1111/j.1365-2796.2012.02553.x O monitoramento no consumo de alimentos ultraprocessados e também da situação de saúde desses indivíduos poderá contribuir futuramente para a elucidação destes achados, uma vez que o consumo de carboidratos e gorduras saturadas foi inversamente correlacionado na população estudada (r = -0,52). Quanto às gorduras trans, revisões atuais encontraram associação desse tipo de gordura a modificações desfavoráveis do perfil lipídico e risco para doenças cardiovasculares.33. Booker CS, Mann JI. Trans fatty acids and cardiovascular health: translation of the evidence base. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2008;18(6):448-56. DOI:10.1016/j.numecd.2008.02 , 44. Brouwer IA, Wanders AJ, Katan MB. Effect of animal and industrial trans fatty acids on HDL and LDL cholesterol levels in humans: a quantitative review. PLoS One. 2010;5(3):e9434. DOI:10.1371/journal.pone.0009434 , 2424. Willett WC. Dietary fats and coronary heart disease. J Intern Med. 2012;272(1):13-24. DOI:10.1111/j.1365-2796.2012.02553.x O consumo das gorduras trans foi baixo nesta população, mas a adequação ao limite tolerado de até 1,0% da ingestão calórica total diminuiu com o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados.

A proporção de indivíduos com consumo adequado de ferro e cálcio foi maior entre os participantes da coorte com maior ingestão de alimentos ultraprocessados. Fato este que poderia apontar algum benefício da ingestão desses produtos. O consumo de queijos, iogurtes e alguns doces que contém leite em sua composição deve ter contribuído para a maior ingestão de cálcio nos participantes com maior consumo de ultraprocessados, embora a ingestão de queijos e iogurtes tenha contribuído com apenas 2,0% do total de calorias diárias consumidas. Todavia, ainda assim, a proporção de indivíduos que atingiu a ingestão diária recomendada do mineral é bastante baixa, mesmo naqueles do quintil mais elevado de consumo de ultraprocessados (16,4%).

No Brasil, a RDC 344, de 13 de dezembro de 2002, tornou obrigatória a fortificação de farinhas de trigo e milho com ferro. Esta seria uma possível justificativa para o consumo mais elevado de ferro nos indivíduos com maior ingestão de alimentos ultraprocessados. Porém, estudo recente com dados de quatro inquéritos de base-populacional conduzidos com crianças de até seis anos de idade também da cidade de Pelotas encontrou que a fortificação obrigatória das farinhas de trigo e milho não apresentou nenhuma melhora na prevalência de anemia. O estudo aponta, ainda, que, embora consumo adequado de ferro tenha sido encontrado em mais de 80,0% das crianças, a biodisponibilidade do ferro adicionado às farinhas foi baixa (apenas 5,0%) devido à utilização de ferro reduzido por pelo menos metade dos engenhos do País.11. Assunção MC, Santos IS, Barros AJ, Gigante DP, Victora CG. Flour fortification with iron has no impact on anaemia in urban Brazilian children. Public Health Nutr. 2012;15(10):1796-801. DOI:10.1017/S1368980012003047 Assim, o alto consumo de ferro proporcionado pela ingestão de alimentos ultraprocessados pode não adicionar nenhum benefício à saúde, o que alerta ainda mais achado de publicação recente a qual mostrou que em torno de 70,0% da população de adultos também da cidade de Pelotas relataram consumo de alimentos com fortificação voluntária de vitaminas e minerais.77. Cirino AC, Vargas Zanini R, Gigante DP. Consumption of foods with voluntary fortification of micronutrients in southern Brazil: prevalence and associated factors. Public Health Nutr. 2014;17(7):1555-64. DOI:10.1017/S1368980013001857

A utilização de nova classificação de alimentos que os discrimina com base no processamento industrial, aplicado a eles, é considerada positiva.1515. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. A new classification of foods based on the extent and purpose of their processing. Cad Saude Publica. 2010;26(11):2039-49. DOI:10.1590/S0102-311X2010001100005 Estudos que utilizaram essa recente classificação foram conduzidos com base na disponibilidade domiciliar de alimentos.1616. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011;14(1):5-13. DOI:10.1017/S1368980010003241 , 1818. Moubarac JC, Batal M, Martins AP, Claro R, Levy RB, Cannon G, et al. Processed and ultra-processed food products: consumption trends in Canada from 1938 to 2011. Can J Diet Pract Res. 2014;75(1):15-21. DOI:10.3148/75.1.2014.15 Outras vantagens do presente estudo refere-se à preocupação metodológica em excluir os valores discrepantes ocorridos no relato do QFA, diminuindo a possibilidade de viés de informação, e sua condução em coorte representativa com alta taxa de acompanhamento, possibilita que os reflexos do consumo de alimentos ultraprocessados sejam investigados em curto e longo prazo.

Em contrapartida, é reconhecida a possibilidade de superestimativa do consumo alimentar com o uso de QFA.55. Cade J, Thompson R, Burley V, Warm D. Development, validation and utilisation of food-frequency questionnaires: a review. Public Health Nutr. 2002;5(4):567-87. DOI:10.1079/PHN2001318 Além disso, o QFA utilizado na coorte de 1982 não foi validado com população interna. Entretanto, o questionário aplicado foi derivado de instrumento previamente submetido à validação,2020. Sichieri R, Everhart JE. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutr Res. 1998;18(10):1649-59. DOI:10.1016/S0271-5317(98)00151-1 modificado apenas para atender ao hábito alimentar regional (inclusão do chimarrão). Outra limitação refere-se à análise da associação entre o consumo de ultraprocessados e o estado nutricional, a qual pode ter sido afetada pela causalidade reversa.

Grande proporção da ingestão diária de alimentos dos participantes da coorte de 1982 foi atribuída ao consumo de alimentos do grupo dos ultraprocessados. O consumo desse grupo de alimentos foi maior entre indivíduos de maior escolaridade e nível econômico ao longo da vida, o que possivelmente indica maior alcance a esse tipo de alimentação relacionado à condição econômica e também a maior busca por alimentos prontos para o consumo por parte dessas pessoas. Também foi constatada a influência do consumo de alimentos ultraprocessados sobre a maior ingestão de alguns nutrientes como as gorduras, o sódio e o colesterol.

Assim, os resultados deste estudo alertam para a importância do monitoramento do consumo de alimentos ultraprocessados e da influência que poderão exercer sobre a saúde e nutrição dos indivíduos, seja pela observação atual ou futura.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2014
  • Aceito
    30 Set 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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