Carga de diabetes no Brasil: fração atribuível ao sobrepeso, obesidade e excesso de peso

Luísa Sorio Flor Monica Rodrigues Campos Andreia Ferreira de Oliveira Joyce Mendes de Andrade Schramm Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Estimar a carga do diabetes mellitus tipo 2 e sua fração atribuível ao sobrepeso e obesidade no Brasil.

MÉTODOS

A carga de diabetes mellitus foi descrita por meio dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, a partir da soma de dois componentes: anos de vida perdidos por morte prematura e anos de vida perdidos devido à incapacidade. Para o cálculo da fração do diabetes mellitus devida ao sobrepeso, à obesidade e ao excesso de peso, foram utilizadas as prevalências desses fatores de risco por sexo e faixa etária (> 20 anos), obtidas na Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades, do ano de 2008, e os riscos relativos obtidos na literatura internacional.

RESULTADOS

Diabetes mellitus respondeu por 5,4% dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade em 2008, sendo a maior parcela atribuída ao componente de morbidade (anos de vida perdidos devido à incapacidade). As mulheres apresentaram maiores valores de anos de vida ajustados para incapacidade. No Brasil, 49,2%, 58,3% e 70,6% do diabetes mellitus no sexo feminino foram atribuíveis ao sobrepeso, à obesidade e ao excesso de peso, respectivamente. Entre os homens, esses percentuais foram 40,5%, 45,4% e 60,3%, respectivamente. Diferenças foram observadas no que tange às grandes regiões brasileiras e às faixas etárias.

CONCLUSÕES

Grande parte da carga do diabetes foi atribuível a fatores de risco modificáveis e, em aproximadamente seis anos, a contribuição desses fatores aumentou expressivamente, sobretudo entre os homens. Políticas voltadas à promoção de hábitos saudáveis de vida, como alimentação balanceada e prática de atividade física, podem ter um impacto significativo na redução da carga de diabetes mellitus no Brasil.

Diabetes Mellitus, epidemiologia; Risco Atribuível; Sobrepeso; Obesidade; Anos de Vida Perdidos por Incapacidade; Perfil de Impacto da Doença


INTRODUÇÃO

As transições epidemiológica, nutricional e demográfica observadas nas últimas décadas resultaram no aumento da morbimortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).1919 .Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60135-9 , 2020 .Schramm JMA, Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha AMJ, Portela MC, et al. Transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(4):897-908. DOI:10.1590/S1413-81232004000400011 Dados globais apontam que, em 1990, as DCNT respondiam por 43,0% dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY – disability-adjusted life years), aumentando para 54,0% em 2010.1616 .Murray CJL, Vos T, Lozano R, Naghavi M, Flaxman AD, Michaud C, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2197-223. DOI:10.1016/S0140-6736(12)61689-4 As DCNT e DALY são consideradas a principal causa de morte no mundo, correspondendo a 68,0% dos óbitos em 2008.2525 .World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010. Geneva; 2011.

No Brasil, as DCNT firmaram-se como a principal carga de doença, respondendo por 66,0% do DALY em 1998.2020 .Schramm JMA, Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha AMJ, Portela MC, et al. Transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(4):897-908. DOI:10.1590/S1413-81232004000400011 Em 2009, foram responsáveis por mais de 70,0% dos óbitos, atingindo, sobretudo, as camadas mais pobres da população.4.Duncan BB, Chor D, Aquino EML, Bensenor IM, Mill JG, Schmidt MI, et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: prioridade para enfrentamento e investigação. Rev Saude Publica. 2012;46(Supl 1):126-34. DOI:10.1590/S0034-89102012000700017 , 1919 .Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60135-9

Dentre as DCNT, o diabetes mellitus tipo 2 (DM2) assume posição de destaque, sendo considerado epidemia mundial e constando entre as 10 principais causas de morte, em 2011, no mundo.aa World Health Organization. The top 10 causes of death. Geneva; 2013; updated 2014 [citado 2013 nov 26]. (Fact Sheet, 310). Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/ Projeções indicam que o DM2 terá crescente participação na carga global de doença até 2030.2424 .World Health Organization. The global burden of disease: 2004 update. Geneva; 2008.

Em estudo de carga de doença realizado no Brasil, em 1998, o DM2 foi a primeira causa de perda de DALY para ambos os sexos.2020 .Schramm JMA, Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha AMJ, Portela MC, et al. Transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(4):897-908. DOI:10.1590/S1413-81232004000400011 Adicionalmente, embora a mortalidade atribuível às DCNT tenha diminuído 20,0% entre 1996 e 2007 no país, observou-se aumento na mortalidade por DM2 em 2,0% nesse mesmo período.1919 .Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60135-9

Diante desse cenário, estratégias para o enfrentamento das DCNT, especialmente do DM2, têm sido formuladas, destacando-se aquelas voltadas para fatores de risco modificáveis, tais como excesso de peso, inatividade física, tabagismo e consumo excessivo de álcool.4.Duncan BB, Chor D, Aquino EML, Bensenor IM, Mill JG, Schmidt MI, et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: prioridade para enfrentamento e investigação. Rev Saude Publica. 2012;46(Supl 1):126-34. DOI:10.1590/S0034-89102012000700017

Estudos mostram consistentes associações entre excesso de peso e maior prevalência de DM2.3.Cassano PA, Rosner B, Vokonas PS, Weiss ST. Obesity and body fat distribution in relation to the incidence of non-insulin-dependent diabetes mellitus. A prospective cohort study of men in the normative aging study. Am J Epidemiol 1992;136:1474-86. , 2222 .Shaten BJ, Smith GD, Kuller LH, Neaton JD. Risk Factors for the Development of Type II Diabetes Among Men Enrolled in the Usual Care Group of the Multiple Risk Factor Intervention Trial. Diabetes Care 1993;16:1331-9. Essa associação torna-se alarmante em países como o Brasil, onde mais da metade da população está acima do peso ideal.1414 .Moura EC, Morais Neto OL, Malta DC, Moura L, Silva NN, Bernal R, et al. Vigilância de fatores de risco para doenças crônicas por inquérito telefônico nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal (2006). Rev Bras Epidemiol. 2008;11(Supl 1):20-37. DOI:10.1590/S1415-790X2008000500003 Estimativas globais para o ano 2000 indicaram que, entre homens e mulheres, 50,0% e 66,0% dos casos de DM2, respectivamente, poderiam ser prevenidos por controle do excesso de peso.bb World Health Organization, Department of Health Statistics and Information. Global health risks: mortality and burden of disease attributable to selected major risks. Geneva; 2009 [citado 2014 dez 8]. Disponível em: http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/GlobalHealthRisks_report_full.pdf Dada a relevância do DM2 e sendo o sobrepeso e a obesidade fatores de risco importantes para o seu desenvolvimento, o objetivo deste estudo foi estimar a carga do DM2 e sua fração atribuível ao sobrepeso e obesidade no Brasil.

MÉTODOS

Estudo de carga de doença no Brasil, referente a 2008, avaliou cerca de 100 agravos, classificados em três grandes grupos: doenças infecciosas e parasitárias, causas maternas, causas perinatais e deficiências nutricionais (Grupo I); doenças crônicas não transmissíveis (Grupo II); e causas externas (Grupo III).cc Leite IC, Valente JG, Schramm JMA. Relatório final do projeto Carga de Doença do Brasil - 2008. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz; 2013.

O DALY, indicador utilizado nesse tipo de estudo, é uma medida sumária que apreende o efeito da morbidade e da mortalidade no estado de saúde de populações. É composto pela soma de duas parcelas: uma relacionada aos anos de vida perdidos por morte prematura (YLL – years of life los t) e outra que contempla os anos de vida saudáveis perdidos devido a problemas de saúde ou incapacidade (YLD – years lived with disability).1515 .Murray CJ. Quantifying the burden of disease: the technical basis for disability-adjusted life years. Bull World Health Organ. 1994;72(3):429-45.

Para calcular o YLL, dados de mortalidade foram obtidos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM),dd Ministério da Saúde. Sistema de Informação sobre Mortalidade. Indicadores de mortalidade. Taxa de mortalidade por diabetes mellitus tipo 2. 2007-2009. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br sendo considerado o valor médio para o período 2007-2009, após redistribuição dos óbitos com idade, sexo e município ignorados e redistribuição dos códigos-lixo e das causas de óbitos por sinais, sintomas e afecções mal definidas.

O YLD é calculado com os casos incidentes, a duração e o peso da incapacidade, tanto para o DM2 sem complicações como para as sequelas da doença – retinopatia, cegueira, neuropatia, pé diabético e amputação.ee Costa AF, Schramm JMA, Flor LS. Diário de bordo de Diabetes mellitus tipo 2. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz; 2013 [citado 2014 dez 8]. Disponível em: http://cargadedoenca.fiocruz.br Diante da ausência de parâmetros de incidência para os casos não complicados, foram realizadas estimativas de prevalência para o DM2. Os valores dessas estimativas e de remissão e mortalidade foram inseridos no programa Dismod II ff World Health Organization. Health statistics and information systems. Disponível em: http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/tools_software/en/ para que as incidências e as durações do DM2 fossem calculadas por modelagem.

A prevalência geral do DM2 foi estimada em 7,4% com base no Estudo Multicêntrico de Prevalência de Diabetes,1212 .Malerbi DA, Franco LJ. Multicenter study of the prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban Brazilian population aged 30-69 yr. Diabetes Care. 1992;15:1509-16. inquérito domiciliar realizado em nove capitais brasileiras entre 1986 e 1988. Calculou-se, posteriormente, a relação entre essa prevalência de DM2 e o estado nutricional da população segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutriçãogg Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição. Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição: Condições Nutricionais da População Brasileira: adultos e idosos. INAN: Brasília (DF); 1991. de 1989 e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009.hh Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro, 2010.

Assumiu-se remissão zero para os casos de DM2 sem complicações e o peso proposto por Murray & Lopez (peso = 0,023).ii Murray CJL, Lopez AD. Global health statistics: a compendium of incidence, prevalence, and mortality estimates for over 200 conditions. Geneva: World Health Organization; Harvard University Press; 1996. Após modelagem, foram zeradas as incidências e durações de DM2 até 19 anos de idade, conforme consenso de especialistas. Uma taxa de desconto de 3,0% foi incorporada nos cálculos do YLL e YLD.

A fração populacional atribuível (FPA), além de informar a contribuição de um determinado fator de risco para a doença ou mortalidade, indica a proporção do desfecho que poderia ser evitada caso fosse eliminado o fator de exposição, permitindo, dessa maneira, quantificar o efeito de uma estratégia preventiva em saúde.2.Camey SA, Agranonik M, Radaelli J, Hirakata VN. Fração atribuível populacional. Rev HCPA. 2010;30(1):77-85.

A carga do DM2 atribuída ao excesso de peso, à obesidade e ao sobrepeso foi calculada, neste estudo, com base na FPA, seguindo metodologia proposta por Oliveira et al.1717 .Oliveira AF, Valente JG, Leite IC. Fração da carga global do diabetes mellitus atribuível ao excesso de peso e à obesidade no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(5):338-44. DOI:10.1590/S1020-49892010000500003 A FPA pode ser expressa como:

Nessa equação, p i é a prevalência da i-ésima categoria de exposição do fator de risco e RRi é o respectivo risco relativo (RR) em relação à categoria de exposição de referência. Para esse cálculo, foram utilizadas a prevalência do excesso de peso, da obesidade e do sobrepeso por sexo e faixa etária, assim como os RR para o desenvolvimento do DM2 devido a esses fatores de exposição.

As prevalências, segundo sexo e faixa etária, para o Brasil e suas macrorregiões foram obtidas por meio da Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD) de 2008jj Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social. Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://ceres.iesp.uerj.br/desigualdade (Tabela 1). O levantamento dos dados na PDSD foi realizado por inquérito domiciliar de base populacional, com amostra estratificada constituída por 1.374 setores censitários (unidades amostrais primárias) e 8.048 domicílios particulares permanentes (unidades amostrais secundárias) em setores comuns ou não especiais, inclusive favelas, em áreas urbanas e rurais de todas as regiões do Brasil.8.Laguardia J, Campos MR, Travassos CM, Najar AL, Anjos LA, Vasconcellos MM. Psychometric evaluation of the SF-36 (v.2) questionnaire in a probability sample of Brazilian households: results of the survey Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades (PDSD), Brazil, 2008. Health Qual Life Outcomes. 2011;9(1):61. DOI:10.1186/1477-7525-9-61 Ao final, foram entrevistados 12.423 chefes de famílias e cônjuges com idade superior a 20 anos.

Tabela 1
Prevalências de sobrepeso, obesidade e excesso de peso por sexo e faixa etária no Brasil e regiões. PDSD,* 2008.

No domínio saúde, foram coletadas questões referentes à prevalência de diversos agravos, aos hábitos de vida e fatores de risco, à qualidade de vida e ao acesso a serviços de saúde. Foram incorporadas medidas de peso e estatura para a avaliação do estado nutricional dos adultos brasileiros, utilizando-se o índice de massa corporal (IMC). Foram classificados como “excesso de peso” os valores de IMC acima de 25,0 kg/m2, como “sobrepeso” os valores entre 25,0 kg/m2 e 29,9 kg/m2 e como “obesidade” os valores de IMC acima de 30,0 kg/m2.

Já para determinar os RR para o cálculo da FPA, foi seguida metodologia de Oliveira et al.1717 .Oliveira AF, Valente JG, Leite IC. Fração da carga global do diabetes mellitus atribuível ao excesso de peso e à obesidade no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(5):338-44. DOI:10.1590/S1020-49892010000500003 As razões de chance (OR) apresentadas por Field et al,5.Field AE, Coakley EH, Must A, Spadaro JL, Laird N, Dietz WH, et al. Impact of overweight on the risk of developing common chronic diseases during a 10-year period. Arch Intern Med. 2001;161(13):1581-6. DOI:10.1001/archinte.161.13.1581 que avaliaram os riscos provenientes do excesso de peso em mulheres e homens de meia idade nos Estados Unidos, foram transformadas em RR, conforme metodologia proposta por Zhang & Yu2727 .Zhang J, Yu KF. What’s the relative risk? A method of correcting the odds ratio in cohort studies of common outcomes. JAMA. 1998;280(19):1690-1. DOI:10.1001/jama.280.19.1690 e utilizada por Sichieri et al.2121 .Sichieri R, Nascimento S, Coutinho W. The burden of hospitalization due to overweight and obesity in Brazil. Cad Saude Publica. 2007;23(7):1721-7. DOI:10.1590/S0102-311X2007000700025

Como as informações do estudo de Field et al5.Field AE, Coakley EH, Must A, Spadaro JL, Laird N, Dietz WH, et al. Impact of overweight on the risk of developing common chronic diseases during a 10-year period. Arch Intern Med. 2001;161(13):1581-6. DOI:10.1001/archinte.161.13.1581 não se mostravam desagregadas por faixa etária, utilizou-se a distribuição dos RR por idade apresentada por Yoon et al.2626 .Yoon YS, Shin SA, Noh JH, Oh SW. Burden of type 2 diabetes in young Korean adults owing to obesity. Diabetes Care. 2005;28(9):2329. DOI:10.2337/diacare.28.9.2329 Neste estudo, os RR para desenvolvimento de DM2 foram apresentados separadamente para sobrepeso e obesidade. Para estimar o RR do excesso de peso, foram consideradas as prevalências de sobrepeso e obesidade, por faixa etária, encontradas na PDSD.jj Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social. Pesquisa Dimensões Sociais das Desigualdades. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://ceres.iesp.uerj.br/desigualdade A Tabela 2 apresenta os RR estimados, bem como os encontrados em estudo de 2002/2003,1717 .Oliveira AF, Valente JG, Leite IC. Fração da carga global do diabetes mellitus atribuível ao excesso de peso e à obesidade no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(5):338-44. DOI:10.1590/S1020-49892010000500003 segundo sexo e faixa etária.

Tabela 2
Risco relativo para desenvolvimento do diabetes mellitus na presença de sobrepeso, obesidade ou excesso de peso, segundo sexo e faixa etária. Brasil, 2008.

Tomando-se como referência a faixa etária de 20 a 29 anos, foram obtidos os pesos dos RR nas faixas subsequentes por meio da razão dos RR apresentados por Yoon et al.2626 .Yoon YS, Shin SA, Noh JH, Oh SW. Burden of type 2 diabetes in young Korean adults owing to obesity. Diabetes Care. 2005;28(9):2329. DOI:10.2337/diacare.28.9.2329 Esses pesos foram aplicados aos dados de população de 2008, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,kk Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados demográficos. Rio de Janeiro: IBGE; 2008. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br obtendo-se a população exposta ao risco de ocorrência do DM2 por faixa etária. O risco médio foi obtido dividindo-se o total da população exposta em cada categoria de IMC pelo total da população no ano de 2008 (risco médio sobrepeso = 0,918; risco médio obesidade = 0,688 e risco médio excesso de peso = 0,801).

A distribuição dos RR segundo sexo foi pautada no estudo de Sichieri et al.2121 .Sichieri R, Nascimento S, Coutinho W. The burden of hospitalization due to overweight and obesity in Brazil. Cad Saude Publica. 2007;23(7):1721-7. DOI:10.1590/S0102-311X2007000700025 O risco médio estimado e o peso dos RR foram aplicados, por regra de três, ao RR total para ocorrência de DM2. O RR total referente a cada variável de exposição foi calculado com base nos riscos apresentados por faixas de IMC no estudo de Sichieri et al.2121 .Sichieri R, Nascimento S, Coutinho W. The burden of hospitalization due to overweight and obesity in Brazil. Cad Saude Publica. 2007;23(7):1721-7. DOI:10.1590/S0102-311X2007000700025 No caso da obesidade e do excesso de peso, foi necessário ponderar os RR apresentados pelas prevalências desses fatores encontrados na PDSD a fim de gerar um risco total referente a todas as faixas de IMC incluídas nas referidas categorias de exposição (sobrepeso: RR masculino = 2,9 e RR feminino = 3,9; obesidade: RR masculino 6,6 e RR feminino = 7,6; excesso de peso: RR masculino = 4,0 e RR feminino = 5,4).

Com as prevalências da PDSD (Tabela 1) e os RR estimados (Tabela 2) foram calculadas as frações atribuíveis brutas e padronizadas para o Brasil e suas macrorregiões, segundo sexo, faixa etária e categoria de IMC. As frações foram padronizadas para idade, objetivando comparação entre as regiões do país. Para a padronização, calculou-se a prevalência padronizada por aplicação da prevalência bruta por sexo e faixa etária na população brasileira de 2008.

O estudo de carga de doença de 2008 foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP-CAAE 0054.0.031.000-11).

RESULTADOS

Observou-se que, em 2008, o Brasil apresentou taxa de 195 DALY por 1.000 habitantes. O Grupo II, das DCNT, foi responsável por aproximadamente 77,0% da carga de doença no País. O DM2, por sua vez, representou quase 5,0% da carga, com taxa de DALY de 9,2 por 1.000 habitantes. De toda a carga do DM2, 53,2% esteve vinculada à morbidade, com 930.478 YLD. Nesse período, 7,4% dos óbitos foram por DM2, com 816.716 YLL.

A Tabela 3 apresenta o DALY, YLL e YLD para indivíduos acima de 20 anos, segundo os grandes grupos nas diferentes regiões do país. Esse grupo etário representa, aproximadamente, 85,0% do DALY de todas as faixas etárias no Brasil em 2008. Mais de 80,0% do DALY está associado ao Grupo II, variando de 80,6% na região Norte a 83,2% no Sudeste. Alta participação do Grupo II no YLL e YLD também é observada: 72,0% e 92,6%, respectivamente.

Tabela 3
Número absoluto e percentuais de DALY e seus componentes, em indivíduos acima de 20 anos, segundo grupos de doenças e regiões do Brasil, 2008.

Quanto ao DM2, mais de 5,0% do DALY total é atribuído a essa doença. Ainda que no Brasil o componente mais expressivo da carga de DM2 seja o YLD (53,2%), com destaque para a região Sul, 61,6% do DALY no Nordeste deve-se ao YLL (310.623), representando quase 7,0% do total de YLL nessa região (Tabela 3). A participação do DALY de DM2 no grande Grupo II segue o padrão da participação do DM2 no DALY total quanto à distribuição regional, com maior participação do Nordeste no componente de mortalidade.

A Tabela 4 mostra as FPA padronizadas para sobrepeso, obesidade e excesso de peso nas grandes regiões do Brasil, segundo sexo. Adicionalmente, apresenta os resultados obtidos no estudo de 2002/2003.1717 .Oliveira AF, Valente JG, Leite IC. Fração da carga global do diabetes mellitus atribuível ao excesso de peso e à obesidade no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(5):338-44. DOI:10.1590/S1020-49892010000500003 Tanto no Brasil quanto nas macrorregiões, o sexo feminino apresentou maiores frações de DM2 associadas ao excesso de peso e obesidade. Para o sobrepeso, no Norte, a FPA foi levemente maior entre os homens. Entre as mulheres, 49,2%, 58,3% e 70,6% do DM2 foram atribuíveis ao sobrepeso, à obesidade e ao excesso de peso, respectivamente; no sexo masculino, esses percentuais variaram de 40,5% a 60,3%.

Tabela 4
Frações atribuíveis padronizadas (%) ao sobrepeso, obesidade e excesso de peso associadas ao diabetes mellitus, segundo sexo e regiões do Brasil em 2002/2003 e 2008.

Em pouco mais de cinco anos, a fração do DM2 atribuível aos fatores de risco estudados aumentou, sobretudo entre os homens (Tabela 4). A participação do excesso de peso aumentou 14,2% entre 2002/2003 e 2008, em ambos os sexos. Já a participação da obesidade cresceu ainda mais: 28,4% no sexo feminino e 38,8% no sexo masculino. O maior crescimento da FPA quanto ao excesso de peso se deu na região Norte, entre os homens, e na região Centro-Oeste, entre as mulheres, sendo 25,9% e 15,1%, respectivamente. Em relação à obesidade, as regiões Centro-Oeste e Norte apresentaram crescimento da FPA superior a 50,0% entre os homens. Entre as mulheres, o maior incremento (31,8%) ocorreu na região Centro-Oeste (Tabela 4).

A Tabela 5 apresenta as FPA para o Brasil e macrorregiões, desagregadas por sexo e faixa etária. No País, para todas as categorias de IMC, o sexo masculino apresentou maior FPA nas faixas etárias iniciais (até 39 anos), enquanto as maiores frações no sexo feminino foram encontradas entre 40 e 49 anos. Frações superiores à média nacional foram encontradas, entre os homens, em praticamente todas as faixas etárias nas regiões Sul e Centro-Oeste, para todas as categorias de IMC. As frações de DM2 atribuíveis ao sobrepeso também foram expressivamente superiores à média nacional na região Norte. No sexo feminino, frações de DM2 atribuíveis à obesidade foram superiores à média nacional em quase todas as faixas etárias nas regiões Sudeste e Sul. Já as frações atribuíveis ao excesso de peso tiveram comportamento semelhante nas regiões Nordeste e Sudeste.

Tabela 5
Frações atribuíveis ao sobrepeso, obesidade e excesso de peso associadas ao diabetes mellitus, segundo sexo, faixa etária e regiões do Brasil, 2008.

DISCUSSÃO

Grande parte da carga do diabetes foi atribuível aos fatores de risco modificáveis estudados. No Brasil, 49,2%, 58,3% e 70,6% do diabetes mellitus no sexo feminino foram atribuíveis ao sobrepeso, à obesidade e ao excesso de peso, respectivamente. Entre os homens, esses percentuais foram 40,5%, 45,4% e 60,3%, respectivamente.

Neste estudo, as DCNT responderam por maior parte da carga de doença do Brasil em 2008, corroborando estudos prévios.1.Begg SJ, Vos T, Barker B, Stanley L, Lopez AD. Burden of disease and injury in Australia in the new millennium: measuring health loss from diseases, injuries and risk factors. Med J Aust. 2008;188(1):36-40. , 6.Gómez Dantés H, Castro MV, Franco-Marina F, Bedregal P, Rodríguez García J, Espinoza A, et al. La carga de la enfermedad en países de América Latina. Salud Publica Mex. 2011;53(Suppl 2):S72-7. , 1616 .Murray CJL, Vos T, Lozano R, Naghavi M, Flaxman AD, Michaud C, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2197-223. DOI:10.1016/S0140-6736(12)61689-4 Em 1998, no Brasil, as DCNT já respondiam por 66,3% da carga de doença,2020 .Schramm JMA, Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha AMJ, Portela MC, et al. Transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(4):897-908. DOI:10.1590/S1413-81232004000400011 alcançando 77,2% em 2008. Essa participação relativa do Grupo II é semelhante àquela recentemente encontrada entre outros países da América Latina,6.Gómez Dantés H, Castro MV, Franco-Marina F, Bedregal P, Rodríguez García J, Espinoza A, et al. La carga de la enfermedad en países de América Latina. Salud Publica Mex. 2011;53(Suppl 2):S72-7. como México (73,0%) e Colômbia (74,0%). Por sua vez, o número é superior àquele encontrado no Peru (58,5%) e na Costa Rica (62,0%) e inferior ao padrão chileno (84,0%).

Quanto à carga de DM2, este agravo comumente figura entre as principais causas de DALY. No cenário mundial, o DM2 passou de 15ª para 9ª causa de DALY entre 1990 e 2010.1616 .Murray CJL, Vos T, Lozano R, Naghavi M, Flaxman AD, Michaud C, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2197-223. DOI:10.1016/S0140-6736(12)61689-4 Em 2004, na Austrália,1.Begg SJ, Vos T, Barker B, Stanley L, Lopez AD. Burden of disease and injury in Australia in the new millennium: measuring health loss from diseases, injuries and risk factors. Med J Aust. 2008;188(1):36-40. o DM2 respondeu por 5,5% do DALY, ocupando a 7ª posição, sendo semelhante à participação relativa encontrada neste estudo: 4,7% entre todas as idades e 5,4% nos maiores de 20 anos. A despeito das diferenças metodológicas para estimação do DALY entre os estudos de 1998 e 2008, o total da carga de doença relacionado ao DM2 se manteve estável (5,1% em 1998).2020 .Schramm JMA, Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha AMJ, Portela MC, et al. Transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(4):897-908. DOI:10.1590/S1413-81232004000400011 Esta participação do DM2 é superior à relatada na literatura internacional.6.Gómez Dantés H, Castro MV, Franco-Marina F, Bedregal P, Rodríguez García J, Espinoza A, et al. La carga de la enfermedad en países de América Latina. Salud Publica Mex. 2011;53(Suppl 2):S72-7.

Semelhante a países desenvolvidos, a maior parcela da carga de DM2 no Brasil, em 2008, foi devida ao YLD. Entretanto, a região Nordeste apresentou expressiva participação do YLL, o que pode refletir diferenças em relação às condições de atenção à saúde e de desenvolvimento econômico. A despeito do aumento do índice de desenvolvimento humano brasileiro em 2013, 61,3% dos municípios do Nordeste ainda foram classificados na faixa de “baixo desenvolvimento humano”.ll Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas do desenvolvimento humano no Brasil 2013. Rio de Janeiro: IPEA; 2013. Tal cenário é alarmante, pois o acesso aos serviços de saúde no Brasil pode ser fortemente influenciado pela condição social das pessoas e pelo local onde residem.2323 .Travassos C, Oliveira EXG, Viacava F. Desigualdades geográficas e sociais no acesso aos serviços de saúde no Brasil: 1998 e 2003. Cienc Saude Coletiva. 2006;11(4):975-86. DOI:10.1590/S1413-81232006000400019 Essa desigualdade pode levar a uma assistência inadequada e/ou insuficiente aos portadores de DM2 e suas sequelas, gerando perfil peculiar da carga de doença nessa região.

Quanto aos fatores de risco, valores elevados de IMC têm produzido diversos desfechos desfavoráveis em saúde em diferentes países. Em 2000,7.James WPT, Jackson-Leach R, Mhurchu CN, Kalamara E, Shayegui M, Rigby NJ, et al. Overweight and obesity (high body mass index). In: Ezzati M, Lopez AD, Rodgers A, Murray CJL, editors. Comparative quantification of health risks: global and regional burden of disease attribution to selected major risk factors. Geneva: World Health Organization; 2004. v.1, p.497-596. o IMC elevado foi responsável por 2,3% do DALY mundial e por 58,0% da carga de DM2, enquanto que, na Austrália,1.Begg SJ, Vos T, Barker B, Stanley L, Lopez AD. Burden of disease and injury in Australia in the new millennium: measuring health loss from diseases, injuries and risk factors. Med J Aust. 2008;188(1):36-40. em 2004, esses números foram, respectivamente, 7,5% e 54,7%. Ainda em 2004, 39,0% dos casos de DM2 poderiam ter sido evitados no Canadá com a redução da exposição a esse fator de risco.1010 .Luo W, Morrison H, Groh M, Waters C, DesMeules M, Jones-McLean E, et al. The burden of adult obesity in Canada. Chronic Dis Can. 2007;27(4):135-44. Na Suíça, 42,5% dos casos de DM2 foram atribuídos à obesidade em 2002.1818 .Schmid A, Schneider H, Golay A, Keller U. Economic burden of obesity and its comorbidities in Switzerland. Soz Präventivmed. 2005;50(2):87-94. DOI:10.1007/s00038-004-4067-x No ano de 2010, o excesso de peso foi considerado o sexto fator de risco para o DALY mundial.1616 .Murray CJL, Vos T, Lozano R, Naghavi M, Flaxman AD, Michaud C, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2197-223. DOI:10.1016/S0140-6736(12)61689-4 As FPA encontradas neste estudo são, portanto, maiores do que as apresentadas na literatura internacional.

Dentre os resultados descritos, ressalta-se o aumento das FPA à obesidade e ao excesso de peso no Brasil entre 2002/2003 e 2008, indicando que tem diminuído a importância de outros fatores na definição da carga de DM2 no País. O aumento da participação do IMC elevado na definição do perfil de DM2 se dá simultaneamente ao aumento progressivo da prevalência da inatividade física e de dietas não saudáveis no Brasil ao longo dos anos.1414 .Moura EC, Morais Neto OL, Malta DC, Moura L, Silva NN, Bernal R, et al. Vigilância de fatores de risco para doenças crônicas por inquérito telefônico nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal (2006). Rev Bras Epidemiol. 2008;11(Supl 1):20-37. DOI:10.1590/S1415-790X2008000500003

Assim como em outros países, as mulheres foram acometidas por maiores FPA.1.Begg SJ, Vos T, Barker B, Stanley L, Lopez AD. Burden of disease and injury in Australia in the new millennium: measuring health loss from diseases, injuries and risk factors. Med J Aust. 2008;188(1):36-40. , 1717 .Oliveira AF, Valente JG, Leite IC. Fração da carga global do diabetes mellitus atribuível ao excesso de peso e à obesidade no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(5):338-44. DOI:10.1590/S1020-49892010000500003 Entretanto, entre 2002/2003 e 2008, foram os homens que experimentaram maiores acréscimos nas frações de DM2 atribuíveis aos fatores de risco estudados. Em 2006, dieta rica em gordura e inatividade física era mais presente, no Brasil, entre os homens.1414 .Moura EC, Morais Neto OL, Malta DC, Moura L, Silva NN, Bernal R, et al. Vigilância de fatores de risco para doenças crônicas por inquérito telefônico nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal (2006). Rev Bras Epidemiol. 2008;11(Supl 1):20-37. DOI:10.1590/S1415-790X2008000500003 Já a POF de 2008 destacou que o excesso de peso quase triplicou entre os homens entre 1974 e 2008: 18,5% para 50,1%, respectivamente.hh Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro, 2010.

Evolução diferenciada no perfil regional também foi observada. Enquanto as regiões mais desenvolvidas, Sul e Sudeste, sofrem com altas frações de DM2 atribuíveis à obesidade, na região Norte, o acréscimo nas FPA se deu pelo sobrepeso. Tal comportamento pode estar relacionado a uma transição nutricional mais tardia nessa região, onde, frente aos avanços econômicos, passou-se a conviver, mais recentemente, com os fatores de risco para DM2.

Por fim, quanto à faixa etária, os resultados deste estudo concordam com Sichieri et al2121 .Sichieri R, Nascimento S, Coutinho W. The burden of hospitalization due to overweight and obesity in Brazil. Cad Saude Publica. 2007;23(7):1721-7. DOI:10.1590/S0102-311X2007000700025 (2007): obesidade é um problema de saúde pública recente no Brasil e os grupos populacionais mais velhos ainda não sofreram com as consequências crônicas da obesidade. Ademais, entre os grupos mais jovens, o excesso de peso concorre com um menor número de fatores quando comparados aos mais velhos, que já experimentam o efeito de outros fatores de risco relacionados à idade. Em um País onde aproximadamente 12,0% dos cidadãos já entram na idade adulta obesos, tende-se a acreditar que o impacto nas condições de saúde se dê cada vez mais precocemente (Tabela 1).

O DALY, ao agregar informações sobre mortalidade e morbidade, fornece subsídios para melhor compreender as mudanças no perfil do DM2 no contexto da transição demográfico-epidemiológica. Adicionalmente, a apresentação por componentes (YLD e YLL) segundo as grandes regiões do País possibilita caracterizar diferentes perfis de acometimento por DM2 e fornece subsídios para ações governamentais. Mesmo consideradas as diferenças na metodologia para sua construção, os indicadores aqui apresentados são internacionalmente comparáveis.

Quanto aos fatores de risco, apesar de potencialmente relevantes na definição do perfil epidemiológico da população brasileira, seu monitoramento ainda é considerado inadequado no Brasil.1313 .Monteiro CA, Moura EC, Jaime PC, Lucca A, Florindo AA, Figueiredo ICR, et al. Monitoramento de fatores de risco para doenças crônicas por entrevistas telefônicas. Rev Saude Publica. 2005;39(1):47-57. DOI:10.1590/S0034-89102005000100007 Assim, este estudo avança no entendimento da relação entre sobrepeso, obesidade, excesso de peso e DM2. Não obstante, traz informações que permitem comparar, em um intervalo de aproximadamente seis anos, o desempenho desses fatores frente à carga de DM2 no País.

Limitações relacionadas à complexidade das estimativas do DALY e da FPA já foram abordadas por alguns pesquisadores.9.Levine B. What does the population attributable fraction mean? Prev Chronic Dis. 2007;4(1):A14. , 1111 .Lyons RA, Kendrick D, Towner EM, Christie N, Macey S, Coupland C, et al. Measuring the population burden of injuries: implications for global and national estimates: a multi-centre prospective UK longitudinal study. PLoS Med. 2011;8(12):e1001140. DOI:10.1371/journal.pmed.1001140 No Brasil, além da escassez de estudos populacionais recentes sobre a prevalência de DM2, que torna necessário que diversos estudos sejam contemplados para cálculos dos parâmetros, observa-se uma fragilidade nos sistemas de informações quanto à qualidade e quantidade dos dados disponibilizados. Por fim, os pesos utilizados no cálculo do YLD são padronizados mundialmente, não considerando as especificidades dos diferentes sistemas de saúde.

Para o cálculo das FPA, a utilização da mesma metodologia empregada no estudo de 2002/2003 visou à comparação dos resultados; entretanto, trouxe algumas das limitações apontadas em publicação anterior.1717 .Oliveira AF, Valente JG, Leite IC. Fração da carga global do diabetes mellitus atribuível ao excesso de peso e à obesidade no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(5):338-44. DOI:10.1590/S1020-49892010000500003 Essas limitações dizem respeito, principalmente, ao uso de parâmetros advindos da literatura internacional, ainda que se defenda a plausibilidade da sua utilização.

Os resultados aqui apresentados mostraram ferramentas importantes na gestão dos recursos e definição das prioridades de intervenção em saúde, em todos os níveis de atenção. No caso do DM2, seu controle deve estar pautado em seus fatores de risco modificáveis. Políticas voltadas à promoção de hábitos saudáveis de vida podem reduzir a carga de DM2 no Brasil. Dada a alta prevalência de excesso de peso nos jovens, ações voltadas às crianças em idade escolar são relevantes. Por fim, deve-se priorizar ações de base populacional e não voltadas aos grupos de risco, já que os resultados mostraram importante parcela da carga de DM2 atribuída a níveis moderadamente elevados de IMC.

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  • Este artigo é parte do estudo “Carga de Doença no Brasil, 2008”, financiado pelo Ministério da Saúde do Brasil/Departamento de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (MS/DECIT – Projeto PRES-004-LIV-10-2-2).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2014
  • Aceito
    7 Ago 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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