Resumo
O Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde (BRATS), em matéria sobre as evidências científicas da eficácia e segurança do metilfenidato para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), gerou controvérsias sobre sua metodologia. Considerando a relevância do BRATS para a saúde pública no Brasil, realizou-se análise crítica dessa matéria ao refazer a busca do BRATS e discutir sua metodologia e achados. Foram respondidas duas perguntas:o BRATS incluiu todas as referências disponíveis na literatura? As conclusões refletiram os textos revisados? Identificou-se que o BRATS não incluiu todas as referências da literatura sobre o tema e que as conclusões propostas estão diferentes dos resultados dos artigos escolhidos pelos próprios autores do BRATS. Os artigos selecionados pelos autores do BRATS apontam para a eficácia e segurança do uso do metilfenidato. Entretanto, a conclusão final dos autores não reflete isso e não deveria ser usada como referência para orientar decisões sobre o uso do metilfenidato.
Criança; Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, Quimioterapia; Metilfenidato, uso terapêutico; Avaliação de Eficácia-Efetividade de Intervenções
INTRODUÇÃO
A edição de março de 2014 do Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde (BRATS), publicado pela Secretaria de Ciência, Tecnologias e Insumos Estratégicos, teve como objetivo avaliar evidências científicas sobre a eficácia e segurança do tratamento com metilfenidato para crianças e adolescentes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf Os autores do BRATS concluíram que, em geral, os estudos apresentaram baixa qualidade metodológica, poucas semanas de seguimento e baixa generalização e não recomenda o uso de metilfenidato, apesar de a literatura indicar o contrário.
As avaliações em tecnologias de saúde são de extrema relevância, principalmente para aquelas aplicadas no Sistema Único de Saúde (SUS). O uso racional dos medicamentos deve ser sempre estimulado e qualquer estratégia terapêutica só deve ser indicada após avaliação clínica minuciosa da criança, da família, do seu comportamento na escola e na comunidade. Como consequência da sua veiculação e notoriedade, as avaliações em tecnologias de saúde têm o potencial de ser a principal referência para a tomada de decisões de gestores públicos no Brasil. Portanto, documentos desse tipo devem ser fundamentados em informações de alta qualidade científicas e suas conclusões não devem levantar dúvidas para os profissionais da saúde.1616 Vidal AT, Nascimento A, Aragão E, Petramale CA, Almeida RT. O desenvolvimento do monitoramento do horizonte tecnológico no mundo e a proposta brasileira. BIS Bol Inst Saude [Internet]. 2012 [citado 2015 jan 31];14(2):171-8. Disponível em: http://periodicos.ses.sp.bvs.br/pdf/bis/v14n2/v14n2a07.pdf
http://periodicos.ses.sp.bvs.br/pdf/bis/... ,bb Ministério da Saúde. Diretrizes metodológicas: elaboração de pareceres técnico-científicos [Internet]. 3.ed. rev. atual. Brasília (DF); 2011 [citado 2015 jan 31]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/DiretrizesPTC.pdf
Com o objetivo de analisar de forma crítica o BRATS, foram estabelecidas duas perguntas: 1) O relatório incluiu todas as referências disponíveis na literatura sobre o tema? 2) As conclusões propostas pelo relatório descreveram de forma clara e objetiva os resultados dos textos revisados pelos autores? Para abordar tais questões, reunimos pesquisadores, professores e especialistas com amplo conhecimento e experiência no estudo de TDAH.
ANÁLISE DOS MÉTODOS DE BUSCA
Edição do BRATS
Os autores da citada edição do BRATS realizaram buscas nas bases de dados Medline (PubMed), The Cochrane Library,Centre for Reviews and Dissemination(CRD), National Institute for Health and Care Excellence(NICE) e Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health (CADTH). No entanto, não incluíram bases de dados que consideramos relevantes, tais como:American Psychological Association(PsycINFO); Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (Lilacs); Elsevier (Embase); e Science Citation Index do Institute for Scientific Information (ISI) dos Estados Unidos, assim como suas interfaces de busca Web of Science e SciSEARCH. Para as citadas buscas, foram incluídas as palavras chaves: “Methylphenidate”, “children” e “attention-deficit disorder”. Entretanto, essa estratégia de busca foi bastante restritiva, pois não fez uso de mecanismos de busca eletrônica importantes para a inclusão de todos os artigos pertinentes a partir de uma ampla árvore de termos relacionados, como o mecanismo “termos mesh” do PubMed. Além disso, não foi incluído o termo “hyperkinetic disorders”, adotado pela Classificação Internacional de Doenças (CID),1717 World Health Organization. International classification of diseases and related health problems - ICD-10: tenth revision. Geneva; 1994. aceita e recomendada pelo Ministério da Saúde para realização de qualquer atendimento em saúde mental no Brasil.1717 World Health Organization. International classification of diseases and related health problems - ICD-10: tenth revision. Geneva; 1994.
NOVO MÉTODO DE BUSCA
Refizemos a busca de acordo com as recomendações para revisões sistemáticas. Foram utilizados os termos “Methylphenidate”, “children”, “attention-deficit disorder” ou “hyperkinetic disorders”. Encontramos 563 estudos na base de dados do Medline com os mesmos filtros utilizados pelo BRATS (Systematic Reviews; Randomized Controlled Trial; e Publication date de 1/1/2000 a 31/12/2013). Utilizamos os mesmos critérios de exclusão propostos pelo BRATS e encontramos 54 artigos que não foram incluídos na busca BRATS.
Os autores do BRATS não deixaram claro porque, apesar do número significativo de estudos com metodologia rigorosa sobre os psicoestimulantes, optaram por incluir apenas sete estudos, sendo quatro revisões sistemáticas com metanálise, um ensaio clínico randomizado e duas avaliações de tecnologias em saúde. Ficou evidente que essa escolha reduziu de forma drástica o número de estudos avaliados. Isso por si só torna qualquer revisão sistemática incompleta do ponto de vista metodológico.
Em relação aos resultados apresentados, apenas cinco dos sete artigos foram descritos numa tabela que apresenta dados diferentes (e.g., diferença média padronizada, taxas de resposta, diferença médica) em uma mesma coluna sem esclarecimentos dos motivos para isso. Foram considerados estudos publicados a partir do ano 2000, incluindo crianças tratadas com metilfenidato em comparação com alternativas medicamentosas ou placebo. A seleção foi norteada pelos desfechos de desatenção, hiperatividade, impulsividade, produtividade, comportamento e eventos adversos.
Destacamos que todos os artigos apresentaram as seguintes afirmações sobre o uso de metilfenidato em crianças e adolescentes: “apresenta superioridade significativa para redução de sintomas de hiperatividade em relação ao placebo”;1212 Prasad V, Brogan E, Mulvaney C, Grainge M, Stanton W, Sayal K. How effective are drug treatments for children with ADHD at improving on-task behaviour and academic achievement in the school classroom? A systematic review and meta-analysis. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22(4):203-16. DOI:10.1007/s00787-012-0346-x,1414 Schachter HM, Pham B, King J, Langford S, Moher D. How efficacious and safe is short acting methylphenidate for the treatment of attention deficit- disorder in children and adolescents? A meta-analysis. CMAJ. 2001;165(11):1475-88. “maior eficácia que outras medicações”;44 Hanwella R, Senanayake M, Silva V. Comparative efficacy and acceptability of methylphenidate and atomoxetine in treatment of attention deficit hyperactivity disorder in children and adolescents: a meta-analysis. BMC Psychiatry. 2011;11(1):176. DOI:10.1186/1471-244X-11-176,1010 Mohammadi M, Hafezi P, Galeiha A, Hajiaghaee R, Akhondzadeh S. Buspirone versus methylphenidate in the treatment of children with attention deficit hyperactivity disorder: randomized double-blind study. Acta Med Iran. 2012;50(11):723-8. “as formas de liberação de curta e longa durações têm efeitos semelhantes”.1313 Punja S, Zorzela L, Hartling L, Urichuk L, Vohra S. Long-acting versus short-acting methylphenidate for paediatric ADHD: a systematic review and meta-analysis of comparative efficacy. BMJ Open [Internet]. 2013;3(3):e002312. DOI:10.1136/bmjopen-2012-002312 De acordo com Schachter et al1414 Schachter HM, Pham B, King J, Langford S, Moher D. How efficacious and safe is short acting methylphenidate for the treatment of attention deficit- disorder in children and adolescents? A meta-analysis. CMAJ. 2001;165(11):1475-88. (2001), o metilfenidato tem um tamanho de efeito entre 0,54 e 0,78, considerado como bom, e comprova a eficácia do metilfenidato no tratamento do TDAH quando comparado com placebo.1414 Schachter HM, Pham B, King J, Langford S, Moher D. How efficacious and safe is short acting methylphenidate for the treatment of attention deficit- disorder in children and adolescents? A meta-analysis. CMAJ. 2001;165(11):1475-88. Prasad et al1212 Prasad V, Brogan E, Mulvaney C, Grainge M, Stanton W, Sayal K. How effective are drug treatments for children with ADHD at improving on-task behaviour and academic achievement in the school classroom? A systematic review and meta-analysis. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22(4):203-16. DOI:10.1007/s00787-012-0346-x (2013) mostraram benefício a favor do metilfenidato quando comparado a placebo, assim como benefícios de altas doses quando comparado com baixas doses na execução de tarefas, na produtividade em sala de aula e na precisão das atividades escolares. Hanwella et al44 Hanwella R, Senanayake M, Silva V. Comparative efficacy and acceptability of methylphenidate and atomoxetine in treatment of attention deficit hyperactivity disorder in children and adolescents: a meta-analysis. BMC Psychiatry. 2011;11(1):176. DOI:10.1186/1471-244X-11-176 (2011) encontraram que o metilfenidato tem eficácia comparada e aceitabilidade semelhante à atomoxetina, porém o metilfenidato de longa ação é mais efetivo e deve ser considerado como primeira linha no tratamento de crianças e adolescentes com TDAH. Dois outros estudos também concluíram que o tratamento com metilfenidato era mais eficaz que o uso da buspirona1010 Mohammadi M, Hafezi P, Galeiha A, Hajiaghaee R, Akhondzadeh S. Buspirone versus methylphenidate in the treatment of children with attention deficit hyperactivity disorder: randomized double-blind study. Acta Med Iran. 2012;50(11):723-8. ou placebo.1111 Molina BSG, Hinshaw SP, Swanson JM, Arnold LE, Vitiello B, Jensen PS, et al. The MTA at 8 years: prospective follow-up of children treated for combined-type ADHD in a multisite study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2009;48(5):484-500. DOI:10.1097/CHI.0b013e31819c23d0
COMENTÁRIOS
Apesar do exposto acima, chama a atenção que as conclusões do BRATS são diferentes das apresentadas pelos artigos originais.44 Hanwella R, Senanayake M, Silva V. Comparative efficacy and acceptability of methylphenidate and atomoxetine in treatment of attention deficit hyperactivity disorder in children and adolescents: a meta-analysis. BMC Psychiatry. 2011;11(1):176. DOI:10.1186/1471-244X-11-176,1010 Mohammadi M, Hafezi P, Galeiha A, Hajiaghaee R, Akhondzadeh S. Buspirone versus methylphenidate in the treatment of children with attention deficit hyperactivity disorder: randomized double-blind study. Acta Med Iran. 2012;50(11):723-8.,1212 Prasad V, Brogan E, Mulvaney C, Grainge M, Stanton W, Sayal K. How effective are drug treatments for children with ADHD at improving on-task behaviour and academic achievement in the school classroom? A systematic review and meta-analysis. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22(4):203-16. DOI:10.1007/s00787-012-0346-x
13 Punja S, Zorzela L, Hartling L, Urichuk L, Vohra S. Long-acting versus short-acting methylphenidate for paediatric ADHD: a systematic review and meta-analysis of comparative efficacy. BMJ Open [Internet]. 2013;3(3):e002312. DOI:10.1136/bmjopen-2012-002312-1414 Schachter HM, Pham B, King J, Langford S, Moher D. How efficacious and safe is short acting methylphenidate for the treatment of attention deficit- disorder in children and adolescents? A meta-analysis. CMAJ. 2001;165(11):1475-88. Mais especificamente, existe discordância em relação aos seguintes pontos:
1.“(...) As evidências sobre a eficácia e segurança do tratamento com o metilfenidato em crianças e adolescentes, em geral, têm baixa qualidade metodológica, curto período de seguimento e pouca capacidade de generalização (...)”.aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf
Essa afirmação é contraditória, pois os próprios autores realizaram estudo com muitos vieses metodológicos, além de não especificar os critérios de inclusão dos cinco estudos analisados e porque os qualificaram como os únicos a apresentar boa qualidade metodológica.
Existem atualmente diversos artigos na literatura com alta qualidade metodológica que não foram incluídos no BRATS como, e.g., oMultimodal Treatment of Attention Deficit Hyperactivity Disorder Study(MTA).99 MTA Cooperative Group. A 14-month randomized clinical trial of treatment strategies for attention-deficit/hyperactivity disorder. Arch Gen Psychiatry. 1999;56(12):1073-86. DOI:10.1001/archpsyc.56.12.1073,1111 Molina BSG, Hinshaw SP, Swanson JM, Arnold LE, Vitiello B, Jensen PS, et al. The MTA at 8 years: prospective follow-up of children treated for combined-type ADHD in a multisite study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2009;48(5):484-500. DOI:10.1097/CHI.0b013e31819c23d0 O MTA é um dos estudos multicêntricos de alta qualidade metodológica em TDAH, financiado pelo National Institute of Mental Health, desenhado para avaliar os principais tratamentos para TDAH, incluindo terapia comportamental, medicações, e a combinação dos dois. Seus resultados têm sido publicados em artigos desde 1999 e mostram que o metilfenidato é eficaz e seguro,55 King S, Griffin S, Hodges Z, Weatherly H, Asseburg C, Richardson G, et al. A systematic review and economic model of the effectiveness and cost-effectiveness of methylphenidate, dexamfetamine and atomoxetine for the treatment of attention deficit hyperactivity disorder in children and adolescents. Health Technol Assess. 2006;10(23):iii-iv, xii-146. DOI:10.3310/hta10230,99 MTA Cooperative Group. A 14-month randomized clinical trial of treatment strategies for attention-deficit/hyperactivity disorder. Arch Gen Psychiatry. 1999;56(12):1073-86. DOI:10.1001/archpsyc.56.12.1073 além de melhorar significativamente a sintomatologia e a qualidade de vida da criança, de sua família e de seus pares e professores.11 Coghill D. The impact of medications on quality of life in attention-deficit hyperactivity disorder: a systematic review. CNS Drugs. 2010;24(10):843-66. DOI:10.2165/11537450-000000000-00000
O metilfenidato é uma das medicações mais amplamente estudadas e utilizadas para o tratamento do TDAH, e sua segurança e eficácia foi devidamente confirmada por estudos metodologicamente rigorosos em populações de crianças e adolescentes.22 Cooper WO, Habel LA, Sox CM, Chan KA, Arbogast PG, Cheetham TC, et al. ADHD drugs and serious cardiovascular events in children and young adults. N Engl J Med. 2011;365(20):1896-904. DOI:10.1056/NEJMoa1110212,33 Graham J, Banaschewski T, Buitelaar J, Coghill D, Danckaerts M, Dittmann RW, et al. European guidelines on managing adverse effects of medication for ADHD. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2011;20(1):17-37. DOI:10.1007/s00787-010-0140-6,1010 Mohammadi M, Hafezi P, Galeiha A, Hajiaghaee R, Akhondzadeh S. Buspirone versus methylphenidate in the treatment of children with attention deficit hyperactivity disorder: randomized double-blind study. Acta Med Iran. 2012;50(11):723-8.,1212 Prasad V, Brogan E, Mulvaney C, Grainge M, Stanton W, Sayal K. How effective are drug treatments for children with ADHD at improving on-task behaviour and academic achievement in the school classroom? A systematic review and meta-analysis. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22(4):203-16. DOI:10.1007/s00787-012-0346-x
13 Punja S, Zorzela L, Hartling L, Urichuk L, Vohra S. Long-acting versus short-acting methylphenidate for paediatric ADHD: a systematic review and meta-analysis of comparative efficacy. BMJ Open [Internet]. 2013;3(3):e002312. DOI:10.1136/bmjopen-2012-002312
14 Schachter HM, Pham B, King J, Langford S, Moher D. How efficacious and safe is short acting methylphenidate for the treatment of attention deficit- disorder in children and adolescents? A meta-analysis. CMAJ. 2001;165(11):1475-88.-1515 Sonuga-Barke EJS, Brandeis D, Cortese S, Daley D, Ferrin M, Holtmann M, et al. Nonpharmacological interventions for ADHD: systematic review and meta-analyses of randomized controlled trials of dietary and psychological treatments. Am J Psychiatry. 2013;170(3):275-89. DOI:10.1176/appi.ajp.2012.12070991
2.“(...) a heterogeneidade entre os estudos foi um dos problemas mais frequentes nas revisões sistemáticas selecionadas (...).Os desfechos de eficácia, avaliados por instrumentos e critérios diagnósticos variados, apresentaram resultados heterogêneos que, em geral, não mostraram benefício clínico superior em comparação com alternativas farmacológicas ou com apresentações e doses diferentes do metilfenidato (...)”.aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf
Considerando que os critérios utilizados para seleção foram definidos pelos próprios autores, não entendemos por que não foram filtrados artigos com desenhos semelhantes. Entretanto, independentemente dos instrumentos de avaliação e das variáveis de desfecho, os cinco estudos escolhidos pelo BRATS revelaram moderados tamanhos de efeito quando o metilfenidato foi comparado ao placebo.1212 Prasad V, Brogan E, Mulvaney C, Grainge M, Stanton W, Sayal K. How effective are drug treatments for children with ADHD at improving on-task behaviour and academic achievement in the school classroom? A systematic review and meta-analysis. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22(4):203-16. DOI:10.1007/s00787-012-0346-x,1414 Schachter HM, Pham B, King J, Langford S, Moher D. How efficacious and safe is short acting methylphenidate for the treatment of attention deficit- disorder in children and adolescents? A meta-analysis. CMAJ. 2001;165(11):1475-88. Ou seja, o fato de estudos com distintas metodologias e resultados semelhantes, em termos de eficácia, reforça a eficácia do metilfenidato.
O fato de formulações diferentes terem resultados semelhantes é positivo, pois indica que o uso de metilfenidato, em todas as suas apresentações, promove benefícios para os pacientes.1313 Punja S, Zorzela L, Hartling L, Urichuk L, Vohra S. Long-acting versus short-acting methylphenidate for paediatric ADHD: a systematic review and meta-analysis of comparative efficacy. BMJ Open [Internet]. 2013;3(3):e002312. DOI:10.1136/bmjopen-2012-002312
3.“(...) Com relação ao perfil de segurança do medicamento, os estudos demonstraram que alguns dos eventos adversos mais comuns foram: supressão do apetite, aumento do estado de vigília e de euforia, insônia, cefaleia, dor de estômago e tonturas (...)”.aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf
Na literatura, a descrição dos eventos adversos é graduada em três níveis: leves, moderados e graves. Apesar do conteúdo da frase acima estar correto, todos os cinco artigos relataram que os efeitos colaterais do uso de metilfenidato foram considerados leves.22 Cooper WO, Habel LA, Sox CM, Chan KA, Arbogast PG, Cheetham TC, et al. ADHD drugs and serious cardiovascular events in children and young adults. N Engl J Med. 2011;365(20):1896-904. DOI:10.1056/NEJMoa1110212,33 Graham J, Banaschewski T, Buitelaar J, Coghill D, Danckaerts M, Dittmann RW, et al. European guidelines on managing adverse effects of medication for ADHD. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2011;20(1):17-37. DOI:10.1007/s00787-010-0140-6,77 Martinez-Raga J, Knecht C, Szerman N, Martinez MI. Risk of serious cardiovascular problems with medications for attention-deficit hyperactivity disorder. CNS drugs. 2013;27(1):15-30. DOI:10.1007/s40263-012-0019-9,99 MTA Cooperative Group. A 14-month randomized clinical trial of treatment strategies for attention-deficit/hyperactivity disorder. Arch Gen Psychiatry. 1999;56(12):1073-86. DOI:10.1001/archpsyc.56.12.1073 Os autores do BRATS não informaram sobre frequência ou intensidade com que cada evento adverso ocorre e sobre o devido peso para os efeitos colaterais. Portanto deixaram a impressão de que são comuns.
Entretanto, inúmeros estudos na literatura mostraram que os possíveis efeitos colaterais do metilfenidato foram considerados leves, são bem tolerados e não superam os benefícios do tratamento.22 Cooper WO, Habel LA, Sox CM, Chan KA, Arbogast PG, Cheetham TC, et al. ADHD drugs and serious cardiovascular events in children and young adults. N Engl J Med. 2011;365(20):1896-904. DOI:10.1056/NEJMoa1110212,33 Graham J, Banaschewski T, Buitelaar J, Coghill D, Danckaerts M, Dittmann RW, et al. European guidelines on managing adverse effects of medication for ADHD. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2011;20(1):17-37. DOI:10.1007/s00787-010-0140-6 O metilfenidato, em suas diversas apresentações, mostrou não apenas ajudar a criança com TDAH no sentido de reduzir a hiperatividade extrema e inadequada, como melhorar significativamente a atenção e concentração e as funções executivas em suas várias dimensões. O tratamento adequado permite que a criança se desenvolva o mais plenamente possível na escola e outros ambientes, assim como nas dimensões cognitivas, afetivas e sociais.
4.“(...) Atualmente, há um consumo crescente do medicamento no país, que ainda não é comercializado, no mercado nacional, como similar ou genérico. Há evidências de que crianças que não possuem TDAH estariam sendo medicadas e casos da doença sendo tratados sem necessidade (...)”.aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf
Nenhum dos estudos incluídos na revisão foi feito no Brasil, assim não ficou claro como essas evidências foram mostradas. Existe um consumo crescente de metilfenidato no País,cc Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Prescrição e consumo de metilfenidato no Brasil: identificando riscos para o monitoramento e controle sanitário. Bol Farmacoepidemiol SNGPC [Internet]. 2012 [citado 2015 jan 31];2(2):1-14. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/sngpc/boletins/2012/boletim_sngpc_2_2012_corrigido_2.pdf uma vez que partimos de uma taxa base de zero. No entanto, o consumo não é maior do que a prevalência da doença, e estimativas nacionais apontam que o TDAH ainda é subtratado.88 Mattos P, Rohde LA, Polanczyk GV. ADHD is undertreated in Brazil. Rev Bras Psiquiatria. 2012;34(4):513-6. DOI:10.1016/j.rbp.2012.04.002 Esse tema é extremamente relevante para estudos futuros. Para investigar as reais razões para o incremento no consumo de psicoestimulantes no Brasil, sugerimos que sejam dadas respostas, entre outras, a questões relevantes, tais como: 1)Existe abuso do metilfenidato? Se sim, por qual população?; 2) Existem pessoas com TDAH e que estão sem acesso a medicação?; 3) Há aumento no reconhecimento de casos de TDAH?e 4) Há uso equivocado dos psicoestimulantes por profissionais não devidamente capacitados em psicopatologia da infância e adolescência?
5.“(...) O diagnóstico deste transtorno é dimensional, pois envolve padrões típicos de comportamento da faixa etária e os apresentados pelos indivíduos. Ademais, os sintomas do transtorno podem ser encontrados no comportamento dos indivíduos com desenvolvimento típico (...)”.aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf
Apesar de esta afirmação estar correta, transmite um questionamento sobre a validade do transtorno que não é pertinente a um documento que supostamente utiliza os preceitos da medicina baseada em evidências. Seria fundamental mencionar os vários estudos que mostram a agregação familiar do transtorno, seus fatores de risco ambientais e genéticos, as alterações de estrutura e funcionamento cerebral encontradas em indivíduos com o diagnóstico e os prejuízos funcionais que ocorrem ao longo do desenvolvimento. Todos esses estudos reforçam a validade do diagnóstico de TDAH.
6.“(...) considerando seu alto potencial de abuso e dependência, torna-se premente a adoção de debates que abordem a atual problemática do consumo indevido do metilfenidato, alertando a população para o mau uso, os efeitos adversos e as consequências jurídicas (...)”.aa Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde. Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. BRATS Bol Bras Aval Tecnol Saude [Internet]. 2014 [citado 2015 jan 31];8(23):1-12. Disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/brats23.pdf
Nenhum dos artigos citados discute o potencial de abuso e dependência do metilfenidato. Portanto, não ficou claro como os autores chegaram a essa conclusão. É importante ressaltar que vários estudos já mostraram que o metilfenidato não causa dependência química,66 Mannuzza S, Klein RG, Truong NL, Moulton JL 3rd, Roizen ER, Howell KH, et al. Age of methylphenidate treatment initiation in children with ADHD and later substance abuse: prospective follow-up into adulthood. Am J Psychiatry. 2008;165(5):604-9. DOI:10.1176/appi.ajp.2008.07091465 resultados esses que invalidam as conclusões dos autores.
CONCLUSÕES
A partir da análise crítica do BRATS, foi possível responder às questões dele constantes, a saber: o BRATS não incluiu todas as referências já disponíveis na literatura sobre o tema; as conclusões propostas pelos autores não foram baseadas nos resultados dos cinco artigos escolhidos pelos autores.
As conclusões do BRATS necessitam ser revistas, pois não se restringem aos fatos pesquisados e, portanto, não obedecem ao rigor metodológico necessário em estudos científicos, com base em revisões sistemáticas da literatura e estudos de medicina baseada em evidências. Portanto, tais conclusões não devem dar suporte científico a estratégias e políticas públicas sobre o tema.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
09 Jun 2015
Histórico
- Recebido
6 Nov 2014 - Aceito
9 Dez 2014