Resumo
OBJETIVO
Analisar a implementação da política de regulação de preços de medicamentos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos.
MÉTODOS
Estudo baseado na realização de entrevistas, em 2012, usando questionários semiestruturados, com atores sociais do mercado de medicamentos, representantes da indústria farmacêutica, de consumidores e do órgão regulador. Foram também compilados preços de medicamentos obtidos em pesquisas realizadas no Estado de São Paulo, nos pontos de venda, entre fevereiro de 2009 e maio de 2012.
RESULTADOS
As médias dos preços de medicamentos praticadas nos pontos de venda (farmácias e drogarias) estiveram muito abaixo do preço máximo ao consumidor, em relação à grande parte dos medicamentos comercializados no Brasil. Entre 2009 e 2012, 44 dos 129 preços praticados, correspondentes a 99 medicamentos constantes do banco de preços compilados, apresentaram variação superior a 20,0% entre a média de preços praticados nos pontos de venda e o preço máximo ao consumidor. Ademais, muitos laboratórios se recusaram a aplicar o coeficiente de adequação de preços nas vendas a órgãos públicos.
CONCLUSÕES
A regulação implementada pelo órgão regulador do mercado de medicamentos foi incapaz de controlar os preços de quantidade significativa dos medicamentos comercializados, pressionando-os a patamares inferiores àqueles determinados pela indústria farmacêutica e falhando, portanto, no seu objetivo de promover assistência farmacêutica. É necessária reforma da lei regulamentadora para permitir a redução de preços praticados no mercado pelo órgão regulador, bem como fortalecimento institucional desse órgão.
Preço de Medicamento; Medicamentos Essenciais, economia; Política Nacional de Medicamentos; Política Nacional de Assistência Farmacêutica; Regulação e Fiscalização em Saúde
INTRODUÇÃO
Os preços elevados de medicamentos essenciais são reconhecidamente um grave problema de saúde pública.1313 Nóbrega OT, Marques AR, Gomes de Araújo AC, Karnilowski MGO, Naves JOS, Silver LD. Retail prices of essencial drugs in Brazil. Rev Panam Salud Publica. 2007;22(2):118-23. DOI:10.1590/S1020-49892007000700006.,aa Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Regulação econômica do mercado farmacêutico. Brasília (DF); 2001 [citado 2012 mai 15]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ Considerando que atualmente quase oito em cada 10 compras de medicamentos são custeadas pelos pacientes,bb Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêutico. Dois gargalos na saúde: financiamento e acesso a medicamentos. São Paulo (SP); 2010 [citado 2013 abr 15]. Disponível em: http://www.sindifarmajp.com.br os preços dos medicamentos constituem variável importante na determinação do acesso a produtos farmacêuticos pela população.88 Guerra A. O direito à saúde e o acesso aos medicamentos: o desafio do acesso a medicamentos nos sistemas públicos de saúde. Brasília (DF): CONASS; 2010.,1414 Organização Mundial de Saúde. Medir precios, disponibilidad, asequibilidad y componentes de los precios de los medicamentos. Genebra; 2008.,cc Follador W. Alguns aspectos da variação de preços de medicamentos no Brasil no período de 1980 a 2001 [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP; 2001.
As camadas mais pobres da sociedade são as mais prejudicadas por esse quadro.33 Calais GSP, Caldeira TRC, Guioti CO. Regulação econômica. In: Vieira FP, Rediguieri CF, Rediguieri CF, organizadores. A regulação de medicamentos no Brasil. Porto Alegre (RS): Artmed; 2013. p.563-84.,55 Diniz B, Servo L, Piola S, Eirado M. Gasto das famílias com saúde no Brasil: evolução e debate sobre o gasto catastrófico. In: Faiger F, Servo L, Menezes T, Piola S, editores. Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. Rio de Janeiro (RJ): IPEA; 2007. p.143-60.,1515 Romano LAN. Intervenção e regulação no Brasil: a indústria farmacêutica. São Paulo (SP): Febrafarma; 2005.,dd Santos SCM. Busca na equidade no acesso a medicamentos no Brasil: os desafios impostos pela competição extra-preço [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz; 2001. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008-2009, famílias com renda mensal inferior a R$830,00 gastam 4,2% dos rendimentos com medicamentos, enquanto as famílias de renda mensal superior a R$10.375,00 gastam 1,9% dos rendimentos com esses produtos.ee Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009. Rio de Janeiro (RJ); 2010 [citado 2011 mar 16]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_encaa/pof_20082009_encaa.pdf O alto custo dos medicamentos deve-se a muitos fatores, sobretudo de natureza econômica.44 Castro JD. Regulação em saúde: análise de conceitos fundamentais.Sociologias. 2002;4(7):1122-35.,66 Fiúza E, Lisboa M. Bens credenciais e poder de mercado: um estudo econométrico da indústria farmacêutica. Rio de Janeiro (RJ): IPEA; 2002.,77 Godoy MR, Oliveira ALR, Câmara MRG. O controle de preços na indústria farmacêutica do Brasil. Porto Alegre (RS): UFRGS; 2004 [citado 2011 jul 4]. Disponível em: http://www.academia.edu/3178611/O_Controle_de_Pre%C3%A7os_na_Ind%C3%BAstria_Farmac%C3%AAutica_no_Brasil
http://www.academia.edu/3178611/O_Contro... ,1010 Lisboa M. Regulação do setor de saúde no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV; 2001.,1212 Maynard A, Bloor K. Dilemmas for regulation of the market for pharmaceuticals. Health Affairs. 2003;22(3):31-45. DOI:10.1377/hlthaff.22.3.31,1313 Nóbrega OT, Marques AR, Gomes de Araújo AC, Karnilowski MGO, Naves JOS, Silver LD. Retail prices of essencial drugs in Brazil. Rev Panam Salud Publica. 2007;22(2):118-23. DOI:10.1590/S1020-49892007000700006.,ff Oliveira RR. Os conceitos de regulação em saúde no Brasil [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina da USP; 2010. Por essa razão, com o intuito de incrementar a política de assistência farmacêutica mediante a regulação econômica do mercado de medicamentos, em 2003, foi criada pela Lei 10.742 a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).99 Kornis G, Braga MH, Zaire C. Os marcos legais das políticas de medicamentos no Brasil contemporâneo (1990-2006). Rev APS.2008;11(1):85-99.,1313 Nóbrega OT, Marques AR, Gomes de Araújo AC, Karnilowski MGO, Naves JOS, Silver LD. Retail prices of essencial drugs in Brazil. Rev Panam Salud Publica. 2007;22(2):118-23. DOI:10.1590/S1020-49892007000700006. A regulação econômica exercida pela CMED se consubstancia na prerrogativa de estabelecer critérios para a fixação e ajuste de preços de medicamentos, bem como para a fixação de margens de comercialização de produtos a serem observadas pelos representantes, distribuidores, farmácias e drogarias.1818 Zockun M. Controle de preços de medicamentos pela CMED. São Paulo (SP): Malheiros; 2009.,gg Teixeira L. Reajustes de preços administrados no setor da saúde. Brasília (DF): Câmara dos Deputados; 2006 [citado 2014 mai 15] Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1646/reajustes_precos_teixeira.pdf?sequence=4
Este é um campo de pesquisa pouco explorado e raros são os estudos científicos sobre a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos e a regulação dos preços de medicamentos. O próprio governo brasileiro ainda não possui avaliações da regulação praticada pela CMED e, tampouco, da efetividade dessa política regulatória. A literatura científica sobre o tema limita-se à análise da legislação regulatória, não havendo pesquisas sobre os resultados da implementação da regulação.11 Amorim MCS. Regulação dos preços e acesso ao consumo de medicamento no Brasil. In: Antas Jr RM. Os desafios do consumo. Petrópolis (RJ): Vozes; 2007. p.133-8.
2 Biroli AVR, Galvão AVR, Galvão RG. Controle de preços de remédios; 2010 [citado 20 fev 2015] Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/view/2048/2120
http://intertemas.unitoledo.br/revista/i... -33 Calais GSP, Caldeira TRC, Guioti CO. Regulação econômica. In: Vieira FP, Rediguieri CF, Rediguieri CF, organizadores. A regulação de medicamentos no Brasil. Porto Alegre (RS): Artmed; 2013. p.563-84.,77 Godoy MR, Oliveira ALR, Câmara MRG. O controle de preços na indústria farmacêutica do Brasil. Porto Alegre (RS): UFRGS; 2004 [citado 2011 jul 4]. Disponível em: http://www.academia.edu/3178611/O_Controle_de_Pre%C3%A7os_na_Ind%C3%BAstria_Farmac%C3%AAutica_no_Brasil
http://www.academia.edu/3178611/O_Contro... ,1111 Maluf E. O controle de preço de medicamentos. Rev Direito Sanit. 2011;12(1):67-84.,1515 Romano LAN. Intervenção e regulação no Brasil: a indústria farmacêutica. São Paulo (SP): Febrafarma; 2005.,1616 Silva RAC. Regulamentação econômica da saúde: Constituição de 1988, CMED, ANVISA, ANS e CADE. São Paulo (SP): LCTE; 2008.,1818 Zockun M. Controle de preços de medicamentos pela CMED. São Paulo (SP): Malheiros; 2009.
O objetivo deste estudo é analisar a implementação da política regulatória dos preços de medicamentos executada pelo órgão regulador.
MÉTODOS
O presente estudo desenvolveu-se em quatro etapas.
Etapa 1: Análise da legislação relativa ao tema e pesquisa bibliográfica
Foram analisadas a legislação regulatória – Lei 10.742/2003, que estabelece as diretrizes da política de regulação econômica dos preços e cria a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – e as resoluções editadas pelo órgão regulador. As resoluções são os instrumentos jurídicos utilizados pela CMED para estabelecer os critérios regulatórios que devem ser observados por aqueles que atuam no mercado farmacêutico, principalmente indústria farmacêutica, distribuidores, farmácias e drogarias.
Etapa 2: Realização de entrevistas
Diante da escassez de estudos científicos sobre a implementação e efetividade da regulação econômica do mercado de medicamentos pela CMED, foi necessário realizar entrevistas com atores sociais do mercado farmacêutico. De fevereiro a dezembro de 2012, foram realizadas entrevistas presenciais, usando questionários semiestruturados, com atores sociais do mercado farmacêutico: representantes da CMED (três assessores da Secretaria Executiva); representante de órgão de defesa do consumidor (economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor); representante da comunidade científica (economista da Universidade de São Paulo e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas envolvido em pesquisas sobre o mercado de medicamentos).hh O objetivo inicial era entrevistar também representante da indústria farmacêutica. Contudo, apesar de inúmeras tentativas, membros da indústria farmacêutica se recusaram a conceder entrevistas para os fins do presente estudo.
As principais questões aplicadas aos entrevistados foram as seguintes:Por que regular os preços no mercado farmacêutico?, Quais as maiores dificuldades e gargalos da política atual de regulação dos preços implementada pela CMED?, Quais práticas poderiam ser utilizadas para que a política regulatória da CMED fosse mais eficiente no incremento da assistência farmacêutica à população?, A qualidade do monitoramento dos preços dos medicamentos pode influir na efetividade da política de controle de preços? e A CMED monitora os preços reais dos medicamentos, ou seja, os preços praticados no mercado?
Etapa 3: Pesquisa de preços
Foi elaborado banco de dados sobre preços reais de medicamentos, definidos como aqueles praticados nos pontos de venda. O propósito da elaboração desse banco de dados foi comparar os preços praticados no mercado com o teto de preços estabelecido pela CMED, o preço máximo ao consumidor (PMC), buscando observar a existência de variações e eventual desrespeito às normas regulatórias.
Os preços praticados nos pontos de venda foram extraídos de pesquisas realizadas pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON-SP), nos anos de 2009 a 2012. O PMC dos respectivos períodos foi obtido por meio de resoluções da CMED, disponíveis no portal da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).ii Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Listas de Preços de Medicamentos. Brasília (DF); 2015 [citado 2015 fev 21]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/regulado
São poucos os levantamentos de preços de medicamentos realizados no Brasil, destacando-se aqueles realizados pelo IDEC e pelo PROCON-SP,jj Instituto de Defesa do Consumidor. Remédio pro bolso. Rev IDEC.2009;130:16-20.,kk Instituto de Defesa do Consumidor. Meio cheio ou meio vazio? Rev IDEC. 2010;142:22-5.,ll Instituto de Defesa do Consumidor. Diferença além da conta. Rev IDEC. 2012;162:16-9,mm Fundação de Defesa e Proteção do Consumidor do Estado de São Paulo. Pesquisa comparativa de preços de medicamentos. São Paulo (SP); 2014 [citado 2014 jun 13]. Disponível em: http://www.procon.sp.gov.br/categoria.asp?id=903 os quais foram utilizados na composição do banco de preços elaborado neste estudo. Tais levantamentos se basearam na coleta anual de preços de medicamentos em diversas cidades do Brasil. A lista de medicamentos cujos preços eram compilados foi alterada anualmente, tornando impossível a análise temporal da evolução dos preços de um mesmo medicamento. Apenas 10 medicamentos do banco de preços elaborado tiveram os preços coletados em todos os anos do período observado (2009 a 2012).
Foi possível observar que significativa quantidade de medicamentos, em diferentes cidades do Brasil, teve média de preços nos pontos de venda muito aquém do PMC estipulado pela CMED.
Tendo em vista que as entrevistas realizadas buscaram a obtenção de dados já em domínio público e de caráter não sigiloso, não foi necessária a submissão do estudo a comitê de ética em pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise da legislação regulatória mostrou que a regulação econômica exercida pela CMED possui como principais vertentes a definição de critérios para a fixação e reajuste de preços de medicamentos e a determinação do coeficiente de adequação de preços às vendas realizadas a órgãos públicos.88 Guerra A. O direito à saúde e o acesso aos medicamentos: o desafio do acesso a medicamentos nos sistemas públicos de saúde. Brasília (DF): CONASS; 2010.,nn Batista LB. Regulação econômica do mercado farmacêutico brasileiro [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Cândido Mendes; 2005. Quanto ao reajuste de preços, a CMED faz distinção entre o controle de preços em relação aos fabricantes de medicamentos e aquele direcionado aos demais comerciantes.oo Andrade A, Andrade CAP, Uliam FO. Controle de preços de remédios. ETIC. 2010 [citado 2015 fev 20] 6(6). Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewArticle/2412 Os primeiros devem observar o teto estabelecido pelo preço-fábrica;pp Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Resolução 1, de 25 de fevereiro de 2005. Estabelece os critérios de composição de fatores para o ajuste de preços de medicamentos a ocorrer em 31 de março de 2005. Diario Oficial Uniao. 12 mar 2007;Seção 1:1.enquanto os segundos, responsáveis pela venda dos medicamentos em varejo, devem observar o PMC.qq Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Resolução 4, de 27 de julho de 2004. Dispõe sobre a forma de definição do Preço Fabricante e do Preço Máximo ao Consumidor dos medicamentos, estabelece a forma de apresentação de Relatório de Comercialização à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, disciplina a publicidade dos preços dos produtos farmacêuticos e define as margens de comercialização para esses produtos. Diario Oficial Uniao29 mar 2004;Seção 1:4. O preço-fábrica é o preço máximo pelo qual um laboratório ou distribuidor pode comercializar um medicamento, enquanto o PMC é o maior preço pelo qual um medicamento pode ser vendido ao consumidor em farmácias ou drogarias.55 Diniz B, Servo L, Piola S, Eirado M. Gasto das famílias com saúde no Brasil: evolução e debate sobre o gasto catastrófico. In: Faiger F, Servo L, Menezes T, Piola S, editores. Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. Rio de Janeiro (RJ): IPEA; 2007. p.143-60. Tanto o preço-fábrica quanto o PMC são fixados anualmente e calculados mediante fórmula aritmética que considera, dentre outros fatores, a produtividade e o índice de preços do consumidor amplo relativo ao período.rr Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Resolução 1, de 27 de fevereiro de 2004. Estabelece os critérios de composição de fatores para o ajuste de preços de medicamentos a ocorrer em 31 de março de 2014. Diario Oficial Uniao. 28 fev 2004;Seção 1:2. A CMED também estabelece o coeficiente de adequação de preços, que consiste em desconto obrigatório sobre determinados medicamentos vendidos para o abastecimento do sistema público de saúde.ss Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Resolução 4, de 18 de dezembro de 2006. Dispõe sobre o Coeficiente de Adequação de Preços – CAP, sua aplicação, e que e altera a Resolução CMED 2, de 5 de março de 2004. Diario Oficial Uniao.12 mar 2007;Seção 1:1-2. Esse coeficiente é recalculado anualmente a partir da média da razão entre o produto interno bruto per capita do Brasil e de nove países desenvolvidos, levando em conta o índice de desenvolvimento humano.
As entrevistas e os dados extraídos do banco de preços permitiram observar dois principais problemas na implementação da política de regulação de preços de medicamentos protagonizada pela CMED: (i) as médias dos preços de medicamentos praticados nos pontos de venda (farmácias e drogarias) estavam muito abaixo do PMC em relação à parte considerável dos medicamentos comercializados no Brasil; (ii) muitos laboratórios se recusaram a aplicar o coeficiente de adequação de preços nas vendas a órgãos públicos.
Apesar da dificuldade encontrada na compilação de preços de medicamentos para este trabalho, o que impossibilitou aferir padrões de evolução dos preços de um mesmo medicamento a longo prazo, foi possível observar que o maior problema da implementação da política regulatória da CMED é a grande diferença, na maioria das cidades brasileiras, entre a média de preços dos medicamentos comercializados nos pontos de venda e o teto estabelecido pelo órgão regulador por meio do PMC. De 2009 a 2012, 44 dos 129 preços, correspondentes a 99 medicamentos constantes do banco de preços elaborado, apresentaram variação superior a 20,0% entre a média de preços praticados nos pontos de venda e o PMC do respectivo período.tt Para maiores informações acerca do banco de preços elaborado cfr. Miziara NM. Regulação do mercado de medicamentos: a CMED e a política de controle de preços [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Direito da USP; 2013. Esse quadro indica que a regulação implementada pela CMED é incapaz de pressionar os preços de parte expressiva dos medicamentos comercializados a patamares inferiores àqueles determinados pela indústria farmacêutica, falhando no seu objetivo de facilitar o acesso a medicamentos e com isso promover a assistência farmacêutica. Assim, a regulação dos preços pela CMED parece ser inócua, não interferindo no arbitramento dos preços de boa parte dos medicamentos pela indústria.
Segundo representante dos consumidores entrevistado, seria aceitável uma variação inferior a 20,0% entre os preços praticados nos pontos de venda e o teto estabelecido pela CMED. Entretanto, as médias de variação foram consideravelmente superiores àquela tida como aceitável por esse especialista.
Ao contrário do que se poderia pensar, esse quadro de disparidade entre preços praticados nos pontos de venda e o PMC estabelecido pela CMED não retrata benefícios concedidos pelas farmácias aos consumidores por meio de “descontos”, mas os limites da regulação dos preços de medicamentos feita no Brasil. O teto estabelecido pelo governo está elevado demais e tal discrepância é prejudicial ao consumidor, pois podem ocorrer reajustes bruscos de preços a qualquer momento. Vale lembrar que o reajuste anual admitido pela CMED é estabelecido mediante o preço máximo de comercialização do produto (preço-fábrica ou PMC) e não em percentual.
As entrevistas mostraram que os motivos da considerável diferença entre o PMC e os preços praticados no mercado são a ausência de monitoramento efetivo dos preços dos medicamentos nos pontos de venda e a falta de previsão legal da possibilidade de redução dos preços regulados. A CMED não monitora os preços dos medicamentos nos pontos de venda e, por isso, não possui informações acerca dos preços reais desses produtos no mercado. Esse órgão regulador se baseia apenas em preços extraídos de relatórios anuais emitidos por laboratórios farmacêuticos e de publicações da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFARMA). Isso não pode ser equiparado ao monitoramento de preços nos pontos de venda, uma vez que as publicações da ABCFARMA possuem como fonte direta a indústria farmacêutica. A CMED não possui, portanto, dados reais acerca dos preços praticados no mercado, mas sim informações fornecidas pela indústria – que se podem presumir enviesadas – e, por isso, não tem como controlar se a regulação praticada é ou não efetiva. Como resultado prático da ausência de monitoramento dos preços reais, a fórmula elaborada para a determinação do preço-fábrica e do PMC contempla os preços de fonte direta da indústria farmacêutica. A consequência dessa situação é a significativa diferença entre o teto de preço estabelecido pela CMED e os preços de fato praticados no mercado. Dentro desse considerável intervalo compreendido entre os preços reais e o PMC, os reajustes, em termos percentuais, na prática, passam a ser muito maiores do que aqueles admitidos pela CMED e, por conseguinte, à inflação para o período.
Essa circunstância revela também a dependência do regulador em relação à indústria para obter informações sem as quais sua missão institucional não pode ser adequadamente desempenhada. Na literatura sobre regulação, tal problema foi denominado “captura” e é considerado uma das razões pelas quais a ação reguladora pode, no limite, acabar por servir aos interesses da indústria regulada em detrimento do interesse coletivo.1717 Stigler GJ. The theory of economic regulation. Bell J Econ Manag Sci. 1971;2(1):3-21. DOI:10.2307/3003160
Com base nas entrevistas realizadas com representantes da CMED, foi possível observar que o órgão regulador reconhece o problema e justifica a significativa diferença entre os supostos “descontos” fornecidos pela indústria farmacêutica e o teto estabelecido, atribuindo esse quadro aos altos preços praticados e informados pela indústria farmacêutica momentos antes da criação do novo órgão regulador e ao fato de a Lei 10.742/2003 deixar de contemplar expressamente a possibilidade de redução dos preços já praticados. Tendo em vista a ausência de previsão expressa dos casos em que se poderia operar um reajuste negativo, qualquer norma regulatória que implique redução de preços padeceria de ilegalidade, gerando disputas judiciais iniciadas pela indústria farmacêutica. Destarte, a ausência de mecanismos de calibração ou ajuste das normas regulatórias termina por mitigar a efetividade da lei, que se torna incapaz de reagir, como seria de se esperar de uma norma regulatória em um setor dinâmico como o de medicamentos, às contingências e dinamismo que o marcam.
Além dos problemas mencionados, a regulação praticada pela CMED também enfrenta dificuldades de implementação no que se refere à aplicação do coeficiente de adequação de preços, desconto obrigatório que deve ser obedecido pelos laboratórios farmacêuticos que vendem determinados medicamentos ao poder público. O coeficiente de adequação de preços é aplicado ao preço dos produtos nos seguintes casos: medicamentos de dispensação excepcional, medicamentos componentes do Programa Nacional de DST/AIDS, medicamentos incluídos no Programa de Sangue e Hemoderivados, medicamentos antineoplásicos ou utilizados como adjuvantes no tratamento do câncer, medicamentos e produtos comprados por força de ação judicial. Na prática, muitos laboratórios têm deixado de aplicar esse desconto de aproximadamente 24,0% aos medicamentos vendidos aos departamentos regionais de saúde, sendo comum o pagamento de sobrepreço pelo Governo, sob pena de desabastecimento do sistema público de saúde. Quando obrigados a aplicar esse coeficiente, muitos laboratórios deixam de participar de licitações para a venda de medicamentos à administração pública. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, 66 laboratórios já deixaram de participar de licitações no Estado.uu Credendio JE, Pinho A. Laboratório boicota remédio com desconto.Folha S. Paulo 2011 Apr 4;Cotidiano:3.
Na maioria dos casos, o pagamento de sobrepreço pelos órgãos públicos não é notificado às secretarias de saúde e não chega ao conhecimento da CMED, o que revela uma dificuldade de articulação institucional dentro do governo. A legislação é deficiente, uma vez que não prevê mecanismos jurídicos que assegurem e tornem imprescindíveis o diálogo entre a CMED os órgãos públicos que realizam as compras de medicamentos. Também não há previsão legal de instrumentos de fiscalização da aplicação do coeficiente de adequação de preços por parte da CMED. Consequentemente, considerando que apenas esse órgão regulador é competente para punir os laboratórios que se recusam a aplicar tal coeficiente, nenhuma sanção é aplicada àqueles que desrespeitam a norma reguladora.
Em resumo, a Lei 10.742/2003 não prevê mecanismos que admitem a redução dos preços dos medicamentos já lançados no mercado farmacêutico, o que configura um problema à efetividade da regulação da CMED. Em relação a quantidade considerável de medicamentos, essa câmara não influencia o arbitramento dos preços pela indústria, falhando no objetivo institucional de promover a assistência farmacêutica. Sem dúvida alguma, uma modificação legislativa nesse sentido facilitaria o incremento da assistência farmacêutica pela CMED.
Contudo, os problemas da regulação dos preços praticada por esse órgão regulador não se limitam a questões de qualidade normativa. Um dos principais problemas a ser enfrentado diz respeito à capacidade institucional da CMED na execução de sua atividade. Parece faltar a esse órgão estrutura suficiente para realizar tarefas essenciais à regulação do mercado como, e.g., o monitoramento de preços reais dos medicamentos e a criação de mecanismos de fiscalização da aplicação do coeficiente de adequação de preços, o que compromete, na prática, a qualidade da regulação dos preços.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
12 Jun 2015
Histórico
- Recebido
8 Jan 2014 - Aceito
20 Out 2014