Prevalência da automedicação na população adulta do Brasil: revisão sistemática

Paulo Henrique Faria Domingues Taís Freire Galvão Keitty Regina Cordeiro de Andrade Pedro Terra Teles de Sá Marcus Tolentino Silva Mauricio Gomes Pereira Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Avaliar a prevalência da automedicação na população adulta do Brasil.

MÉTODOS

Revisão sistemática de estudos transversais de base populacional. Foram utilizadas as seguintes bases bibliográficas: Medline, Embase, Scopus, ISI, CINAHL, Cochrane Library, CRD, Lilacs, SciELO, Banco de teses da Capes e Portal Domínio Público. Foram adicionalmente examinadas as listas de referências bibliográficas dos estudos relevantes para identificar artigos potencialmente elegíveis. Não foram aplicadas restrições por data de publicação, idioma ou status de publicação. Dados referentes à publicação, população, métodos e prevalência da automedicação foram extraídos por três pesquisadores independentes. Avaliou-se a qualidade metodológica seguindo oito critérios relacionados à amostragem, mensuração e apresentação dos resultados. As prevalências foram obtidas dos participantes que utilizavam pelo menos um medicamento durante o período recordatório dos estudos.

RESULTADOS

A triagem na literatura identificou 2.778 registros, dos quais 12 foram incluídos para análise. A maioria foi realizada na região Sudeste, após o ano 2000 e com período recordatório de 15 dias. Apenas cinco estudos alcançaram alta qualidade metodológica, dos quais um estudo com período recordatório de sete dias mostrou prevalência de automedicação de 22,9% (IC95% 14,6;33,9). A prevalência da automedicação nos três estudos de alta qualidade metodológica com período recordatório de 15 dias foi 35,0% (IC95% 29,0;40,0, I2 = 83,9%) na população adulta brasileira.

CONCLUSÕES

Apesar das diferenças encontradas nas metodologias dos estudos incluídos, os resultados dessa revisão sistemática indicam que significante proporção da população adulta brasileira se automedica. Sugere-se padronização entre os métodos dos futuros estudos que avaliem a prática da automedicação no Brasil.

Adulto; Automedicação; Prevalência; Estudos Transversais; Revisão


INTRODUÇÃO

O Brasil é um dos principais consumidores mundiais de medicamentos, com o mercado de medicamentos alcançando 22,1 bilhões de dólares anualmente.1515 Dos Santos EC, Ferreira MA. A indústria farmacêutica e a introdução de medicamentos genéricos no mercado brasileiro. Nexos Econ.2012;6(2):95-119. O setor farmacêutico é composto por aproximadamente 480 empresas que trabalham diretamente com a produção, distribuição e venda de medicamentos.aa Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de medicamentos. Brasília (DF); 2001. O Brasil possui mais de 65 mil farmácias e drogarias, uma proporção de 3,3 farmácias para cada 10 mil habitantes, número três vezes maior que o valor preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a qual recomenda uma farmácia para cada 10 mil habitantes.bb Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias. Quem somos. São Paulo; 2013 [citado 2014 mai 26]. Disponível em: http://febrafar.com.br/a-febrafar/(rodap%E9)

A ampla disponibilidade aos medicamentos aumenta a possibilidade de uso irracional. Segundo a OMS,cc World Health Organization. Medicines: rational use of medicines [Internet]. Geneva; 2013 [citado 2014 abr 13]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs338/en/mais de 50,0% de todos os medicamentos são incorretamente prescritos, dispensados e vendidos, e metade dos pacientes os utilizam de maneira errada. Um dos fatores que contribuem para o uso incorreto de medicamentos é a prática inadequada da automedicação.2121 Wannmacher L. Condutas baseadas em evidências sobre medicamentos utilizados em atenção primária à saúde. Uso racional de medicamentos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012. p. 9-14.

Aproximadamente um terço das internações ocorridas no País tem como origem o uso incorreto de medicamentos.1Aquino D. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Cienc Saude Coletiva. 2008;13(Suppl):733-6. DOI:10.1590/S1413-81232008000700023 No ano de 2011, os medicamentos corresponderam a 29,5% dos casos de intoxicações registrados no Brasil e a 16,9% dos casos de óbito por intoxicações.dd Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Óbitos registrados de intoxicação humana por agente tóxico e circunstância. Rio de Janeiro (RJ): Fundação Oswaldo Cruz; 2011.

A prática da automedicação é consequência de múltiplos fatores, entre os quais a dificuldade do acesso aos serviços de saúde pela população, a crença nos benefícios do tratamento/prevenção de doenças e a necessidade de aliviar sintomas.2Arrais PS, Coelho HL, Batista MC, Carvalho ML, Righi RE, Arnau JM. Perfil da automedicação no Brasil. Rev Saude Publica. 1998;31(1):71-7. DOI:10.1590/S0034-89101997000100010 Por outro lado, os dados relativos à prevalência da automedicação no Brasil são escassos, mesmo sendo uma questão de preocupação para as autoridades governamentais.aa Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de medicamentos. Brasília (DF); 2001.

O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência da automedicação na população adulta do Brasil.

MÉTODOS

O protocolo desta revisão sistemática foi registrado na baseInternational Prospective Register of Systematic Reviews(PROSPERO – Registro CRD42013006652).

Estudos transversais de base populacional foram elegíveis quando realizados no Brasil e com avaliação da prevalência da automedicação em indivíduos adultos. Foram excluídos estudos que limitaram a automedicação por qualquer doença ou outras condições, que não relataram o período recordatório da automedicação, que incluíram apenas idosos (> 65 anos) e que foram realizados com grupos populacionais específicos, como indígenas. Tal exclusão teve o intuito de garantir que todos os estudos incluídos na revisão fossem populacionais, uma vez que refletem com maior exatidão a prevalência da automedicação.

Os estudos foram pesquisados nas seguintes bases de dados: Medline (via PubMed), Embase, Scopus, Institute for Scientific Information (ISI),Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature(CINAHL), Cochrane Library, Centre for Reviews and Dissemination (CRD), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Banco de teses brasileiras (Capes) e arquivos de domínio público brasileiro (Portal Domínio Público). Não se aplicou restrição por idiomas, data de publicação ou status de publicação.

Utilizou-se a seguinte estratégia de busca para pesquisar no Medline, sendo adaptada para os outros bancos de dados: (“Self Medication” [Mesh] OR “Self Medication” [TIAB] OR “Self Medications” [TIAB] OR “Self-Medications” [TIAB] OR “Self-Medication” [TIAB]) OR ((“Health Surveys” [Mesh] OR “Surveys” [TIAB] OR “Survey” [TIAB] OR “Cross-Sectional Studies” [Mesh] OR “Prevalence” [TIAB] OR “Frequency” [TIAB]) AND (“Pharmacology” [TIAB] OR “Drug” [TIAB] OR “Drugs” [TIAB] OR “Medicine” [TIAB] OR “Remedy” [TIAB] OR “Medication” [TIAB])) AND (“Brazil” [Mesh] OR “Brazil” [TIAB] OR “Brasil” [TIAB]) AND (“Population” [Mesh] OR “Population” [TIAB] OR “Populations” [TIAB] OR “population-based study” [TIAB]).

As pesquisas foram realizadas de julho de 2012 a agosto de 2013. As listas de referências bibliográficas dos estudos relevantes foram examinadas para identificar outras publicações potencialmente elegíveis.

Três revisores experientes na elaboração de revisões sistemáticas selecionaram, independentemente, os estudos avaliando seus títulos e resumos, de modo que nenhum revisor soubesse das respectivas escolhas dos demais revisores durante esse processo. As decisões relativas à inclusão ou exclusão de artigos foram feitas em conjunto por todos os pesquisadores.

Três revisores extraíram os dados dos estudos selecionados, independentemente, e os inseriram em planilha on-line destinada para este propósito. Nos casos de discordância, a decisão foi tomada em consenso. Os seguintes dados foram extraídos: nome dos autores, ano de publicação, ano de realização da pesquisa, cidade e estado, objetivo primário, faixa etária da população em estudo, tipo de amostragem, idade média dos participantes, período recordatório, modo de mensuração da automedicação, tamanho da amostra, gênero, prevalência da automedicação e comorbidades. Foram contatados os autores dos estudos incluídos nos casos em que os dados não estavam disponíveis no artigo.

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos foi feita de maneira independente por dois revisores. A qualidade metodológica foi realizada tomando por base oito critérios adaptados de Loney et al,1111 Loney PL, Chambers LW, Bennett KJ, Roberts JG, Stratford PW. Critical appraisal of the health research literature: prevalence or incidence of a health problem. Chronic Dis Can.1998;19(4):170-6. cada um podendo obter a pontuação zero ou um. Os estudos receberam pontuação um quando apresentaram os seguintes critérios:

  • Amostra: adequada se o estudo fosse realizado em toda a população ou se realizado com amostragem probabilística.

  • Fonte de amostragem: censitária.

  • Tamanho de amostra: adequado caso fosse calculado estatisticamente.

  • Mensuração do desfecho: período recordatório da automedicação ≤ 15 dias, não restrito às pessoas que mantiveram a prescrição, bula ou embalagem do medicamento.

  • Entrevistador imparcial: resultados pesquisados por entrevistadores treinados.

  • Taxa de resposta: considerada adequada se ≥ 70,0%.

  • Prevalência com IC95%: análise da prevalência de automedicação das pessoas que consumiram medicamentos e do subgrupo (sexo).

  • Participantes semelhantes: descrição dos sujeitos em estudo – adultos de 18 a 65 anos.

A pontuação total obtida poderia variar de zero (baixa qualidade) a oito (alta qualidade). Os inquéritos foram considerados de alta qualidade quando obtiveram pontuação ≥ 6. Nenhum estudo foi excluído por apresentar baixa qualidade metodológica.

Foram priorizadas a descrição dos estudos e seus resultados de prevalência da automedicação em cada grupo. As prevalências foram obtidas dos participantes que utilizavam pelo menos um medicamento durante o período recordatório de cada estudo.

A análise de sensibilidade foi realizada para averiguar as possíveis causas de heterogeneidade, investigando os estudos agrupados pelas variáveis: período recordatório de 15 dias, pesquisa realizada após o ano 2000, alta qualidade metodológica, e alta qualidade metodológica com período recordatório de 15 dias.

O teste Qui-quadrado e a magnitude da inconsistência, estimada pelo i-quadrado (I2), foram calculados para avaliar a heterogeneidade entre os estudos. Todas as análises foram executadas no pacote estatístico Stata® (versão 11.2).

RESULTADOS

Pela pesquisa bibliográfica realizada, foram recuperados 2.778 registros. Após avaliação dos títulos e respectivos resumos, foram selecionados 61 artigos para avaliação do texto completo. Os artigos que apresentavam potencial elegibilidade (n = 7), cujos textos não puderam ser obtidos, mesmo após tentativas de contato com os autores, foram excluídos. O total de 12 artigos cumpriu com todos os critérios de elegibilidade (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do resultado da busca, seleção e inclusão dos estudos.

As principais características dos estudos incluídos estão apresentadas na Tabela 1. Os inquéritos, em sua maioria, foram aplicados após o ano 2000, apresentavam período recordatório de 15 dias, possuíam maior proporção de participantes do sexo feminino e foram realizados na região Sudeste do Brasil, sendo São Paulo o estado com mais estudos. Apenas um estudo abrangeu vários estados brasileiros.7Carvalho MF, Pascom AR, Souza Jr PR, Damacena GN, Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21Suppl:100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011 Oito estudos foram delineados para avaliar o consumo de medicamentos,7Carvalho MF, Pascom AR, Souza Jr PR, Damacena GN, Szwarcwald CL. Utilization of medicines by the Brazilian population, 2003. Cad Saude Publica. 2005;21Suppl:100-8. DOI:10.1590/S0102-311X2005000700011,1717 Simões MJS, Farache Filho A. Consumo de medicamentos em região do estado de São Paulo (Brasil), 1985. Rev Saude Publica.1988;22(6):494-9. DOI:10.1590/S0034-89101988000600005,1818 Simões MJS. Consumo de medicamentos e morbidade em Humaitá estado do Amazonas. Rev Cienc Farm. 1991;13:167-79.,2020 Vilarino JF, Soares IC, da Silveira CM, Rodel AP, Bortoli R, Lemos RR. Perfil da automedicação em município do Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 1998;32(1):43-9. DOI:10.1590/S0034-89101998000100006,ee Arrais PSD. Epidemiologia do consumo de medicamentos e eventos adversos no município de Fortaleza-CE [tese de doutorado]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 2004 [citado 2014 jun 24]. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10905/1/22222222.pdf,ff Barros MBA. Saúde e classe social: um estudo sobre morbidade e consumo de medicamentos [tese de doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 1983.,gg Mendes CMM. Perfil da automedicação em duas populações do município de Teresina [dissertação de mestrado]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará; 2010. [citado 2014 jun 26]. Disponível em: ttp://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/2268/1/2010_dis_cmmmendes.pdf,hh Pelicioni AF. Padrão de consumo de medicamentos em duas áreas da Região Metropolitana de São Paulo 2001-2002 [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2005. cujas subanálises apresentavam a prevalência da automedicação.

Tabela 1
Características dos estudos incluídos.

Baseado na avaliação da qualidade metodológica em oito critérios, cinco estudos alcançaram alta qualidade de acordo com o critério adotado (≥ 6 pontos). A Tabela 2 detalha os resultados dessa avaliação. A média global da qualidade foi 5,2 pontos. Nenhum estudo alcançou pontuação máxima. Os itens referentes à amostragem e à prevalência com IC95% foram os únicos nos quais todos os estudos pontuaram, enquanto apenas um inquérito atendeu ao critério participantes semelhantes.gg Mendes CMM. Perfil da automedicação em duas populações do município de Teresina [dissertação de mestrado]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará; 2010. [citado 2014 jun 26]. Disponível em: ttp://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/2268/1/2010_dis_cmmmendes.pdf

Tabela 2
Resultado da avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos.

Uma avaliação qualitativa nas prevalências da automedicação dos artigos incluídos sugere alta heterogeneidade entre os resultados, pois a diferença entre as proporções encontradas nos estudos foi estatisticamente significante pelo teste de heterogeneidade (teste Qui-quadrado p > 0,0001; I2: 98,8%) (Tabela 3). Observa-se que foram incluídos na presente revisão estudos com baixa prevalência de automedicação (22,9%)9Girotto E, Matos DBSM, De Oliveira JMO. Perfil da automedicação em população residente de Arapongas, Paraná. Espaço Saude. 2010;11(2):29-38. e alta prevalência (75,3%).ff Barros MBA. Saúde e classe social: um estudo sobre morbidade e consumo de medicamentos [tese de doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 1983. Embora a diferença entre os sexos não tenha sido estatisticamente significativa, numericamente, homens praticaram mais automedicação, exceto por um inquérito no qual a prevalência foi maior entre as mulheres.1818 Simões MJS. Consumo de medicamentos e morbidade em Humaitá estado do Amazonas. Rev Cienc Farm. 1991;13:167-79. Entre os estudos com alta qualidade metodológica, a prevalência foi abaixo de 43,8%. Estudos realizados antes do ano 2000 exibiram prevalência maior que aqueles de datas mais recentes, com exceção de um estudo,1414 Pinto MCX, Ferre F, Pinheiro MLP. Potentially inappropriate medication use in a city of Southeast Brazil. Braz J Pharm Sci.2012;48(1):79-86. DOI:10.1590/S1984-82502012000100009 o qual apresentou baixa qualidade metodológica.

Tabela 3
Prevalência da automedicação em populações adultas no Brasil.

A análise de subgrupos, realizada nos estudos de alta qualidade metodológica e que utilizaram período recordatório de 15 dias, indicou prevalência da automedicação de 35,0% (IC95% 29,0;40,0; I2 = 83,9%), menor que na maioria dos outros inquéritos incluídos. A heterogeneidade permaneceu alta, embora menor quando avaliada em todos os estudos (Figura 2). O resultado não pôde indicar a causa para as diferenças encontradas entre as prevalências, porém sugere que nesses estudos os resultados possuem menor variabilidade em relação à estimativa de efeito.

Figura 2
Prevalência da automedicação dos três estudos de alta qualidade metodológica com período recordatório de 15 dias.

Alguns dados extraídos, como a idade média dos participantes e a prevalência de comorbidades, não foram utilizados nessa revisão sistemática, pois nem todos os estudos relataram essas informações, mesmo após tentativas de contato com os autores responsáveis.

DISCUSSÃO

A automedicação é exercida por cerca de um terço da população adulta nos estudos de melhor qualidade metodológica e que analisaram uso de medicamentos nos últimos 15 dias.

Os achados de estudos realizados na Espanha apontam prevalência da automedicação variando de 12,7% a 20,2% na população acima de 16 anos que consumiu medicamentos nas últimas duas semanas,5Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Gil de Miguel A. Predictive factors of self-medicated drug use among the Spanish adult population. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2008;17(2):193-9. DOI:10.1002/pds,6Carrasco-Garrido P, Hernández-Barrera V, López de Andrés A, Jiménez-Trujillo I, Jiménez-García R. Sex--differences on self-medication in Spain. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2010;19(12):1293-9. DOI: 10.1002/pds.2034,8Figueiras A, Caamaño F, Gestal-Otero JJ. Sociodemographic factors related to self-medication in Spain. Eur J Epidemiol.2000;16(1):19-26. DOI:10.1023/A:1007608702063 resultados abaixo das prevalências desta revisão.

Em países em desenvolvimento, a prevalência da automedicação é maior que os resultados dos estudos praticados na Espanha e mais próximos dos resultados dessa revisão sistemática. No estudo realizado em Bogotá, Colômbia, a prevalência da automedicação foi 27,3%.1313 López JJ, Dennis R, Moscoso SM. Estudio sobre la Automedicación en una Localidad de Bogotá. Rev Salud Publica (Bogota).2009;11(3):432-42. DOI:10.1590/S0124-00642009000300012 Na Ásia, na população adulta de Hong Kong, a prevalência foi 32,5%.1010 Lam CL, Catarivas MG, Munro C, Lauder IJ. Self-medication among Hong Kong Chinese. Soc Sci Med. 1994;39(12):1641-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90078-7 Na África, em estudos realizados na Etiópia e no Sudão, a prevalência foi 39,2%1919 Suleman S, Ketsela A, Mekonnen Z. Assessment of self-medication practices in Assendabo town, Jimma zone, southwestern Ethiopia. Res Social Adm Pharm. 2009;5(1):76-81. DOI:10.1016/j.sapharm.2008.04.002 e 28,3%,3Awad AI, Eltayeb IB, Capps PA. Self-medication practices in Khartoum State, Sudan. Eur J Clin Pharmacol. 2006;62(4):317-24. DOI:10.1007/s00228-006-0107-1 respectivamente. Apenas um estudo realizado no Brasil, o qual possui alta qualidade metodológica,9Girotto E, Matos DBSM, De Oliveira JMO. Perfil da automedicação em população residente de Arapongas, Paraná. Espaço Saude. 2010;11(2):29-38. teve resultado próximo daqueles obtidos na Espanha.5Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Gil de Miguel A. Predictive factors of self-medicated drug use among the Spanish adult population. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2008;17(2):193-9. DOI:10.1002/pds,6Carrasco-Garrido P, Hernández-Barrera V, López de Andrés A, Jiménez-Trujillo I, Jiménez-García R. Sex--differences on self-medication in Spain. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2010;19(12):1293-9. DOI: 10.1002/pds.2034,8Figueiras A, Caamaño F, Gestal-Otero JJ. Sociodemographic factors related to self-medication in Spain. Eur J Epidemiol.2000;16(1):19-26. DOI:10.1023/A:1007608702063 Entretanto, a diferença pode ser explicada devido ao menor período recordatório utilizado pelo estudo brasileiro.

Diferentemente dos resultados desta revisão, os estudos acima citados mostram que as mulheres são as que mais praticam a automedicação. Em apenas um estudo desta revisão,1717 Simões MJS, Farache Filho A. Consumo de medicamentos em região do estado de São Paulo (Brasil), 1985. Rev Saude Publica.1988;22(6):494-9. DOI:10.1590/S0034-89101988000600005 elaborado antes do ano 2000 e apresentando baixa qualidade metodológica, a prevalência da automedicação foi maior entre as mulheres. Entretanto, isso não parece refletir o atual cenário de utilização de medicamentos pela população brasileira. Analisando as pesquisas, nota-se grande variação da prevalência dessa prática relacionada ao sexo no cenário nacional. Esse achado é coerente com a associação negativa encontrada em estudos entre maior número de consultas e uso exclusivo de automedicação, em que consultas médicas foram mais frequentes em mulheres do que em homens.1212 Loyola Filho AI, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Prevalência e fatores associados à automedicação: resultados do projeto Bambuí.Rev Saude Publica. 2002;36(1):55-62. DOI:10.1590/S0034-89102002000100009

Nesta revisão, os estudos incluídos foram realizados em épocas diferentes. O Brasil passou por grandes transformações econômicas e sociais durante o século XX. O censo demográfico 2010 expõe um País mais urbano, feminino, mestiço, envelhecido e com mais pessoas na classe média.ii Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultados divulgados no Diário Oficial da União em 4.11.2010. Brasília (DF); 2010 [citado 2014 abr 19]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_dou/default_resultados_dou.shtm Os brasileiros vivem mais e buscam meios para conquistar diversos tipos de seguros contra os riscos inerentes à maior longevidade,jj Alves JED, Cavenaghi S. Tendências demográficas, dos domicílios e das famílias no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2012 [citado 2014 jun 16]. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/tendencias_demograficas_e_de_familia_24ago12.pdf como o uso de medicamentos, sendo a prática da automedicação importante ferramenta nesse contexto. A visão do medicamento como bem de consumo e mudanças no novo cenário dos consumidores, com o crescimento das classes A, B e C,jj Alves JED, Cavenaghi S. Tendências demográficas, dos domicílios e das famílias no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2012 [citado 2014 jun 16]. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/tendencias_demograficas_e_de_familia_24ago12.pdf afeta a maneira como os brasileiros utilizam medicamentos. Determinadas diferenças temporais podem ser uma das explicações para as diferentes prevalências apresentadas nesta revisão.

A prevalência da automedicação foi determinada a partir de estudos transversais aplicados em amostras populacionais. Entretanto, grande número dos estudos realizados no Brasil avaliou a automedicação em participantes que utilizaram um serviço de saúde, que pertenciam a um grupo específico de indivíduos como profissionais da saúde ou estudantes, e na população idosa. Estudos baseados em tais populações restritas não foram considerados nesta revisão, pois diminuem a representatividade populacional.

Manual publicado pela OMS informa que o período recordatório para estudos acerca de doenças e medicamentos deveria ser de uma semana.kk Hardon A, Hodgkin C, Fresle DA. How to investigate the use of medicines by consumers. Amsterdam: World Health Organization; 2004 [citado 2014 jun 24]. Disponível em: http://www.who.int/medicines/areas/rational_use/Manual1_HowtoInvestigate.pdf A falta de padronização metodológica entre os estudos brasileiros pode ser um dos fatores que explicam a alta heterogeneidade encontrada. Nesta revisão, o período recordatório variou de três dias à ausência de limite de tempo para a automedicação. A baixa qualidade metodológica entre os estudos e a distribuição não uniforme entre as faixas etárias das populações são fatores que também podem explicar a variação da prevalência de automedicação observada. A população incluída não foi exclusivamente composta por adultos da faixa etária entre 18 a 65 anos, pois nem todos os estudos elegíveis possuíam dados sobre o número de adultos nessa faixa etária que se automedicavam, sendo então considerada a faixa etária mais próxima da população de interesse. Os resultados mostram grande heterogeneidade, o que demanda precaução na extrapolação dos resultados. Devido a esse fato, optou-se por não realizar meta-análise, evitando apresentar uma medida de baixa validade externa. Constantemente, nas revisões sistemáticas, os resultados quando reunidos apresentam diferenças entre si.4Borenstein M, Hedges L, Higgins J, Rothstein H. Introduction to meta-analysis. Chichester: Wiley; 2009. Cabe ao pesquisador identificar e avaliar as possíveis causas para altas heterogeneidades.

A alta heterogeneidade entre os resultados pode ser devida, além de às causas metodológicas, às diferenças naturais entre os sujeitos incluídos em cada inquérito, sabendo que cada estado e município brasileiro possuem diferenças socioeconômicas e culturais.

Este artigo apresenta método de acordo com as atuais recomendações para elaboração de revisões sistemáticas: busca sensível na literatura, sem restrições quanto ao idioma ou data de publicação, investigação de estudos na literatura cinzenta, seleção e extração pareada dos dados e avaliação da qualidade dos estudos.ll University of York (UK).CRD’s guidance for undertaking reviews in health care. North Yorkshire: Centre for Reviews and Dissemination, University of York; 2008.,mm Higgins J, Green S. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions Version 5.1.0 [Internet]. Washington (DC); 2011 [citado 2014 mai 27]. Disponível em: www.cochrane-handbook.org Tais medidas são importantes para evitar vieses e revelar transparência nos resultados.

A prevalência nacional entre os adultos foi estimada revelando grandes variações, muitas vezes devido à falta de homogeneidade entre os métodos utilizados nos estudos realizados no Brasil. Todavia, os resultados desta revisão mostram a prática da automedicação na população brasileira.

Sugere-se que futuras pesquisas padronizem seus métodos, em especial a duração do período recordatório, e que forneçam informações de prevalência por faixa etária e sexo.

Esta revisão sistemática, por fornecer o perfil dessa prática entre a população adulta brasileira, pode servir de ferramenta para estimular o uso racional de medicamentos na população brasileira.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    7 Jul 2014
  • Aceito
    10 Out 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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