Associação entre capital social e autopercepção de saúde em adultos brasileiros

Mathias Roberto Loch Regina Kazue Tanno de Souza Arthur Eumann Mesas Alberto Durán González Fernando Rodriguez-Artalejo Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Analisar a associação entre indicadores de capital social e autopercepção de saúde com base em comportamentos relacionados à saúde como possíveis mediadores dessa relação.

MÉTODOS

Realizou-se estudo transversal com 1.081 sujeitos, representativos da população de 40 anos ou mais de município da região Sul do Brasil. Os sujeitos que percebiam sua saúde como regular, ruim ou muito ruim foram considerados com autopercepção negativa. Os indicadores de capital social foram: número de amigos; pessoas que emprestariam dinheiro em caso de necessidade; confiança nas pessoas do bairro; frequência de ajuda entre as pessoas do bairro; segurança no bairro; e participação comunitária. Os comportamentos investigados foram prática de atividade física no lazer, consumo de frutas e verduras, tabagismo e consumo abusivo de álcool. A razão de odds (OR) e seus intervalos de confiança (IC) 95% foram calculados por regressão logística binária, em diferentes modelos. A significância da mediação foi verificada pelo teste de Sobel.

RESULTADOS

Na análise ajustada pelas variáveis demográficas e clínicas, maior autopercepção negativa de saúde foi apresentada por pessoas com menor número de amigos (OR = 1,39; IC95% 1,08;1,80), que percebiam menor frequência de ajuda entre as pessoas no bairro (OR = 1,30; IC95% 1,01;1,68), que consideravam o bairro violento (OR = 1,33; IC95% 1,01;1,74) e que não haviam participado de atividade comunitária (OR = 1,39; IC95% 1,07;1,80). A atividade física no lazer foi um mediador significativo na relação entre todos os indicadores de capital social, e a autopercepção de saúde. O consumo de frutas e verduras foi um mediador significativo da relação entre a participação comunitária e a autopercepção de saúde. Tabagismo e consumo abusivo de álcool não mediaram nenhuma relação.

CONCLUSÕES

O estilo de vida parece explicar parcialmente a relação entre capital social e autopercepção de saúde. Dos comportamentos investigados, a atividade física no lazer parece ter papel mais importante como mediador dessa relação.

Saúde do Adulto; Autoavaliação; Apoio Social; Relações Interpessoais; Participação Social; Estilo de Vida; Comportamentos Saudáveis; Estudos Transversais


INTRODUÇÃO

A autopercepção de saúde tem sido utilizada em estudos epidemiológicos como indicador de saúde, útil pela simplicidade de sua obtenção e validade das informações,1313 .Lima-Costa MF, Firmo JO, Uchoa E. A estrutura da auto-avaliação da saúde entre idosos: projeto Bambuí. Rev Saude Publica.2004;38(6):827-34. DOI:0034-89102004000600011,1717 .Pagotto V, Bachion MM, Silveira EA. Autoavaliação da saúde por idosos brasileiros: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Publica. 2013;33(4):302-10. DOI:1020-49892013000400010,2424 .Szwarcwald CL, Souza Jr PR, Esteves MA, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saude Publica. 2005;21 Suppl:54-64. DOI:0102-311X2005000700007 além da constatação de que indivíduos com percepção negativa de saúde tendem a apresentar piores indicadores de mortalidade e morbidade.4.DeSalvo KB, Fisher WP, Tran K, Bloser N, Merrill W, Peabody J. Assessing measurement properties of two single-item general health measures.Qual Life Res. 2006;15(2):191-201. DOI:10.1007/s11136-005-0887-2,9.Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav. 1997;38(1):21-37. DOI:10.2307/2955359

Capital social (CS) está vinculado às características da organização social, que incluem a confiança entre as pessoas, as normas de reciprocidade e as redes de solidariedade. Essas características podem capacitar as pessoas a agirem coletivamente, aumentando a eficiência no alcance de objetivos comuns.1010 .Kawachi I, Berkman L. Social Cohesion, Social capital and health. In: Berkman L, Kawachi I, editors. Social Epidemiology. Oxford: Oxford University Press; 2000.,1818 .Pattussi MP, Moyses SJ, Junges JR, Sheiham A. Capital social e a agenda da epidemiologia. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1525-46. DOI:0102-311X2006000800002,2020 .Putnam R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV; 1998.

Evidências apontam que pessoas com maiores níveis de CS tendem a ter maior chance de apresentar autopercepção positiva de saúde1111 .Kim D, Subramanian SV, Kawachi I. Social capital and physical health: a systematic review of literature. In: Kawachi I, Subramania SV, Kim D, editors. Social capital and health. New York: Springer; 2008. p. 139-90.,1616 .Murayama H, Fujiwara Y, Kawachi I. Social capital and health: a review of prospective multilevel studies. J Epidemiol.2012;22(3):179-87. DOI:JST.JSTAGE/jea/JE20110128,2626 .Uphoff EP, Pickett KE, Cabieses B, Small N, Wright J. A systematic review of the relationships between social capital and socioeconomic inequalities in health: a contribution to understanding the psychosocial pathway of health inequalities. Int J Equity Health. 2013;12:54. DOI:10.1186/1475-9276-12-54 e que o CS está associado à menor prevalência de determinados comportamentos de risco à saúde.1.Ball K, Jeffery RW, Abbott G, McNaughton SA, Crawford D. Is healthy behavior contagious: associations of social norms with physical activity and healthy eating. Int J Behav Nutr Phys Act. 2010;7:86. DOI:10.1186/1479-5868-7-86,1414 .Lindstrom M. Social capital and health related behaviors. In: Kawachi I, Subramania SV, Kim D, editors. Social capital and health. New York: Springer; 2008. p. 215-38.,1818 .Pattussi MP, Moyses SJ, Junges JR, Sheiham A. Capital social e a agenda da epidemiologia. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1525-46. DOI:0102-311X2006000800002,2222 .Sapag JC, Poblete FC, Eicher C, Aracena M, Caneo C, Vera G, et al. Tobacco smoking in urban neighborhoods: exploring social capital as a protective factor in Santiago, Chile. Nicotine Tob Res. 2010;12(9):927-36. DOI:10.1093/ntr/ntq117,2525 .Ueshima K, Fujiwara T, Takao S, Suzuki E, Iwase T, Doi H, et al. Does social capital promote physical activity? A population-based study in Japan. PLoS One.2010;5(8):e12135.DOI:10.1371/journal.pone.0012135
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Todavia, ainda existem poucas informações sobre os mecanismos da associação entre o CS e a melhor autopercepção de saúde. Apesar de não serem totalmente conhecidos os mecanismos pelos quais o CS influencia positivamente a autopercepção de saúde, supõe-se que entre esses esteja a melhoria do estado emocional ou a contribuição do CS, de maneira mais abrangente, para melhor organização do próprio sistema de saúde.1010 .Kawachi I, Berkman L. Social Cohesion, Social capital and health. In: Berkman L, Kawachi I, editors. Social Epidemiology. Oxford: Oxford University Press; 2000. Além disso, o CS pode aumentar a velocidade de difusão do conhecimento sobre a importância dos comportamentos considerados positivos e dos efeitos maléficos para a saúde de outros comportamentos, bem como aumentar a chance de os comportamentos saudáveis serem adotados como norma pela comunidade.1010 .Kawachi I, Berkman L. Social Cohesion, Social capital and health. In: Berkman L, Kawachi I, editors. Social Epidemiology. Oxford: Oxford University Press; 2000.,1414 .Lindstrom M. Social capital and health related behaviors. In: Kawachi I, Subramania SV, Kim D, editors. Social capital and health. New York: Springer; 2008. p. 215-38.

Assim, provavelmente, parte da relação positiva existente entre CS e saúde decorra de aspectos comportamentais. No entanto, poucos estudos investigaram essa relação. Somente dois estudos específicos sobre esta temática foram encontrados, sendo ambos transversais. Estudo realizado na Inglaterra1919 .Poortinga W. Do health behaviors mediate the association between social capital and health? Prev Med.2006;43(6):488-93.DOI:0091-7435(06)00262-3 constatou que a inclusão de variáveis comportamentais pouco alterava a magnitude da associação entre CS e autopercepção; entretanto, esse citado estudo não incluiu a atividade física. Estudo holandês,1515 .Mohnen SM, Volker B, Flap H, Groenewegen PP. Health-related behavior as a mechanism behind the relationship between neighborhood social capital and individual health – a multilevel analysis. BMC Public Health. 2012;12:116. DOI:10.1186/1471-2458-12-116 que combinou dados primários e secundários, observou que a atividade física era o comportamento com efeito mediador mais evidente na relação entre CS e autopercepção de saúde. Os estudos disponíveis foram realizados em países europeus e apresentaram resultados variados. Desse modo, a associação entre CS e autopercepção de saúde necessita ser investigada em contextos específicos e em diferentes localidades, haja vista que tal relação pode apresentar particularidades.

Assim, este estudo objetivou verificar a associação entre indicadores de CS e a autopercepção de saúde, com base em comportamentos relacionados à saúde como possíveis mediadores dessa relação.

MÉTODOS

Este estudo transversal, cuja coleta de dados foi realizada em 2011, avaliou moradores de 40 anos ou mais do município de Cambé, localizado no Sul do Brasil, com médio porte (96.735 habitantes em 2010), índice de desenvolvimento humano médio (IDH = 0,793) e índice Gini de 0,40.aa Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Brasília (DF); 2010. A amostra foi selecionada de forma estratificada por sexo e idade a partir da distribuição dos setores censitários da área urbana, na qual os domicílios foram selecionados de forma sistemática e aleatória. Todos os 86 setores censitários da área urbana do município foram incluídos. O tamanho da amostra foi calculado utilizando-se o programa Epi Info 3.5.1, considerando proporção esperada de 50,0%, margem de erro de três pontos percentuais e intervalo de 95% de confiança, resultando em uma amostra de 1.066 sujeitos. Prevendo-se 25,0% de perdas e recusas, o cálculo resultou em 1.339. Mais informações sobre a seleção e a composição da amostra estão disponíveis em Souza et al.2323 .Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, et al. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional.Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):435-44. DOI:10.5123/S1679-49742013000300008

A variável dependente foi a autopercepção de saúde, avaliada a partir da seguinte pergunta: “Como você classifica seu estado de saúde?”7.Fonseca SA, Blank VL, Barros MV, Nahas MV. Percepção de saúde e fatores associados em industriários de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(3):567-76. DOI:0102-311X2008000300010,2121 .Reichert FF, Loch MR, Capilheira MF. Autopercepção de saúde em adolescentes, adultos e idosos. Cienc Saude Coletiva.2012;17(12):3353-62. DOI:1413-81232012001200020 (categorias: muito boa; boa; regular; ruim; muito ruim). Para a análise dos dados, as categorias “muito boa” e “boa” foram consideradas como percepção positiva de saúde e as demais como percepção negativa. A opção pela dicotomização desta variável é comum em estudos que investigam a relação entre o CS e a autopercepção de saúde.1111 .Kim D, Subramanian SV, Kawachi I. Social capital and physical health: a systematic review of literature. In: Kawachi I, Subramania SV, Kim D, editors. Social capital and health. New York: Springer; 2008. p. 139-90.

Os indicadores de CS, variáveis independentes deste estudo, foram retirados da versão brasileira do questionário integrado para medir o CS (QI-MCS). Trata-se de instrumento criado pelo Grupo Temático sobre CS do Banco Mundial, a partir de estudos desenvolvidos sobre a temática em diferentes países, e da contribuição de especialistas. O objetivo do questionário é prover conjunto de questões que possibilite o levantamento de informações quantitativas sobre várias dimensões do CS para aplicação em estudos do tipo survey. As questões incluídas no QI-MCS foram retiradas de estudos anteriores e demonstraram sua confiabilidade e validade.bb Grootaert C, Narayan D, Nyhan Jones V, Woolcock M. Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS). Grupo Temático sobre Capital Social. Washington (DC): World Bank; 2003 [citado 2014 jun 10]. Disponível em:http://empreende.org.brComo as propriedades psicométricas do instrumento, na versão brasileira, não foram testadas e devido à grande extensão do questionário (102 perguntas), optou-se pela utilização de alguns indicadores de CS que contemplassem indicadores já utilizados em estudos anteriores8.Hurtado D, Kawachi I, Sudarsky J. Social capital and self-rated health in Colombia: the good, the bad and the ugly. Soc Sci Med.2011;72(4):584-90. DOI:0277-9536(10)00817-8,1212 .Legh-Jones H, Moore S. Network social capital, social participation, and physical inactivity in an urban adult population. Soc Sci Med. 2012;74(9):1362-7. DOI:10.1016/j.socscimed.2012.01.005,1515 .Mohnen SM, Volker B, Flap H, Groenewegen PP. Health-related behavior as a mechanism behind the relationship between neighborhood social capital and individual health – a multilevel analysis. BMC Public Health. 2012;12:116. DOI:10.1186/1471-2458-12-116,2222 .Sapag JC, Poblete FC, Eicher C, Aracena M, Caneo C, Vera G, et al. Tobacco smoking in urban neighborhoods: exploring social capital as a protective factor in Santiago, Chile. Nicotine Tob Res. 2010;12(9):927-36. DOI:10.1093/ntr/ntq117,2525 .Ueshima K, Fujiwara T, Takao S, Suzuki E, Iwase T, Doi H, et al. Does social capital promote physical activity? A population-based study in Japan. PLoS One.2010;5(8):e12135.DOI:10.1371/journal.pone.0012135
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e que englobassem distintos domínios de CS: estrutural (relacionado à participação cívica e política), cognitiva (percepções e expectativas sobre o comportamento social e senso de comunidade), formal (organizações ou procedimentos estruturados ou oficiais) e informal (interação espontânea com vizinhos, parentes, colegas e/ou amigos).

Foram analisados seis indicadores de CS: 1) número de amigos próximos, considerando as pessoas com quem o respondente se sentia à vontade para solicitar ajuda ou conversar a respeito de assuntos particulares (categorias: quatro ou mais; menos que quatro); 2) número de pessoas que emprestariam dinheiro, caso necessário (equivalente aos rendimentos de uma semana do respondente) (categorias: pelo menos uma pessoa; nenhuma pessoa); 3) confiança nas pessoas do bairro, segundo opinião quanto à afirmação “pode-se confiar na maioria das pessoas que moram neste(a) bairro/localidade” (categorias: positiva = concorda totalmente; concorda em parte; e negativa = não concorda, nem discorda; discorda em parte; ou discorda totalmente da afirmação); 4) percepção sobre a frequência com que as pessoas ajudam umas às outras no bairro (positiva = sempre, quase sempre; e negativa = algumas vezes, raramente, nunca); 5) percepção sobre a segurança no bairro (positiva = consideram o bairro muito ou moderadamente pacífico; negativa = consideram o bairro nem pacífico, nem violento; moderadamente violento; ou muito violento); 6) participação em atividades comunitárias ou cívicas (ter participado ou realizado nos últimos 12 meses pelo menos uma dessas atividades: reunião de conselho, reunião aberta ou grupo de discussão; contato intencional com algum político; protesto ou demonstração, campanha eleitoral ou informativa, alerta a jornal, rádio ou televisão sobre algum problema local, notificação à polícia para algum problema local; não ter participado de nenhuma das atividades mencionadas).

Os critérios para categorização foram definidos após análise preliminar dos dados, uma vez que não foram encontradas publicações com critérios definidos sobre pontos de corte para cada indicador.

Os possíveis mediadores comportamentais da relação entre CS e autopercepção de saúde considerados foram: inatividade física no lazer (sujeitos que referiram não praticar nenhum tipo de atividade física no lazer atualmente), baixo ou moderado consumo de frutas e verduras (consumiam frutas ou verduras menos de cinco dias por semana), tabagismo (fumavam atualmente, independentemente da quantidade) e consumo abusivo de álcool (para mulheres, mais que quatro doses de bebida alcoólica em uma mesma ocasião nos últimos 30 dias; para homens, mais que cinco doses). Para avaliação da prática de atividade física foi utilizado o modelo de estágio de mudança de comportamento. Aqueles que referiram não fazer nenhum tipo de atividade física no lazer, atualmente (independentemente do desejo ou não de começarem a realizar) foram considerados inativos, enquanto os que referiram estar realizando qualquer tipo de atividade física no momento, independentemente de quanto tempo a praticavam, foram considerados ativos no lazer.5.Dumith SC, Gigante DP, Domingues MR. Stages of change for physical activity in adults from Southern Brazil: a population-based survey. Int J Behav Nutr Phys Act. 2007;4:25. DOI:1479-5868-4-25 As perguntas referentes ao consumo de frutas e verduras, tabagismo e consumo de álcool, foram retiradas do questionário Vigitel,cc Ministério da Saúde. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico - Vigitel 2010. Brasília (DF); 2011. aplicado pelo Ministério da Saúde, por inquérito telefônico, no Distrito Federal e nas capitais dos 26 estados brasileiros.

Foram ainda coletadas informações sobre algumas possíveis variáveis de confusão: sexo; faixa etária (40 a 49; 50 a 59; e 60 anos ou mais); nível econômico (categorizado posteriormente em A e B – mais alto, C, D e E – mais baixo, conforme critério ABEP);dd Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil. Belo Horizonte (MG); 2013 [citado 2013 jun 13]. Disponível em: http://www.abep.org.bríndice de massa corporal (IMC), classificado em três categorias: peso normal (< 25 kg/m2), sobrepeso (25-29,9 kg/m2) e obesidade (≥ 30 kg/m2); dificuldade referida para deslocamento fora de casa; presença de doenças crônicas diagnosticadas por algum profissional da saúde (hipertensão arterial, diabetes, colesterol elevado, angina, insuficiência cardíaca congestiva, infarto agudo do miocárdio, doença cerebrovascular, insuficiência renal crônica ou doença pulmonar crônica); e uso de serviço de saúde (consulta médica) nos últimos doze meses. Todas as variáveis mencionadas foram obtidas por meio de questionário testado previamente, com exceção do IMC, que foi calculado a partir de medidas objetivas coletadas de maneira padronizada.

As associações entre autopercepção de saúde e indicadores demográficos, clínicos e comportamentais se analisaram mediante o cálculo dos odds ratios (OR) e seus intervalos de confiança (IC) 95%, obtidos por regressão logística binária, sendo realizada análise bruta e ajustada para todas as variáveis.

Também se calculou OR para estimar a associação entre indicadores do CS e autopercepção de saúde. Além da análise bruta, foram construídos seis modelos. No modelo 1, foi incluído apenas o bloco das variáveis demográficas e clínicas. Nos modelos 2, 3, 4 e 5 foram incluídas, respectivamente, a inatividade física no lazer, o consumo de frutas e verduras, o tabagismo e o consumo abusivo de álcool. Por fim, no modelo 6, incluíram-se todas as variáveis comportamentais em conjunto com os blocos de variáveis demográficas e clínicas. Em todos os modelos, para analisar se as associações variavam conforme as variáveis demográficas (sexo, faixa etária e nível econômico), foram comparados os resultados com e sem termos de interação. O efeito de mediação foi verificado pelo cálculo do coeficiente de regressão (beta), gerado a partir da relação entre o indicador de capital social (beta a) e a relação entre o mediador e a percepção de saúde (beta b). A significância da mediação foi verificada pelo teste de Sobel.

Utilizaram-se testes estatísticos bicaudais e as associações foram consideradas estatisticamente significativas quando p < 0,05. Para variáveis com mais de duas categorias (faixa etária, nível econômico e IMC), além da OR calculada para cada categoria de análise (versus a categoria de referência), calculou-se também o p-valor de tendência linear da associação entre a autopercepção de saúde e tais características no formato de variáveis quantitativas discretas. Com isso, buscou-se analisar se havia tendência de aumento ou redução da chance de apresentar autopercepção negativa entre a primeira e a última categoria.

Este estudo foi aprovado pela Secretaria de Saúde de Cambé e pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (CEP-UEL, Parecer 236/10).

RESULTADOS

Do total de 1.339 sujeitos elegíveis, 1.180 (88,1%) participaram do estudo. Entre os não participantes (n = 159), 93 se recusaram e 66 não foram encontrados após três ou mais tentativas em horários e dias diferentes. Para a análise do presente estudo foram excluídos os sujeitos que não responderam uma ou mais questões relacionadas aos indicadores de CS (n = 77), das variáveis comportamentais, da autopercepção de saúde ou das variáveis de confusão (n = 22). Dessa forma, a amostra final foi de 1.081 sujeitos.

A prevalência de autopercepção negativa de saúde foi de 42,2%. Os participantes que apresentaram maior chance de autopercepção negativa (tanto na análise bruta, quanto na ajustada) foram os obesos, as mulheres, aqueles com idade maior que 49 anos, que possuíam algum tipo de dificuldade de deslocamento, que haviam realizado consulta médica nos últimos 12 meses, que não praticavam atividade física no lazer e que tinham baixo ou moderado consumo de frutas e verduras. O nível econômico, que havia apresentado associação na análise bruta, perdeu significância após o ajuste. Tabagismo e consumo abusivo de álcool não se associaram à autopercepção de saúde (Tabela 1).

Tabela 1
Relação entre autopercepção negativa de saúdea e indicadores demográficos, clínicos e comportamentais. Cambé, PR, Brasil, 2011. (N = 1.081)

A inatividade física no lazer foi o comportamento mais prevalente (71,3%), seguido pelo baixo ou moderado consumo de frutas e verduras (63,1%), o tabagismo (19,7%) e o consumo abusivo de álcool (18,2%). A inatividade física no lazer associou-se a todos os indicadores de CS, exceto à variável dinheiro emprestado. Baixo ou moderado consumo de frutas e verduras associou-se à participação comunitária. Tabagismo se associou ao número de amigos e à frequência com que as pessoas no bairro se ajudavam. Consumo abusivo de álcool esteve associado à frequência com que as pessoas no bairro se ajudavam (dados não apresentados). Em todas as associações citadas, a chance do comportamento considerado negativo foi superior entre os participantes com mais baixo indicador de CS.

Na análise bruta, todos os indicadores de CS estiveram associados à autopercepção de saúde, exceto a confiança nas pessoas do bairro. Os grupos com piores indicadores tiveram maior chance de perceberem sua saúde de maneira negativa (Tabela 2, análise bruta).

Tabela 2
Associação entre indicadores de capital social e autopercepção negativa de saúde, conforme diferentes modelos. Cambé, PR, Brasil, 2011.

Quando as variáveis demográficas e clínicas foram incluídas no modelo (modelo 1), reduziu-se a magnitude da associação entre os indicadores de CS e a autopercepção de saúde, porém, a significância estatística foi mantida, exceto para a variável dinheiro emprestado.

As variáveis número de amigos e participação comunitária mantiveram-se significativamente associadas à autopercepção de saúde em todos os modelos. No modelo que incluiu o consumo abusivo de álcool (modelo 5), a frequência de ajuda e a segurança no bairro permaneceram associados à autopercepção de saúde.

Quando o ajuste foi realizado simultaneamente para todas as variáveis comportamentais (modelo 6), a força da associação diminuiu, perdendo a significância estatística em todos os casos, exceto na variável número de amigos. Porém, em todas as variáveis, exceto para confiança nas pessoas do bairro, os valores de OR observados foram maiores do que 1,0 e em alguns casos com limite inferior do intervalo de confiança bem próximo a 1,0.

Na análise da mediação, observou-se que a prática de atividade física no lazer foi um mediador significativo na relação entre todos os indicadores de CS (exceto dinheiro emprestado) e a autopercepção de saúde. O consumo de frutas e verduras foi um mediador significativo da relação entre participação comunitária e autopercepção de saúde. Tabagismo e consumo abusivo de álcool não mediaram a relação entre nenhum indicador de CS e a autopercepção de saúde (Tabela 3).

Tabela 3
Análise do papel mediador dos comportamentos relacionados à saúde na relação entre os indicadores de capital social e a autopercepção de saúde.*

DISCUSSÃO

Os indicadores de pior CS estiveram associados à autopercepção negativa da saúde. Entre os comportamentos investigados, a prática de atividade física no lazer se mostrou um fator importante na mediação da relação entre os indicadores de CS e a autopercepção de saúde. O consumo de frutas e verduras foi mediador significativo somente de um dos indicadores de CS investigados (participação comunitária), enquanto tabagismo e consumo abusivo de álcool parecem não exercer nenhum efeito mediador na relação entre CS e autopercepção de saúde. De modo geral, nossos resultados mostraram que apenas parte da relação entre CS e autopercepção de saúde deveu-se ao estilo de vida, e ainda assim, não a todos os comportamentos investigados, e a atividade física parece ter o papel mais claro nessa mediação.

A prevalência de autopercepção negativa de saúde foi relativamente elevada, quando comparada a outros estudos.2.Barros MB, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2009;43 Suppl 2:27-37. DOI:0034-89102009000900005,7.Fonseca SA, Blank VL, Barros MV, Nahas MV. Percepção de saúde e fatores associados em industriários de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(3):567-76. DOI:0102-311X2008000300010,2121 .Reichert FF, Loch MR, Capilheira MF. Autopercepção de saúde em adolescentes, adultos e idosos. Cienc Saude Coletiva.2012;17(12):3353-62. DOI:1413-81232012001200020 Porém, parte da diferença pode ser atribuída ao fato de a população deste estudo incluir somente sujeitos com idade igual ou superior a 40 anos. Os demais estudos incluíram também sujeitos mais jovens.

Quanto à associação entre pior autopercepção de saúde e variáveis demográficas, clínicas e comportamentais, parte dos resultados é condizente com outras investigações brasileiras. É o caso da maior prevalência de autopercepção negativa entre mulheres, indivíduos com menor escolaridade ou que apresentam alguma doença crônica.2.Barros MB, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2009;43 Suppl 2:27-37. DOI:0034-89102009000900005,7.Fonseca SA, Blank VL, Barros MV, Nahas MV. Percepção de saúde e fatores associados em industriários de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(3):567-76. DOI:0102-311X2008000300010,2121 .Reichert FF, Loch MR, Capilheira MF. Autopercepção de saúde em adolescentes, adultos e idosos. Cienc Saude Coletiva.2012;17(12):3353-62. DOI:1413-81232012001200020 Por outro lado, nas investigações anteriores, observou-se que quanto maior a faixa etária, maior a prevalência de autopercepção negativa de saúde. No presente estudo, os sujeitos com 60 anos ou mais perceberam de maneira mais positiva a sua saúde, quando comparados àqueles com idade intermediária (50 a 59 anos).

Com relação ao nível econômico, também foi encontrado resultado distinto aos de Reichert et al2121 .Reichert FF, Loch MR, Capilheira MF. Autopercepção de saúde em adolescentes, adultos e idosos. Cienc Saude Coletiva.2012;17(12):3353-62. DOI:1413-81232012001200020 e Fonseca et al,7.Fonseca SA, Blank VL, Barros MV, Nahas MV. Percepção de saúde e fatores associados em industriários de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(3):567-76. DOI:0102-311X2008000300010 pois nessas investigações os participantes com maior nível econômico apresentaram autopercepção mais positiva de saúde. Quanto às variáveis comportamentais, os resultados são semelhantes aos de Fonseca et al7.Fonseca SA, Blank VL, Barros MV, Nahas MV. Percepção de saúde e fatores associados em industriários de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(3):567-76. DOI:0102-311X2008000300010 (relação com a atividade física no lazer, mas não com o tabagismo e com o consumo abusivo de álcool). Os estudos mencionados não incluíram nenhuma informação sobre o comportamento alimentar.

Quando foi testado o efeito mediador de cada comportamento isoladamente na relação entre indicadores de CS e autopercepção de saúde, constatou-se que tabagismo e consumo abusivo de álcool praticamente em nada alteraram a magnitude da associação. Esses resultados estão de acordo com os encontrados em pesquisas realizadas na Inglaterra1919 .Poortinga W. Do health behaviors mediate the association between social capital and health? Prev Med.2006;43(6):488-93.DOI:0091-7435(06)00262-3 e na Holanda.1515 .Mohnen SM, Volker B, Flap H, Groenewegen PP. Health-related behavior as a mechanism behind the relationship between neighborhood social capital and individual health – a multilevel analysis. BMC Public Health. 2012;12:116. DOI:10.1186/1471-2458-12-116 Por outro lado, o consumo de frutas e verduras foi mediador com efeito significativo somente em um dos indicadores de CS investigados (participação comunitária). Estudo realizado na Inglaterra1919 .Poortinga W. Do health behaviors mediate the association between social capital and health? Prev Med.2006;43(6):488-93.DOI:0091-7435(06)00262-3observou que o consumo de frutas e verduras praticamente não alterou a magnitude da associação entre CS e autopercepção de saúde. Uma investigação realizada na Holanda não encontrou evidências de que o indicador alimentar utilizado (fazer uma refeição quente por dia e tomar café da manhã pelo menos cinco dias por semana) fosse um possível mediador da relação entre CS e autopercepção de saúde.1515 .Mohnen SM, Volker B, Flap H, Groenewegen PP. Health-related behavior as a mechanism behind the relationship between neighborhood social capital and individual health – a multilevel analysis. BMC Public Health. 2012;12:116. DOI:10.1186/1471-2458-12-116 Quanto à atividade física, constatou-se resultado semelhante ao estudo holandês, uma vez que foi o comportamento com maior efeito.

Poucos estudos focaram a mediação dos comportamentos relacionados à saúde na relação entre CS e autopercepção de saúde, sendo este possivelmente o primeiro estudo com esse foco realizado na América Latina. Além disso, aspecto relevante do estudo foi o uso de dados primários com amostra representativa de uma população de município de médio porte, o baixo percentual de perdas e a inclusão de todos os setores censitários da área urbana do município investigado.

Por outro lado, o corte transversal não permite estabelecer relações causais entre o CS e a autopercepção de saúde. Quanto ao CS, não foram encontrados instrumentos validados para sua aferição em estudos epidemiológicos. Tal fato é parcialmente justificável, haja vista que o CS envolve muitos aspectos e indicadores, de modo que se optou, neste estudo, pela utilização de indicadores cujos dados são mais simples de serem obtidos e que são comumente utilizados nas pesquisas sobre a temática. Do mesmo modo, não se utilizaram medidas diretas para a avaliação dos comportamentos. Além disso, não existe uma única maneira ou critério para se avaliar cada um dos comportamentos. É o caso, e.g., da atividade física. Alguns autores optam por avaliar a prática de atividade física em diferentes domínios e contextos. No entanto, é a prática no lazer (indicador utilizado neste estudo) que parece explicar as maiores variações nos níveis de atividade física da população e pode ser mais facilmente modificada por programas de intervenção, ao passo que atividades realizadas em outros contextos, como o trabalho e as atividades domésticas, são mais difíceis de serem modificadas e dependem menos das escolhas e preferências dos sujeitos.6.Dumith SC. Physical activity in Brazil: a systematic review.Cad Saude Publica. 2009;25 Suppl 3:415-26. DOI:0102-311X2009001500007

Estudos futuros devem buscar confirmar ou não a hipótese de que a atividade física é uma variável mediadora importante na relação entre CS e autopercepção de saúde. É importante, também, explorar outros indicadores comportamentais, como o sono. Além disso, observações longitudinais, estudos de intervenção comunitária e trabalhos com metodologias qualitativas ou com medidas objetivas dos comportamentos podem aumentar o entendimento da relação entre CS e autopercepção de saúde, assim como a compreensão de como as políticas sociais e de saúde influenciam e são influenciadas pelo CS.

Na realidade brasileira, o CS pode ser um importante aspecto a ser considerado no contexto das políticas públicas de saúde, inclusive porque está em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), sobretudo quanto ao controle social.3.Bastos FA, Santos E, Ferreira M. Capital Social e Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Saude Soc. 2009;18(2):177-88. DOI:10.1590/S0104-12902009000200002 Assim, o SUS pode exercer papel fomentador de CS estrutural e cognitivo e, ao mesmo tempo que contribui para incrementar o senso de comunidade e a participação política, pode aumentar a eficiência do sistema.

Conclui-se que o estilo de vida parece explicar parcialmente a relação entre CS e autopercepção de saúde na população investigada, e que parte da associação pode ser devida ao efeito direto do CS ou mesmo a fatores que não foram investigados. De qualquer modo, outros estudos se fazem necessários para a confirmação desta informação. Porém, as evidências disponíveis reforçam a hipótese de que menor nível de CS associa-se negativamente, e de maneira independente, à autopercepção de saúde. Tal aspecto reforça a ideia de que o CS também deve ser considerado na definição e implementação das políticas de promoção da saúde, visando a favorecer a participação da comunidade e a confiança nas pessoas e instituições.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    9 Fev 2013
  • Aceito
    12 Set 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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