Resumo
OBJETIVO
Comparar a efetividade de duas intervenções fonoaudiológicas, aquecimento vocal e treino respiratório, na qualidade vocal de professores.
MÉTODOS
Realizou-se ensaio clínico randomizado, cego ao avaliador, com delineamento em paralelo 1:1. Participaram da pesquisa 31 professores da rede estadual de ensino de Salvador, BA, entre 20 e 60 anos de idade, carga laboral mínima de 20h semanais, com ou sem alteração vocal autorreferida. Os critérios de exclusão foram: tabagismo, elevada frequência de consumo de álcool, acompanhamento fonoaudiológico simultâneo à participação no estudo, estado de infecções de trato respiratório superior, uso profissional da voz em outra atividade, distúrbios neurológicos e histórico de patologias cardiopulmonares. Os indivíduos foram alocados por randomização simples nos grupos aquecimento vocal (n = 14) e treino respiratório (n = 17). A qualidade vocal dos professores foi avaliada subjetivamente pelo Índice de Desvantagem Vocal e pela análise acústica computadorizada da voz (frequência fundamental média, jitter, shimmer, ruído e proporção glottal-to-noise excitation), realizada por fonoaudiólogos.
RESULTADOS
Antes das intervenções, os grupos eram semelhantes quanto às características sociodemográficas, atividade docente e qualidade vocal. As variações pré e pós-intervenção nos indicadores de autoavaliação e acústicos da voz não diferiram significantemente entre os grupos. Na comparação intragrupos, pré e pós-intervenções de seis semanas, observou-se redução significativa do Índice de Desvantagem Vocal nos participantes dos dois grupos, redução da frequência fundamental média no grupo aquecimento vocal e aumento doshimmer no grupo treino respiratório. Indivíduos do grupo aquecimento vocal referiram maior facilidade para falar e maior benefício em relação à melhoria geral da voz, comparado ao grupo treino respiratório.
CONCLUSÕES
Ambas intervenções foram similares quanto a seus efeitos sobre a qualidade vocal dos professores. Entretanto, cada intervenção isoladamente, em especial o aquecimento vocal, contribuiu para melhorar a qualidade vocal dos professores.
REGISTRO DO ENSAIO
NCT02102399, “Vocal Warm-up and Respiratory Muscle Training in Teachers”.
Docentes; Qualidade da Voz; Rouquidão, prevenção & controle; Exercícios Respiratórios; Saúde do Trabalhador
INTRODUÇÃO
Professores utilizam a voz como principal recurso para transmitir conhecimento e emoção aos alunos, devendo manter boa qualidade vocal para garantir a eficiência da comunicação inerente ao adequado processo de ensino-aprendizagem.1616 .Souza CL, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFB, Lima VMC, Porto LA. Fatores associados a patologias de pregas vocais em professores. Rev Saude Publica. 2011;45(5):914-21. DOI:10.1590/S0034-89102011005000055
A combinação do uso prolongado da voz e fatores de risco ocupacionais (ruído elevado, ventilação inadequada, jornada excessiva, falta de autonomia, desconhecimento de técnicas vocais adequadas, dentre outros) contribui para que essa categoria profissional seja uma das mais acometidas por problemas de voz, representando enormes prejuízos para o docente, a comunidade escolar e a sociedade.88 .Ferreira LP, Servilha EAM, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Políticas públicas e voz do professor: caracterização das leis brasileiras. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):1-7. DOI:10.1590/S1516-80342009000100003,aaMinistério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho. Brasília (DF); 2011 [citado 2015 abr 26]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://aborlccf.org.br/imagebank/Protocolo_DVRT.pdf
Pesquisas epidemiológicas observacionais ratificam a elevada prevalência de problemas vocais em professores de diversas partes do mundo e sugerem etiologia multifatorial. Estudo desenvolvido nos 27 estados brasileiros constatou média maior de sintomas vocais em professores (3,7) em relação aos não professores (1,7) e 63,1% dos docentes referiram histórico de alteração vocal.33 .Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects.J Voice. 2012;26(5):665.e9-e18. DOI:10.1016/j.jvoice.2011.09.010
No entanto, ainda é incipiente o número de estudos experimentais controlados que têm o objetivo de investigar os efeitos de intervenções vocais para a obtenção de evidências que contribuam para ações de promoção, proteção e recuperação da saúde vocal de docentes.66 .Dragone MLS, Ferreira LP, Giannini SPP, Simões-Zenari M, Vieira VP, Behlau M. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):289-96. DOI:10.1590/S1516-80342010000200023
Este estudo objetivou comparar a efetividade de duas intervenções fonoaudiológicas, aquecimento vocal (AV) e treino respiratório (TR), na qualidade vocal de professores.
MÉTODOS
Realizou-se ensaio clínico randomizado, cego ao avaliador, com delineamento em paralelo 1:1. A coleta de dados ocorreu de julho a setembro de 2013 em uma escola de grande porte da rede estadual de ensino de Salvador, BA, composta por 120 professores e 2.300 alunos dos níveis Fundamental II e Ensino Médio.
A amostra populacional foi escolhida por critério de conveniência, sendo todos os professores da escola convidados a participar e selecionados de acordo com critérios de elegibilidade.
Como critérios de inclusão, admitiu-se idade entre 20 e 60 anos, carga laboral mínima de 20h semanais, com ou sem alteração vocal autorreferida.
Os critérios de exclusão foram: tabagismo, elevada frequência de consumo de álcool, acompanhamento fonoaudiológico simultâneo à participação no estudo, estado de infecções de trato respiratório superior, uso profissional da voz em outra atividade, distúrbios neurológicos e histórico de patologias cardiopulmonares.
Os professores que relataram ausência total de adesão à abordagem proposta, ao final das intervenções, foram excluídos da análise dos dados.
O período de seguimento foi de seis semanas, tempo utilizado por outras pesquisas experimentais.1515 .Roy N, Weinrich B, Gray SD, Stemple JC, Sapienza CM. Three treatments for teachers with voice disorders: a randomized clinical trial.J Speech Lang Hear Res. 2003;46(3):670-88. DOI:10.1044/1092-4388(2003/053),1818 .Wingate JM, Brown WS, Shrivastav R, Davenport P, Sapienza CM. Treatment outcomes for professional voice users. J Voice. 2007;21(4):433-49. DOI:10.1016/j.jvoice.2006.01.001 A equipe recebeu capacitação prévia para garantir a homogeneidade dos procedimentos intra e interpesquisadores e monitorou os professores diariamente, durante todo o período de intervenção.
No primeiro momento, os professores concordantes e que satisfizeram os critérios de elegibilidade foram esclarecidos sobre o objetivo do estudo, confidencialidade dos resultados e solicitados a preencher o termo de consentimento livre e esclarecido e questionário sociodemográfico, da atividade docente e da condição vocal, para a caracterização da amostra.
Os participantes foram alocados por randomização simples nos grupos AV e TR, tendo sido utilizado o programa Excel (versão 2007) para gerar números aleatórios. Foi realizada a randomização e a codificação dos dados dos participantes.
Do total de 120 professores convidados, 41 (4,2%) manifestaram interesse em participar, atendiam aos critérios de elegibilidade, e foram randomizados nos grupos AV (n = 20) e TR (n = 21). Ocorreram perdas de cinco sujeitos antes das intervenções e de dois durante o seguimento; mais três exclusões foram realizadas antes da análise dos dados devido ao relato de ausência total de adesão à abordagem proposta. Permaneceram 31 participantes, randomizados nos grupos AV (n = 14) e TR (n = 17) e que concluíram todas as etapas da pesquisa (Figura).
Antes das intervenções, os dois grupos não diferiram significantemente (p > 0,05) quanto à média de idade, tempo de docência, horas de uso profissional da voz, sexo, escolaridade, carga laboral de 40h semanais, alteração vocal autorreferida, busca por tratamento especializado, cansaço ao falar, ingestão habitual de água e uso de álcool (Tabela 1).
A qualidade vocal dos professores foi investigada por autoavaliação dos sujeitos e análise acústica computadorizada, realizada por fonoaudiólogos.
Para a autoavaliação da voz, os participantes responderam ao protocolo Índice de Desvantagem Vocal (IDV-10) em seu formato simplificado, validado para o português,55 .Costa T, Oliveira G, Behlau M. Validação do Índice de Desvantagem Vocal: 10 (IDV-10) para o português brasileiro. CoDAS. 2013;25(5):482-5. DOI:10.1590/S2317-17822013000500013 antes e após a realização dos procedimentos. Este protocolo é composto por uma escalaLikert de cinco pontos e tem confiabilidade em relação à versão original, frequentemente utilizada em ensaios clínicos.1515 .Roy N, Weinrich B, Gray SD, Stemple JC, Sapienza CM. Three treatments for teachers with voice disorders: a randomized clinical trial.J Speech Lang Hear Res. 2003;46(3):670-88. DOI:10.1044/1092-4388(2003/053),1818 .Wingate JM, Brown WS, Shrivastav R, Davenport P, Sapienza CM. Treatment outcomes for professional voice users. J Voice. 2007;21(4):433-49. DOI:10.1016/j.jvoice.2006.01.001 O escore é calculado por soma simples e quanto maior o valor, maior a desvantagem vocal. As médias dos escores finais do IDV-10 foram transformadas em porcentagem para maior comparabilidade com outras pesquisas e fácil visualização da magnitude da desvantagem vocal.
Ao final do seguimento, os participantes também preencheram o questionário pós-intervenção1515 .Roy N, Weinrich B, Gray SD, Stemple JC, Sapienza CM. Three treatments for teachers with voice disorders: a randomized clinical trial.J Speech Lang Hear Res. 2003;46(3):670-88. DOI:10.1044/1092-4388(2003/053) que avaliou as intervenções quanto à adesão, melhora geral da voz, facilidade para falar, credibilidade na abordagem proposta e clareza da voz.
A análise acústica computadorizada da voz foi realizada individualmente, antes e após o seguimento, por três fonoaudiólogos auxiliares apenas nesta etapa do estudo e que desconheciam o tipo de intervenção dos participantes.
As amostras de voz foram gravadas no programa VoxMetria versão 4.7h da CTS Informática, instalado em notebook da marca SONY, modelo VAIO®, processador Intel® Core™ i3, placa de som de 64 bits, da marca Realtek e com velocidade de gravação de 20 KHz. A gravação foi realizada em sala externa à área principal da escola e em cabina audiométrica compacta da marca OTOBEL, modelo BEL-BABY2, devidamente calibrada, com certificação pelo INMETRO.
O tipo de microfone utilizado foi headset cardioide dinâmico, marca SHURE, modelo WH20, posicionado a 4 cm da boca do falante e em ângulo de 45º, conforme orientação estabelecida no manual do programa. Os professores foram solicitados a permanecer em postura sentada e emitir a vogal sustentada /Ɛ:/ em tom e intensidade habitual por cinco segundos.
Os valores dos parâmetros acústicos da voz: frequência fundamental média (F0); medidas de perturbação a curto prazo – jitter(variabilidade da frequência fundamental ciclo a ciclo) eshimmer (variabilidade da amplitude ciclo a ciclo); ruído e proporção glottal to noise excitation (GNE) foram extraídos do programa após a exclusão dos trechos iniciais e finais das emissões devido à inerente instabilidade.
Os limites considerados dentro dos padrões de normalidade da voz foram os indicados pela normatização do programa de análise acústica (VoxMetria): jitter (< 0,6%); shimmer (< 6,5%); ruído (< 2,5 dB) e proporção GNE (≥ 0,5 dB).
Todos os sujeitos foram orientados a não realizar a sequência de exercícios no dia da gravação acústica final, pois o intuito da análise foi a verificação dos efeitos das intervenções a longo prazo.
O treinamento inicial e monitoramento dos professores foram realizados por três fonoaudiólogos experientes nas duas abordagens de intervenção e que participaram apenas desta etapa do estudo.
Ao final do seguimento, cada participante recebeu relatório sobre os benefícios atingidos e possíveis encaminhamentos.
A intervenção realizada no grupo AV teve duração média de 13 min e os sujeitos foram orientados a realizá-la uma vez ao dia, antes de ministrar a primeira aula, no intuito de manutenção dos efeitos vocais imediatos para maior eficiência vocal no exercício docente.1212 .Masson MLV, Loiola CM, Fabron EMG, Horigüela MLM. Aquecimento e desaquecimento vocal em estudantes de Pedagogia. Disturb Comun. 2013;25(2):177-85. O programa de exercícios incluiu: alongamento e flexibilidade de membros superiores (rotação de ombros, elevação dos braços e alongamento cervical); expiração longa de fonemas fricativos /z:/ e /s:/ para direcionamento do fluxo aéreo; sons vibrantes em tom habitual e com modulação de frequência (vibração de língua ou lábios) e sons nasais para maior projeção vocal e anteriorização ressonantal.1212 .Masson MLV, Loiola CM, Fabron EMG, Horigüela MLM. Aquecimento e desaquecimento vocal em estudantes de Pedagogia. Disturb Comun. 2013;25(2):177-85.
A intervenção no grupo TR foi adaptada de estudo anterior e envolveu a execução de exercícios da musculatura expiratória por meio de equipamento incentivador respiratório (marca NCS e modelo New Shaker), associado a clipe nasal, com duração média de 13 min.1515 .Roy N, Weinrich B, Gray SD, Stemple JC, Sapienza CM. Three treatments for teachers with voice disorders: a randomized clinical trial.J Speech Lang Hear Res. 2003;46(3):670-88. DOI:10.1044/1092-4388(2003/053) Os exercícios incluíram inspirações por via oral, com oclusão nasal por intermédio do clipe e expirações profundas via incentivador respiratório. Foram realizadas cinco séries de cinco repetições, com pausa de 15 a 30 segundos entre cada uma. Cada participante foi orientado a realizar a sequência de exercícios uma vez ao dia, antes de ministrar a primeira aula. Todos os participantes desse grupo receberam o equipamento incentivador respiratório.
A autoavaliação (IDV-10) e a análise acústica computadorizada da voz foram consideradas desfechos primários. Adesão e benefícios da intervenção, obtidos no questionário pós-intervenção, foram considerados desfechos secundários. As análises foram realizadas intra (pré e pós-intervenções) e intergrupos.
A análise estatística foi realizada de forma cega. Utilizou-se o programaStatistical Package for the Social Sciences (SPSS – versão 19.0) para o armazenamento dos dados e realização dos testes de hipótese, sendo adotado o grau de significância de 5% (p ≤ 0,05). O Teste t de Student para amostras independentes e o teste exato de Fisher foram utilizados para comparar características dos grupos, pré-intervenção. O signed-rank testde Wilcoxon foi utilizado para comparar valores dos indicadores de autoavaliação e acústicos da voz, pré e pós-intervenção. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar a diferença nos indicadores de autoavaliação e acústicos da voz, pré e pós-intervenção, entre os grupos AV e TR.
O estudo foi realizado de acordo com a Declaração de Helsinque e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia (Processo 234.154, de 1 de abril de 2013) e registrado no ClinicalTrials.gov sob identificador NCT02102399.
RESULTADOS
A comparação pré e pós-intervenção intragrupo de AV mostrou redução estatisticamente significante dos indicadores vocais de autoavaliação (IDV-10) e acústico (F0 média), mas não nos outros parâmetros analisados (Tabela 2).
Na comparação pré e pós-intervenção intragrupo de TR, constatou-se redução estatisticamente significante (p < 0,001) do indicador de autoavaliação vocal (IDV-10), e aumento do indicador acústico shimmer (p = 0,022). Os demais parâmetros investigados não diferiram significantemente (p > 0,05) (Tabela 2).
As médias dos parâmetros de análise acústica dos grupos (jitter, shimmer, ruído e proporção GNE) apresentaram-se dentro dos padrões de normalidade antes e após as intervenções (Tabela 2).
A variação nos indicadores de autoavaliação e acústicos da voz foi similar (p > 0,05) entre os grupos AV e TR, quando comparados nos momentos pré e pós-intervenção (Tabela 3).
Melhora geral da voz (p = 0,003) e maior facilidade para falar (p = 0,030) após a intervenção foram mais frequentemente relatados por indivíduos do grupo AV do que nos do grupo TR (Tabela 4). Outros benefícios da intervenção (maior clareza na voz e credibilidade na intervenção) também foram mais frequentemente relatados no grupo AV, porém essas diferenças não foram estatisticamente significantes (p = 0,120 e p = 0,107, respectivamente).
Adesão boa ou moderada relatada ao final das intervenções foi estatisticamente semelhante (p = 0,269) no grupo AV (71,5%) e no grupo TR (82,3%). Afirmaram baixa adesão, 28,6% do grupo AV e 17,6% do grupo TR.
DISCUSSÃO
As intervenções fonoaudiológicas pesquisadas, aquecimento vocal e treino respiratório, melhoraram, de forma similar, a qualidade vocal dos professores.
Os escores médios do IDV-10 apresentados pelos grupos antes da intervenção foram considerados dentro da faixa percentual de voz considerada adequada para indivíduos com queixas vocais,55 .Costa T, Oliveira G, Behlau M. Validação do Índice de Desvantagem Vocal: 10 (IDV-10) para o português brasileiro. CoDAS. 2013;25(5):482-5. DOI:10.1590/S2317-17822013000500013apesar da ocorrência de alguns valores elevados de desvios-padrão.
A redução dos escores do IDV-10 observada nas análises intragrupos foi similar a estudo1818 .Wingate JM, Brown WS, Shrivastav R, Davenport P, Sapienza CM. Treatment outcomes for professional voice users. J Voice. 2007;21(4):433-49. DOI:10.1016/j.jvoice.2006.01.001 que também confirmou sua redução tanto no grupo de terapia vocal direta, como naquele de treino respiratório, embora diferentes categorias de profissionais da voz tenham participado das intervenções.
O efeito Hawthorne99 .Franke RH, Kaul JD. The Hawthorne experiments: first statistical interpretation. Am Sociol Rev. 1978;43(5):623-43. pode ter contribuído para a redução significativa dos índices de desvantagem vocal intragrupos de intervenção, considerando-se a atenção e preocupação com a saúde vocal dos professores, segundo os objetivos e procedimentos da pesquisa. Os trabalhadores podem ter-se sentido valorizados, sendo levados à mudança positiva de comportamento.
Os escores do IDV-10 não diferiram significantemente segundo o tipo de intervenção AV ou TR (Tabela 3), não sendo possível constatar a superioridade de uma das intervenções em relação aos parâmetros vocais autorreferidos, abordados nesse protocolo.
A redução estatisticamente significante da média da F0 ocorrida intragrupo de AV sugere provável diminuição do esforço vocal e do hiperfuncionamento da musculatura laríngea nos participantes desse grupo, sendo este um efeito positivo de maior proteção à saúde vocal no exercício docente. Pesquisas correlacionam a redução da F0 à diminuição da tensão fonatória e à fala mais relaxada após a realização de exercícios vocais.1313 .Pizolato RA, Rehder MIBC, Dias CTS, Maneghim MC, Ambrosano GMB, Mialhe FL, et al. Evaluation of the effectiveness of a voice training program for teachers. J Voice. 2013;27(5):603-10. DOI:10.1016/j.jvoice.2013.04.013,1414 .Remacle A, Morsomme D, Berrué E, Finck C. Vocal impact of prolonged reading task in dysphonic versus normophonic female teachers. J Voice. 2012;26(6):820.e1-13. DOI:10.1016/j.jvoice.2012.06.002,1717 .Titze IR, Finnegan EM, Laukkanen AM, Jaiswal S. Raising lung pressure and pitch in vocal warm-ups: the use of flow resistant straws.J Sing. 2002;58(4):329-38.
Os resultados deste estudo indicam o possível efeito protetor do aquecimento vocal, uma vez que, inversamente, a elevação da F0 estaria relacionada ao aumento do número de ciclos de vibração das pregas vocais, desencadeando maior atrito e fadiga vocal, desconforto laríngeo e esforço fonatório após atividade de sobrecarga vocal.1414 .Remacle A, Morsomme D, Berrué E, Finck C. Vocal impact of prolonged reading task in dysphonic versus normophonic female teachers. J Voice. 2012;26(6):820.e1-13. DOI:10.1016/j.jvoice.2012.06.002,1717 .Titze IR, Finnegan EM, Laukkanen AM, Jaiswal S. Raising lung pressure and pitch in vocal warm-ups: the use of flow resistant straws.J Sing. 2002;58(4):329-38.
A redução da F0 também foi previamente confirmada1010 .Gish A, Kunduk M, Sims L, McWhorter AJ. Vocal warm-up practices and perceptions in vocalists: a pilot survey. J Voice. 2012;26(1):e1-10. DOI:10.1016/j.jvoice.2010.10.005 após a realização de exercícios posturais e de relaxamento cervical por professores que receberam treinamento em comparação ao grupo controle, que recebeu abordagem indireta, ratificando a redução da tensão vocal. O programa de AV incluiu exercícios posturais e de alongamento cervical e de ombros que podem ter contribuído para a redução de F0.
Na análise intragrupo de TR, observou-se o contrário do esperado. Ao invés do treino respiratório ter proporcionado maior controle expiratório na propulsão do ar, pois se infere maior condicionamento da musculatura respiratória expiratória, os participantes deste grupo aumentaram significativamente o valor médio da medida de perturbação e variabilidade da amplitude de vibração, ciclo a ciclo (shimmer), indicando aumento da instabilidade fonatória.22 .Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M, organizador. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. v.2, p.287-407.
Os indicadores da análise acústica computadorizada da voz, nos momentos pré e pós-intervenção, não diferiram significantemente entre os grupos AV e TR.
Esperava-se que o AV apresentasse maior efetividade na qualidade vocal, indicando sua superioridade em relação ao TR, sendo provável que o número de sujeitos não tenha sido o suficiente, induzindo ao erro tipo II (falso negativo).
A maioria dos professores do grupo AV referiu melhora geral da voz e maior facilidade para falar após o seguimento, sendo constatada diferença estatisticamente significante em relação ao grupo TR. Esses resultados estão em consonância a estudos experimentais44 .Bovo R, Galceran M, Petruccelli J, Hatzopoulos S. Vocal problems among teachers: evaluation of a preventive voice problems. J Voice.2007;21(6):705-22. DOI:10.1016/j.jvoice.2006.07.002,1515 .Roy N, Weinrich B, Gray SD, Stemple JC, Sapienza CM. Three treatments for teachers with voice disorders: a randomized clinical trial.J Speech Lang Hear Res. 2003;46(3):670-88. DOI:10.1044/1092-4388(2003/053) que encontraram maiores benefícios (melhora geral da voz e melhora da disfonia) relatados por professores que realizaram abordagem direta de intervenção.
Os benefícios autorreferidos pelo grupo AV podem estar relacionados ao recrutamento direto da musculatura fonatória realizado nos exercícios vibratórios, fricativos e ressonantais no intuito de equilibrar a emissão e proporcionar maior projeção, resistência e flexibilidade para o uso da voz por longos períodos de tempo.77 .Elliot N, Sundberg J, Gramming P. What happens during vocal warm-up? J Voice. 1995;9(1):37-44. DOI:10.1016/S0892-1997(05)80221-8,1010 .Gish A, Kunduk M, Sims L, McWhorter AJ. Vocal warm-up practices and perceptions in vocalists: a pilot survey. J Voice. 2012;26(1):e1-10. DOI:10.1016/j.jvoice.2010.10.005
Por outro lado, o fato de o TR atuar de forma indireta no aparelho fonador, i.e., por recrutamento da musculatura respiratória expiratória,55 .Costa T, Oliveira G, Behlau M. Validação do Índice de Desvantagem Vocal: 10 (IDV-10) para o português brasileiro. CoDAS. 2013;25(5):482-5. DOI:10.1590/S2317-17822013000500013,1818 .Wingate JM, Brown WS, Shrivastav R, Davenport P, Sapienza CM. Treatment outcomes for professional voice users. J Voice. 2007;21(4):433-49. DOI:10.1016/j.jvoice.2006.01.001 pode ter contribuído para que os participantes deste grupo não tenham observado benefícios no seu funcionamento vocal.
A amostragem utilizada neste estudo foi não probabilística e de conveniência, dificultando a generalização dos resultados para a população de professores. No entanto, a randomização suscita a garantia de que variáveis confundidoras tenham a mesma chance de alocação em qualquer um dos grupos, tornando-os comparáveis e minimizando os vieses de seleção e de confundimento.
A análise vocal não possui um desfecho único, robusto o suficiente para indicar mudanças na voz, sendo utilizados vários desfechos, os quais podem induzir ao erro tipo I (falso positivo).
Na última semana de seguimento da intervenção, os professores encontravam-se em menor demanda vocal devido à ausência de funcionários de limpeza da escola. Entretanto, ressalta-se que os sujeitos dos dois grupos randomizados estavam sob a mesma condição.
O efeito do trabalhador sadio, comum em estudos ocupacionais, pode ser a justificativa para a baixa ocorrência de professores com alterações vocais moderadas ou intensas autorreferidas antes das intervenções. Esses sujeitos poderiam estar afastados, readaptados ou terem abandonado a atividade devido à sintomatologia vocal, sendo subestimada a real frequência do fenômeno estudado.11 .Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educ Soc. 2009;30(107):427-49. DOI:10.1590/S0101-73302009000200007,1616 .Souza CL, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFB, Lima VMC, Porto LA. Fatores associados a patologias de pregas vocais em professores. Rev Saude Publica. 2011;45(5):914-21. DOI:10.1590/S0034-89102011005000055
Os participantes do grupo AV podem ter referido maiores benefícios do aquecimento vocal no questionário pós-intervenção, influenciados psicologicamente pela maior expectativa de melhora da qualidade vocal com esta abordagem fonoaudiológica. Entretanto, a análise acústica dos parâmetros objetivos da voz supera esse provável viés.
Embora tenha sido minoria, os professores que relataram pouca adesão à abordagem proposta podem ter contribuído negativamente para a análise comparativa dos efeitos das intervenções. Sabe-se que a adesão à terapia de voz é um desafio e depende das expectativas de resultado, interesse e confiança em melhorar o comportamento vocal, podendo interferir no prognóstico e evolução do tratamento.1111 .Leer E, Connor NP. Patient perceptions of voice therapy adherence.J Voice. 2010;24(4):458-69. DOI:10.1016/j.jvoice.2008
Conclui-se que os grupos de intervenção não diferiram significantemente quanto aos indicadores de autoavaliação e acústicos da voz estudados, não sendo possível identificar uma das abordagens como mais efetiva e de maior proteção à saúde vocal dos professores. No entanto, isoladamente, tanto o aquecimento vocal quanto o treino respiratório produziram redução no IDV-10, autorreferido pelos professores. Os sujeitos do grupo AV ainda apresentaram redução de F0e referiram maior benefício da intervenção para a melhora geral da voz e facilidade para falar após o seguimento.
Para a confirmação de nossos resultados, recomenda-se a realização de outros estudos experimentais sobre o tema, com maior número de sujeitos, envolvendo docentes de diferentes escolas.
AGRADECIMENTOS
A todos os professores participantes e aos colaboradores: Amanda Chagas de Jesus Carvalho e Amanda Souza do Nascimento, pelo auxílio na coleta e criação do banco de dados; Andréa Gomes Teixeira da Silva, Émile Rocha Santana e Máira Moreira d’Souza Carneiro Lopes, pela realização da análise acústica computadorizada da voz; Danilo Gil Figueiredo, Rafael Cabral de Souza e Yara Pirajá Faria, pelo treinamento dos professores nas abordagens de intervenção e Antônio Cunha Porto Maia, pelo tratamento e análise estatística dos dados.
Referências bibliográficas
- 1Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educ Soc 2009;30(107):427-49. DOI:10.1590/S0101-73302009000200007
- 2Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M, organizador. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. v.2, p.287-407.
- 3Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects.J Voice 2012;26(5):665.e9-e18. DOI:10.1016/j.jvoice.2011.09.010
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- Baseado na dissertação de mestrado de Lílian Paternostro de Pina Pereira, intitulada: “Aquecimento Vocal e Treino Respiratório em Professores: Ensaio Clínico Randomizado”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho, da Universidade Federal da Bahia, em 2014.
- Pesquisa financiada pela Universidade Federal da Bahia (Edital PROPCI-PROEXT-PROPG/UFBA 01/2011) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Processo 303303/2010-7).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
09 Out 2015
Histórico
- Recebido
7 Set 2014 - Aceito
1 Nov 2015