Análise espacial das internações evitáveis por tuberculose em Ribeirão Preto, SP (2006-2012)

Mellina Yamamura Isabela Moreira de Freitas Marcelino Santo Neto Francisco Chiaravalloti Neto Marcela Antunes Paschoal Popolin Luiz Henrique Arroyo Ludmila Barbosa Bandeira Rodrigues Juliane Almeida Crispim Ricardo Alexandre Arcêncio Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Descrever a distribuição espacial dos casos de internações evitáveis por tuberculose no município de Ribeirão Preto, SP, e identificar aglomerados espaciais e espaço-temporais de risco para a ocorrência desses eventos.

MÉTODOS

Estudo descritivo e ecológico que considerou os registros de internações no Sistema de Informação Hospitalar dos residentes de Ribeirão Preto, SP, no período de 2006 a 2012. Para as análises espaciais foram considerados somente os casos com endereços registrados, sendo os mesmos geocodificados. Recorreu-se à estatística de densidade Kernel para identificar as áreas de maior densidade, taxa bayesiana empírica local como método de suavização das taxas de incidência de internações e estatística de varredura para identificação de aglomerados de risco. Para as análises foram utilizados os softwares ArcGis 10.2, TerraView 4.2.2 e SaTScanTM.

RESULTADOS

Foram identificadas 169 internações por tuberculose. A maioria das internações ocorreu com pessoas do sexo masculino (n = 134; 79,2%) com idade mediana de 48 anos (DP = 16,2). A forma clínica predominante foi a pulmonar, com confirmação por exame microscópico da expectoração (n = 66; 39,0%). Foram geocodificados 159 (94,0%) casos. Observou-se distribuição espacial não aleatória de internações evitáveis por tuberculose, concentradas nas regiões norte e oeste do município. Por meio da estatística de varredura, identificaram-se três aglomerados espaciais de risco para internações por tuberculose, um na região norte do município (risco relativo [RR] = 3,4; IC95% 2,7–4,4); o segundo, na região central, onde há uma unidade prisional (RR = 28,6; IC95% 22,4–36,6); e o último, na região sul, área de proteção para as internações (RR = 0,2; IC95% 0,2–0,3). Não foram identificados aglomerados espaço-temporais.

CONCLUSÕES

A investigação mostrou áreas prioritárias para o controle e vigilância da tuberculose e um perfil de população atingida, evidenciando aspectos importantes a serem considerados em termos de gestão e organização dos serviços de saúde com vistas à efetividade da Atenção Primária à Saúde.

Tuberculose, epidemiologia; Hospitalização; Análise Espacial; Sistemas de Informação Geográfica; Estudos Ecológicos

INTRODUÇÃO

O controle e eliminação da tuberculose ainda desafiam a saúde pública mundial. De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorreram nove milhões de novos casos no mundo em 2013; desses, apenas 6,5 milhões foram notificados e, ainda, 1,5 milhão evoluíram a óbitoaaWorld Health Organization. Global tuberculosis report 2014. Geneva; 2014 [citado 2014 mai 10]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/137094/1/ 9789241564809_eng.pdf?ua=1. O Brasil consta na lista dos 22 países com a mais alta carga da tuberculose, com incidência estimada de 46,1 por 100 mil habitantes e mortalidade de 2,2 por 100 mil, excluindo-se desta taxa pessoas infectadas pelo HIVaaWorld Health Organization. Global tuberculosis report 2014. Geneva; 2014 [citado 2014 mai 10]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/137094/1/ 9789241564809_eng.pdf?ua=1.

Dentre os desafios assumidos globalmente na agenda pós-2015 proposta pela OMS (2014), está a eliminação da doença até 2050 (menos de um caso por 100 mil habitantes)aaWorld Health Organization. Global tuberculosis report 2014. Geneva; 2014 [citado 2014 mai 10]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/137094/1/ 9789241564809_eng.pdf?ua=1. Entretanto, o impasse para consecução dessa meta é a desigualdade da população no acesso e uso das tecnologias que auxiliam o diagnóstico e tratamento, disponíveis em todo o mundo. Entre os marcadores da qualidade ou efetividade dos sistemas de saúde na equidade do acesso aos serviços de saúde da população acometida pela tuberculose1313. Hargreaves JR, Boccia D, Evans CA, Adato M, Petticrew M, Porter JDH. The social determinants of tuberculosis: from evidence to action. Am J Public Health. 2011;101(4):654-62. DOI:10.2105/AJPH.2010.199505 estão as internações evitáveis.

As internações evitáveis são aquelas que não ocorreriam se a assistência à saúde fosse manejada com qualidade e em tempo oportuno no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS)11. Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Costa MFL, Macinko J, Mendonça CS et al. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP Brasil). Cad Saude Publica. 2009;25(6):1337-49. DOI:10.1590/S0102-311X2009000600016,99. Fernandes VBL, Caldeira AP, Faria AA, Rodrigues Neto JF. Internações sensíveis na atenção primária como indicador de avaliação da Estratégia Saúde da Família. Rev Saude Publica. 2009;43(6):928-36. DOI:10.1590/S0034-89102009005000080. A tuberculose está inserida, desde 2008, na lista brasileira das internações reconhecidas como evitáveisbbMinistério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 221, de 17 de abril de 2008. Define a Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária. Diario Oficial Uniao. 18 abr 2008; Poder Executivo:70..

A internação por tuberculose é uma problemática no Brasil. Estudo conduzido por San Pedro e Oliveira2828. San Pedro A, Oliveira RM. Tuberculose e indicadores socioeconômicos: revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Publica. 2013;33(4):294-301. DOI:10.1590/S1020-49892013000400009 (2013) mostrou que, em 2010, a taxa de internação no País foi 7,2 casos por 100 mil habitantes e, no estado de São Paulo, de 4,2 casos por 100 mil habitantes.

Diversos estudos sugerem diferentes hipóteses explicativas para a ocorrência das internações evitáveis22. Arcêncio RA, Oliveira MF, Villa TCS. Internações por tuberculose pulmonar no Estado de São Paulo no ano de 2004. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(2):409-17. DOI:10.1590/S1413-81232007000200017,66. Cecilio HPM, Molena-Fernandes CA, Mathias TAF, Marcon SS. Perfil das internações e óbitos hospitalares por tuberculose. Acta Paul Enferm. 2013;26(3):250-5. DOI:10.1590/S0103-21002013000300008,88. Culqui DR, Rodríguez-Valín E, Martinez de Aragón MV. Epidemiología de las hospitalizaciones por tuberculosis en España: análisis del conjunto mínimo básico de datos 1999-2009. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2015;33(1):9-15. DOI:10.1016/j.eimc.2013.12.015,1010. Ferrer GCN, Silva RM, Ferrer KT, Traebert J. A carga de doença por tuberculose no estado de Santa Catarina, Brasil. J Bras Pneumol. 2014;40(1):61-8. DOI:10.1590/S1806-37132014000100009,1616. Kirenga BJ, Levin J, Ayakaka I, Worodria W, Reilly N, Mumbowa F et al. Treatment outcomes of new tuberculosis patients hospitalized in Kampala, Uganda: a prospective cohort study. PLoS One. 2014;9(3):e90614. DOI:10.1371/journal.pone.0090614,2121. Oliveira GP, Torrens AW, Bartholomay P, Barreira D. Tuberculosis in Brazil: last ten years analysis - 2001-2010. Braz J Infect Dis. 2013;17(2):218-33. DOI:10.1016/j.bjid.2013.01.005,2323. Oliveira NF, Gonçalves MJF. Fatores sociais e ambientais associados à hospitalização de pacientes com tuberculose. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(2):507-14. DOI:10.1590/S0104-11692013000200006. Segundo esses estudos, embora os fatores sociais e culturais possam estar associados às internações evitáveis por tuberculose, a capacidade resolutiva dos serviços e de produzir equidade, especialmente da APS, tem sido considerada como um importante determinante.

Por trazem impacto financeiro para os pacientes e também para os sistemas de saúde, um tratamento hospitalar excede até mil vezes o custo ambulatorial2222. Oliveira HMMG, Brito RC, Kritski AL, Ruffino-Netto A. Perfil epidemiológico de pacientes portadores de TB internados em um hospital de referência na cidade do Rio de Janeiro. J Bras Pneumol. 2009;35(8):780-7. DOI:10.1590/S1806-37132009000800010, apresentando, portanto, menor custo-efetividade em relação ao tratamento ambulatorial33. Augusto CJ, Carvalho WS, Gonçalves AD, Ceccato MGB, Miranda SS. Characteristics of tuberculosis in the state of Minas Gerais, Brazil: 2002-2009. J Bras Pneumol. 2013;39(3):357-64. DOI:10.1590/S1806-37132013000300013.

Embora as internações evitáveis por tuberculose tenham sido pauta de investigação em estudos no Brasil22. Arcêncio RA, Oliveira MF, Villa TCS. Internações por tuberculose pulmonar no Estado de São Paulo no ano de 2004. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(2):409-17. DOI:10.1590/S1413-81232007000200017,66. Cecilio HPM, Molena-Fernandes CA, Mathias TAF, Marcon SS. Perfil das internações e óbitos hospitalares por tuberculose. Acta Paul Enferm. 2013;26(3):250-5. DOI:10.1590/S0103-21002013000300008,88. Culqui DR, Rodríguez-Valín E, Martinez de Aragón MV. Epidemiología de las hospitalizaciones por tuberculosis en España: análisis del conjunto mínimo básico de datos 1999-2009. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2015;33(1):9-15. DOI:10.1016/j.eimc.2013.12.015,1616. Kirenga BJ, Levin J, Ayakaka I, Worodria W, Reilly N, Mumbowa F et al. Treatment outcomes of new tuberculosis patients hospitalized in Kampala, Uganda: a prospective cohort study. PLoS One. 2014;9(3):e90614. DOI:10.1371/journal.pone.0090614,2121. Oliveira GP, Torrens AW, Bartholomay P, Barreira D. Tuberculosis in Brazil: last ten years analysis - 2001-2010. Braz J Infect Dis. 2013;17(2):218-33. DOI:10.1016/j.bjid.2013.01.005,2323. Oliveira NF, Gonçalves MJF. Fatores sociais e ambientais associados à hospitalização de pacientes com tuberculose. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(2):507-14. DOI:10.1590/S0104-11692013000200006, esta condição de saúde não foi analisada sob uma perspectiva geográfica.

A literatura tem mostrado que a organização dos serviços de saúde, especialmente da APS, não é equânime entre os territórios1616. Kirenga BJ, Levin J, Ayakaka I, Worodria W, Reilly N, Mumbowa F et al. Treatment outcomes of new tuberculosis patients hospitalized in Kampala, Uganda: a prospective cohort study. PLoS One. 2014;9(3):e90614. DOI:10.1371/journal.pone.0090614. Isso leva à suposição de que a distribuição geográfica das internações por tuberculose não ocorra de forma uniforme. Isso porque os diversos fatores organizacionais e ideológicos que permeiam a lógica da APS acabam beneficiando grupos menos favorecidos, para a oferta de um pacote mínimo de ações e recursos humanos de baixa qualificação1212. Giovanella L. Atenção Primária à Saúde seletiva ou abrangente? Cad Saude Publica. 2008;24 Supl 1:s21-3. DOI:10.1590/S0102-311X2008001300005. Dessa forma, haveria territórios em maior risco desse evento que outros, o que exige investigação mais detalhada.

Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi descrever a distribuição espacial dos casos de internações evitáveis por tuberculose no município de Ribeirão Preto, SP, e identificar aglomerados espaciais e espaço-temporais de risco para a ocorrência desses eventos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo e ecológico, realizado no município de Ribeirão Preto, SP, que se localiza a 47º48’24”W de longitude e 21º10’42”S de latitude da região nordeste do estado de São Paulo e apresenta população de 604.682 habitantes.

Ribeirão Preto enquadra-se no Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) como grupo dois. A Fundação Sistema Estadual de Dados (SEADE) define esse grupo como municípios com níveis de riqueza elevados, mas com indicadores sociais insatisfatórios, especialmente quanto à escolaridade, cuja média em Ribeirão Preto foi inferior à estadualccFundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Informações dos municípios paulistas IMP, 2014. São Paulo (SP); 2014 [citado 2014 mai 10]. Disponível em: http://www.imp.seade.gov.br/frontend/ . O município é considerado prioritário para as ações de controle da tuberculose, apresentando incidência de 23 casos por 100 mil habitantes no ano de 2013 e 19,0% de óbitos em casos novos residentes no local, bem acima dos dados estaduais (7,2%) em 2012ddCentro de Vigilância Epidemiológica “Alexandre Vranjac”, Divisão de Controle da Tuberculose. Tuberculose. São Paulo; 2014 [citado 2014 mai 10]. Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br e do estabelecido pela OMS (5,0%)aaWorld Health Organization. Global tuberculosis report 2014. Geneva; 2014 [citado 2014 mai 10]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/137094/1/ 9789241564809_eng.pdf?ua=1.

Neste estudo foram considerados os casos de internações evitáveis por tuberculose de residentes no município de Ribeirão Preto, registrados no Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) no período de 2006 a 2012 de um hospital estadual. Esse hospital é a única referência do município para internações clínicas de tuberculose, sendo as internações de longa permanência referenciadas para outros serviços ou outro município. Os dados foram coletados entre 10 de maio e 14 de junho de 2013, sendo selecionadas todas as Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), cujos códigos da Classificação Internacional de Doenças, versão 10 (CID-10), no item CID principal fossem do A15.0 a A17.9, reconhecidas como evitáveis pela portaria expedida pelo Ministério da Saúde (MS)bbMinistério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 221, de 17 de abril de 2008. Define a Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária. Diario Oficial Uniao. 18 abr 2008; Poder Executivo:70..

Quando era identificada mais de uma internação, foi considerado apenas o primeiro registro. Na análise exploratória, foram consideradas as variáveis sexo, idade (data de nascimento), ano de ocorrência da internação, forma clínica ou CID principal, e tipo de saída (condição ou motivo de saída da unidade hospitalar).

Para a variável idade, foram calculadas as medidas de posição e de dispersão, e ainda categorizadas de forma a abranger os três principais grupos etários (crianças, adultos e idosos). Para as demais variáveis, foram calculadas as frequências absolutas e relativas.

Na etapa de geocodificação, foram desconsiderados os registros com endereços incompletos, devido à impossibilidade de geocodificação, e os casos de residentes em áreas rurais, visto que a doença é característica de áreas de grandes aglomerados populacionais e áreas urbanas.

Nesta etapa foi utilizada a base de arruamento digital Street Base Basic ® da empresa Imagem® em arquivo shapefile em projeção UTM – Zone 23S – Datum WGS1984. Os endereços foram padronizados de acordo com a referida base, utilizando o software TerraView (versão 4.2.2). De forma complementar, para os registros não localizados na base cartográfica, recorreu-se às ferramentas Batch Geocode e Findlatitudeandlongitude, ambas de livre acesso e que permitem a geocodificação do endereço por acesso ao Google Earth.

Aplicou-se a técnica de Kernel, que corresponde a uma análise da densidade de pontos, para a identificação e representação das áreas com maior densidade de internações evitáveis por tuberculose. Esse método possibilita a interpolação exploratória, o que gera uma superfície de densidade para a identificação das áreas mais densas1717. Lima MLC, Ximenes RAA, Souza ER, Luna CF, Albuquerque MFPM. Análise espacial dos determinantes socioeconômicos dos homicídios no Estado de Pernambuco. Rev Saude Publica. 2005;39(2):176-82. DOI:10.1590/S0034-89102005000200006. Considerando um raio de 1.000 m, o mapa temático da distribuição da densidade das internações evitáveis por tuberculose, segundo endereço de residência, foi gerado no software ArcGis (versão 10.2).

A taxa bruta de incidência de internação evitável por tuberculose foi calculada considerando o número de internações ocorridas no setor censitário como denominador e a população residente no respectivo setor como denominador. Obteve-se uma média anual das taxas de internações evitáveis em função do número de anos considerados no estudo multiplicado por 100 mil. Mapas coropléticos foram construídos considerando as taxas brutas e empíricas locais, com uso do software ArcGis (versão 10.2).

Como o setor censitário é sujeito às oscilações dos pequenos números ou vazios, optou-se pela aplicação do modelo bayesiano empírico para reduzir distorções1515. Honorato T, Lapa PPA, Sales CMM, Reis-Santos B, Tristão-Sá R, Bertolde AI et al. Análise espacial do risco de dengue no Espírito Santo, Brasil, 2010: uso de modelagem completamente Bayesiana. Rev Bras Epidemiol. 2014;17 Supl 2:150-9. DOI:10.1590/1809-4503201400060013. Com esse método, obtém-se uma média ponderada entre a taxa bruta do setor censitário e a taxa da região dos vizinhos mais próximos, tomada como referência. Para essas análises, foi utilizado o software Terraview versão 4.2.2. Em seguida, o mapa da distribuição das taxas bayesianas empíricas locais, agrupadas em quintis, foi gerado no ArcGis (versão 10.2).

Na última etapa utilizou-se a técnica de análise espacial denominada estatística de varredura (estatística scan) para identificação de aglomerados de casos de internação tanto de alto risco como de proteção para a ocorrência da internação evitável.

Para a identificação de aglomerados puramente espaciais, em que a distribuição é heterogênea e os eventos deveriam ser raros em relação à população, foi utilizado o modelo discreto de Poisson, além das seguintes condições: não sobreposição geográfica dos aglomerados; tamanho máximo do aglomerado igual a 50,0% da população exposta; aglomerado com formato circular; e 999 replicações. Para a detecção de aglomerados espaço-temporais, foram considerados os mesmos critérios acima citados, precisão do tempo em ano e aglomerados com no máximo 50,0% do período total, de 2006 a 2012.

Nessa etapa, as taxas de internações evitáveis por tuberculose foram controladas pelas variáveis sexo e idade, recorrendo-se ao software SaTScanTMe. Estimaram-se os riscos relativos dos aglomerados com respectivos intervalos de 95% de confiança1111. Gardner MJ, Altman DG, editors. Statistics with confidence: confidence intervals and statistical guidelines. J Clin Pathol. 1989;42(12):1315.. Foram construídos mapas corocromáticos dos aglomerados de risco no software ArcGis (versão 10.2).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] – 09708612.7.0000.5393).

RESULTADOS

No período de 2006 a 2012, foram identificadas 169 internações por tuberculose em hospital público referência para atenção à tuberculose. A maioria das internações era de pessoas do sexo masculino (n = 134; 79,2%), com idade média de 48 anos (DP = 16,2), variando de seis a 98 anos.

A Tabela 1 retrata o perfil dos casos de internações evitáveis por tuberculose. Em relação à forma clínica (Tabela 2), tuberculose pulmonar foi predominante (n = 138; 81,6%), no entanto, em 38 casos (22,5%), não havia menção quanto à realização da baciloscopia.

Tabela 1
Perfil clínico e epidemiológico das internações evitáveis por tuberculose. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2006-2012.

Tabela 2
Causas clínicas de internações evitáveis selecionadas para o estudo. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2006-2012.

O procedimento adotado no estudo possibilitou a geocodificação de 159 casos (94,0%). Foram excluídos quatro casos (2,4%) que não apresentavam endereço no ato da internação e seis (3,6%) que apresentaram inconsistências no endereço, não sendo possível identificá-los com auxílio do Batchgeoecod e do FindLatitudeandLongitude.

Os mapas gerados com a aplicação da técnica de Kernel (Figura 1) mostram os locais com maior densidade de casos por quilômetro quadrado (km2) representados em vermelho. Observa-se distribuição heterogênea, com a formação de dois possíveis grandes aglomerados, concentrados principalmente nas zonas oeste e norte do município. Áreas sem ocorrência de internações foram predominantes na zona sul do município.

Figura 1
Mapa de Kernel das internações evitáveis por tuberculose. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2006-2012.

A Figura 2-A apresenta as taxas brutas de internação evitável e a Figura 2-B, as taxas bayesianas empíricas locais por setores censitários. As áreas em vermelho da Figura 2-A representam os setores com maiores taxas brutas de internações evitáveis por tuberculose, que variou entre 32 e 167 casos por 100 mil habitantes.

Figura 2
Mapas das taxas brutas de internação evitável por tuberculose (A) e das taxas bayesianas empíricas locais (B), ambas por setores censitários e em casos por 100 mil habitantes/ano. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2006-2012.

Na parte B da Figura 2, verifica-se, por meio da taxa bayesiana empírica, um melhor alisamento dos dados, constatando os setores censitários com maior taxa, representados no mapa também pela cor vermelha e aqueles com valores intermediários e baixo, destacados respectivamente pelas cores amarela e verde.

Ao relacionar as Figuras 1 e 2, observa-se as áreas incidentes proximais, em que na Figura 1 está representado pela maior densidade dos casos por km2 e na Figura 2, pelos setores censitários com maiores taxas brutas de internação evitável.

Na estatística de varredura puramente espacial, foram identificados três aglomerados estatisticamente significativos (Figura 3), os dois primeiros considerados de alto risco e o terceiro, como fator de proteção.

Figura 3
Aglomerados espaciais das internações evitáveis por tuberculose, controlados pela população dos setores censitários e por sexo e idade. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2006-2012.

O aglomerado 1 (p = 0,015), destacado em verde, foi formado por 214 setores, população de 103.903 habitantes, oito casos de internação, taxa média de 1,1 casos por 100 mil habitantes/ano e RR de 0,2 (IC95% 0,2–0,3), caracterizando-se como uma área de proteção para internações evitáveis. Quanto à estatística de varredura espaço-temporal, não foram identificados aglomerados estatisticamente significativos, considerando o período de 2006 a 2012.

O aglomerado 2 (p = 0,001), destacado em laranja, foi constituído por 70 setores censitários, população de 49.264 habitantes, 38 casos de internação com taxa média de 10,9 casos por 100 mil habitantes/ano e RR de 3,4 (IC95% 2,7–4,4).

O aglomerado 3 (p = 0,001), destacado em vermelho, foi composto por apenas um setor censitário, população de 804 habitantes, seis casos de internação, taxa média de 104,8 casos por 100 mil habitantes/ano e RR de 28,5 (IC95% 22,4–36,6), ressaltando-se que, nesse setor, localiza-se o Centro de Detenção Provisória do município (CDP).

DISCUSSÃO

Os mapas temáticos obtidos nas análises espaciais de varredura são ferramentas relevantes para avaliação do risco de internação evitável por tuberculose, pois permitem a visualização da distribuição espacial do evento, identificando áreas de maior risco e com maiores necessidades de aprimoramento de medidas de vigilância em saúde e controle da doença.

Em relação ao perfil dos indivíduos internados, observou-se predomínio do sexo masculino, idade entre 15 a 64 anos e forma clínica de tuberculose pulmonar. Estudos2222. Oliveira HMMG, Brito RC, Kritski AL, Ruffino-Netto A. Perfil epidemiológico de pacientes portadores de TB internados em um hospital de referência na cidade do Rio de Janeiro. J Bras Pneumol. 2009;35(8):780-7. DOI:10.1590/S1806-37132009000800010,2424. Perrechi MCT, Ribeiro SA. Desfechos de tratamento de tuberculose em pacientes hospitalizados e não hospitalizados no município de São Paulo. J Bras Pneumol. 2011;37(6):783-90. DOI:10.1590/S1806-37132011000600012 conduzidos em outras cidades brasileiras também encontraram maior prevalência de tuberculose entre homens, que apresentaram 1,6 vezes mais chances de ser internado do que as mulheres. Quanto à idade, corroborando a literatura33. Augusto CJ, Carvalho WS, Gonçalves AD, Ceccato MGB, Miranda SS. Characteristics of tuberculosis in the state of Minas Gerais, Brazil: 2002-2009. J Bras Pneumol. 2013;39(3):357-64. DOI:10.1590/S1806-37132013000300013,88. Culqui DR, Rodríguez-Valín E, Martinez de Aragón MV. Epidemiología de las hospitalizaciones por tuberculosis en España: análisis del conjunto mínimo básico de datos 1999-2009. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2015;33(1):9-15. DOI:10.1016/j.eimc.2013.12.015, as pessoas mais atingidas foram aquelas em fase economicamente ativa, o que traz prejuízos especialmente para a economia dos países em desenvolvimento, que são os mais afetados pela tuberculoseffWorld Health Organization. The global plan to stop TB 2011-2015: transforming the fight towards elimination of tuberculosis – reprinted with changes, 2011. Geneva; c2010 [citado 2015 set 10]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/ bitstream/10665/44437/1/ 9789241500340_eng.pdf.

O grande número de casos de tuberculose em pessoas com mais de 64 anos corrobora a literatura, que sugere deslocamento da doença para os grupos mais velhos. Essa mudança pode ser resultado da eficácia da vacinação BCG e do envelhecimento da população55. Caliari JS, Figueiredo RM. Tuberculose: perfil de doentes, fluxo de atendimento e opinião de enfermeiros. Acta Paul Enferm. 2012;25(1):43-7. DOI:10.1590/S0103-21002012000100008. Já a ocorrência de internações de crianças (idade mínima de seis anos) indica o atraso do diagnóstico de pacientes adultos e falhas no sistema de vigilância dos casos índices e controle de contatos2929. Sant’Anna CC. Diagnóstico da tuberculose na infância e na adolescência. Pulmão RJ. 2012;21(1):60-4..

No período de estudo, apesar de 84,0% dos pacientes terem alta hospitalar, não foi possível verificar o desfecho final para o tratamento da tuberculose, uma questão importante e que também ficou lacunar em outro estudo realizado no Rio Janeiro2222. Oliveira HMMG, Brito RC, Kritski AL, Ruffino-Netto A. Perfil epidemiológico de pacientes portadores de TB internados em um hospital de referência na cidade do Rio de Janeiro. J Bras Pneumol. 2009;35(8):780-7. DOI:10.1590/S1806-37132009000800010. Para respondê-la, seria necessária uma integração do SIH-SUS a outros sistemas de informação, como o TB-WEB. Essa integração promoveria uma compreensão mais global da situação de saúde desses pacientes quando eles retornam às suas comunidades. Essa compreensão, por sua vez, possibilitaria a coordenação do cuidado e planejamento de medidas mais efetivas para o controle da doença, com resultados positivos de cura e adesão ao tratamento.

Referente às formas clínicas da doença, dentre os casos internados, houve a predominância da tuberculose pulmonar, o que condiz com a literatura2222. Oliveira HMMG, Brito RC, Kritski AL, Ruffino-Netto A. Perfil epidemiológico de pacientes portadores de TB internados em um hospital de referência na cidade do Rio de Janeiro. J Bras Pneumol. 2009;35(8):780-7. DOI:10.1590/S1806-37132009000800010. No entanto, parcela importante dos pacientes não teve menção da confirmação bacteriológica ou histológica (CID 16.2). Tal situação sugere fragilidades dos sistemas de serviços de saúde na solicitação da baciloscopia do escarro, método mais custo-efetivo para o diagnóstico da tuberculose.

Apesar de o diagnóstico da tuberculose ser relativamente simples, tanto na prática ambulatorial como hospitalar, a sintomatologia de tosse há mais de três semanas é negligenciada como um sinal da doença, o que acarreta demora no diagnóstico e escolha de métodos não apropriados ou custo-efetivos, que é muito oneroso para um sistema de saúde com recursos limitados. No ambiente hospitalar, o exame de escarro não tem sido o primeiro método de escolha diante da suspeita de tuberculose, o que se relaciona com a própria cultura institucional de valorização de métodos de maior adensamento tecnológico22. Arcêncio RA, Oliveira MF, Villa TCS. Internações por tuberculose pulmonar no Estado de São Paulo no ano de 2004. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(2):409-17. DOI:10.1590/S1413-81232007000200017.

Uma outra questão sobre os achados é o não desenvolvimento de ações ativas na comunidade, como a busca de casos daqueles pacientes que não conseguem acessar os serviços. Isso implicaria em diagnósticos no âmbito comunitário, em fase precoce, com menos custos e internações2525. Rasanathan K, Sivasankara Kurup A, Jaramillo E, Lönnroth K. The social determinants of health: key to global tuberculosis control. Int J Tuberc Lung Dis. 2011;15 Suppl 2:S30-6. DOI:10.5588/ijtld.10.0691.

Frente ao exposto, as internações constituem-se indicadores sensíveis à resolutividade e efetividade dos sistemas de saúde e são úteis para o monitoramento da qualidade da APS de um dado território11. Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Costa MFL, Macinko J, Mendonça CS et al. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP Brasil). Cad Saude Publica. 2009;25(6):1337-49. DOI:10.1590/S0102-311X2009000600016. No entanto, as ações desenvolvidas pela APS não são equânimes, o que favorece a formação de aglomerados, conforme evidenciado pelo método de Kernel e confirmado com a estatística de varredura espacial. Os aglomerados identificados no estudo estão localizados nos distritos norte e oeste, que correspondem às áreas com maior vulnerabilidade social44. Brunello MEF, Chiaravalloti Neto F, Arcêncio RA, Andrade RLP, Magnabosco GT, Villa TCS. Áreas de vulnerabilidade para co-infecção HIV-aids/TB em Ribeirão Preto, SP. Rev Saude Publica. 2011;45(3):556-63. DOI:10.1590/S0034-89102011005000018,ggRibeirão Preto. Secretaria Municipal de Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde e Planejamento. Fatores de risco relacionados à saúde da população residente na zona urbana de Ribeirão Preto (SP) 2008-2011. Ribeirão Preto (SP) [citado 2014 set 26]. Disponível em: http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/ssaude/vigilancia/vigep/fatores-risco.pdf e com maior incidência e prevalência de tuberculose, conforme apontou estudo de Hino et al.1414. Hino P, Villa TCS, Cunha TN, Santos CB. Padrões espaciais da tuberculose e sua associação à condição de vida no município de Ribeirão Preto. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(12):4795-802. DOI:10.1590/S1413-81232011001300028 (2011) e Roza et al.2727. Roza DL, Caccia-Bava MCGG, Martinez EZ. Spatio-temporal patterns of tuberculosis incidence in Ribeirão Preto, State of São Paulo, southeast Brazil, and their relationship with social vulnerability: a Bayesian analysis. Rev Soc Bras Med Trop. 2012;45(5):607-15. DOI:10.1590/S0037-86822012000500013 (2012). A zona norte possui os piores indicadores sociais dentre os cinco distritos de saúde e o maior número de pessoas por domicílio, concentrando o maior número de aglomerados subnormais da cidade, razão pela qual demanda ações e serviços mais incisivos em relação às políticas públicas e gestão setorial. A zona oeste, por sua vez, possui a rede de serviço de maior complexidade em termos de densidade tecnológica, o segundo maior percentual de usuários exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS), número considerável de moradores por domicílios com maior percentual de crianças e adolescentes e predomínio de classes econômicas intermediárias, com faixa de um a cinco salários mínimosggRibeirão Preto. Secretaria Municipal de Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde e Planejamento. Fatores de risco relacionados à saúde da população residente na zona urbana de Ribeirão Preto (SP) 2008-2011. Ribeirão Preto (SP) [citado 2014 set 26]. Disponível em: http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/ssaude/vigilancia/vigep/fatores-risco.pdf .

Embora os distritos tenham diferenças quanto à vulnerabilidade social, a APS tem papel determinante na proteção social e na equidadehhPan American Health Organization. Renewing primary health care in the Americas: a position paper of the Pan American Health Organization/World Health Organization (PAHO/WHO). Washington (DC); 2007 [citado 2015 set 10]. Disponível em: http://apps.who.int/medicinedocs/documents/s19055en/s19055en.pdf .

Nessa lógica, a oferta de serviços deve ser organizada em razão da demanda, tanto no aspecto quantitativo quanto qualitativo3030. Vega Romero R, Acosta Ramírez N, Mosquera Méndez PA, Restrepo Vélez O. Atención primaria integral de salud: estrategia para la transformación del sistema de salud y el logro de la equidad en salud. Bogotá: Secretaria Distrital de Salud; Pontifícia Universidad Javeriana; 2009.. Para os territórios com menos oportunidades sociais, APS deve ser mais forte, abrangente e com capacidade de promover a gestão setorial para a ampliação do acesso1818. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. 2.ed. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2011..

Entretanto, isso só será possível quando a APS for instrumentalizada em termos de recursos humanos qualificados, com sistemas de apoio e logístico1919. Mendonça MFS, Alencar FL, Barros MDA. Perfil da tuberculose e sua área de risco no município de Olinda-PE: uma abordagem espacial. Rev Cienc Med Pernambuco. 2013;9(1):55-70.. É importante, ainda, acúmulo de competência cultural3030. Vega Romero R, Acosta Ramírez N, Mosquera Méndez PA, Restrepo Vélez O. Atención primaria integral de salud: estrategia para la transformación del sistema de salud y el logro de la equidad en salud. Bogotá: Secretaria Distrital de Salud; Pontifícia Universidad Javeriana; 2009., tanto por parte da população como também dos trabalhadores e gestores, para reconhecer a função da APS e sua lógica de organização.

Na análise de área, o mapa apenas com as estimativas brutas pode gerar conclusões errôneas. Dificultando a interpretação, devido à alta instabilidade das mesmas para medir o risco de um dado evento, especialmente quando a população da região de ocorrência é pequena1919. Mendonça MFS, Alencar FL, Barros MDA. Perfil da tuberculose e sua área de risco no município de Olinda-PE: uma abordagem espacial. Rev Cienc Med Pernambuco. 2013;9(1):55-70., como é o caso dos setores censitários. Assim, após a suavização, apesar de as abordagens espaciais mostrarem resultados semelhantes, observou-se diminuição do número de áreas com coeficiente zero, pois incorporaram suas taxas estimadas dos valores dos vizinhos.

A análise de varredura permitiu a estratificação do município em áreas de riscos, possibilitando a visualização de aglomerados espaciais capazes de demarcar áreas homogêneas, mensurar o risco de internações evitáveis por tuberculose, minimizando os possíveis danos à população exposta77. Clements AC, Lwambo NJ, Blair L, Nyandindi U, Kaatano G, Kinung’hi S et al. Bayesian spatial analysis and disease mapping: tools to enhance planning and implementation of a schistosomiasis control programme in Tanzania. Trop Med Int Health. 2006;11(4):490-503. DOI:10.1111/j.1365-3156.2006.01594.x. Dos três aglomerados encontrados no estudo, dois apresentaram risco elevado. O aglomerado de maior risco está localizado no CDP do município, onde estão as pessoas privadas de liberdade convivendo em condições de vulnerabilidade social em estrutura física inadequada e com grande aglomeração humana.

Essas áreas são nichos importantes para disseminação da tuberculose e a prevalência da doença entre as populações carcerárias é de até 50 vezes maior que na população geral2424. Perrechi MCT, Ribeiro SA. Desfechos de tratamento de tuberculose em pacientes hospitalizados e não hospitalizados no município de São Paulo. J Bras Pneumol. 2011;37(6):783-90. DOI:10.1590/S1806-37132011000600012. Há ainda grande dificuldade de articulação dos subsistemas de saúde que operam dentro das unidades prisionais com os serviços de APS, assim, é importante se avançar na constituição de redes e definição de corresponsabilidades e metas comuns2424. Perrechi MCT, Ribeiro SA. Desfechos de tratamento de tuberculose em pacientes hospitalizados e não hospitalizados no município de São Paulo. J Bras Pneumol. 2011;37(6):783-90. DOI:10.1590/S1806-37132011000600012. A comunidade que circula por esses espaços está em risco epidemiológico; portanto, estratégias cooperativas devem ser pensadas visando a quebra da cadeia de transmissão da doença.

No que se refere a não identificação de aglomerados espaço-temporais, foi possível observar que a distribuição das internações evitáveis por tuberculose apresentou uniformidade em relação ao tempo. Talvez um período de tempo maior pudesse resultar em alguma diferença.

A utilização de estudos ecológicos não permite inferir os achados de município para o nível individual2020. Morgenstern H. Ecologic studies in epidemiology: concepts, principles, and methods. Annu Rev Public Health. 1995;16:61-81. DOI:10.1146/annurev.pu.16.050195.000425. Outra limitação deste estudo se refere ao uso do SIH-SUS, que contém somente dados das internações ocorridas nos hospitais públicos de saúde. Todavia, um grande entrave que os sistemas de saúde vivenciam atualmente é a dificuldade de articulação entre o setor público e o privado, o que demanda mecanismos que possibilitem uma comunicação fluida entre eles, permitindo ao Estado conhecer também as condições de saúde que demandam internações no setor privado

As áreas identificadas como de proteção devem ser analisadas com cautela, pois podem ser espaços onde ocorreram subnotificações. Outra limitação a ser destacada se refere à utilização de dados secundários, que pela incompletude ou informações lacunares podem ter trazido algum viés aos achados.

Neste estudo, não foi possível averiguar a reincidência das internações e o tempo médio de cada internação. Seria interessante complementar essas variáveis em estudos futuros e observar a transferência do cuidado desses pacientes do hospital para a APS ou para centros de referência e avaliar a evolução desses casos.

O reconhecimento das áreas de risco poderá fornecer subsídios ao desenvolvimento de ações em saúde de forma equitativa e justa, possibilitando desta forma elencar grupos prioritários em termos de oferta e ações de serviços de saúde1818. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. 2.ed. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2011..

A estratificação das áreas de risco deve ser a base do planejamento estratégico situacional, portanto o estudo pode indicar processos em relação à gestão do sistema local de saúde. Ela permitiu também não enxergar o município em sua totalidade, mas como uma coleção de serviços muito heterogêneos, o que mostra a importância da governança do sistema local, de definição de missão, valores e objetivos únicos entre os serviços.

As internações por tuberculose refletem a demora do diagnóstico, trazendo consequências físicas, psicológicas e sociais para o paciente e a família. Em termos de gestão, é um evento oneroso para os sistemas de saúde públicos, que têm limitações orçamentárias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    6 Dez 2014
  • Aceito
    9 Jun 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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