Análise envoltória de dados dinâmica em redes na avaliação de hospitais universitários

Maria Stella de Castro Lobo Henrique de Castro Rodrigues Edgard Caires Gazzola André Jônatas Almeida de Azeredo Marcos Pereira Estellita Lins Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Desenvolver ferramenta de avaliação de eficiência de hospitais universitários federais de perfil geral.

MÉTODOS

A análise envoltória de dados, técnica de programação linear, constrói uma fronteira de melhores práticas pela comparação da produção observada dadas as quantidades de recursos despendidas. O modelo é orientado a produto, e considera retornos variáveis de escala. A análise envoltória de dados em redes considera variáveis de ligação que pertencem a mais de uma dimensão (no modelo, médicos residentes, internações ajustadas e projetos de pesquisa). A análise envoltória de dados dinâmica usa variáveis de transporte (no modelo, receita) para analisar o deslocamento da fronteira em anos subsequentes. Os dados foram coletados do sistema de informações do MEC, 2010 a 2013.

RESULTADOS

Os escores médios de assistência, ensino e pesquisa no período foram: 58,0%, 86,0% e 61,0%, respectivamente. Em 2012, ano de melhor desempenho, para que todas as unidades atingissem a fronteira, seria necessário aumento médio de consultas de 65,0%; de internações, de 34,0%; de alunado de graduação, de 12,0%, de residência multiprofissional, de 13,0%, de pós-graduação, de 48,0%; de projetos de pesquisa, de 7,0%; além de queda de 9,0% de residentes médicos. No mesmo ano, para melhora da fronteira de produção assistencial, seria necessária a injeção de um aporte adicional de receita de 0,9%. Observou-se progressão da eficiência no ensino; oscilação na assistência e estagnação na pesquisa na avaliação dinâmica.

CONCLUSÕES

O modelo proposto gera parâmetros de planejamento e programação em saúde pública por meio do cálculo dos escores de eficiência e das projeções necessárias para alcance das fronteiras de melhores práticas.

Hospitais Universitários, organização & administração; Eficiência Organizacional, economia; Programação Linear, utilização; Avaliação de Serviços de Saúde

INTRODUÇÃO

Os hospitais são instituições complexas, com densidade tecnológica específica, de caráter multiprofissional e interdisciplinar, segundo a Política Nacional de Atenção Hospitalar integrada às Redes de Atenção em Saúde. São responsáveis pela prestação de assistência aos usuários em regime de internação e por meio de ações que abrangem a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitaçãoaaMinistério da Saúde. Portaria nº 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diario Oficial Uniao. 31 dez 2013; Seção 1:54-6..

Barata et al.11. Barata LRB, Mendes JDV, Bittar OJNV. Hospitais de ensino e o Sistema Único de Saúde. Rev Adm Saude. 2010;12(46):7-14. consideram a saúde como um direito social. Destacam a contribuição complementar dos hospitais de ensino ao promoverem a formação de profissionais da área de saúde para serem capazes de enfrentar problemas prioritários da população brasileira e desenvolverem pesquisa para auxiliar o enfrentamento destes problemas. Hospitais de ensino são todas as unidades hospitalares, gerais ou especializadas, públicas ou privadas, próprias ou conveniadas com Instituição de Ensino Superior, que servirem de campo para prática de atividades curriculares na área da saúdebbMinistério da Saúde. Portaria interministerial nº 2.400, de 2 de outubro de 2007. Estabelece os requisitos para certificação de unidades hospitalares como Hospitais de Ensino. Diario Oficial Uniao. 3 out 2007; Seção 1:102-3.. Hospitais universitários (HU) são aqueles de propriedade de instituição de ensino superior, federal ou estadual, com atividades articuladas de assistência, ensino e pesquisa.

Desde a década de 1990, foi colocada em pauta a crise de financiamento e de gestão dos hospitais no Brasil e, em particular, a dos HU, com importante repercussão nas atividades de assistência, ensino e pesquisa. Para seu enfrentamento, iniciativas do Governo Federal basearam-se em aporte financeiro, material e de recursos humanos e na indução de melhorias gerenciais, entre elas, a Política Nacional de Certificação de Hospitais de Ensino, o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais e a criação da Empresa Brasileira de Serviços HospitalaresbbMinistério da Saúde. Portaria interministerial nº 2.400, de 2 de outubro de 2007. Estabelece os requisitos para certificação de unidades hospitalares como Hospitais de Ensino. Diario Oficial Uniao. 3 out 2007; Seção 1:102-3.,ccBrasil. Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010. Institui o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais – REHUF, dispõe sobre o financiamento compartilhado dos hospitais universitários federais entre as áreas da educação e da saúde e disciplina o regime da pactuação global com esses hospitais. Diario Oficial Uniao. 27 jan 2010; Edição extra; Seção 1:1-2.,ddBrasil. Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011. Autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH; acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 16 dez 2011; Seção 1:2-3.. Essas iniciativas buscaram excelência dos hospitais de ensino na assistência, ensino e pesquisa mediante o estabelecimento de metas gerenciais que garantissem a melhor utilização dos recursos para execução das suas missões.

O desenvolvimento de estudos de desempenho que utilizam fronteiras de eficiência é pertinente para analisar o aproveitamento de recursos na consecução de objetivos. Entre os estudos de eficiência aplicados na área de saúde, a análise envoltória de dados (DEA) é a técnica mais frequentemente utilizada (48,0% das publicações)55. Hollingsworth B. The measurement of efficiency and productivity of health care delivery. Health Econ. 2008;17(10):1107-28. DOI:10.1002/hec.1391.

O presente estudo teve por objetivo desenvolver ferramenta de avaliação de eficiência de hospitais universitários federais de perfil geral. Esta ferramenta considera a articulação entre as dimensões de ensino, assistência e pesquisa e o acompanhamento das mudanças ao longo do tempo.

MÉTODOS

O modelo baseia-se em DEA dinâmica em redes para auxiliar o processo de tomada de decisão dos gestores. Realiza-se análise longitudinal das inter-relações entre as dimensões de assistência, ensino, pesquisa sob a perspectiva de eficiência.

DEA é uma técnica de programação linear, inicialmente descrita por Charnes et al.22. Charnes A, Cooper WW, Rhodes E. Measuring the efficiency of decision making units. Eur J Oper Res.1978;12(6):429-44. DOI:10.1016/0377-2217(78)90138-8 (1978). Mede a eficiência pela comparação de unidades semelhantes (DMU ou Decision Making Units), que consomem os mesmos recursos (inputs) e geram os mesmos produtos (outputs). Uma DMU é eficiente quando, comparada às demais, produz mais outputs dada uma quantidade fixa de inputs (modelo orientado a output), ou consome menos recursos para gerar uma quantidade fixa de produtos (modelo orientado a input). As DMU eficientes recebem o escore máximo de 100% e dão forma à fronteira de melhores práticas, que envolve o conjunto de unidades comparadas. Uma DMU só será eficiente se estiver na região da fronteira de otimalidade de Pareto-Koopmans, em que não se pode aumentar um output (ou reduzir um input) sem que se tenha que reduzir outro output (ou aumentar outro input), simultaneamente.

Nos modelos clássicos, a fronteira pode considerar retornos constantes de escala (CRS, quando se espera aumento proporcional de outputs na medida em que se aumentam os inputs) ou retornos variáveis de escala (VRS, geralmente a preferência quando se comparam unidades de tamanhos e escalas de produção muito diversas), formato estabelecido a priori pelo pesquisador. Por ser uma técnica determinística, toda a distância aferida em relação à fronteira (pontuação inferior a 100%) resulta de ineficiência, isto é, da diferença entre os valores atuais (X%) e os projetados (100-X%). A projeção das DMU ineficientes considera a menor distância ou o ponto mais próximo da fronteira, onde estão situadas as unidades eficientes semelhantes para referência, ou benchmarks1414. Ozcan YA. Health care benchmarking and performance evaluation: an assessment using Data Envelopment Analysis (DEA). 2.ed. San Francisco: Springer; 2014..

Na evolução dos modelos clássicos, quando são produzidos outputs intermediários no processo produtivo que servem de inputs para novos processos, pode-se utilizar DEA em redes. DEA em redes (ou network DEA) é composta por uma família de modelos DEA que estabelece restrições lineares para cada uma das dimensões analisadas. Permite considerar algumas variáveis de ligação (links) que pertencem a mais de uma dimensão e gerar escores de eficiência para todas elas33. Färe R, Grosskopf S. Network DEA. Socioecon Plann Sci. 2000;34(1):35-49. DOI:10.1016/s0038-0121(99)00012-9.

Os modelos aplicados a estudos de caso na literatura não costumam atentar para as projeções em regiões Pareto-ineficientes da fronteira e as projeções com folgas em relação ao alvo Pareto-eficiente resulta em erros no cálculo das eficiências88. Lins MPE, Oliveira LB, Silva ACM, Rosa LP, Pereira AO. Performance assessment of alternative energy resources in Brazilian power sector using Data Envelopment Analysis. Renew Sustain Energy Rev. 2011;16(1):898-903. DOI:10.1016/j.rser.2011.09.010. Dentre os modelos não radiais que determinam as eficiências com base em alvos Pareto-eficientes, destacam-se os modelos SBM (Slacks-based Model) e de Russel. Neste trabalho, optou-se por utilizar o modelo DEA em redes SBM para as avaliações de eficiência, conforme proposto por Tone e Tsutsui1515. Tone K, Tsutsui M. Network DEA: a slacks-based measure approach. Eur J Oper Res. 2010;197(1):243-52. DOI:10.1016/j.ejor.2008.05.027,1616. Tone K, Tsutsui M. Dynamic DEA with network structure: a slacks-based measure approach. Omega. 2014;42(1):124-31. DOI:10.1016/j.omega.2013.04.002.

Para acompanhamento longitudinal, DEA dinâmica permite gerar escores de eficiência para tempos distintos e sucedâneos ao considerar a eficiência pontual em cada momento e o deslocamento da fronteira ao longo do tempo. Em cada período estudado, as DMU consomem os mesmos inputs e geram os mesmos outputs. No entanto, alguns outputs de um período (capital e recursos humanos, por exemplo) podem funcionar como inputs do período seguinte. Essas variáveis de ligação entre períodos são chamadas de transporte (carry-over), que podem ser tratadas como fixas ou mutáveis de acordo com a projeção na fronteira.

Os modelos de DEA em redes e DEA dinâmica estão integrados (DNSBM – Dynamic Network Slack-based Model) neste estudo. Verticalmente, lida-se com múltiplas dimensões conectadas numa estrutura em redes dentro de cada período e, horizontalmente, combina-se cada estrutura em redes por meio de variáveis de transporte que fazem a ligação entre dois períodos distintos. O modelo permite avaliar: a) a eficiência total e de cada dimensão, em cada momento avaliado; b) a mudança de eficiência total e de cada dimensão, ao longo do período estudado. Desenvolveu-se um Índice de Malmquist modificado, que avalia as mudanças nos escores individuais (componente Catch-up) e o deslocamento da fronteira tecnológica, ou de todos os hospitais ao longo do tempo (Frontier Shift)1616. Tone K, Tsutsui M. Dynamic DEA with network structure: a slacks-based measure approach. Omega. 2014;42(1):124-31. DOI:10.1016/j.omega.2013.04.002. Valores acima de 1,0 significam progressão do desempenho na interpretação do índice e de seus componentes; abaixo, regressão da fronteira.

O modelo DNSBM usado está orientado a output (visando ao aumento da produção) e considera retornos variáveis de escala (dada a diferença dos portes dos hospitais analisados). A estrutura da rede considera a relação entre as dimensões de assistência, de ensino e de pesquisa e a avaliação dinâmica analisa o período de 2010 a 2013. AS DMU são os 31 hospitais universitários federais gerais, gerenciados pelo Ministério da Educação (MEC), aqui identificados pelas suas respectivas universidades. As variáveis foram extraídas do Sistema de Informação do Ministério da Educação (Sisrehuf).

A Figura 1 representa esquematicamente o modelo estudado e a Tabela 1 descreve em detalhe as variáveis nas diversas dimensões: inputs, outputs, de ligação e de transporte. Nenhuma variável – exceto as de ligação – foi repetida em dimensões distintas.

Figura 1
Desenho de estudo de eficiência e variáveis do modelo de DEA dinâmica em redes. Brasil, 2010-2013.

Tabela 1
Variáveis e dimensões do estudo. Brasil, 2010-2013.

No tratamento das variáveis faltantes no Sisrehuf, usou-se o maior valor (variável de input); o menor valor (output); e o valor médio (variáveis de ligação e de transporte).

RESULTADOS

Observou-se heterogeneidade no porte e demais características associadas desses hospitais na assistência. A produção assistencial média (8,2% para consultas ajustadas e 8,0% para internações ajustadas) e a estrutura tecnológica (16,1%) aumentaram no período, a despeito da queda no número de leitos ativos (3,7%) e do número de funcionários não médicos (1,8%). Houve incremento do número de residentes da categoria multiprofissional (193,0%), dos residentes médicos (21,8%) e dos alunos de graduação nas áreas da saúde (13,9%) na dimensão de ensino. Os projetos de pesquisa informados reduziram em 64,7%, sem a queda proporcional nos alunos de pós-graduação (1,5% de aumento) na dimensão pesquisa. Não houve alteração numérica importante no número de docentes com ou sem doutorado ou de médicos na maioria das instituições (o alto percentual médio para docentes decorreu de dois hospitais com valores informados extremos) (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição das variáveis do modelo de DEA dinâmica em redes aplicado aos hospitais universitários. Brasil, 2010-2013.

O escore médio geral de eficiência dos hospitais universitários em 2010, 2011, 2012, 2013 foi, respectivamente, 43,3%, 55,8%, 63,6%, 55,3%. A média de eficiência em todas as dimensões aumentou até 2012, seguida de ligeira queda em 2013 (componente catch-up). Entretanto, o deslocamento da fronteira tecnológica variou entre as dimensões (frontier shift). O deslocamento da dimensão assistência oscilou entre a regressão nos biênios 2010-2011 e 2012-2013 e a melhora evolutiva no biênio 2011-2012 (escore médio de 58,0%); o ensino progrediu em todos os biênios, principalmente de 2010 a 2011, com o maior escore médio (86,0%); a fronteira da pesquisa se manteve inalterada (escore médio de 61,0%) (Figura 2).

Figura 2
Escores de eficiência dos hospitais universitários segundo modelo de DEA dinâmica em redes. Brasil, 2010-2013.

Coexistiram hospitais de diferentes portes como referência de melhores práticas (escore 100%). Isso denotou a existência de pelo menos duas regiões na fronteira diferentes em escala. A primeira, com hospitais de grande porte, acima de 200 leitos, eficientes devido à alta produção e complexidade; a segunda, com hospitais de menor porte, com eficiência máxima aferida pelo baixo consumo de recursos. Essas diferenças são importantes para a definição dos pares e escolha dos benchmarks das unidades ineficientes. Cinco hospitais estiveram presentes nas fronteiras de melhores práticas (Universidade Federal do Maranhão [UFMA], Universidade Federal de Uberlândia [UFU], Universidade Federal de São Paulo [Unifesp], de grande porte; Universidade Federal de Sergipe [UFS], Universidade Federal da Grande Dourados [UFGD], de pequeno porte) e seis foram eficientes em pelo menos dois anos no período (Hospital de Clínicas de Porto Alegre [HCPA], Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ], de grande porte; Fundação Universidade do Rio Grande [FURG], Universidade Federal de Alagoas [UFAL], Universidade Federal do Amazonas [UFAM], Universidade Federal de Pelotas [UFPel], de pequeno porte) (Figura 2).

A projeção na fronteira sinalizou possíveis prioridades e metas a serem pactuadas entre gestores e HU. Em 2010, início do Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais, era grande a necessidade por aumento da produção, principalmente de consultas (131,0%) e de internações (88,0%) ajustadas, além de alunado de pós-graduação (83,0%). Em 2013, sobressaiu-se a necessidade de incremento das atividades de pesquisa, que ainda requerem aumento substancial de alunado de pós-graduação (80,0%) e das atividades de assistência voltadas para pacientes externos (69,0%) (Figura 3).

Figura 3
Necessidade de variação das variáveis de output (O) e de ligação (L) para alcance da fronteira de melhores práticas. Brasil, 2010-2013.

Com base no ano de melhor desempenho (2012), seria necessário o aumento em 65,0% de consultas ajustadas na assistência; 13,0% de alunos da residência multiprofissional e de 12,0% de alunos de graduação da saúde no ensino; de 48,0% de alunos de pós-graduação na pesquisa para que todos os hospitais atingissem a fronteira. Os hospitais que necessitariam aumentar a produção de consultas ou agregar complexidade em maior proporção na assistência seriam Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). O aumento de residentes na categoria multiprofissional seria numericamente mais necessário na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), UFRJ, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); o incremento de alunos de graduação, no HCPA, UFCG, UFG e UFSM na dimensão de ensino. UFAM, Universidade Federal da Bahia (UFBA), UFPA, UFPB, UFRN e UNIRIO deveriam ter aumento significativo de alunos de pós-graduação na pesquisa.

Considerando o número de residentes médicos uma variável de ligação (input de assistência e output de ensino), os valores necessários podem ser negativos. Para que todos os hospitais atingissem a fronteira em 2012, a redução média deveria ser de 9,0% no número de residentes. Hospitais como UFSC e UFCG necessitariam aumentar, mas hospitais como UFBA, UFF, Universidade Federal de Goiás (UFG), UFMG, UFRN, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), UNIRIO e Universidade de Brasília (UnB) poderiam reduzir o número deles, sem prejuízo da eficiência. Quanto às demais variáveis de ligação, as internações ajustadas deveriam aumentar em 34,0% e os projetos de pesquisa, em 7,0%, em média.

A Tabela 3 apresenta, além do escore geral e o específico da assistência, o aporte de recursos financeiros, em milhões, repassado para cada HU, por ano, e a projeção esperada no ano seguinte, para alcance da fronteira de eficiência. A abordagem da projeção na fronteira de melhores práticas gerou diretrizes de planejamento financeiro baseadas na eficiência da produção assistencial observada em cada hospital.

Tabela 3
Escore e projeção da receita dos hospitais universitários na dimensão assistência. Brasil, 2010-2013.

A receita média dos hospitais passou de R$42,1 para R$58,0 milhões no período (aumento médio de 37,8%). O maior aumento bruto foi da UFMA (R$75,5 milhões) e o maior aumento proporcional foi da UFGD (1.943,0%). Seis unidades tiveram receita informada em 2013 menor que em 2010: UFAL (-24,2%), UFES (-22,2%), UFPB (-64,4%), UFRN (-33,3%), UnB (-8,5%) e UNIRIO (-92,2%). Dada a oscilação dos valores informados por estas unidades, pode haver erro de registro.

Em 2013, as projeções para o próximo período indicaram que sete DMU necessitariam aumentar a receita (somando R$97,2 milhões), 11 precisariam diminuí-la (somando R$175,6 milhões) e o restante poderia mantê-la no mesmo patamar. Se mantidos todos os demais parâmetros, haveria espaço para redução em 4,6% do total do aporte de recursos aos hospitais em 2014, sem impacto na eficiência do sistema. Essas diretrizes permitiriam negociar metas para incremento da produção ou redistribuição dos recursos entre as unidades. O ano de melhor desempenho (2012) foi o único cuja projeção para financiamento superava o valor repassado; isto é, a produção fez jus ao valor repassado num ano de maior eficiência.

DISCUSSÃO

O modelo proposto permite o monitoramento de eficiência, planejamento de metas e estabelecimento de diretrizes orçamentárias ao longo do tempo, constituindo-se em ferramenta de auxílio às políticas públicas de saúde.

Como ilustração, na Figura 3, as projeções de cada ano geraram parâmetros e metas a serem alcançadas no período seguinte. Por exemplo, quando comparadas as metas de 2012 com os dados reais de 2013, o aumento foi de 20,0% dos médicos residentes (contra a diretriz de redução em 9,0%). Para as demais variáveis de ligação, as internações ajustadas foram 19,0% inferiores à meta e os projetos de pesquisa, 67,0% menores. Para os demais produtos, as consultas ajustadas foram 35,0% inferiores ao esperado; alunos de graduação, 5,0% menores; os de pós-graduação, 15,0%. Já os residentes multiprofissionais tiveram valores 7,0% superiores à meta. Estes achados explicam, em parte, a queda dos escores médios de eficiência das três dimensões em 2013.

A comparação entre hospitais gerais, com e sem atividades de ensino e pesquisa, sem levar estas dimensões em consideração, minimiza os escores de eficiência dos últimos. Isso porque vários recursos do processo produtivo também estão, na prática, voltados para atividades de natureza não assistencial44. Grosskopf S, Margaritis D, Valdmanis V. Comparing teaching and non-teaching hospitals: a frontier approach (teaching vs. non-teaching hospitals). Health Care Manag Sci. 2001;4(2):83-90. DOI:10.1023/A:1011449425940. O modelo de DEA em redes, por outro lado, permite que seja comparada a porção de recursos usada em cada dimensão específica, reduzindo esse viés.

Hospitais universitários apresentam um esforço da produção acadêmica nacional a partir de 2000, inicialmente com modelos clássicos DEA para avaliação de eficiência das unidades do MEC1212. Marinho A, Façanha LO. Hospitais universitários: avaliação comparativa da eficiência técnica. Econ Aplicada. 2000;4(2):315-49.. Novas abordagens de análise foram desenvolvidas para esse universo de hospitais, seja com as dimensões tratadas em separado, seja com as dimensões agregadas em modelo hierárquico ou por meio de redes77. Lins ME, Lobo MSC, Silva ACM, Fiszman R, Ribeiro VJP. O Uso da Análise Envoltória de Dados (DEA) para avaliação de hospitais universitários brasileiros. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(4):985-98. DOI:10.1590/S1413-81232007000400020,1010. Lobo MSC, Lins MPE, Silva ACM, Fiszman R. Avaliação de desempenho e integração docente-assistencial nos hospitais universitários. Rev Saude Publica. 2010;44(4):581-90. DOI:10.1590/S0034-89102010000400001,1313. Ozcan YA, Lins ME, Lobo MSC, Silva ACM, Fiszman R, Pereira BB. Evaluating the performance of Brazilian university hospitals. Ann Oper Res. 2010;178(1):247-61. DOI:10.1007/s10479-009-0528-1. Avaliação longitudinal foi usada para análise de impacto da reforma de financiamento criada a partir da política de certificação dos hospitais de ensino99. Lobo MSC, Silva ACM, Lins MPE, Fiszman R. Impacto da reforma de financiamento de hospitais de ensino no Brasil. Rev Saude Publica. 2009;43(3):437-45. DOI:10.1590/S0034-89102009005000023.

O modelo em redes foi aprofundado no presente estudo ao abarcar a dimensão de pesquisa, considerar apenas as projeções em regiões Pareto-eficientes da fronteira e acompanhar o deslocamento da fronteira ao longo dos anos. O refinamento do modelo torna-o mais acurado para aplicação e instrumentalização dos gestores na análise de eficiência.

A ferramenta proposta para o acompanhamento dos hospitais de ensino permite: a) gerar escores de eficiência, geral e por dimensão; b) acompanhar anualmente as mudanças de desempenho, geral e por dimensão; c) definir e gerenciar metas para melhoria de desempenho com base na projeção na fronteira de melhores práticas; d) programar e avaliar dinamicamente o financiamento dos HU com base em eficiência. Os resultados apresentaram exemplos para cada uma dessas funcionalidades. Os dados e projeções podem ser analisados separadamente, para cada unidade, ou de forma agregada, para avaliação mais panorâmica das políticas públicas.

O atual universo dos hospitais universitários federais é heterogêneo em porte, capacidade de produção e tempo de funcionamento de cada unidade. Para lidar com essas diferenças, foi necessário o uso de ajuste por complexidade.

Houve aumento da produção assistencial ajustada em cerca de 8,0% nos últimos anos. A análise da eficiência mostra que o dispêndio de alguns recursos cresceu simultaneamente, e em maior proporção, como a estrutura tecnológica (16,1%) e o aporte financeiro (37,8%). Houve, por outro lado, redução do número de leitos, seguindo uma tendência mundial dos últimos anos, com aumento daqueles de maior complexidade, como os de terapia intensiva. A realização de procedimentos voltados para pacientes externos também reduz a necessidade de leitos, mas há espaço para incentivar essa atividade (meta de 69,0% em 2013).

O número triplicado de residentes multiprofissionais na produção de ensino coincide com a política de implantação dessa modalidade no período. Na pesquisa, houve redução de monta dos projetos de pesquisa informados, salvas as limitações de qualidade de registro.

A eficiência média dos HU aumentou em todas as dimensões de 2010 a 2012, com discreto declínio no ano seguinte. O deslocamento da fronteira de melhores práticas, por outro lado, teve comportamento heterogêneo, com melhor desempenho e tendência de progresso no ensino. Em virtude da implantação recente das iniciativas de saneamento dos HU, espera-se alguma oscilação da fronteira da assistência até a estabilização dos novos modelos gerenciais. Esse achado é consistente com o estudo do Sistema de Saúde Inglês (NHS) quando da sua abertura para o mercado privado que evidenciou contração nos primeiros anos, depois seguida de expansão da fronteira de eficiência1111. Maniadakis N, Hollingsworth B, Thanassoulis E. The impact of the internal market on hospital efficiency, productivity and service quality. Health Care Manag Sci.1999;2(2):75-85. DOI:10.1023/A:1019079526671.

Para definição de metas propostas, diferentemente daquelas voltadas a resultado, são considerados os recursos gastos, os pares em tamanho de escala, a variação dinâmica das mesmas e a influência de todo o grupo sob comparação. Esses fatores possibilitam um planejamento mais adaptado à realidade de cada hospital, definição de prioridades e monitoramento de desempenho. Assim, serviriam como parâmetro adicional de negociação física e orçamentária entre gestor de unidade e gestor de saúde, ou órgão financiador. Este último pode acompanhar o comportamento do sistema como um todo e divulgar parâmetros de partilha e modelos de financiamento que consideram critérios de transparência, equidade e necessidade em suas concepções1717. Ugá MAD, Porto SM. Financiamento e alocação de recursos em saúde no Brasil. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p.473-506..

A ferramenta de planejamento só terá validade se baseada num sistema de informações acurado e fidedigno66. La Forgia GM, Coutollenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence. Washington (DC): The World Bank Publications; 2008.. Registros inadequados, baixa utilização e falta de crítica do sistema talvez sejam as principais limitações dos resultados apresentados. Os resultados e a fronteira empírica variam de acordo com o conjunto de variáveis utilizado. Por esse motivo, é importante que haja a participação de vários atores envolvidos na avaliação gerencial na construção do modelo, para que cada elemento do modelo seja consensualmente aprovado para os diversos perfis de hospitais a serem comparados.

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DESTAQUES

O estudo analisa a eficiência dos hospitais universitários nas dimensões da assistência em saúde, ensino e pesquisa, entre os anos de 2010 e 2013. Estudos de desempenho que utilizam fronteiras de eficiência analisam o aproveitamento de recursos (inputs) para o cumprimento de objetivos (produtos ou outputs). Esta pesquisa permite subsidiar a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, instrumentaliza os gestores (e demais atores) para o acompanhamento do desempenho dos hospitais ao longo dos anos e traz referências de objetivos para seus respectivos contratos de metas.

No período, os escores médios de assistência, ensino e pesquisa foram 58,0%, 86,0% e 61,0%, respectivamente. Em 2012, ano de melhor desempenho, para que todas as unidades atingissem a fronteira, seria necessário um aumento médio de consultas em 65,0%; de internações, em 34,0%; de alunado de graduação, em 12,0%; de residência multiprofissional, em 13,0%; de alunado de pós-graduação, em 48,0%; de projetos de pesquisa, em 7,0%; além da queda em 9,0% dos residentes médicos. No mesmo ano, para melhoria da fronteira de produção assistencial, seria necessária a injeção de um aporte adicional de receita em 0,9%. Projeções e medidas individuais para cada hospital geraram metas que, se cumpridas em 2013, garantiriam a eficiência do sistema. Na avaliação dinâmica entre 2010 e 2013, observou-se progressão da eficiência no ensino, oscilação na assistência e estagnação na pesquisa.

Rita de Cássia Barradas Barata

Editora Científica

  • a
    Ministério da Saúde. Portaria nº 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diario Oficial Uniao. 31 dez 2013; Seção 1:54-6.
  • b
    Ministério da Saúde. Portaria interministerial nº 2.400, de 2 de outubro de 2007. Estabelece os requisitos para certificação de unidades hospitalares como Hospitais de Ensino. Diario Oficial Uniao. 3 out 2007; Seção 1:102-3.
  • c
    Brasil. Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010. Institui o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais – REHUF, dispõe sobre o financiamento compartilhado dos hospitais universitários federais entre as áreas da educação e da saúde e disciplina o regime da pactuação global com esses hospitais. Diario Oficial Uniao. 27 jan 2010; Edição extra; Seção 1:1-2.
  • d
    Brasil. Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011. Autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH; acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 16 dez 2011; Seção 1:2-3.
  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ – Processo 472182/2013-7).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2014
  • Aceito
    30 Abr 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br