Hospitalizações por uso de drogas não se alteram com uma década de Reforma Psiquiátrica

Alexandre Dido Balbinot Rogério Lessa Horta Juvenal Soares Dias da Costa Renata Brasil Araújo Simone Poletto Marina Bressaneli Teixeira Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Investigar se as taxas de internações psiquiátricas por uso de substâncias psicoativas e o tempo médio de hospitalização se modificaram após a primeira década de efetiva implementação da reforma psiquiátrica no Brasil.

MÉTODOS

Este artigo analisa a evolução das hospitalizações devido a transtornos decorrentes do uso de álcool ou outras substâncias no estado de Santa Catarina, de 2000 a 2012. Trata-se de estudo ecológico, de série temporal, com dados de internações obtidas do Serviço de Informática do Sistema Único de Saúde. Foram estimadas taxas de hospitalização por 100 mil habitantes e tempo médio de ocupação dos leitos. Foram estimados coeficientes de variação dessas taxas por Regressão de Poisson.

RESULTADOS

As taxas de internação total e para o sexo masculino não variaram (p = 0,244 e p = 0,056, respectivamente). Houve incremento de 3,0% para o sexo feminino (p = 0,049). Não se observou variação significativa para tempo de ocupação dos leitos.

CONCLUSÕES

A implantação de serviços desencadeada pela reforma psiquiátrica brasileira não foi acompanhada de redução das taxas de hospitalização ou tempo médio de permanência de quem foi hospitalizado ao longo dessa primeira década de implantação da reforma.

Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Transtornos Mentais; Hospitais Psiquiátricos, utilização; Hospitalização; Tempo de Internação; Estudos de Séries Temporais

INTRODUÇÃO

O atendimento em saúde mental no Brasil sofreu forte mudança em seu paradigma nas últimas décadas, em decorrência da lei da reforma psiquiátrica. Essa lei teve como cerne a busca pela desinstitucionalização dos portadores de sofrimento psíquico, caracterizada, principalmente, pelo que foi denominado de “luta antimanicomial”1515. Kohen D. Psychiatric services for women. Adv Psychiatr Treat. 2001;7: 328-34.. O modelo de outrora, hospitalocêntrico, foi abandonado e o centro da rede de atenção passou ao atendimento por serviços substitutivos, ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)1515. Kohen D. Psychiatric services for women. Adv Psychiatr Treat. 2001;7: 328-34.,aaMinistério da Saúde (BR). Portaria/GM Nº 336 de 19 de fevereiro de 2002. Estabelece CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II. Brasília (DF); 2002. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/Portaria_336.pdf ,bbMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília (DF); 2004. (Série F. Comunicação e educação em saúde)..

Essa mudança se dá a partir da consolidação dos direitos dos sujeitos portadores de sofrimento psíquico, em 2001, por meio da Lei 10.216, sendo grifado que a internação psiquiátrica só é recomendada quando os serviços extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, devendo ser realizada em hospitais gerais44. Candiago RH, Abreu PB. Uso do Datasus para avaliação dos padrões das internações psiquiátricas, Rio Grande do Sul. Rev Saude Publica. 2007;41(5):821-9. DOI:10.1590/S0034-89102007000500017,ccBrasil. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial União. 9 abr. 2001.. Uma das principais características para concretização da mudança no atendimento foi a restrição do aumento de leitos em hospitais psiquiátricos, direcionando-se o investimento público para a implantação de serviços substitutivos nos municípios1010. Gentil V. A ética e os custos sociais da “reforma psiquiátrica”. Rev Dir Sanit. 2004;5(1):55-66.. Isso deveria diminuir a necessidade e concomitantemente o número de internações44. Candiago RH, Abreu PB. Uso do Datasus para avaliação dos padrões das internações psiquiátricas, Rio Grande do Sul. Rev Saude Publica. 2007;41(5):821-9. DOI:10.1590/S0034-89102007000500017. O serviço substitutivo dos CAPS é marcado pelo compromisso ético com o direito a uma vida digna, a despeito da doença mental ou de outras limitações sociais e econômicas. Ainda, articula a rede de atenção psicossocial, que inclui todos os demais serviçosbbMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília (DF); 2004. (Série F. Comunicação e educação em saúde).. As redes de atenção psicossocial podem ter cinco diferentes configurações, de acordo com o porte dos municípios. Uma delas é articulada pelos CAPS-AD (CAPS álcool e outras drogas)aaMinistério da Saúde (BR). Portaria/GM Nº 336 de 19 de fevereiro de 2002. Estabelece CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II. Brasília (DF); 2002. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/Portaria_336.pdf ,bbMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília (DF); 2004. (Série F. Comunicação e educação em saúde)..

Além disso, em 2003, o País adotou a Política Nacional Específica para Álcool e outras Drogas. Essa política, juntamente com a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, de 2004, reforça a diretriz de privilegiar os CAPS, e em especial o CAPS-AD, quando disponível no territórioddMinistério da Saúde (BR), Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST/Aids. A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília (DF); 2004. (Série B. Textos básicos de saúde).. O CAPS-AD deve oferecer atendimento diário aos usuários do serviço, gerenciamento dos casos, com cuidados personalizados, condições para o repouso e desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem, cuidados aos familiares e ações de prevenção ao uso33. Azevedo DM, Miranda FAN. Práticas profissionais e tratamento ofertado nos CAPSad do município de Natal-RN: com a palavra, a família. Esc Anna Nery. 2010;14(1):53-63. DOI:10.1590/S1414-81452010000100009, além de articular a rede com os serviços de atenção básica, ambulatórios e unidades hospitalares especializadas e de referênciaddMinistério da Saúde (BR), Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST/Aids. A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília (DF); 2004. (Série B. Textos básicos de saúde)..

Enquanto isso vem se estruturando, estudos populacionais detectam ampliação do consumo de substâncias psicoativas, com aumento da prevalência de uso na vida entre homens (de 77,0% para 81,7%) e mulheres (de 62,5% para 68,3%) na região Sul do BrasileeCarlini EA, Galduróz JC, Noto AR, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo AS, et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país - 2005. São Paulo (SP): UNIFESP, CEBRID; 2006.. Especificamente para o uso na vida de crack, não havia sido relatada prevalência de uso no levantamento do ano 2000, enquanto que em 2005 a prevalência já chegava a 1,1% da população (de ambos os sexos), sendo 2,2% entre os homenseeCarlini EA, Galduróz JC, Noto AR, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo AS, et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país - 2005. São Paulo (SP): UNIFESP, CEBRID; 2006.. Já entre estudantes do ensino fundamental e médio das redes pública e privada de ensino, no estado de Santa Catarina, o consumo de substâncias psicotrópicas aumentou expressivamente de 2004 (18,4%) a 2010 (35,7%)ffCarlini EA, Noto AR, Sanchez ZM, Carlini CMA, Locatelli DP, Abeid LR, et al. VI Levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio das redes públicas e privadas de ensino nas 27 capitais brasileiras - 2010. São Paulo: CEBRID; Brasília (DF): SENAD; 2010..

Não há evidências, até aqui, de que a implantação do novo modelo consiga, de fato, reduzir a ocupação de leitos hospitalares. A hospitalização parece seguir sendo utilizada como uma das principais ferramentas para a promoção de abstinência em períodos iniciais de tratamento. As internações são contabilizadas pelo Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do Sistema Único de Saúde (SUS), via solicitações de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), e disponibilizada pelo Serviço de Informática do Sistema Único de Saúde, o Datasus44. Candiago RH, Abreu PB. Uso do Datasus para avaliação dos padrões das internações psiquiátricas, Rio Grande do Sul. Rev Saude Publica. 2007;41(5):821-9. DOI:10.1590/S0034-89102007000500017.

Este estudo investigou se as taxas de internações psiquiátricas por uso de substâncias psicoativas e o tempo médio de hospitalização se modificaram após a primeira década de efetiva implementação da reforma psiquiátrica no Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, utilizando-se série histórica constituída por dados secundários disponibilizados pelo Datasus. Os dados foram coletados diretamente do sistema durante o decorrer do mês de novembro de 2013. Como estratégia de coleta, foram acessados os dados de informações de saúde (Tabnet), na sessão “epidemiológicas e morbidade”, na opção “morbidade hospitalar do SUS”, segundo local de residência (Santa Catarina).

Os dados foram filtrados utilizando-se a lista de morbidades da CID-10ggOrganização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde: décima revisão (CID-10). São Paulo (SP): EDUSP/ Centro Colaborador da OMS para Classificação de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde; 1993., selecionando-se apenas os diagnósticos entre F10 (Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool) e F19 (Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de outras substâncias psicoativas).

Foram englobados no estudo os sujeitos com idade igual ou superior a 15 anos. Foram excluídos os dados referentes a pessoas com idades inferiores a 15 anos e aqueles caracterizados pelo Datasus como “idade ignorada”.

Foram construídas duas variáveis dependentes:

  • hospitalizações por diagnósticos de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas (CID10: F10 - F19);

  • tempo médio de hospitalização por diagnósticos de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas.

Os dados populacionais, necessários para cálculo das taxas de internações, também estavam disponíveis no site do Datasus, segundo o sexo. As taxas foram calculadas pela seguinte equação: taxa de internação = (total de internações por grupo de causas por sexo no ano) / (total da população por sexo no ano) x 100 mil habitantes.

Os dados do Datasus foram exportados para planilhas eletrônicas e analisados no programa Stata 11.1.

As especificidades de gênero para a ocupação de leitos em hospitais e busca de serviços de saúde justificaram a estratificação segundo a variável sexo do paciente nesta análise1818. Oliveira EXG, Travassos C, Carvalho MS. Acesso à internação hospitalar nos municípios brasileiros em 2000: territórios do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2004;20 Supl 2:S298-309. DOI:10.1590/S0102-311X2004000800023. Os coeficientes segundo o sexo de quem foi hospitalizado foram analisados por regressão de Poisson, com variância robusta e respectivos intervalos de confiança de 95%, e teste estatístico de Wald. Para avaliar a adequação do modelo analisado foi utilizado o teste de χ22. Amaral MA. Atenção à saúde mental na rede básica: estudo sobre a eficácia do modelo assistencial. Rev Saude Publica. 1997;31(3):288-95. DOI:10.1590/S0034-89101997000300010, Goodness-of-fit, determinando como ajustamento adequado por valor de p > 0,0511. Afifi AA, Kotlerman JB, Ettner SL, Cowan M. Methods for improving regression analysis for skewed continuous or counted responses. Annu Rev Public Health. 2007;28:95-111. DOI:10.1146/annurev.pubhealth.28.082206.094100. O coeficiente da regressão de Poisson mostrou a variação das taxas de internações e dos tempos médios de hospitalização, segundo o sexo, ao longo do período.

Por se tratar de dados secundários disponibilizados pelo Serviço de informática do SUS sem a identificação dos sujeitos que deram origem a esses dados, e sendo essas informações de domínio público e disponível a toda população, o presente estudo não necessitou de avaliação por comitê de ética em pesquisa.

RESULTADOS

Foram analisadas 76.696 hospitalizações registradas no estado de Santa Catarina, sendo 68.647 de pessoas do sexo masculino. Foi observada média de 132,64 (DP = 11,96) hospitalizações por 100 mil habitantes ao ano, sendo a taxa mínima de 116,19 por 100 mil habitantes, ocorrida em 2009, e a máxima de 154,67 por 100 mil habitantes, em 2003. Para o sexo feminino, a média de hospitalizações foi de 27,12 por 100 mil habitantes (DP = 5,29) por ano e, para o sexo masculino, a média foi de 241,16 por 100 mil habitantes (DP = 22,45) por ano. A evolução das taxas de internações é apresentada na Figura 1.

Figura 1
Taxas de hospitalização psiquiátrica em decorrência do uso de álcool e outras drogas por 100 mil habitantes, segundo sexo. Santa Catarina, Brasil, 2000-2012.

O tempo médio de ocupação dos leitos hospitalares para a população total foi de 22,55 dias (DP = 1,04), sendo no mínimo 21,1 dias no ano de 2004 e no máximo 24,9 dias em 2000. Estratificando esta análise para os sexos, observou-se diferença significativa entre as médias, com 20,21 dias (DP = 2,27) para as mulheres e 22,87 dias (DP = 0,95) para os homens (p < 0,001). A evolução dos tempos de ocupação dos leitos hospitalares durante as internações é apresentada na Figura 2.

Figura 2
Tempo médio de ocupação dos leitos hospitalares, em número de dias, em decorrência do uso de álcool e outras drogas, segundo sexo. Santa Catarina, Brasil, 2000-2012.

Ao longo do período estudado, não foi observada variação significativa nas taxas de internações para ambos os sexos (p = 0,244) ou para pacientes do sexo masculino (p = 0,056). Todavia, para pacientes do sexo feminino foi estimado incremento discreto, de 3,0%, nas taxas de hospitalização por 100 mil habitantes/ano no período (p = 0,049) (Tabela).

Tabela
Coeficientes de regressão de Poisson para taxas de internação e tempo médio de ocupação dos leitos. Santa Catarina, Brasil, 2000-2012.

Em relação ao tempo de ocupação dos leitos hospitalares, não se observou variação significativa para nenhuma das categorias analisadas no presente estudo: sexo masculino (p = 0,450), sexo feminino (p = 0,520), e total (p = 0,411) (Tabela).

DISCUSSÃO

Os indicadores examinados mostram que o estado de Santa Catarina vem acompanhando a tradição de maior ocupação por homens que por mulheres de leitos psiquiátricos para tratamento dos transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Os primeiros estudos que se debruçaram sobre esse fenômeno sugeriam que, entre homens, esses eram comportamentos de domínio público e, para as mulheres, de domínio privado1515. Kohen D. Psychiatric services for women. Adv Psychiatr Treat. 2001;7: 328-34.. A menor visibilidade pública dos comportamentos pode ter contribuído para a reduzida oferta de leitos e vagas para o enfrentamento dos problemas decorrentes do consumo de álcool e outras drogas entre as mulheres, ao longo do tempo. A reduzida oferta de atenção nos serviços de saúde reforça, por sua vez, a invisibilidade desses comportamentos, exceto quando acompanhado de desdobramentos expressivos, como sintomas psicóticos. Essas condições parecem, ainda, interligadas.

Estudos de prevalência do consumo de drogas vêm apontando crescimento do consumo de álcool e outras drogas entre as mulheres1111. Goodwin RD, Pagura J, Spiwak R, Lemeshow AR, Sareen J. Predictors of persistent nicotine dependence among adults in the United States. Drug Alcohol Depend. 2011;118(2-3): 127-33. DOI:10.1016/j.drugalcdep.2011.03.010,1616. Kolling NM, Petry M, Melo WV. Outras abordagens no tratamento da dependência do crack. Rev Bras Ter Cogn. 2011;7(1):7-14. DOI:10.5935/1808-5687.20110003, com registros de maior prevalência de consumo ou risco mais elevado de desenvolvimento de dependência de nicotina entre mulheres que entre homens1414. Kilsztajn S, Lopes ES, Lima LZ, Rocha PAF, Carmo MSN. Leitos hospitalares e reforma psiquiátrica no Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(10):2354-62. DOI:10.1590/S0102-311X2008001000016, ao menos nos grupos populacionais mais jovens. Os mercados de bebidas alcoólicas e de outras drogas foram também espaços conquistados pelas mulheres. Os dados mais recentes, sugestivos de uma mudança de perfil epidemiológico, contrariam a crença de que mulheres estariam mais protegidas dos apelos desses mercados e dos riscos acarretados pelo consumo de substâncias psicoativas por condições biológicas ou ligadas ao sexo. Trata-se de um grupo de consumidoras com acesso historicamente reprimido a esses mercados e a seus produtos, agora em outra condiçãohhMurthy P. Women and drug use in India: substance, women, and high-risk assessment study. New Delhi: United Nations Office on Drugs and Crime, Regional Office for South Asia; 2008. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/southasia/reports/UNODC_Book_Women_and_Drug_Use_in_India_2008.pdf .

Não se pode checar, nesta análise, se as diferenças verificadas entre taxas de hospitalização segundo o sexo correspondem às estimativas de prevalências dos comportamentos de consumo também segundo o sexo, uma vez que não se tem taxas de hospitalização por tipo de substância. Além disso, modificação nesse indicador dependeria também de modificação no perfil da oferta de leitos pela rede pública e não se tem informação de mudanças desse tipo no período, ainda que possam ter ocorrido.

O perfil de oferta é um forte limitador do comportamento das taxas aqui examinadas, mas foi exatamente entre as mulheres que ocorreu expansão das taxas de hospitalização no período, ainda que discreta. A variação foi de apenas 3,0%, mas detectável. Este achado corrobora o que afirmam os autores revisados, sugerindo flutuação das taxas entre as mulheres na direção do que ocorre entre os homens1111. Goodwin RD, Pagura J, Spiwak R, Lemeshow AR, Sareen J. Predictors of persistent nicotine dependence among adults in the United States. Drug Alcohol Depend. 2011;118(2-3): 127-33. DOI:10.1016/j.drugalcdep.2011.03.010,1616. Kolling NM, Petry M, Melo WV. Outras abordagens no tratamento da dependência do crack. Rev Bras Ter Cogn. 2011;7(1):7-14. DOI:10.5935/1808-5687.20110003. Este artigo também não analisa demanda reprimida por hospitalizações, o que impossibilita afirmar que o crescimento da demanda por esse tipo de cuidado (pessoas necessitando desse atendimento) tenha sido, no período estudado, o mesmo que se observa para as taxas de hospitalização. A busca por atendimento pode ter crescido proporcionalmente bem mais que a ocupação dos leitos disponíveis. A mudança detectável no perfil da ocupação pode refletir, portanto, qualificação das redes de saúde com aprimoramento da porta de entrada e redistribuição dos leitos disponíveis entre as pessoas que deles necessitam88. DeBeck K, Wood E, Montaner J, Kerr T. Canada’s new federal ‘National Anti-Drug Strategy’: an informal audit of reported funding allocation. Int J Drug Policy. 2009;20(2):188-91. DOI:10.1016/jdrugpo.2008.04.004.

As taxas de internações hospitalares por transtornos pelo uso de substâncias psicoativas não apresentaram variação estatisticamente significativa entre os homens e nem para o conjunto de pessoas hospitalizadas. O dado indica estagnação – nem diminuição, como esperado, nem expansão – das internações psiquiátricas por esses diagnósticos. A manutenção das taxas de internações pode estar relacionada ao aumento das prevalências de consumo de substâncias psicoativas pela população entre as diferentes categorias etárias e pelo advento da propagação do consumo de crack que até outrora não chegava a aparecer em pesquisas, mas começa a ser observado. O crack acarreta sérios danos à saúde e ao meio social em que o sujeito se encontra, além de induzir altos níveis de craving entre os usuários nos primeiros dias de abstinência77. Chaves TV, Sanchez ZM, Ribeiro LA, Nappo SA. Fissura por crack: comportamentos e estratégias de controle de usuários e ex-usuários. Rev Saude Publica. 2011;45(6):1168-75. DOI:10.1590/S0034-89102011005000066,1010. Gentil V. A ética e os custos sociais da “reforma psiquiátrica”. Rev Dir Sanit. 2004;5(1):55-66.. Isso pode estar fomentando a indicação de tratamento hospitalar para quem faz uso desta substância. A estagnação pode estar refletindo, portanto, um equilíbrio entre a pressão por aumento de demanda e a ampliação da capacidade de atendimento pela implantação dos CAPS e das redes locais de saúde.

O modelo de atendimento substitutivo promovido no País e que privilegia serviços extra-hospitalares se propõe a reduzir a importância do hospital no sistema como um todo. Na prática, seria esperada redução das taxas de hospitalização por 100 mil habitantes/ano ou dos tempos médios de permanência em leito hospitalar, ou ambas. Assim, um crescimento pequeno, apenas entre as mulheres, estaria apontando boa capacidade da rede pública de serviços que se organiza no estado de Santa Catarina para absorver o impacto da expansão do mercado de crack e das demais substâncias no País e no estado. Não foram consideradas na análise, porém, os níveis de ocupação dos leitos oferecidos no sistema público, não sendo possível analisar se a limitação da flutuação das taxas de hospitalização não decorre do esgotamento da oferta de leitos. Se a ocupação de leitos for plena, os efeitos da reorganização da rede assistencial só serão percebidos quando forem muito intensos.

A estagnação aqui encontrada se aproxima dos resultados do estudo de Candiago e Abreu44. Candiago RH, Abreu PB. Uso do Datasus para avaliação dos padrões das internações psiquiátricas, Rio Grande do Sul. Rev Saude Publica. 2007;41(5):821-9. DOI:10.1590/S0034-89102007000500017 (2007), também no Sul do Brasil (porém com dados do Rio Grande do Sul) e com abordagem semelhante. Em ambos, não foi observada alteração significativa nas taxas de internações totais ao longo da série temporal estudada, de 2000 a 2004. A implantação de serviços de base comunitária em outros países não tem determinado a extinção da necessidade de serviços de base hospitalar1515. Kohen D. Psychiatric services for women. Adv Psychiatr Treat. 2001;7: 328-34.

16. Kolling NM, Petry M, Melo WV. Outras abordagens no tratamento da dependência do crack. Rev Bras Ter Cogn. 2011;7(1):7-14. DOI:10.5935/1808-5687.20110003

17. Lucchesi M, Malik AM. Viabilidade de unidades psiquiátricas em hospitais gerais no Brasil. Rev Saude Publica. 2009;43(1):161-8. DOI:10.1590/S0034-89102009000100021

18. Oliveira EXG, Travassos C, Carvalho MS. Acesso à internação hospitalar nos municípios brasileiros em 2000: territórios do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica. 2004;20 Supl 2:S298-309. DOI:10.1590/S0102-311X2004000800023
-1919. Ribeiro SL. A criação do Centro de Atenção Psicossocial Espaço Vivo. Psicol Cienc Prof. 2004;24(3): 92-9. DOI:10.1590/S1414-98932004000300012. No Reino Unido e em vários outros países, mesmo com políticas públicas baseadas em evidências, persistem crenças relativas a álcool e outras drogas que retardam ou limitam transformações nas políticas públicas1111. Goodwin RD, Pagura J, Spiwak R, Lemeshow AR, Sareen J. Predictors of persistent nicotine dependence among adults in the United States. Drug Alcohol Depend. 2011;118(2-3): 127-33. DOI:10.1016/j.drugalcdep.2011.03.010,1616. Kolling NM, Petry M, Melo WV. Outras abordagens no tratamento da dependência do crack. Rev Bras Ter Cogn. 2011;7(1):7-14. DOI:10.5935/1808-5687.20110003.

O plano de análise aqui desenvolvido também não contempla a possibilidade de ocorrência de longas permanências mascaradas, como o descrito no fenômeno das portas giratórias66. Castro SA, Furegato ARF, Santos JLF. Características sociodemográficas e clínicas em reinternações psiquiátricas. Rev Latino-Am Enfermagem. 2010;18(4):800-8. DOI:10.1590/S0104-11692010000400020, nas quais o reingresso do mesmo indivíduo após curtos períodos de permanência fora do hospital eleva as taxas de hospitalização, mas sustenta indicadores de redução do tempo médio de hospitalizações. Isso pouco se diferencia das longas permanências formais, a não ser pela sua apresentação em termos estatísticos55. Cardoso L, Galera SAF. Internação psiquiátrica e a manutenção do tratamento extra-hospitalar. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):87-94. DOI:10.1590/S0080-62342011000100012,99. Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R. Tratamentos farmacológicos para dependência química: da evidência científica à prática clínica. São Paulo: Artmed; 2010.. Se isso ocorre, a redução do tempo médio de hospitalizações seria acompanhada de aumento das taxas de hospitalizações estimadas. Este não é o caso dos achados aqui examinados, mas não se pode descartar que tais reingressos ocorram. Além disso, é uma limitação neste estudo a análise de regressão de Poisson não corrigir a autocorrelação serial que afeta as séries temporais de medidas populacionais, como as taxas de internação.

O interesse por estes dados se deve à diretriz política de que os recursos aplicados em hospitalizações sejam revertidos para a manutenção e ampliação do atendimento em serviços substitutivos na reforma psiquiátrica1313. Hughes CE. Capitalising upon political opportunities to reform drug policy: a case study into the development of the Australian “Tough on Drugs-Illicit Drug Diversion Initiative”. Int J Drug Policy. 2009;20(5): 431-7. DOI:10.1016/j.drugpo.2008.12.003. É preciso atentar ao fato de que a ampliação do acesso da população a serviços de saúde mental pode levar à expansão de demanda em todos os níveis de cuidado1717. Lucchesi M, Malik AM. Viabilidade de unidades psiquiátricas em hospitais gerais no Brasil. Rev Saude Publica. 2009;43(1):161-8. DOI:10.1590/S0034-89102009000100021,2222. Vinha IR. Cenário da assistência em saúde mental/ uso de substâncias psicoativas na região de saúde de Piracicaba, São Paulo, Brasil. SMAD Rev Eletron Saude Mental Álcool Drog. 2011;7(1):25-31. DOI:10.11606/issn.1806-6976.v7i1p25-31. Com isso, pode ser necessária a ampliação da estrutura e de sua capacidade técnica, também em nível hospitalar. A reforma brasileira prevê o suporte de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, mas o financiamento da ampliação da rede de serviços substitutivos precisa ser suportado por orçamento que não dependa da substituição dos serviços hospitalares.

A articulação das redes locais no estado de Santa Catarina pode ter contribuído, no período estudado, para que as taxas de hospitalizações não tenham crescido. Restam desafios como arranjos para um seguimento pós-hospitalar que, de fato, evitem o reingresso de pessoas no cuidado hospitalar, além da efetiva integração entre os diferentes níveis de atenção para prevenir níveis de gravidade que exigem este tipo de cuidado22. Amaral MA. Atenção à saúde mental na rede básica: estudo sobre a eficácia do modelo assistencial. Rev Saude Publica. 1997;31(3):288-95. DOI:10.1590/S0034-89101997000300010,2020. Room R. Gender roles and interactions in drinking and drug use. J Subst Abuse. 1996;8(2):227-39.. Entretanto, as estimativas indicam que a gestão de serviços na área não deve contar, exclusivamente, com o deslocamento dos recursos de nível hospitalar para a implantação dos serviços substitutivos. A expansão das redes locais de saúde, até aqui, não parece levar os leitos hospitalares a se tornarem obsoletos em um futuro próximo.

A fonte de dados deste estudo foi o Datasus, sistema público de informações sobre o sistema público de saúde. Portanto, é uma limitação deste estudo não considerar informações sobre os serviços da rede suplementar, oferecidos por instituições privadas não conveniadas ao SUS. Na eventualidade de uma saturação dos leitos ofertados na rede pública ou por expansão concorrente do número de pessoas cobertas por planos de saúde, ou ainda, por aumento da capacidade de custeio direto na contratação de serviços privados, a população pode ter buscado atendimento fora da rede pública de saúde2121. Saraceno B, Ommeren M, Batniji R, Cohen A, Gureje O, Mahoney J et al. Barriers to improvement of mental health services in low-income and middle-income countries. Lancet. 2007;370(9593):1164-74. DOI:10.16/S0140-6736(07)61263-X.

No que se refere ao tempo de ocupação dos leitos hospitalares, não houve diferença estatisticamente significativa ao longo do período, fato relevante tendo-se em vista que seria esperada alguma diminuição do tempo médio de internação, pois ao longo desta série temporal, houve ampliação do repertório farmacológico e de terapias não farmacológicas disponíveis e empregadas pelos profissionais da área1212. Hirdes A. A reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re) visão. Cienc Saude Coletiva. 2009;14(1):297-305. DOI:10.1590/S1413-81232009000100036,1919. Ribeiro SL. A criação do Centro de Atenção Psicossocial Espaço Vivo. Psicol Cienc Prof. 2004;24(3): 92-9. DOI:10.1590/S1414-98932004000300012. Com a ampliação e qualificação das redes locais de serviços, também se cria a expectativa de seguimento imediato e efetivo, com menor pressão no sentido da permanência da pessoa sob cuidados no ambiente hospitalar2121. Saraceno B, Ommeren M, Batniji R, Cohen A, Gureje O, Mahoney J et al. Barriers to improvement of mental health services in low-income and middle-income countries. Lancet. 2007;370(9593):1164-74. DOI:10.16/S0140-6736(07)61263-X.

Parece oportuna a reavaliação dos processos políticos e arranjos organizacionais ocorridos até o presente momento, vislumbrando a consolidação de políticas públicas que garantam estruturas de prevenção e tratamento de transtornos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas em equipamentos não hospitalares. Do contrário, poderá nunca haver redução desses indicadores. Cabe frisar que os dados aqui descritos não avaliam a qualidade e a expansão da rede de cuidado substitutivo à internação55. Cardoso L, Galera SAF. Internação psiquiátrica e a manutenção do tratamento extra-hospitalar. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(1):87-94. DOI:10.1590/S0080-62342011000100012,99. Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R. Tratamentos farmacológicos para dependência química: da evidência científica à prática clínica. São Paulo: Artmed; 2010.,1717. Lucchesi M, Malik AM. Viabilidade de unidades psiquiátricas em hospitais gerais no Brasil. Rev Saude Publica. 2009;43(1):161-8. DOI:10.1590/S0034-89102009000100021. Não estão sendo consideradas variáveis relacionadas aos serviços ou reflexões sobre qualidade. A fonte de dados deste estudo também não permite a distinção, nem a inclusão no modelo de análise, de qualquer outra variável relacionada a características dos indivíduos que são hospitalizados, nem mesmo a identificação de reingressos. Isso deve ser considerado como limitação, típica dos estudos ecológicos.

Estudos com abordagem semelhante, envolvendo o atendimento hospitalar pelos demais transtornos mentais em Santa Catarina, além do monitoramento de todos esses dados em outros estados e no País, precisam ser desenvolvidos, para que uma fotografia ampla desse cenário seja traçada.

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DESTAQUES

Uma ampla transformação do modelo assistencial em saúde mental está em curso há pouco mais de uma década no Brasil. Ao mesmo tempo, o País vem lidando com a expansão do mercado de drogas como o crack e com uma tendência de modificação das diferenças de gênero tradicionalmente vistas em relação aos hábitos de uso de álcool e outras drogas. Esses comportamentos levam, eventualmente, à demanda por hospitalizações, e o modelo instituído no País se propõe a modificar a centralidade dos hospitais na rede de serviços. Verificar se houve alteração nas taxas de hospitalizações psiquiátricas por problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas, bem como o tempo de permanência das pessoas nos leitos hospitalares na rede pública, pode contribuir nas tarefas de avaliação das reformas em curso.

O modelo de atendimento substitutivo promovido no País privilegia serviços extra-hospitalares e se propõe a reduzir a importância do leito hospitalar no sistema como um todo, mas a ocupação efetiva dos leitos hospitalares pode não depender exclusivamente da implantação da rede de serviços substitutivos.

As taxas de hospitalização por transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas não apresentaram variação significativa. Entre as mulheres, verificou-se expansão das taxas de hospitalização no período, ainda que discreta. O dado global indicou estagnação, o que pode refletir ou um equilíbrio entre a pressão por aumento de demanda e a ampliação da capacidade de atendimento pela implantação dos Centros de Atenção Psicossocial e das redes locais de saúde ou que esse modelo substitutivo ainda não gerou redução das taxas de hospitalização nem redução dos tempos médios de permanência em leito hospitalar no estado avaliado.

É preciso avaliar se os leitos disponíveis estão se transferindo para hospitais gerais e, também, se há demanda reprimida, o que impediria a modificação das taxas a partir da oferta ampliada de atenção em serviços substitutivos. Se a tendência verificada aqui se mantiver, será preciso investigar sua determinação ou reavaliar o propósito de tornar a rede de serviços menos centrada na hospitalização, sem negligenciar o avanço que representa para a população dispor de rede diversificada de serviços, não apenas leitos hospitalares.

Rita de Cássia Barradas Barata

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2014
  • Aceito
    15 Jul 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br