Fatores associados à implantação de programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas

Ana Paula Dias Pereira Ângela Tavares Paes Zila M Sanchez Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar se características dos dirigentes, das escolas e do currículo escolar estão associadas à implantação de programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas do ciclo fundamental II e médio.

MÉTODOS

Estudo transversal, com amostra aleatória sistemática de 263 dirigentes escolares. Os dados foram coletados nos anos de 2012 e 2013 por meio de um programa de envio de formulários pela internet. Aplicou-se questionário fechado, de autopreenchimento on-line. A análise estatística incluiu testes Qui-quadrado e modelos de regressão logística. A variável desfecho foi a presença de programa de prevenção ao uso de drogas inserido no cotidiano e no programa pedagógico da escola. As variáveis explicativas foram divididas em: dados demográficos do dirigente; características da escola e do currículo; educação em saúde; e consumo de drogas na escola.

RESULTADOS

Constatou-se que 42,5% (IC95% 36,1–49,1) das escolas avaliadas possuíam programa de prevenção ao uso de drogas. Com o modelo de regressão logística múltipla, observou-se que, a cada ano de atuação do dirigente na educação, a chance de a escola ter um programa aumentava em aproximadamente 4,0%. O fato de experimentar técnicas de ensino inovadoras também aumentou em cerca de seis vezes a chance de a escola desenvolver um programa de prevenção ao uso de drogas. As dificuldades na implantação dos programas foram mais presentes nas redes estadual e municipal, quando comparadas à rede privada, destacando-se: a falta de material didático, a falta de dinheiro e as demandas concorrentes para ensino de outras disciplinas.

CONCLUSÕES

A implantação de programas de prevenção ao uso de drogas no município de São Paulo está associada à experiência do dirigente escolar na educação e nas estratégias de ensino da escola.

Saúde Escolar; Comportamento do Adolescente; Drogas Ilícitas; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, prevenção & controle; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde; Promoção da Saúde

INTRODUÇÃO

O consumo abusivo de álcool e de outras drogas é um problema entre os adolescentes em diversas partes do mundo11. Bekkering GE, Aertgeerts B, Asueta-Lorente JF, Autrique M, Goossens M, Smets K et al. Practitioner review: evidence-based practice guidelines on alcohol and drug misuse among adolescents: a systematic review. J Child Psychol Psychiatry. 2014;55(1):3-21. DOI:10.1111/jcpp.12145
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. No Brasil, estudos epidemiológicos de base populacional realizados nos últimos anos indicam que o início do consumo de álcool, de tabaco e de outras drogas ocorre predominantemente durante a adolescência1212. Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil: a national survey. Addict Behav. 2012;37(10):1171-5. DOI:10.1016/j.addbeh.2012.05.008
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,1313. Malta DC, Mascarenhas MD, Porto DL, Barreto SM, Morais Neto OL. Exposição ao álcool entre escolares e fatores associados. Rev Saude Publica. 2014;48(1):52-62. DOI:10.1590/S0034-8910.2014048004563
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,2121. Sanchez ZM, Santos MG, Pereira AP, Nappo SA, Carlini EA, Carlini CM et al. Childhood alcohol use may predict adolescent binge drinking: a multivariate analysis among adolescents in Brazil. J Pediatr. 2013;163(2):363-8. DOI:10.1016/j.jpeds.2013.01.029
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, o que o torna um grave problema social e de saúde pública. No entanto, além de ações de prevenção ao uso de drogas serem necessárias durante a adolescência, devem acontecer, preferencialmente, antes dessa fase88. Hopfer S, Hecht ML, Lanza ST, Tan X, Xu S. Preadolescent drug use resistance skill profiles, substance use, and substance use prevention. J Prim Prev. 2013;34(6):395-404. DOI:10.1007/s10935-013-0325-0
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,1414. Nation M, Crusto C, Wandersman A, Kumpfer KL, Seybolt D, Morrissey-Kane E et al. What works in prevention: Principles of effective prevention programs. Am Psychol. 2003;58(6-7):449-56. DOI:10.1037/0003-066X.58.6-7.449
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.

Os estudos que avaliaram os resultados dos diferentes programas de prevenção ao uso de drogas em estudantes mostram que alguns programas colaboram para a redução significativa do consumo de drogas por aumentar as atitudes negativas diante desse uso e melhorar as habilidades de resistência dos estudantes55. Faggiano F, Vigna-Taglianti FD, Versino E, Zambon A, Borraccino A, Lemma P. School-based prevention for illicit drugs’ use. Cochrane Database Syst Rev. 2005;18(2):CD003020.. No entanto, nem todos os programas de prevenção aplicados em escolas são eficazes55. Faggiano F, Vigna-Taglianti FD, Versino E, Zambon A, Borraccino A, Lemma P. School-based prevention for illicit drugs’ use. Cochrane Database Syst Rev. 2005;18(2):CD003020..

Embora diversos estudos internacionais apresentem a avaliação dos resultados de programas escolares de prevenção, estudos sobre fatores associados à decisão sobre a implantação de programas são menos frequentes1111. Little MA, Sussman S, Sun P, Rohrbach LA. The effects of implementation fidelity in the towards no drug abuse dissemination trial. Health Educ (Lond). 2013;113(4):281-296. DOI:10.1108/09654281311329231
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. No Brasil, País com pouca tradição no desenvolvimento desse tipo de programa escolar, a prevalência de programas de prevenção ao uso de drogas é desconhecida. Além disso, pouco se sabe sobre os fatores que influenciam a adoção de programas de prevenção ao uso de drogas nesses estabelecimentos e menos ainda sobre a sua efetividade.

Nos Estados Unidos, a prevalência de programas de prevenção ao uso de drogas em escolas é de 72,0%, dos quais apenas 35,0% utilizam programas com evidências científicas77. Hanley SM, Ringwalt C, Ennett ST, Vincus AA, Bowling JM, Haws SW et al. The prevalence of evidence-based substance use prevention curricula in the nation’s elementary schools. J Drug Educ. 2010;40(1):51-60. DOI:10.2190/DE.40.1.d
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. Nesse país, os fatores associados à adoção de um programa curricular com evidência científica de eficácia ou efetividade constataram que os dirigentes escolares são os principais responsáveis pelas decisões sobre a adoção de um programa de prevenção ao uso de drogas1717. Ringwalt C, Ennett ST, Vincus AA, Rohrbach LA, Simons-Rudolph A. Who’s calling the shots? Decision-makers and the adoption of effective school-based substance use prevention curricula. J Drug Educ. 2004;34(1):19-31. DOI:10.2190/D2DF-KYDP-P49A-ELC0
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. Os coordenadores de prevenção das secretarias de ensino são influentes na seleção dos currículos com evidências científicas comprovadas, desempenhando importante papel de apoio aos dirigentes escolares e facilitando a tomada de decisão na adoção de um programa1717. Ringwalt C, Ennett ST, Vincus AA, Rohrbach LA, Simons-Rudolph A. Who’s calling the shots? Decision-makers and the adoption of effective school-based substance use prevention curricula. J Drug Educ. 2004;34(1):19-31. DOI:10.2190/D2DF-KYDP-P49A-ELC0
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. Algumas características do contexto organizacional parecem estar associadas à decisão pela implantação de programas baseados em evidências nas escolas, como o maior tempo dedicado pelos dirigentes nas atividades de prevenção ao uso de drogas nas escolas1515. Rohrbach LA, Grana R, Sussman S, Valente TW. TYPE II translation transporting prevention interventions from research to real-world settings. Eval Health Prof. 2006;29(3):302-33. DOI:10.1177/0163278706290408
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e a disponibilidade de recursos financeiros, devido aos altos custos com o treinamento de professores e com a compra de materiais para desenvolver o programa1010. Little MA, Pokhrel P, Sussman S, Rohrbach LA. The process of adoption of evidence-based tobacco use prevention programs in California schools. Prev Sci. 2015;16(1):80-9. DOI:10.1007/s11121-013-0457-8
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. Além disso, a interface entre a escola e os órgãos governamentais de fomento à pesquisa parece favorecer a implantação de programas nas escolas. Nesse sentido, instituições de ensino que receberam do National Institute on Drug Abuse (Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas) materiais informativos e resultados de pesquisas sobre prevenção foram mais propensas a aplicar programas de prevenção eficazes para seus alunos1616. Rohrbach LA, Ringwalt CL, Ennett ST, Vincus AA. Factors associated with adoption of evidence-based substance use prevention curricula in US school districts. Health Educ Res. 2005;20(5):514-26. DOI:10.1093/her/cyh008
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Em geral, estudos que avaliam possíveis facilitadores da implantação dos programas e potenciais entraves permitem uma tomada de decisão político-pedagógica que foque na introdução futura de programas de prevenção no currículo escolar, em uma parceria entre a escola e os setores governamentais envolvidos na gestão ou na supervisão desses estabelecimentos1818. Ringwalt C, Vincus AA, Hanley S, Ennett ST, Bowling JM, Haws S. The prevalence of evidence-based drug use prevention curricula in U.S. middle schools in 2008. Prev Sci. 2011;12(1):63-9. DOI:10.1007/s11121-010-0184-3
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.

No cenário internacional, a discussão atual enfoca o nível de evidência científica dos programas implantados nas escolas. No Brasil, a discussão ainda é muito anterior e a definição, por parte das escolas, de programas de prevenção e a distribuição destes nas escolas das redes pública e privada permanecem desconhecidas.

Diante disso, o presente estudo teve como objetivo analisar se características dos dirigentes, das escolas e do currículo escolar estão associadas à implantação de programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas do ciclo fundamental II e médio.

MÉTODOS

Neste estudo transversal de base populacional, foi avaliada uma amostra probabilística de dirigentes das escolas públicas e particulares da cidade de São Paulo, baseando-se em questionário on-line de autopreenchimento, sobre a implantação de programas de prevenção em suas escolas. Aqui, considerou-se dirigente da escola o diretor, o coordenador pedagógico ou o coordenador do programa de prevenção (nos casos em que esse cargo existia).

A população-alvo foi constituída por dirigentes de escolas públicas e particulares, compostas por turmas de ensino fundamental II (a partir do sexto ano) e ensino médio da cidade de São Paulo, Brasil. De acordo com o levantamento “Data Escola Brasil” do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o município de São Paulo, em 2011, contava com 2.268 escolas de ensino médio ou fundamental II, sendo 990 escolas privadas, 744 estaduais e 534 municipais.

Para o cálculo da amostra, foram considerados: o universo finito de escolas do município (n = 2.268), um nível de confiança de 95%, erro absoluto de 5,0% e uma proporção esperada de respostas de 50,0%, o que resultou em uma amostra de 329 escolas.

Para a seleção probabilística das escolas, utilizou-se a técnica de sorteio sistemático, ou seja, cada escola teve chance igual de ser escolhida no processo da amostragem. A lista das escolas foi ordenada pelo Código de Endereçamento Postal (CEP) e a cota amostral, determinada pelo cálculo da técnica da amostragem sistemática 2.268 / 329 = 6,89 (k = N/n). A primeira escola foi escolhida aleatoriamente, e as outras, sorteadas com intervalo de sete até chegar ao total de 329 escolas.

Os dados foram coletados de outubro de 2012 a outubro de 2013 por meio da internet. Todos os dirigentes foram convidados por mensagem enviada para os endereços eletrônicos das escolas. Utilizou-se para o envio dos e-mails o programa “SurveyMonkey”, que permitiu encaminhar mensagens para os 329 endereços eletrônicos ao mesmo tempo. Os entrevistados que não responderam à pesquisa após diversas tentativas foram contatados por telefone, tanto para serem convidados oralmente, quanto para esclarecer as possíveis dúvidas.

A ferramenta “SurveyMonkey” é uma plataforma eletrônica que permite o envio de questionários on-line e seu registro em banco de dados, o qual, posteriormente, pode ser convertido em planilha do Excel® (https://pt.surveymonkey.com/).

Os dirigentes, após acessarem o link que estava cadastrado no convite, foram encaminhados a uma tela com o termo de consentimento livre e esclarecido e, após leitura, optaram por clicar em “aceito” ou “não aceito”. Os entrevistados que escolheram a opção “não aceito” foram considerados como recusas e aqueles que aceitaram participar foram direcionados à tela com as perguntas do questionário. O termo de consentimento e os procedimentos éticos da pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (Processo 32.594).

Aplicou-se questionário fechado, autopreenchível e anônimo, via internet. Parte das questões foram extraídas do questionário de Ringwalt et al.1919. Ringwalt CL, Ennett S, Vincus A, Thorne J, Rohrbach LA, Simons-Rudolph A. The prevalence of effective substance use prevention curricula in U.S. middle schools. Prev Sci. 2002;3(4):257-65. DOI:10.1023/A:1020872424136
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(2002) e outras foram criadas para responder à necessidade de compreensão das características dos programas brasileiros e testadas em sua compreensão em estudo-piloto.

A variável desfecho considerada nas análises dos dados de regressão logística foi a presença de programa de prevenção ao uso de drogas inserido no cotidiano e no programa pedagógico da escola. As variáveis explicativas foram divididas em: dados demográficos do dirigente; características da escola e do currículo; e consumo de drogas na escola.

As variáveis demográficas foram: sexo (feminino; masculino), idade (em faixas: até 35 anos; 36-45 anos; 46-55 anos e 56 anos ou mais), tempo que trabalha no cargo atual, na escola e na educação (em anos) e participação em cursos sobre o tema drogas (sim; não).

As características das escolas foram: nível de ensino oferecido (só fundamental I e II; ensino fundamental + ensino médio [escolas que ofereciam ensino fundamental I e II e ensino médio]; e só ensino médio); rede de ensino (estadual, municipal e privada); e porte da escola (definido a partir do total de alunos de todos os níveis). Considerou-se como porte pequeno escolas com até 800 alunos, porte médio, escolas com 801-1.600 alunos e porte grande, escolas com mais de 1.600 alunos.

Quanto ao currículo escolar, avaliou-se se a escola experimentava inovações (“nossa escola muitas vezes experimenta currículos, programas e práticas de ensino inovadores”), analisado em duas categorias (sim; não), a partir do agrupamento das respostas: concordo totalmente e concordo parcialmente (sim) e discordo totalmente, discordo parcialmente e indiferente (não); se a escola desenvolve atividades para trabalhar temas relacionados à sexualidade (sim; não); se a escola desenvolve atividades para trabalhar hábitos alimentares (sim; não).

Avaliou-se a percepção sobre o consumo de drogas nas escolas por meio das variáveis de respostas binárias (sim; não) flagrante de alunos portando ou consumindo: 1) drogas ilícitas, 2) álcool e 3) tabaco.

Na análise descritiva, as variáveis quantitativas foram apresentadas segundo medianas e intervalos interquartis ou frequências absolutas e relativas e respectivos intervalos de 95% confiança. Com o objetivo de identificar fatores associados à implantação de programas de prevenção ao uso de drogas, foram ajustados modelos de regressão logística, considerando como variável dependente (desfecho) ter programa de prevenção. As variáveis independentes (explicativas) analisadas foram as relacionadas ao perfil dos dirigentes, características das escolas, conteúdos trabalhados, atividades desenvolvidas e histórico de flagrantes do uso de drogas. Inicialmente, analisou-se a relação entre cada variável explicativa e a variável dependente por modelos de regressão logística simples (abordagem univariada). As variáveis que apresentaram p ≤ 0,15 foram selecionadas para um modelo multivariado, no qual os efeitos foram analisados simultaneamente. A partir de um modelo inicial com todas as variáveis selecionadas, as variáveis sem significância estatística foram excluídas passo a passo até se chegar a um modelo final, apenas com as variáveis significantes. O nível de significância para os testes de hipótese e para o modelo final foi de 5,0%. Todas as análises foram realizadas com o programa Stata 12.

RESULTADOS

Das 329 escolas selecionadas e contatadas, 279 (84,8%) aceitaram participar do estudo. No entanto, 16 (5,7%) foram excluídas por terem respondido menos de 30,0% do questionário.

As características das escolas e dos respondentes são apresentadas na Tabela 1. Em geral, as escolas que participaram do estudo ofereciam de dois a três níveis de ensino, sendo que a rede municipal oferecia apenas o ensino fundamental. A maior parte das escolas pertencia à rede pública. Dos 263 dirigentes que participaram do estudo, 52,5% eram coordenadores pedagógicos, 44,5% eram diretores e 3,0% eram coordenadores de programa de prevenção ao uso de drogas. Houve predominância de respondentes do sexo feminino (76,4%) e da faixa etária de 36 a 55 anos (73,4%). Com relação à escolaridade, 64,2% haviam concluído algum curso de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado). O tempo de trabalho na escola atual variou entre menos de um ano até 36 anos (mediana cinco anos). Mais da metade dos entrevistados tinha pelo menos 20 anos de atuação na área de educação e mais de quatro anos no cargo atual. A maioria dos dirigentes já havia participado de cursos de formação sobre drogas, a maioria destes com carga horária superior a oito horas.

Tabela 1
Características das escolas e dos respondentes dirigentes. São Paulo, 2013. (N = 263)

A maioria dos participantes (94,8%) considerou que os administradores das escolas estavam abertos a mudanças. Observamos também que 85,4% experimentaram currículo, programas e práticas de ensino que consideravam inovadores. Com relação a atividades desenvolvidas nas escolas, a grande maioria delas, independentemente da rede de ensino, trabalhava conteúdos relacionados à saúde, à sexualidade e a hábitos alimentares.

Quase 80,0% das escolas já haviam flagrado alunos usando ou portando drogas lícitas ou ilícitas em seus estabelecimentos (Tabela 2). O tabaco foi o mais flagrado entre os alunos (69,9%). No entanto, mais da metade das escolas já havia flagrado alunos usando ou portando drogas ilícitas.

Tabela 2
Educação em saúde e drogas no contexto escolar. São Paulo, 2013. (N = 263)

A Tabela 3 apresenta as barreiras que dificultam a implementação dos programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas. Essas eram mais frequentes nas redes estadual e municipal quando comparadas à rede privada, principalmente por falta de investimentos financeiros, destacando-se a falta de material adequado, a falta de dinheiro e as demandas concorrentes para ensino de outras disciplinas.

Tabela 3
Barreiras que dificultam à implantação dos programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas. São Paulo, 2013. (N = 263)

A Tabela 4 apresenta os fatores associados à implantação de programas de prevenção nas escolas. A chance de desenvolvimento de programa de prevenção ao uso de drogas foi maior entre as escolas com dirigentes que trabalhavam há mais tempo na área de educação. Segundo a estimativa pontual do odds ratio, a cada ano de atuação do dirigente na educação, a chance de a escola ter um programa de prevenção aumentava em aproximadamente 4,0%. O fato de experimentar técnicas de ensino inovadoras também aumentava significativamente a chance de a escola desenvolver um programa de prevenção ao uso de drogas inserido no cotidiano e em seu projeto pedagógico. O trabalho com atividades relacionadas ao tema sexualidade apresentou tendência de significância (p = 0,056), sugerindo que as escolas que trabalhavam com sexualidade tendiam a ter mais programas de prevenção do que as que não abordavam esse tema, apesar de a diferença não ter sido estatisticamente significante.

Tabela 4
Fatores associados à implantação de programa de prevenção ao uso de drogas – resultados das análises univariadas e modelo multivariado final. São Paulo, 2013. (N = 263)

DISCUSSÃO

Menos da metade das escolas do ensino fundamental II e do ensino médio possui um programa de prevenção ao uso de droga inserido no currículo. Os fatores associados à implantação de programas na escola foram: tempo de atividade do diretor na educação, declarar que experimenta currículos inovadores e que possui também programas sobre sexualidade.

Embora a escola seja considerada pela sociedade como um ambiente protetor, o presente estudo mostrou um cenário que merece atenção, com alto índice de flagrantes do consumo e porte de drogas dentro das escolas, principalmente na rede pública de ensino. Esses dados corroboram o autorrelato de alunos sobre o consumo, obtido em levantamento epidemiológico no ano de 2010 entre estudantes do município de São Paulo. No levantamento, a prevalência do uso de drogas (exceto álcool e tabaco) foi de 23,3% para uso na vida, 9,6% para uso no ano e 5,2% para uso no mês. A prevalência do consumo de álcool foi mais alta, sendo 60,4%, 42,9% e 20,7% para uso na vida, no ano e no mês, respectivamente33. Carlini ELA, Noto AR, Sanchez ZM, Carlinia CMA, Locatelli DP, Abeid LR et al. VI Levantamento Nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio das redes pública de ensino nas 27 capitais brasileiras: 2010. Brasília (DF): SENAD; 2010..

As escolas cujos dirigentes tinham maior tempo de atuação na área de educação apresentaram maior chance de haver implantado um programa de prevenção ao uso de drogas. Esse resultado pode estar associado à insegurança dos dirigentes que trabalham há menos tempo na educação. De fato, estudo realizado nas escolas do município de São Paulo mostrou que os coordenadores pedagógicos se sentem despreparados para desenvolver um programa de prevenção ao uso de drogas na escola22. Carlini-Cotrim B, Rosemberg F. Drogas: prevenção no cotidiano escolar. Cad Pesq. 2013;(74):40-6.. Além disso, os dirigentes com mais experiência na educação tendem a conhecer mais sobre a realidade social e as necessidades dos alunos que frequentam sua escola1717. Ringwalt C, Ennett ST, Vincus AA, Rohrbach LA, Simons-Rudolph A. Who’s calling the shots? Decision-makers and the adoption of effective school-based substance use prevention curricula. J Drug Educ. 2004;34(1):19-31. DOI:10.2190/D2DF-KYDP-P49A-ELC0
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.

Os dados do presente estudo sugerem que as escolas que testavam práticas de ensino inovadoras desenvolviam novos currículos e mais programas de prevenção ao uso de drogas do que as escolas que não testavam novas práticas. O termo inovação representa mudança de uma prática já existente, sugerindo que as escolas que desenvolviam programas de prevenção ao uso de drogas eram mais abertas às mudanças e às transformações no contexto escolar. Para Ferretti66. Ferretti CJ. A inovação na perspectiva pedagógica. Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. 3a ed. Campinas (SP): Autores Associados. 1995. p.61-90. (1995), inovar o currículo significa propor atividades diversificadas para integrar os diversos aspectos do desenvolvimento do aluno. Este resultado sugere que esses programas estejam oferecendo conteúdo programático alicerçado em demandas das escolas e também dos próprios alunos, tornando o processo de ensino-aprendizagem mais ativo.

Foi observada ainda associação entre a prática de currículo de prevenção e as atividades sobre educação sexual, sugerindo que as escolas que desenvolviam programas de prevenção ao uso de drogas estavam trabalhando simultaneamente com mais de um comportamento de risco e potencialmente integrando a informação sobre abuso de drogas com a informação sobre comportamento sexual. Acertadamente, programas que integram outros comportamentos de risco à temática das drogas costumam mostrar maior eficácia em sua prevenção do que programas que tratam isoladamente da questão das drogas entre estudantes99. Jackson C, Geddes R, Haw S, Frank J. Interventions to prevent substance use and risky sexual behaviour in young people: a systematic review. Addiction. 2012;107(4):733-47. DOI:10.1111/j.1360-0443.2011.03751.x
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,2020. Sanchez ZM, Nappo SA, Cruz JI, Carlini EA, Carlini CM, Martins SS. Sexual behavior among high school students in Brazil: alcohol consumption and legal and illegal drug use associated with unprotected sex. Clinics (Sao Paulo). 2013;68(4):489-94. DOI:10.6061/clinics/2013(04)09
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Os resultados sugerem que os processos do cotidiano escolar, como a falta de tempo para formação dos professores e as demandas concorrentes para outras disciplinas são desafios para a implantação de programas de prevenção ao uso de drogas nas escolas de São Paulo, indicando a necessidade de adequações na estrutura curricular e cotidiana das escolas.

As restrições econômicas surgiram como o maior desafio no processo de implantação, principalmente na rede pública de ensino, na qual foram observadas a falta de dinheiro e a falta de material adequado para o desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas, o que mostra a necessidade de investimentos em prevenção nas escolas de São Paulo. Inúmeros programas de prevenção, com eficácia constatada por meio de ensaios controlados randomizados55. Faggiano F, Vigna-Taglianti FD, Versino E, Zambon A, Borraccino A, Lemma P. School-based prevention for illicit drugs’ use. Cochrane Database Syst Rev. 2005;18(2):CD003020., não exigem grande investimento econômico e são uma opção sobretudo para escolas com entraves econômicos para a implantação de programas. No entanto, o investimento na formação dos dirigentes escolares é fundamental, permitindo acesso a diversos programas, dentre os quais pudessem escolher o que melhor se adaptasse à sua comunidade escolar44. Catalano RF, Fagan AA, Gavin LE, Greenberg MT, Irwin CE Jr, Ross DA et al. Worldwide application of prevention science in adolescent health. Lancet. 2012;379(9826):1653-64. DOI:10.1016/S0140-6736(12)60238-4
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. Esse tipo de medida deveria ser estabelecido a partir de política pública do setor da educação, permitindo a criação de uma cultura preventiva entre diretores e professores das escolas brasileiras, pois dificilmente ações isoladas abarcarão a complexidade do tema e a mudança de rotinas já estabelecidas.

O direcionamento de novas práticas preventivas no contexto escolar só será possível se existirem mais investimentos do setor público e privado. Alianças consistentes entre os setores da saúde e da educação também poderão contribuir, desde que visem à integração e à articulação permanente desses setores para o desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas.

Apesar de ser o primeiro estudo que avaliou a prevalência e as características dos programas em amostra probabilística na cidade de São Paulo, algumas limitações estão presentes. Com o uso isolado da metodologia quantitativa, não foi possível identificar se houve a compreensão exata das perguntas pelos respondentes e se os programas implantados foram fundamentados em evidências de resultados. Quanto às análises, algumas estimativas dos modelos de regressão logística foram imprecisas, o que é evidenciado pela amplitude dos intervalos de confiança para os odds ratio, explicada pela baixa frequência de escolas com respostas negativas para algumas questões. Por fim, não foi avaliada a qualidade dos programas implantados, visto não se tratar de um estudo de avaliação de eficácia. Assim sendo, futuros estudos devem ser planejados para avaliar a eficácia e a efetividade desses programas, contribuindo na decisão pelo programa de melhor custo-efetividade.

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  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Processo 472991/2012-4) e Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES – bolsa de estudo para APDP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2014
  • Aceito
    27 Ago 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br