Versão portuguesa do questionário EUROPEP: contributos para a validação psicométrica

Hugo Roque Ana Veloso Pedro L Ferreira Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar a validade de construto e fiabilidade da versão portuguesa do questionário European Task Force on Patient Evaluation of General Practice Care.

MÉTODOS

Foi aplicada a versão portuguesa do European Task Force on Patient Evaluation of General Practice Care a 392 utentes de 20 Unidades de Saúde Familiar do norte de Portugal. A validade do construto foi avaliada por análise fatorial exploratória, método Factoração de Eixo Principal, por meio da rotação ortogonal (procedimento varimax), pelo critério de normalização de Kaiser (valor próprio ≥ 1). A fatoriabilidade da matriz dos dados foi verificada por meio do Kaiser-Meyer-Olkin e do teste de esfericidade de Bartlett. A fiabilidade foi estimada pelo indicador de consistência interna alfa de Cronbach. Para analisar as correlações entre a satisfação e a lealdade, utilizou-se as correlações de Pearson. O efeito preditor da satisfação na lealdade foi analisado por meio de regressão linear simples.

RESULTADOS

A satisfação apresentou cinco dimensões robustas e bem individualizadas – cuidados médicos, cuidados de enfermagem, serviços de secretariado clínico, acessibilidade e organização dos serviços – com valores de alfa entre 0,86 e 0,97, bons níveis de consistência interna. A lealdade apresentou valor de alfa de 0,72, considerada consistência interna razoável. A satisfação foi preditora da lealdade.

CONCLUSÕES

O questionário European Task Force on Patient Evaluation of General Practice Care português é um instrumento robusto e fiável para medir a satisfação e lealdade dos utentes das Unidades de Saúde Familiar.

Inquéritos e Questionários; Traduções; Psicometria; Autocuidado; Qualidade da Assistência à Saúde; Satisfação do Paciente; Reprodutibilidade dos Testes; Estudos de Validação

INTRODUÇÃO

A qualidade na saúde é hoje uma exigência para todos os envolvidos nos cuidados de saúde. Os indicadores de qualidade foram desenvolvidos no contexto hospitalar e seu uso rapidamente se estendeu aos cuidados de saúde primários. De um primeiro enfoque essencialmente nos aspetos científicos e técnicos, evoluiu para a consideração dos aspetos relacionais e de satisfação dos utentes2020. Mendonça KMPP, Guerra RO. Desenvolvimento e validação de um instrumento de medida da satsifação do paciente com a fisioterapia. Rev Bras Fisioter. 2007;11(5):369-76. DOI:10.1590/S1413-35552007000500007
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. Sua utilidade pode estender-se aos próprios objetivos dos serviços de saúde. De facto, o feedback recebido permite introduzir ações de correção e melhoria visando aumentar os índices de satisfação dos utentes1313. Giraldes MR. Eficiência versus qualidade no Serviço Nacional de Saúde: metodologias de avaliação. Acta Med Port. 2008;21(5):397-410.,2222. Pisco L, Biscaia J. Qualidade de cuidados de saúde primários. Rev Port Saude Publica. 2001;(2):43-51..

A satisfação é uma perceção individual ligada à realização de uma expectativa ou satisfação de uma necessidade, pelo indivíduo ou com intervenção de outros, cuja avaliação se realiza na perspetiva da pessoa. Em relação aos cuidados de saúde primários, a satisfação equivale ao bem-estar do utente, manifesto na sua opinião sobre a qualidade dos serviços obtidos2424. Ribeiro AL. O percurso da construção e a validação de um instrumento para avaliação da satisfação dos utentes em relação aos cuidados de enfermagem. Rev Ordem Enferm. 2005;(16):53-60.. É um processo dinâmico influenciado por fatores individuais, psicológicos e socioculturais, entre outros. Por ser um conceito multidimensional, a satisfação relativa aos cuidados de saúde primários pode caraterizar uma avaliação de vários aspetos, como acessibilidade, relação utente-profissional de saúde, infraestrutura e resultados do serviço de saúde77. Crow R, Gage H, Hampson S, Hart J, Kimber A, Storey L, et al. The measurement of satisfaction with healthcare: implications for practice from a systematic review of the literature. Health Technol Assess. 2002;6(32):1-244. DOI:10.3310/hta6320
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,99. Esperidião M, Trad LA Bonfim. Avaliação de satisfação de usuários. Cienc Saude Coletiva. 2005;10 Supl:303-12. DOI:10.1590/S1413-81232005000500031
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. Assim, para melhorar os serviços prestados, é fundamental aproximar-se ao máximo da satisfação das necessidades e carências dos utentes. Para isso, é necessário escutar as opiniões dos utentes sobre como os serviços contribuíram para melhorar ou solucionar seu estado de saúde2222. Pisco L, Biscaia J. Qualidade de cuidados de saúde primários. Rev Port Saude Publica. 2001;(2):43-51.,2424. Ribeiro AL. O percurso da construção e a validação de um instrumento para avaliação da satisfação dos utentes em relação aos cuidados de enfermagem. Rev Ordem Enferm. 2005;(16):53-60.. Este conceito de envolvimento e participação ativa dos utentes na prestação dos cuidados de saúde originou-se nos EUA, sendo, posteriormente, adotado na Europa. Profissionais de saúde e utentes percecionam de forma distinta os resultados dos serviços prestados em saúde. Por este motivo, o contributo do utente na qualidade dos serviços prestados é essencial. Como agente ativo, o utente partilha suas experiências negativas e positivas e suas necessidades e expectativas, contribuindo para um sistema de resposta que controla, identifica e corrige os défices no sistema de saúde44. Cabete J, Lencastre A, Apetato M, Paiva L. Porque reclamam os nossos doentes? Casuística de uma consulta de dermatologia. Acta Med Port. 2012;25(5):265-70.,2727. Wensing M, Elwyn G. Methods for incorporating patients’ views in health care. BMJ. 2003;326(7394):877-9. DOI:10.1136/bmj.326.7394.877
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. Adicionalmente, cada vez mais a satisfação dos utentes ocupa lugar importante na avaliação da qualidade, a par da sua valorização como agente ativo e consumidor, pois constatou-se que sua satisfação está relacionada com adesão terapêutica e com resultados alcançados e eficácia das intervenções, contribuindo para a alteração de comportamentos de saúde11. Albuquerque AB, Deveza M. Adesão ao tratamento na prática do médico de família e comunidade e na Atenção Primária à Saúde. In: Programa de Atualização em Medicina de Família e Comunidade - PROMEF. Porto Alegre: Artmed; 2009. v. 3, p.41-71.,33. Brandão ALRBS, Giovanella L, Campos CEA. Avaliação da atenção básica pela perspectiva dos usuários: adaptação do instrumento EUROPEP para grandes centros urbanos brasileiro. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(1):103-14. DOI:10.1590/S1413-81232013000100012
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,2323. Portela MC, Lima SML, Brito C, Ferreira VMB, Escosteguy CC, Vasconcellos MTLD. Programa de Controle da Tuberculose e satisfação dos usuários, Rio de Janeiro. Rev Saude Publica. 2014;48(3):497-507. DOI:10.1590/S0034-8910.2014048004793
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Assim, na construção de instrumentos de medida da satisfação deve-se envolver a população, o que permitirá compreender as expectativas do utente. A avaliação dos serviços deve ser multidimensional, considerando aspetos específicos que influenciam a satisfação global. Deve-se recorrer a estudos qualitativos rigorosos e métodos que permitam a inclusão da perspetiva dos utentes, nos processos de construção e nos seus resultados (questionários, testes, guiões de entrevista etc.). E, também, devem ser contempladas as possíveis consequências negativas, como avaliação negativa ou expressão de expectativas negativas, ou seja, os inquiridos devem ter a oportunidade e espaço próprio para expressar suas ideias livremente1818. Henriques J, Alexandra D. Medicina geral e familiar: desafios hoje e no futuro. Acta Med Port. 2014;27(3):287-8.,2121. Moura AC, Ferreira MA, Barbosa J, Mourão J. Satisfação com os cuidados anestésicos num hospital central. Acta Med Port. 2013;27(1):33-41.,2424. Ribeiro AL. O percurso da construção e a validação de um instrumento para avaliação da satisfação dos utentes em relação aos cuidados de enfermagem. Rev Ordem Enferm. 2005;(16):53-60.,2727. Wensing M, Elwyn G. Methods for incorporating patients’ views in health care. BMJ. 2003;326(7394):877-9. DOI:10.1136/bmj.326.7394.877
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O questionário European Task Force on Patient Evaluation of General Practice Care (EUROPEP) é amplamente usado para avaliar a satisfação dos utentes com os cuidados de saúde primários, focalizando-se na sua perspetiva de consumidor final e agente ativo no processo terapêutico. Esse instrumento foi elaborado utilizando-se abordagem abrangente, que inclui análises de outras investigações e conceitos teóricos (análise da literatura), entrevistas a utentes e estudos de validação. O questionário visa avaliar cinco dimensões: (1) relação médico-paciente (por exemplo: facilidade com que se sentiu à vontade para lhe contar os seus problemas); (2) cuidados médicos (por exemplo: exame clínico feito pelo médico); (3) informação e apoio (por exemplo: explicação sobre os medicamentos, tratamentos e exames prescritos); (4) organização dos serviços (por exemplo: preparação sobre o que esperar dos cuidados hospitalares, de outros especialistas ou outros prestadores de cuidados); (5) acessibilidade (por exemplo: facilidade em marcar consulta nas unidades de saúde familiar (USF)22. Bjertnaes O, Lyngstad I, Malterud K, Garrat A. The Norwegian EUROPEP questionnaire for patient evaluation of general practice: data quality, reliability and construct validity. Fam Pract. 2011;28(3):342-9. DOI:10.1093/fampra/cmq098
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,88. Dagdeviren N, Akturk Z. An evaluation of patient satisfaction in Turkey with the EUROPEP instrument. Yonsei Med J. 2004;45(1):23-8. DOI:10.3349/ymj.2004.45.1.23
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,1010. Ferreira PL, Raposo V. A governação em saúde e a utilização de indicadores de satisfação. Rev Port Clin Geral. 2006;22(3):285-96.,1111. Ferreira PL, Antunes P, Portugal S. O valor dos cuidados primários: perspectiva dos utilizadores das USF - 2009. Lisboa: Ministério da Saúde; 2010.,1414. Grol R, Wensing M, Mainz J, Ferrreira P, Hearnshaw H, Hjortdahl P, et al. Patients’ priorities with respect to general practice care: an international comparison. Fam Pract. 1999;16(1):4-11. DOI:10.1093/fampra/16.1.4
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15. Grol R, Wensing M, Mainz J, Jung HP, Ferreira P, Hearnshaw H, et al. Patients in Europe evaluate general practice care: an international comparison. Br J Gen Pract. 2000;50(460):882-7.
-1616. Grol R, Wensing M, Kersnik J. Patients evaluate general/family practice: the EUROPEP instrument. Nijmegen, NL: University Medical Center; 2000.,2626. Wensing M, Mainz J, Grol R. A standardised instrument for patient evaluations of general practice care in Europe. Eur J Gen Pract. 2000;6(3):82-7. DOI:10.3109/13814780009069953
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.

Diante desse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a validade de construto e fiabilidade do questionário EUROPEP português.

MÉTODOS

O estudo foi conduzido nas USF dos distritos de Braga, Porto e Viana do Castelo, que possuem 172 das 353 USF a operar em Portugal2525. USF-AN.pt [Internet]. Porto: Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar. [citado 2014 Nov 9]. Available from: http://www.usf-an.pt/index.
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. Das USF convidadas, 20 acederam participar neste estudo.

Os participantes preencheram os questionários de forma presencial nas salas de espera das USF, enquanto esperavam pela consulta ou após terem sido atendidos. O preenchimento ocorreu em formato de auto e hétero-relato, este último apenas nos utentes com baixo nível de escolaridade ou sem escolaridade. A recolha ocorreu entre outubro de 2013 e janeiro de 2014. Foram recolhidos 432 questionários, dos quais 40 foram eliminados por terem respostas em branco ou cotação máxima em todos os itens, totalizando 392 questionários válidos.

Os 392 utentes avaliados tinham idades entre 14 e 84 anos, com média de 41,7 anos (DP = 15,9). A maioria era do sexo feminino (77,3%), casado(a) (57,4%) e já utilizou os serviços da USF mais do que uma vez (98,2%). No último ano, os participantes recorreram aos serviços da USF, em média, 4,7 vezes (DP = 5,0). Os utentes avaliados estavam inscritos na USF entre zero e sete anos, com média de 3,9 anos (DP = 1,6). Apenas 13,0% dos participantes responderam em formato de hetero-relato.

Foi utilizada a versão portuguesa do EUROPEP, adaptada por Ferreira et al.1111. Ferreira PL, Antunes P, Portugal S. O valor dos cuidados primários: perspectiva dos utilizadores das USF - 2009. Lisboa: Ministério da Saúde; 2010. Esse instrumento apresenta 37 itens que avaliam o nível de satisfação na perspetiva dos utentes. Os itens são cotados em escala tipo likert de cinco pontos (0 = mau; 4 = excelente). O questionário EUROPEP contém, ainda, três itens relacionados com a lealdade do utente para com a USF55. Ciavolino E, Dahlgaard JJ. ECSI – Customer Satisfaction Modelling and Analysis: a case study. Total Qual Manag Bus Excell. 2007;18(5):545-54. DOI:10.1080/14783360701240337.
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,1717. Gronholdt L, Martensen A, Kristensen K. The relationship between customer satisfaction and loyalty: cross-industry differences. Total Qual Manag. 2000;11(4-6):509-14. DOI:10.1080/09544120050007823
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, cotados de “0 = discordo muito” a “4 = concordo muito”.

A validade de construto do questionário foi avaliada pela análise fatorial exploratória, método Factoração de Eixo Principal (Principal Axis Factoring), por meio da rotação ortogonal (procedimento varimax), pelo critério de normalização de Kaiser (valor próprio ≥ 1). A fatoriabilidade da matriz dos dados foi verificada por meio do Kaiser-Meyer-Olkin e do teste de esfericidade de Bartlett. A fiabilidade foi estimada pelo indicador de consistência interna alfa de Cronbach. Utilizamos as correlações de Pearson para analisar as correlações entre satisfação e lealdade e regressão linear simples para verificar o efeito preditor da satisfação na lealdade.

Este projecto foi aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde Norte, Portugal. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido de acordo com a Declaração de Helsínquia e a Convenção de Oviedo.

RESULTADOS

Satisfação

A análise da matriz de correlações demonstrou correlações significativas (p < 0,001) com valores entre r = 0,24 e r = 0,78. Não houve itens excessivamente ou perfeitamente correlacionados, podendo-se afirmar que não existem problemas de multicolinearidade e de singularidade, respetivamente1212. Field A. Discovering statistics using SPSS. 2.ed. London: Sage Publications; 2005.. A análise das comunalidades mostrou valores entre 0,46 e 0,87, com média de 0,65, refletindo que 65,0% da variância associada aos itens é comum ou partilhada. Verificou-se fatoriabilidade da matriz dos dados, pois o valor de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi superior a 0,60 (KMO = 0,96) e o teste de esfericidade de Bartlett é significativo (p < 0,001).

A consistência interna, calculada pelo coeficiente alpha de Cronbach, apresentou valor alto (0,97), para a escala completa, e nenhum item alterou, significativamente, este valor.

A análise fatorial exploratória extraiu cinco fatores que explicam 65,4% da variância: cuidados médicos (31,4%; α = 0,97), organização dos serviços (10,6%; α = 0,89), acessibilidade (9,9%; α = 0,86), cuidados de enfermagem (7,1%; α = 0,87), e serviços de secretariado clínico (6,4%; α = 0,92).

Na Tabela 1 são apresentados os valores da saturação fatorial de cada item, percentagem da variância total, consistência interna de cada fator e as comunalidades (h2) relativamente à satisfação dos utentes.

Tabela 1
Estrutura fatorial e consistência interna da satisfação.

Para a retenção dos itens em cada escala, foram fixados os seguintes critérios: (1) saturação ≥ 0,40 de cada item no fator hipotético e apenas num único fator; (2) a solução fatorial final explicar, pelo menos, 50,0% da variância total; (3) coerência entre a solução fatorial e os itens que constituem cada fator; e (4) cada fator ser representado por, pelo menos, três itens66. Costello A, Osborne JW. Best practices in exploratory factor analysis: four recommendations for getting the most from your analysis. Pract Assess Res Eval. 2005;10(7):1-9.,1212. Field A. Discovering statistics using SPSS. 2.ed. London: Sage Publications; 2005.. No seguimento dos critérios de retenção foram removidos dois itens: “O respeito com que foi tratado/a e a forma como a sua privacidade foi mantida” e “A rapidez com que os problemas urgentes de saúde foram resolvidos”, pois apresentavam uma carga fatorial < 0,40 e cargas fatoriais similares em mais que um fator.

Além do procedimento exposto, também foi realizada a análise fatorial exploratória pelo método de componentes principais e máxima verosimilhança com rotação oblíqua. Estes mostraram resultados similares, com diferenças apenas na ordem dos fatores.

Lealdade

A análise da matriz de correlações mostrou correlações significativas (p < 0,001), com valores entre r = 0,35 e r = 0,62. Não se verificam itens excessiva ou perfeitamente correlacionados, podendo-se afirmar que não existem problemas de multicolinearidade e de singularidade, respetivamente1212. Field A. Discovering statistics using SPSS. 2.ed. London: Sage Publications; 2005.. A análise das comunalidades revela valores entre 0,25 e 0,76, apresentando média de 0,50 e refletindo, assim, que 50,0% da variância associada aos itens é comum ou partilhada. Verificou-se fatoriabilidade da matriz dos dados, pois o valor de KMO foi superior a 0,60 (KMO = 0,63) e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (p < 0,001).

A análise fatorial exploratória extraiu um fator – lealdade – que explica 50,2% da variância com α = 0,72.

Na Tabela 2 são apresentados os valores da saturação fatorial de cada item, percentagem da variância total, consistência interna do fator e as comunalidades (h2) relativamente à lealdade. Para a retenção dos itens foram fixados os mesmos critérios utilizados na satisfação. Todos os itens cumpriram os critérios.

Tabela 2
Estrutura fatorial e consistência interna da lealdade.

Relação Satisfação/Lealdade

As correlações de Pearson mostram associações significativas positivas (p < 0,01) entre satisfação e suas dimensões, e a lealdade. O valor mais elevado verificou-se na satisfação global, mostrando que para valores elevados de satisfação estão associados valores elevados de lealdade (r = 0,40; p < 0,01).

A regressão linear simples mostrou que a satisfação global dos utentes explica 16,0% da variância da lealdade (R2aj = 0,16; p < 0,001) (F1;390 = 74,07; p < 0,001), sendo que, quanto maior os níveis de satisfação global, maiores são os níveis de lealdade com a USF.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados mostram que os itens constituem bons indicadores dos construtos que se pretende medir – satisfação e lealdade – e que os fatores se encontram devidamente individualizados. Em relação à satisfação, os resultados mostram cinco dimensões robustas, que permitem um entendimento bastante lato da satisfação dos utentes. Algumas destas dimensões – cuidados médicos, acessibilidade e organização dos serviços – encontram paralelismos em outras validações do questionário EUROPEP22. Bjertnaes O, Lyngstad I, Malterud K, Garrat A. The Norwegian EUROPEP questionnaire for patient evaluation of general practice: data quality, reliability and construct validity. Fam Pract. 2011;28(3):342-9. DOI:10.1093/fampra/cmq098
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,88. Dagdeviren N, Akturk Z. An evaluation of patient satisfaction in Turkey with the EUROPEP instrument. Yonsei Med J. 2004;45(1):23-8. DOI:10.3349/ymj.2004.45.1.23
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. Contudo, as restantes dimensões não se encontram em outros estudos, o que pode ser atribuído ao facto de a versão portuguesa englobar mais itens que a versão original. Este incremento de itens vai ao encontro da realidade dos cuidados de saúde primários portugueses. Quanto à fiabilidade, este instrumento apresenta boa consistência interna. E, ainda, não houve problemas quanto à singularidade e à multicolinearidade.

Relativamente à lealdade, esta dimensão apresentou consistência interna aceitável e os itens que a compuseram constituem uma medida robusta do construto. A lealdade mostrou-se positivamente associada à satisfação global e a todas as suas dimensões. E, conforme verificado em outros estudos55. Ciavolino E, Dahlgaard JJ. ECSI – Customer Satisfaction Modelling and Analysis: a case study. Total Qual Manag Bus Excell. 2007;18(5):545-54. DOI:10.1080/14783360701240337.
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,1717. Gronholdt L, Martensen A, Kristensen K. The relationship between customer satisfaction and loyalty: cross-industry differences. Total Qual Manag. 2000;11(4-6):509-14. DOI:10.1080/09544120050007823
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, a satisfação é um preditor da lealdade e explica 16,0% da sua variância.

Em suma, o questionário EUROPEP português mostra-se como instrumento robusto e fiável para medir a satisfação dos utentes por meio da sua própria perspectiva.

Este estudo teve como principal limitação a aparente homogeneidade da amostra – todas as USF pertencem ao norte do país – e futuros estudos poderiam recorrer a uma amostra mais heterogénea, envolvendo USF do norte ao sul do país. Os resultados mostram que este é um instrumento robusto; contudo contém muitos itens, sendo um questionário longo para aplicar. Uma versão abreviada seria mais prática e económica para utilização nas USF.

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  • * Foi mantida a grafia original do artigo em português de Portugal

  • Financiamento: Este estudo é parte de um projecto mais alargado denominado “Modelos de gestão dos Cuidados de Saúde Primários: Estudo dos seus efeitos nos profissionais e no desempenho organizacional” (2011EXT393) financiado pelo Instituto da Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), Lisboa, Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2015
  • Aceito
    21 Set 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br