Contribuição de Oswaldo Paulo Forattini à saúde pública: análise da produção científica

Juliana Gonçalves Reis Keilla Miki Kobayashi Helene Mariko Ueno Cristiane Martins Ribeiro Telma Abdalla de Oliveira Cardoso Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar as principais características da produção científica de Oswaldo Paulo Forattini, pesquisador e, por 40 anos, editor da Revista de Saúde Pública.

MÉTODOS

Estudo descritivo com abordagem bibliométrica realizado em três etapas. (1) Identificação dos registros bibliográficos, utilizando a seguinte estratégia de busca: “Oswaldo Paulo Forattini” OR “Forattini OP” OR “Forattini O” nas fontes de informação Google Scholar, Web of Science e PubMed, em julho de 2016, o que recuperou 867 registros. (2) Composição do corpus da pesquisa, na qual foram incluídos 351 registros bibliográficos de artigos, livros, capítulos de livros, editoriais, resenhas de livros, notas informativas e relatórios anuais da RSP e excluídos 516 duplicatas e notas de agradecimento, notas de obituários e citações não recuperáveis. (3) Organização e análise dos dados, na qual foram construídos bancos de dados para análise descritiva e elaboração das redes de coautores e de termos do MeSH no software VOSviewer. Para análise dos editoriais, três revisores leram o texto completo de cada editorial e os categorizaram segundo assunto, contexto histórico e perspectivas, relacionando-o com marcos históricos.

RESULTADOS

A produção científica de Forattini ocorreu de 1946 a 2009, a maioria composta por artigos (n = 218; 62,1%), editoriais (n = 43; 12,3%) e livros (n = 13; 3,7%). Os principais assuntos foram Culicidae (36,8%), Triatominae (12,5%) e Epidemiologia (10,0%). Os coautores dos artigos foram seus mestres, colegas de sua geração e alunos de pós-graduação. Seus editoriais abordaram reflexões críticas sobre a produção de conhecimento, prioridades em pesquisa e fatores que contribuíam ou desfavoreciam o progresso. O escopo dos assuntos é amplo, remetendo ao desenvolvimento científico e socioeconômico, questões de saúde pública em países desenvolvidos ou saúde global.

CONCLUSÕES

A análise mostra o comprometimento de Forattini com a saúde pública, na pesquisa com vetores, na formação de pesquisadores e na comunicação científica.

Atividades Científicas e Tecnológicas; Entomologia; Comunicação e Divulgação Científica; Bibliometria

INTRODUÇÃO

Para celebrar os cinquenta anos da Revista de Saúde Pública (RSP), revisitamos a produção científica de Oswaldo Paulo Forattini. Suas publicações e trajetória acadêmica foram relatadas em outros artigos1313. Oswaldo Paulo Forattini: editor. Rev Saude Publica. 2007;41(6):880-1. DOI:10.1590/S0034-89102007000600002
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200700...
,1515. Sallum MAM, Barata JMS, Santos RLC. Oswaldo Paulo Forattini: epidemiologista, entomologista e humanista. Rev Saude Publica. 2007;41(6):885-913. DOI:10.1590/S0034-89102007000600003
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200700...
,1616. Sallum MAM. Professor Oswaldo Paulo Forattini, médico, epidemiologista e entomologista. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):180-1. DOI:10.1590/S1415-790X2008000100017
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200800...
. Forattini formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) em 1949, foi professor no curso de Entomologia Médica da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e editor da RSP por 40 anos.

A RSP, publicada ininterruptamente desde 1967 pela FSP-USP em substituição dos Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, está consolidada como uma das principais revistas científicas do Brasil. Sua missão é publicar contribuições originais sobre temas relevantes em saúde pública, nos idiomas português, inglês e espanhol. Sua abrangência é nacional e internacional, desde seu primeiro fascículo publicado com indexação: Medline, PubMed, Thomson Reuters/ISI, Web of Science, Social Sciences Citation Index, Current Contents/Social Behavioral Science, Global Health, Biosis, Embase, HEALSAFE, POPline, Tropical Diseases Bulletin, Bulletin of Communicable Abstracts, Nutrition Abstracts & Reviews e Wildlife Worldwide.

Diante da relevância da RSP e da atuação de Forattini no campo da Saúde Pública, este estudo traz reflexões sobre as relações entre suas atuações como pesquisador e editor, com a construção e desenvolvimento do campo científico. Para Bourdieu (1989), um campo emerge das práticas dos agentes que o compõem, ao mesmo tempo em que as práticas definem e inibem as possíveis condutas dos agentes11. Bourdieu P. O poder simbólico. Lisboa: Difel; 1989.. Já Hayashi (2014) ressalta que as dimensões sociais da atividade científica, vistas pelas lentes da Sociologia da Ciência e dos Estudos Sociais da Ciência, estabelecem relações com o referencial teórico da Bibliometria e da Cientometria1212. Hayashi MCPI. Fertilizações cruzadas entre a cientometria, a sociologia da ciência e os estudos sociais da ciência. In: Hayashi MCPI, Rigolin CCD, Kerbauy MTM, organizadores. Sociologia da ciência: contribuições ao campo CTS. Campinas (SP): Alínea; 2014. p.267-305..

O objetivo do presente artigo foi analisar as principais características da produção científica de Oswaldo Paulo Forattini, pesquisador e, por 40 anos, editor da Revista de Saúde Pública.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem bibliométrica. Para Hayashi1212. Hayashi MCPI. Fertilizações cruzadas entre a cientometria, a sociologia da ciência e os estudos sociais da ciência. In: Hayashi MCPI, Rigolin CCD, Kerbauy MTM, organizadores. Sociologia da ciência: contribuições ao campo CTS. Campinas (SP): Alínea; 2014. p.267-305. (2014, p. 302), “a bibliometria e a cienciometria fornecem um instrumental para mapear e extrair informações úteis para compreender a estrutura social e intelectual de campos científicos e os aspectos sociais, econômicos e políticos envolvidos na atividade científica”.

A pesquisa foi realizada em três etapas: (1) Identificação dos registros bibliográficos; (2) Composição do corpus da pesquisa; (3) Organização e análise dos dados (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma das etapas do estudo*.

Para a etapa 1, identificação dos registros bibliográficos, a coleta de dados foi feita nas seguintes fontes de informação: Google Scholar, por meio da criação do perfil do pesquisador no Google Acadêmico, Web of Science e PubMed. O Google Acadêmico apresenta maior abrangência na recuperação da informação. Além da produção científica revisada por pares, permite identificar outros tipos de documentos, como livros e capítulos de livros, bem como o número de citações recebidas. Entretanto, necessita de curadoria atenciosa para a qualidade dos dados. A Web of Science é uma fonte de informação multidisciplinar com maior qualidade dos elementos bibliográficos e o PubMed, uma fonte de informação e de acesso aberto, específica da área da saúde.

A estratégia de busca utilizada apresenta-se na Figura 1. Também foi realizada a busca manual dos editoriais publicados na RSP. Para identificar todos os registros bibliográficos, não houve restrição por ano de publicação.

Na etapa 2, composição do corpus da pesquisa, foram excluídas as duplicatas, as notas de agradecimentos, citações não recuperáveis, notas de obituários e editoriais de autoria conjunta e incluídos os registros bibliográficos de artigos, livros, capítulos de livros, editoriais, resenhas de livros, notas informativas e relatórios anuais da RSP.

Na etapa 3, organização e análise dos dados, foi criada uma coleção dos registros bibliográficos identificados no gerenciador de referências ZoteroaaA coleção dos artigos de Forattini no Zotero está disponível em: https://www.zotero.org/groups/forattini . Foram construídos dois bancos de dados, o primeiro no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para análise descritiva e o segundo para elaboração dos infográficos das redes de coautores e de termos do Medical Subject Headings (MeSH) no software VOSviewer do Centre for Science and Technology Studies (CWST).

A análise dos editoriais da RSP foi realizada por três revisores, com a leitura completa de cada editorial assinado por Forattini. O conteúdo foi categorizado segundo assunto, contexto histórico e perspectivas e relacionando-o com marcos históricos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados são apresentados em forma de Tabela e Figuras juntamente com sua discussão. Até o fechamento deste artigo, em 22 de agosto de 2016, havia 6.840 citações recebidas no Google ScholarbbPerfil de Oswaldo Forattini no Scholar Google. Disponível em: https://scholar.google.com.br/citations?hl=pt-BR&user=MAYJRtYAAAAJ .

Tabela
Série histórica da produção científica de Oswaldo Paulo Forattini, segundo década (1946-2009).

A produção científica de Forattini ocorreu por seis décadas, a mais profícua de 1986 a 1995, que concentrou 24,0% do total de documentos. De 1946 a 1955, foram 37 artigos, sendo os primeiros ainda durante a graduação. Dos 14 trabalhos publicados na graduação, em cinco deles foi o único autor, evidenciando seu perfil como pesquisador na área de patologia e clínica.

A partir de 1948, começou a publicar em entomologia e, gradativamente, suas publicações passaram a ser predominantemente, mas não exclusivamente, nessa área. Na década de 1950, já se delineavam pesquisas na linha da taxonomia de dípteros e triatomíneos em geral e pesquisas sobre bionomia de vetores ou potenciais vetores de doenças infecciosas e parasitárias. Não raras vezes, as duas linhas apoiavam descrição ou redescrição de espécies vetoras.

Destaca-se colaboração com o Serviço Especial de Saúde de Araraquara em 1949-1950, estendendo-se por toda a região de Ribeirão Preto, com o objetivo de esclarecer a possível existência de esquistossomose mansônica autóctone. Durante essas pesquisas, acabou descobrindo foco autóctone de doença de Chagas e leishmaniose.

De 1950 a 1960, dedicou-se ao estudo de leishmaniose no estado de São Paulo, como integrante da Comissão de Estudos da Leishmaniose da Secretaria de Saúde Pública e da Assistência Social de São Paulo, mas também em Mato Grosso e Paraná, além dos então territórios do Amapá e Rondônia. Tais estudos representaram oportunidade de associar estudos de entomologia médica ao contexto epidemiológico de transmissão de doenças infecciosas e parasitárias, por meio de pesquisas em campo.

Assim, Forattini passou a vivenciar cenários de transmissão de doenças, circunscrevendo focos de transmissão, reservatórios, potenciais vetores e aspectos do comportamento humano que justificassem tal situação epidemiológica. Os estudos em laboratório, tanto sobre achados clínicos em humanos ou reservatórios, quanto sobre taxonomia e infectividade de vetores, não foram interrompidos.

Como fruto dessas pesquisas em campo e em laboratório, Forattini publicou a série de livros Entomologia Médica22. Forattini OP. Entomologia médica. Parte geral, Diptera, Anophelini. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da USP; 1962. v.1. p.662.

3. Forattini OP. Entomologia médica. Culicini: Culex, Aedes e Psorophora. São Paulo (SP): Editora da USP; 1965a. v.2. p.506.

4. Forattini OP. Entomologia médica. Culicini: Haemagogus, Mansonia, Culiseta, Sabethini, Toxorhynchitini, Arboviroses, Filariose bancroftiana, Genética. São Paulo (SP): Editora da USP; 1965b. v.3. p.415.
-55. Forattini OP. Entomologia médica. Psychodidae, Phlebotominae, Leishmanioses, Bartonelose. São Paulo (SP): Edgard Blücher/Editora da USP; 1973. v.4. p.658. (1962; 1965a, 1965b, 1973), assumida como especialidade na área de Saúde Pública e necessária para o estudo da epidemiologia de doenças veiculadas ou determinadas por artrópodes. Seus livros tratavam de classificação e sistemática dos grupos (ricamente ilustrados por ele mesmo), aspectos biológicos e epidemiologia e profilaxia das doenças que envolvessem artrópodes. Seus livros de entomologia são obrigatórios para estudantes e pesquisadores do campo. Nesses livros foram descritas várias chaves de identificação de espécies de dípteros e triatomíneos de interesse em saúde pública, por ele elaboradas à mão livre e a nanquim em pranchas ilustrativas.

De 1976 a 1985, Forattini seguiu com pesquisas sobre leishmaniose e flebotomíneos. No mesmo período, porém, a epidemia de encefalite pelo vírus Rocio no Vale do Ribeira levou-o à região, onde passou a estudar os potenciais vetores dessa arbovirose emergente. Novamente, as características epidemiológicas da transmissão e das pessoas afetadas o levaram a formular hipóteses sobre mosquitos vetores e sobre o papel do próprio homem no aumento do risco de transmissão de arboviroses. Essas hipóteses foram testadas até o final de sua carreira.

No contexto da transição epidemiológica brasileira, a emergência de doenças modernas (por exemplo, doenças crônicas degenerativas, acidentes de trabalho e de trânsito) não o distanciou das pesquisas sobre epidemiologia das doenças infecciosas e parasitárias, com ênfase nos fatores de origem ambiental - natural e antrópica - que favoreciam a transmissão dessas doenças, incluindo a proliferação, adaptação e dispersão de populações vetoras. Ao contrário, sua experiência em pesquisa reforçava que as alterações ambientais feitas pelo homem o inseriam em ciclos de transmissão de zoonoses ou aproximavam as populações domiciliadas - aquelas que se beneficiavam das condições propiciadas pelo homem, passando a conviver no ambiente modificado pelo homem.

O surto de dengue na década de 1980 influenciou os estudos de Forattini e seu grupo de pesquisa, levando ao aumento da produção sobre esse tema nas décadas seguintes. De 1990 até 2005 foram publicados diversos estudos sobre ecologia de culicídeos, em especial os de ambiente antrópico.

Forattini reconhecia a importância dos livros como fonte de informação científica e, como editor, via na seção de resenhas da RSP importante meio de divulgação desse tipo de material. Assim, ao longo de sua trajetória, tais resenhas representaram 8,0% de sua produção total.

Ao longo de sua vida acadêmica, foram publicados mais de 200 artigos e 14 livros. Sua trajetória de pesquisa incluiu estudos sobre entomologia médica, desde aspectos taxonômicos e da biologia geral de dípteros até estudos sobre a distribuição desses insetos e sua relação com a epidemiologia de doenças por eles transmitidas. Por isso, não menos importantes foram seus livros “Epidemiologia Geral”66. Forattini OP. Epidemiologia geral. São Paulo (SP): Artes Médicas; 1980. p.259.,77. Forattini OP. Epidemiologia geral. 2.ed. São Paulo (SP): Artes Médicas; 1996. p.210. - adotado como referência na formação de sanitaristas no País - e “Ecologia, epidemiologia e sociedade”88. Forattini OP. Ecologia, epidemiologia e sociedade. São Paulo (SP): Artes Médicas/Editora da Universidade de São Paulo; 1992. p.529., leituras que apoiavam a disciplina “Ecologia e Saúde Pública”. À frente de seu tempo, em 2005, ele publicou o livro: “Conceitos básicos em epidemiologia molecular”1010. Forattini OP. Conceitos básicos da epidemiologia molecular. São Paulo (SP): Editora da USP; 2005. p.133.. Além do domínio nesses campos específicos, a publicação do livro “O ser e o ser humano”99. Forattini OP. O ser e ser humano. São Paulo (SP): Editora da USP; 2000. v.1. p.245. apresenta suas reflexões filosóficas acerca da natureza humana.

Em estudo de cartografia sociológica, Santos et al.1717. Santos MTF, Gomes MHA, Silveira C. Introdução a uma cartografia sociológica: a Revista de Saúde Pública, 1967 a 1977. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2016;23(2):411-30. DOI:10.1590/S0104-59702016005000004.
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, em 2016, avaliaram as publicações de 1967 a 1977 da RSP. Os autores qualificaram como “caixa cinza” artigos sobre “experimentos com animais, estudos biológicos básicos, microbiologia, zoologia, parasitologia, entomologia, taxonomia, fisiologia animal e nutrição” (p. 419) e indagaram o porquê de metade de artigos terem essa temática. Isso mostra desconhecimento sobre o perfil de Forattini como pesquisador e ao escopo que ele dava à RSP, pois valorizava a ciência básica como alicerce para o desenvolvimento científico do País, como observado na análise dos editoriais apresentada adiante. Particularmente no período, a RSP se destacava como um dos poucos periódicos científicos de saúde pública no País. Sendo Forattini um dos pesquisadores mais produtivos, e a FSP-USP, referência em epidemiologia de doenças infecciosas e parasitárias, era de se esperar que essa expertise estivesse representada na RSP. De fato, os artigos de sua série sobre ecologia de vetores e epidemiologia de arboviroses são os mais citados.

A Figura 2 representa o volume e a relação dos termos MeSH coletados nas publicações, na qual se observam três clusters temáticos. Em azul-escuro, está representada sua produção da década de 1950, sobre casos clínicos e trabalhos com triatomíneos na região de Araraquara, já relacionando seus achados com a influência antrópica no meio silvestre. Naquela época, com base em pesquisa de campo, foram estabelecidas relações entre ecologia, saúde pública e epidemiologia. Paralelamente, foi estudada a epidemiologia de leishmaniose tegumentar em outros estados além de São Paulo, investigando vetores e reservatórios. A partir de 1959, passa a se dedicar de forma mais aprofundada aos mosquitos da família Culicidae, inicialmente com foco em vetores de malária, mas posteriormente ampliada para arbovírus, especialmente por ocasião da epidemia pelo vírus Rocio, no Vale do Ribeira. No início dos anos de 1980, foi criada uma base para as atividades de pesquisa de campo no município de Pariquera-Açu (Vale do Ribeira, São Paulo). Mantida até hoje, essa base conta com técnicos treinados, laboratório equipado com lupas e outros equipamentos para criação, triagem, armazenamento e identificação do material coletado em campo, além de possuir alojamento para pesquisadores. Essa base foi utilizada nos anos 1990 e 2000 para o desenvolvimento da série de estudos com culicídeos, representados pelo cluster vermelho na Figura 2.

Figura 2
Infográfico de temas dos artigos de Oswaldo Paulo Forattini (1946-2009), 2016*.

Forattini estudou a domiciliação dos triatomíneos e fez importantes observações sobre o comportamento e biologia desses insetos e suas relações com o parasita protozoário. Descreveu dezenas de novas espécies de culicoides, revisões de espécies de culicídeos e publicou livros textos sobre culicídeos e outros dípteros, utilizados por entomologistas como referência.

Os projetos temáticos consecutivos sobre ecologia de culicídeos, por ele liderados, resultaram em dezenas de artigos e orientações de mestrado e doutorado. Também adquiriu, por meio de recursos de projeto temático, um microscópio eletrônico de varredura, utilizado para retratar ovos e estruturas anatômicas de mosquitos (como cibários femininos), que permitiam melhor acurácia na identificação de espécies.

O cluster verde na Figura 2 representa os editoriais de sua autoria, publicados na RSP e em outros periódicos da área.

A Figura 3 mostra a síntese da análise de conteúdo dos seus editoriais. Nota-se que o escopo dos assuntos aumentou com o tempo, remetendo ao desenvolvimento científico e socioeconômico, a questões de saúde pública em países desenvolvidos ou à saúde global. Tais editoriais vão além da breve descrição sobre o conteúdo do fascículo, com reflexões críticas sobre a produção de conhecimento, prioridades em pesquisa e fatores que contribuíam ou desfavoreciam o progresso.

A síntese de conteúdos abordados nos editoriais assinados por Forattini mostra a evolução da RSP em relação a melhorias no processo editorial, frente ao aumento da taxa de submissão de artigos e na busca em dar transparência ao processo de avaliação dos manuscritos. Destacamos que o aumento de artigos submetidos se refletiu também em maior diversidade temática, tipos de artigos e representatividade de autores de outros países. O contexto era de crescimento e desenvolvimento da pós-graduação no Brasil e dos sistemas de indexação de revistas, como balizador da qualidade de publicações científicas, muitas delas derivadas de dissertações e teses. Isso conferiu aumento da qualidade e prestígio da RSP, incluindo o processo de peer review e a dinâmica educativa entre pareceristas. Ao celebrar os 30 anos da RSP em 1996, Forattini sinalizou perspectivas da publicação eletrônica, iniciada dois anos depois com a criação da Scientific Electronic Library Online (SciELO). Anos depois, foram extintos os fascículos impressos por conta do fluxo contínuo de artigos eletrônicos (Figura 3 - azul-escuro).

Outros temas relacionavam-se à Ciência (Figura 3 - roxo) e Educação (Figura 3 - azul-claro). A partir dos anos de 1990, ele criticava a falta de recursos para pesquisa, tendência de mercantilização ou sucateamento da universidade pública e falta de prioridades em pesquisa pertinentes à realidade brasileira, reflexo da ausência de uma política científica nacional. Ainda, criticou a valorização de técnicas sofisticadas e “pesquisas tecnológicas de ponta”, que levou muitos pesquisadores a sair do País.

Os editoriais também retratavam desafios no campo da epidemiologia, à medida que questões socioeconômicas no contexto de globalização surgiam, aumentando a complexidade dos problemas de saúde pública: emergência e reemergência de doenças, potencial de pandemias deflagradas por meio de viajantes que cruzassem fronteiras intercontinentais em questão de horas, temores relacionados ao bioterrorismo e os desafios do milênio em relação à saúde e desenvolvimento social, como erradicação da pobreza, respostas frente à epidemia de aids e outros. Forattini tinha clareza da necessidade de preservação do pensamento interdisciplinar do epidemiologista, mais do que constituir equipes de especialistas, como forma de aumentar a efetividade da vigilância epidemiológica (Figura 3 - verde).

Também destacou episódios e perspectivas em relação ao controle de malária, à reintrodução do Aedes aegypti, à erradicação da poliomielite e à importância dos estudos sobre insetos vetores, nos contextos que sinalizavam os riscos de reemergência de doenças (Figura 3 - amarelo e laranja).

Em 1983, Forattini1111. Forattini OP. Por que saúde pública?. Rev Saude Publica. 1983;17(2):69-70. DOI:10.1590/S0034-89101983000200001
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traz o debate e a crítica sobre o uso do termo saúde coletiva. Na virada do século, destacou as questões éticas que emergiram durante o século XX no contexto do desenvolvimento social e tecnológico, sinalizando-as como desafios para o século seguinte (Figura 3 - vermelho).

Mais do que isso, Forattini tinha convicção de que os problemas de saúde pública nacionais deviam ser debatidos no idioma pátrio entre atores sociais brasileiros, incluindo cientistas formados e atuantes no País. Por isso, embora reconhecesse o inglês como a “língua da comunicação científica”, defendia que os cientistas brasileiros deviam publicar em português para seus pares e, da mesma forma, para o pessoal de serviços de saúde, entendendo o papel da RSP na comunicação com trabalhadores da saúde em todos os níveis.

Em vários editoriais, Forattini abordou a crise no ambiente institucional, as dificuldades de manutenção da RSP e a necessidade de obter recursos externos, destacando em 1981 a importância das agências Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além da própria Reitoria da USP (esta última, por criar um programa específico para financiamento de periódicos científicos na universidade, em 1986). CNPq e Capes continuam com editais de apoio à publicação de periódicos; contudo, esses recursos são insuficientes para manter serviços que garantiriam a qualidade e visibilidade de periódicos.

Em 1997, juntamente com outros nove periódicos, a RSP integrou um projeto piloto para a construção do programa SciELO. Tratava-se da primeira coleção de periódicos brasileiros visando o acesso aberto, apoiada financeira e politicamente pela Fapesp. Atualmente, o SciELO está presente em 14 países, cuja média diária de downloads de artigos ultrapassa 1,5 milhão1414. Packer AL, Cop N, Luccisano A, Ramalho A, Spinak E, organizadores. SciELO: 15 anos de acesso aberto: um estudo analítico sobre acesso aberto e comunicação científica. Paris: Unesco; 2014..

A Figura 4 mostra a rede de colaboração de coautores nos artigos publicados de Forattini.

Figura 4
Infográfico rede de coautores.

Entre os coautores, figuram seus mestres e colegas, como o Prof. Carlos da Silva Lacaz. O cluster vermelho indica suas publicações em entomologia médica, com Ernesto Xavier Rabello e Dino Pattoli. Também aparece a primeira geração de entomologistas que ele formou no curso de Entomologia Médica e que se integrou ao corpo docente da FSP: José Maria Soares Barata, que seguiu pesquisando triatomíneos; Eunice Galatti, que se especializou em flebotomíneos; Almério de Castro Gomes, Maria Anice Mureb Sallum (área de taxonomia), Delsio Natal e Iná Kakitani (área de bioecologia) continuaram estudos com os culicídeos e seguiram com o curso de Entomologia Médica, mantendo forte intercâmbio entre a academia e os serviços de saúde. O cluster verde representa a linha de pesquisa em taxonomia e sistemática, que utiliza técnicas de biologia molecular e que hoje é liderada por Sallum. O cluster azul corresponde à equipe que trabalhou nos projetos temáticos e o cluster amarelo, representa a última geração de pesquisadores formada por Forattini. Observa-se maior intensidade de colaboração com Rabello e Kakitani, que eram os responsáveis pelo trabalho de campo em seus projetos.

CONCLUSÕES

A análise da produção científica de Oswaldo Paulo Forattini mostra seu comprometimento com a saúde pública, na pesquisa com vetores, na formação de pesquisadores e na comunicação científica. Sua contribuição igualmente importante, evidenciada neste artigo, foi a de editor da RSP por 40 dos 50 anos da existência da revista. Em todos esses anos, Forattini procurou constantemente o aprimoramento da RSP nos processos de avaliação, qualidade dos manuscritos e visibilidade do periódico.

Figura 3
Síntese da análise dos editoriais publicados por Oswaldo Paulo Forattini (1976-2003), 2016.

Agradecimentos

A Adeilton Alves Brandão, editor científico da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e à Marli B. M. de Albuquerque Navarro, pesquisadora do Núcleo de Biossegurança da Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, pelas sugestões à versão preliminar do estudo; à Maria do Carmo Avamilano Alvarez, diretora da Biblioteca/Centro de Informação e Referência da Faculdade de Saúde Pública da USP, pela disponibilização de acesso aos memoriais do Prof. Forattini.

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    Sallum MAM. Professor Oswaldo Paulo Forattini, médico, epidemiologista e entomologista. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):180-1. DOI:10.1590/S1415-790X2008000100017
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2016
  • Aceito
    26 Ago 2016
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