Atenção Primária à Saúde: coordenadora do cuidado em redes regionalizadas?

Patty Fidelis de Almeida Adriano Maia dos Santos Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar o alcance da coordenação do cuidado pela Atenção Primária à Saúde em três regiões de saúde.

MÉTODOS

Trata-se de estudo de caso, com abordagem quantitativa e qualitativa. Foram realizadas 31 entrevistas semiestruturadas com gestores municipais, regionais e estaduais e estudo transversal com aplicação de questionários para médicos (74), enfermeiros (127) e amostra representativa de usuários (1.590) da Estratégia Saúde da Família em três municípios-sede de regiões de saúde do estado da Bahia.

RESULTADOS

A função de porta de entrada preferencial pela Atenção Primária à Saúde deparava-se com forte concorrência de serviços ambulatoriais hospitalares e de pronto-atendimento, desarticulados da rede. Problemas de acesso e oferta de atenção especializada eram agravados pela dependência do setor privado nas regiões, ainda que tenham sido observados avanços na institucionalização de fluxos desde a Atenção Primária à Saúde. A contrarreferência era deficiente e a comunicação interprofissional escassa, principalmente quando o usuário era atendido na rede contratada ou conveniada.

CONCLUSÕES

A capacidade de coordenação mostra-se afetada tanto pela fragmentação da rede regional, quanto por problemas intrínsecos à Atenção Primária à Saúde, pouco fortalecida em seus atributos essenciais. Apesar de as regiões de saúde apresentarem problemas em comum, a Atenção Primária à Saúde continua sendo um tema circunscrito aos limites municipais.

Atenção Primária à Saúde, organização & administração; Serviços de Saúde, provisão & distribuição; Cobertura de Serviços de Saúde; Regionalização; Integração de Sistemas

INTRODUÇÃO

A ausência de coordenação do cuidado é apontada como uma das principais causas da má qualidade da atenção, associada a custos mais elevados, duplicação e sobreutilização de procedimentos diagnósticos, uso de múltiplos medicamentos e planos terapêuticos conflitantes, sendo os efeitos negativos mais potentes sobre condições crônicas66. Bynum JPW, Ross JS. A measure of care coordination? J Gen Intern Med. 2012;28(3):336-8. DOI:10.1007/s11606-012-2269-0
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,1212. Kringos DS, Boerma WGW, Hutchinson A, Zee J, Groenewegen PP. The breadth of primary care: a systematic literature review of its core dimensions. BMC Health Serv Res. 2010;10:65. DOI:10.1186/1472-6963-10-65
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,1414. Nolte E, McKee M, editors. Caring for people with chronic conditions: a health system perspective. Berkshire: Open University Press; 2008. Integration and chronic care: a review; p. 64-91.,aa Schang L, Waibel S, Thomson S. Measuring care coordination: health system and patient perspectives: report prepared for the Main Association of Austrian Social Security Institutions. London: LSE Health; 2013 [citado 2015 jul 5]. Disponível em: http://eprints.lse.ac.uk/59573/1/__lse.ac.uk_storage_LIBRARY_Secondary_libfile_shared_repository_Content_Schang%2C%20L_Schang_Measuring%20care%20coordination_2014.pdf .

A coordenação pressupõe organizar o cuidado ao paciente, que pode envolver dois ou mais prestadores e o próprio usuário, de forma a facilitar a oportuna oferta dos serviços, envolvendo ordenamento de pessoal e outros recursos e dispositivos para a troca de informações entre provedores1313. McDonald KM, Schultz E, Albin L, Pineda N, Lonhart J, Sundaram V, et al. Care Coordination Atlas Version 4. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2014. (AHRQ Publication, N.14-0037-EF).,1717. Terraza Núñez R, Vargas Lorenzo I, Vásquez Navarrete ML. La coordinación entre niveles asistenciales: una sistematización de sus instrumentos y medidas. Gac Sanit. 2006;20(6):485-95..

Elementos organizacionais para assegurar a coordenação incorporariam a definição de metas compartilhadas para o sistema de saúde; incentivos financeiros por meio de pagamento e alocação de recursos; mecanismos de comunicação entre profissionais de saúde; desenvolvimento de cultura comum e liderança orientada ao trabalho em equipe, à colaboração e ao melhor desempenho; e fortalecimento de um modelo de atenção com base na Atenção Primária à Saúde (APS)aa Schang L, Waibel S, Thomson S. Measuring care coordination: health system and patient perspectives: report prepared for the Main Association of Austrian Social Security Institutions. London: LSE Health; 2013 [citado 2015 jul 5]. Disponível em: http://eprints.lse.ac.uk/59573/1/__lse.ac.uk_storage_LIBRARY_Secondary_libfile_shared_repository_Content_Schang%2C%20L_Schang_Measuring%20care%20coordination_2014.pdf .

Ressalta-se a necessidade de adaptação aos diferentes contextos, visto não haver uma definição amplamente desenvolvida1313. McDonald KM, Schultz E, Albin L, Pineda N, Lonhart J, Sundaram V, et al. Care Coordination Atlas Version 4. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2014. (AHRQ Publication, N.14-0037-EF).. Na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)bb Ministério da Saúde (BR). Portaria 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília (DF); 2011 [citado 2015 jul 5]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html , a coordenação é definida como “coordenação da integralidade”, um dos fundamentos da APS, que deve ser viabilizado por estratégias de integração horizontal (ações programáticas e demanda espontânea, ações de vigilância e assistenciais, trabalho multiprofissional e interdisciplinar) e vertical entre diversos níveis das Redes de Atenção à Saúde.

No Brasil, estudos indicam que a integração das Redes de Atenção à Saúde, uma das dimensões da coordenação, foi potencializada pela expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF); criação de serviços de especialidades em distritos de saúde; implantação de sistema de regulação; informatização dos prontuários; elaboração de protocolos gerenciais e clínicos; e iniciativas de comunicação e apoio matricial11. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica. 2010;26(2):286-98. DOI:10.1590/S0102-311X2010000200008
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,88. Fausto MCR, Giovanella L, Mendonça MHM, Seidl H, Gagno J. A posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde na perspectiva das equipes e usuários participantes do PMAQ-AB. Saude Debate. 2014;38 N. Espec:13-33. DOI:10.5935/0103-1104.2014S003
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,99. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2009;14(3):783-94. DOI:10.1590/S1413-81232009000300014
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,1515. Santos AM, Giovanella L. Governança regional: estratégias e disputas para gestão em saúde. Rev Saude Publica. 2014;48(4):622-31. DOI:10.1590/S0034-8910.2014048005045
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.

O conceito de coordenação do cuidado adotado neste artigo é compreendido como a articulação entre diversos serviços, ações e profissionais relacionados à atenção em saúde, de forma que, independentemente do local onde seja prestada, esteja sincronizada e voltada ao alcance de um objetivo comum1111. Hofmarcher MM, Oxley H, Rusticelli E. Improved health system performance through better care coordination. Paris: OECD; 2007. (OECD Health Working Papers, No. 30).,aa Schang L, Waibel S, Thomson S. Measuring care coordination: health system and patient perspectives: report prepared for the Main Association of Austrian Social Security Institutions. London: LSE Health; 2013 [citado 2015 jul 5]. Disponível em: http://eprints.lse.ac.uk/59573/1/__lse.ac.uk_storage_LIBRARY_Secondary_libfile_shared_repository_Content_Schang%2C%20L_Schang_Measuring%20care%20coordination_2014.pdf . Sustenta-se na existência de ações integradas entre prestadores de diferentes níveis ou ao interior de um mesmo nível, de maneira que distintas intervenções sejam percebidas e vivenciadas pelo usuário de forma contínua, adequadas às suas necessidades em saúde55. Boerma WGW. Coordenação e integração em atenção primária europeia. In: Saltman RB, Rico A, Boerma WGW, organizadores. Atenção Primária conduzindo as redes de atenção à saúde: reforma organizacional na atenção primária europeia. Berkshire: Open University Press; 2010. p.25-47..

Buscou-se analisar o alcance da coordenação do cuidado pela APS em redes regionalizadas. Pretende-se trazer novos aportes ao debater o tema no contexto de regiões de saúde, considerando que ainda são inéditas as pesquisas que buscam investigar o atributo da coordenação em situação que exige integração horizontal entre profissionais e prestadores do mesmo nível com base em uma APS fortalecida em seus atributos essenciais e, vertical, entre serviços da rede sob gestão de entes federados distintos. Portanto, analisar dispositivos facilitadores e barreiras à coordenação em territórios regionais pode sinalizar caminhos para a consecução de acesso mais oportuno e de qualidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

MÉTODOS

Trata-se de estudo de caso realizados em três municípios sede das regiões de saúde de Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, no estado da Bahia. Combinaram-se abordagens qualitativas e quantitativas – “métodos mistos”1010. Greene JC. Mixed methods in social inquiry. San Francisco: John Wiley; 2007., com utilização de entrevistas semiestruturadas e inquéritos.

A análise qualitativa foi realizada a partir de 31 entrevistas semiestruturadas com gestores ou gerentes das esferas municipal, estadual e regional, em 2012.

As experiências dos profissionais foram examinadas com base em questionários autoaplicáveis ao universo de médicos e enfermeiros das Equipes de Saúde da Família (EqSF) existentes em outubro de 2012: 84 em Feira de Santana , 21 em Santo Antônio de Jesus e 38 em Vitória da Conquista, com cobertura populacional estimada de 51,5%, 78,7% e 41,2%, respectivamenteccMinistério da Saúde (BR), Departamento de Atenção Básica. Histórico de cobertura da Saúde da Família. Brasília (DF); 2015 [citado 2015 nov 5]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php . Elegeram-se médicos e enfermeiros, por estarem mais diretamente envolvidos nas atividades de coordenação. O instrumento utilizado foi adaptado de estudo realizado por Giovanella et al.ddGiovanella L, Moraes SME, Mendonça MHM. Estudo de caso sobre implementação da Estratégia Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos: relatório final. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. (2008). Foram aplicados 106 questionários em Feira de Santana, 31 em Santo Antônio de Jesus e 64 em Vitória da Conquista, ou seja, 201 dos 286 questionários previstos. As perdas (30%) se distribuem de forma desigual entre médicos (48%) e enfermeiros (11%), justificadas, não por recusa, mas pela precariedade dos vínculos trabalhistas, fragilizados no período dos pleitos municipais.

Realizou-se inquérito de base domiciliar, com aplicação de questionário a uma amostra representativa de famílias cadastradas em EqSF de cada município. O informante familiar foi o chefe da família ou cônjuge, entrevistado no domicílio. O questionário para usuários também foi adaptado de Giovanella et al.ccMinistério da Saúde (BR), Departamento de Atenção Básica. Histórico de cobertura da Saúde da Família. Brasília (DF); 2015 [citado 2015 nov 5]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php Para cálculo da amostra de usuários, considerou-se o percentual de cobertura populacional da EqSF (p), segundo o Caderno de Avaliação e Monitoramento da Atenção BásicaeeMinistério da Saúde (BR), Diretoria de Atenção Básica. Caderno de Avaliação e Monitoramento da Atenção Básica. Brasília (DF); 2012 [citado 2013 out 1]. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/dab/index.php?option=com_content&id=450&Itemid=145 , assumindo um nível de confiança de 95% (z2) (representado pelo valor 1,96, da abscissa da distribuição normal [0;1]) e uma precisão de 4% (p – π)22. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Coordenação dos cuidados em saúde pela atenção primária à saúde e suas implicações para a satisfação dos usuários. Saude Debate. 2012;36(94):375-91. DOI:10.1590/S0103-11042012000300010
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. O número de usuários, supondo uma amostra aleatória simples, foi de 596, 430 e 576 para Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, respectivamente, totalizando uma amostra de 1.602 usuários.

Os usuários foram selecionados por meio de amostragem por conglomerados em três etapas. Na primeira, selecionou-se o número de usuários a ser entrevistado em cada EqSF, dividindo-se a amostra de cada município pelo número de equipes existentes em outubro de 2012. Na segunda etapa, por amostragem aleatória simples, foi selecionado um agente comunitário de saúde para cada EqSF. Por fim, foi sorteado o número de famílias do agente comunitário de saúde selecionado. A aplicação de questionários para profissionais e usuários foi realizada entre novembro de 2012 a fevereiro de 2013. Para usuários foram efetivamente aplicados 1.590 questionários.

O conceito de coordenação utilizado foi operacionalizado por meio de dimensões e indicadores que incorporam componentes para o fortalecimento dos atributos essenciais da APS, como organização da porta de entrada preferencial e abrangência/resolubilidade; e de integração das Redes de Atenção à Saúde, como oferta e acesso à atenção especializada e comunicação entre profissionais (Tabela 1).

Tabela 1
Matriz para análise da coordenação do cuidado pela Atenção Primária à Saúde em Região de Saúde.

Os resultados qualitativos provenientes das entrevistas semiestruturadas são apresentados em síntese narrativa. As informações dos distintos métodos foram trianguladas, buscando articular a perspectiva de gestores, profissionais e famílias, além de traçar análise comparada entre os casos. Dados quantitativos foram codificados e computados no Epidata e, para análise descritiva, empregou-se o Epidata Stat.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Maria Milza (Parecer 323/2011) e autorizado pelas Secretarias Municipais de Saúde.

RESULTADOS

Os resultados foram organizados conforme dimensões e indicadores apresentados na Tabela 1, que, no conjunto, representam estratégias para consecução de melhor coordenação do cuidado com base no fortalecimento da APS e integração das Redes de Atenção à Saúde, a partir dos resultados do estudo transversal e entrevistas com gestores ou gerentes nas regiões de saúde estudadas.

A organização da porta de entrada preferencial pela APS foi uma das dimensões para análise do fortalecimento da coordenação. O inquérito com as famílias mostrou alto percentual de usuários cadastrados que conheciam a ESF, sendo menor em Vitória da Conquista. Possivelmente muitos não frequentavam a Unidade de Saúde da Família (USF), sobretudo entre as equipes com adscrição elevada de famílias. Nos três municípios, a maioria dos usuários afirmou conhecer o local de funcionamento da USF e consideravam-na de fácil acesso. O agente comunitário de saúde era conhecido pelos entrevistados e percentual importante relatou receber visita domiciliar mensal (Tabela 2).

Tabela 2
Porta de entrada preferencial pela APS segundo usuários e famílias cadastradas pelas Equipes de Saúde da Família. Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, BA, 2013.

Os resultados também indicaram busca expressiva por outras modalidades de serviço como primeiro contato, mesmo em horários e dias em que a USF estava funcionando e em contexto de baixa cobertura por seguros privados de saúde. Em Feira de Santana policlínicas, serviços de pronto-atendimento, com funcionamento 24 horas e especialistas – concorriam fortemente pela função de primeiro contato (Tabela 2). Para os gestores e gerentes, o funcionamento das policlínicas era bem variado: algumas atendiam e orientavam a busca pela USF, enquanto outras não realizavam referência.

Em Santo Antônio de Jesus, a existência de hospital regional, com oferta de atendimento ambulatorial por demanda espontânea, desarticulada da APS, colaborava para sua busca como porta de entrada rotineira, respondendo como serviço de primeiro contato em dias de semana, segundo 33,0% dos usuários (Tabela 2). Para os gestores e gerentes, a cultura hospitalocêntrica era muito forte, sendo a demanda espontânea no hospital regional constituída por usuários que passavam pela USF ou que, às vezes, nem a procuravam, alegando não haver médicos ou insumos, tanto na sede, quanto nos demais municípios da região de saúde.

Em Vitória da Conquista, número excessivo de pessoas sob cuidado de uma única EqSF constrangia a capacidade dos profissionais em abarcar demandas de maneira resolutiva e oportuna. Essa perspectiva foi sintetizada pelo gestor: (...) a gente vê que equipes estão superlotadas de famílias. (...). Nem para quem busca não temos conseguido garantir acesso e, por isso, temos muitos acessos pela porta da urgência daquilo que não é urgência.” (Gestor Municipal/Vitória da Conquista)

Outra razão, nos três municípios, para busca de diversos pontos de entrada foi ausência ou falhas no acolhimento, embora profissionais tenham avaliado que a equipe incorporou o atendimento à demanda espontânea e que a população busca primeiramente a USF quando necessita de atendimento (Tabela 3). A avaliação dos usuários indica barreiras no agendamento de consultas médicas e, especialmente, no atendimento à demanda espontânea (Tabela 2), sugerindo problemas na organização da porta de entrada. De forma geral, avaliações dos profissionais foram mais favoráveis quanto às condições de acesso às USF, embora o tempo médio para consecução de consulta pudesse superar 15 dias, segundo 1/3 dos profissionais de Feira de Santana (Tabela 3).

Tabela 3
Organização da porta de entrada, abrangência e resolubilidade da APS, oferta e acesso à atenção especializada e comunicação entre profissionais segundo médicos e enfermeiros das Equipes de Saúde da Família. Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, BA, 2013.

Embora tenha sido relatado pelos gestores e gerentes que a consolidação da APS enfrentava problemas semelhantes na região de saúde, estratégias para o enfrentamento das barreiras e busca de soluções ainda se circunscreviam ao âmbito municipal, não sendo pauta de discussão nos espaços de governança regional como a Comissão Intergestores Regional. Tal percepção foi ratificada nas entrevistas, nas quais gestores e gerentes esclareciam que só poderiam responder pela dinâmica da APS em seu próprio município.

A abrangência e resolubilidade da APS são dimensões importantes para coordenação do cuidado. Neste sentido, em Feira de Santana, segundo os gestores e gerentes, tais dimensões eram comprometidas por fatores como: número insuficiente de Núcleos de Apoio à Saúde da Família, ausência de equipes de saúde bucal em todas as USF, oferta reduzida ou simplificada de ações de saúde, poucas intervenções comunitárias, baixo envolvimento dos médicos nas ações coletivas e administrativas e incipiência de apoio logístico e comunicacional para integração. Entrevistas apontaram insuficiência e descontinuidade na oferta de insumos e inadequação da estrutura física e acomodações em muitas USF.

Em Vitória da Conquista, os gestores destacaram a participação de profissionais ofertando suporte técnico-pedagógico às EqSF como alternativa ao discurso médico-centrado. Salientou-se que, na região de saúde, é uma experiência recente, com presença de Núcleos de Apoio à Saúde da Família em número insuficiente para as demandas das EqSF, semelhante à realidade de Feira de Santana.

Nas três regiões, segundo os gestores, a atração e fixação de médicos gerava distorções, repercutindo na qualidade e resolubilidade da atenção. Os gestores afirmavam que não podiam fazer seleção de profissionais com perfil para trabalho na ESF e que, muitas vezes, faziam “vistas grossas” para ausências e descumprimento das atividades, sendo comum o “leilão” de médicos entre os municípios da região, sem, contudo, serem relatadas busca de soluções regionais para o problema.

Ainda assim, resultados do presente estudo mostraram que médico foi responsável pelo atendimento da maior parte dos usuários com experiência de uso na USF. Quando perguntados sobre satisfação acerca da consulta realizada pelo médico, a maioria (> 69%) respondeu estar “muito satisfeita/satisfeita” (Tabela 4).

Tabela 4
Abrangência e resolubilidade da APS segundo usuários e famílias cadastradas pelas Equipes de Saúde da Família. Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, BA, 2013.

De maneira positiva, usuários, nos três municípios, informaram que ao buscarem algum cuidado na USF tinham seu problema resolvido (> 70%) (Tabela 4), avaliações sincrônicas àquelas dos profissionais (Tabela 3).

O inquérito com as famílias sinalizou que, mesmo quando não conseguiam acessar um serviço ou não tinham seus problemas resolvidos na ESF, a maior busca, nos três casos, recaiu em serviços públicos (50% a 62%). Porém, percentual importante da população buscou atendimento na rede privada (23% a 33%) (Tabela 4).

Em Feira de Santana, a coleta de material para análise clínica não era realizada nas USF, informação confirmada pelos profissionais (Tabela 3). Por sua vez, nas policlínicas havia coleta de material biológico, o que estimulava a busca. Em Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, segundo os gestores, havia coleta de material para exames nas USF, inclusive na zona rural.

Entre famílias que, nos últimos 12 meses, necessitaram de exames de análises clínicas solicitados por EqSF, 76%, 85% e 92%, respectivamente, em Santo Antônio de Jesus, Feira de Santana e Vitória da Conquista, relataram conseguir realizá-los; porém, desse total, entre 52% e 67% informaram que todos os exames foram feitos na rede pública, sendo o melhor desempenho encontrado em Vitória da Conquista. Entre 14% a 26% dos usuários afirmaram ter realizado exames na rede privada, destacando que, principalmente em Feira de Santana, cerca de 1/4 não conseguiu realizar o exame prescrito (Tabela 4).

Entre usuários atendidos pela EqSF, 85% a 91% necessitaram de medicamentos nos três casos estudados. A maioria (50% a 64%) relatou receber apenas alguns (Tabela 4), mas percentual importante, em torno de 40% em Santo Antônio de Jesus e Feira de Santana, receberam todos os medicamentos pelo SUS. Profissionais, principalmente aqueles atuantes em Santo Antônio de Jesus, realizaram avaliações positivas quanto à distribuição regular de medicamentos (Tabela 3).

Em relação à oferta e acesso à atenção especializada na Rede de Atenção à Saúde, dimensão fundamental para coordenação, nos três municípios-sede das regiões de saúde, os gestores e gerentes destacaram que a oferta de procedimentos para retaguarda terapêutica e os recursos financeiros para sua ampliação eram insuficientes. Assim, pactuavam com base na escassez de oferta, comprometendo necessidades sanitárias e abrindo espaço para conflitos éticos entre as EqSF, pois tinham que, dentre as inúmeras necessidades, apontar quais eram os usuários “eleitos”.

O acesso aos serviços de maior densidade tecnológica, nos três casos, era realizado predominantemente por meio de referência da APS, segundo os gestores e gerentes. Quando o procedimento estava agendado, a guia de referência geralmente voltava à EqSF; com isso, o usuário deveria retornar à USF ou era contatado pelo agente comunitário de saúde (Tabelas 3 e 5). Em Santo Antônio de Jesus, parte expressiva (29%) buscava diretamente a central de marcação (Tabela 5).

Tabela 5
Oferta e acesso à atenção especializada na Rede de Atenção à Saúde e comunicação entre profissionais segundo usuários e famílias cadastradas. Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, BA, 2013.

Nos três casos estudados, a maioria dos especialistas eram profissionais liberais com atuação no mercado privado. Em Feira de Santana, não havia centro de especialidades que concentrasse a oferta e, portanto, especialistas contratados por meio de chamada pública podiam atuar em suas clínicas privadas, em UBS ou policlínicas. Em Santo Antônio de Jesus e Vitória da Conquista, serviços especializados eram contratados por meio de licitações, sendo comum o não comparecimento dos prestadores.

Além da oferta para atender ao município sede, eram comprados serviços para atender à Programação Pactuada e Integrada da região de saúde, o que nem sempre era possível com base nos valores da Tabela SUS. Muitas vezes, municípios recebiam cota menor do que a pactuada, em função do que foi possível “negociar” com prestadores privados. Para os gestores e gerentes, a grande dependência do setor privado representava um entrave: “(...) vivemos num mundo capitalista, temos que trabalhar o SUS que é um modelo absolutamente não capitalista, para colocar esse sistema para funcionar precisando do setor privado, isso ainda gera conflito” (Gerente Estadual).

A compra de serviços especializados na lógica da aquisição de procedimentos também foi apontada por gestores como fator que mina as possibilidades de constituição de rede integrada e coordenação do cuidado pela APS: “O começo já fragmenta tudo...” (Gestor Municipal/Santo Antônio de Jesus).

As filas e os longos tempos de espera para atenção especializada foram situações comuns nos três casos. A solicitação de exames ou procedimentos sem protocolos ou critérios bem definidos intensificava a problemática nas regiões. Em Feira de Santana, médicos da rede privada podiam solicitar exames de “alta complexidade”, que eram autorizados pela central de marcação, competindo com usuários do SUS. O mutirão foi uma estratégia encontrada para minimizar os tempos de espera nos três municípios-sede.

Para os gestores, não bastava ampliar serviço, pois em municípios do interior do Bahia não se conseguia especialista. Destacaram que vazios assistenciais variavam muito no estado, embora fossem mencionados avanços com implantação de hospitais regionais.

As dificuldades para provisão de atenção especializada se refletiram na avaliação dos usuários. Nos três casos, cerca de metade daqueles que conheciam a ESF relataram ter necessitado de consulta com especialista nos últimos 12 meses. Desses, 44% a 51% buscaram atendimento em serviço privado, sendo comum a busca de serviços especializados sem referência da EqSF. Em Feira de Santana e Santo Antônio de Jesus, 11% e 9% dos usuários, respectivamente, buscaram atendimento privado, mesmo quando referenciados pela EqSF (Tabela 5). Cerca de 2/3 dos profissionais informaram que “sempre ou na maioria das vezes” conseguiam agendamento para consulta especializada. Nos três casos, maiores dificuldades, segundo profissionais, foram evidenciadas em relação ao agendamento de internações (Tabela 3). Somente Vitória da Conquista tinha central de regulação de leitos e internações própria.

Parcela dos usuários que conheciam a ESF (31% a 43%) informou necessidade de exames especializados nos últimos 12 meses. Para os que realizaram exame, a maioria em Feira de Santana (72%) e Vitória da Conquista (85%) declarou que o agendamento foi feito pela EqSF.

A construção das redes temáticas (linhas de cuidado) apresentava-se como avanço para constituição de redes regionalizadas e superação da fragmentação. As redes temáticas seriam um dispositivo para criação de plano estadual de atenção à saúde regional, segundo gestores estaduais.

Quanto à comunicação entre profissionais da rede, última dimensão da coordenação analisada, os gestores afirmaram que o sistema de contrarreferência era deficiente, agravando-se quando o usuário era atendido na rede contratada e conveniada. A contrarreferência só era realizada por solicitação ou cobrança do próprio usuário. A referência era instrumento para marcação de procedimentos e não de comunicação interprofissional. O inquérito com profissionais mostrou que apenas 5% a 13% referiram receber contrarreferência com frequência (Tabela 3).

A informatização das USF era parcial e, quando existente, limitava-se à marcação de consultas, não constituindo instrumento de fluxo comunicacional. Em Feira de Santana, foi relatada existência de prontuário eletrônico em algumas unidades, embora não compartilhado com demais serviços da rede. Segundo os gestores, era incipiente a implementação de protocolos clínicos.

Em Santo Antônio de Jesus, cerca de 43% das famílias relataram receber informações pós-alta hospitalar e 40% informou busca de informações ou visitas por profissional da EqSF durante a internação, destacando-se o agente comunitário de saúde (Tabela 5). Para profissionais, havia dificuldades para acompanhar usuários atendidos em serviços fora da APS (Tabela 3).

DISCUSSÃO

As quatro dimensões analisadas apontam limites que comprometem a coordenação do cuidado pela APS em territórios regionais. Nessa mesma perspectiva, Fausto et al.88. Fausto MCR, Giovanella L, Mendonça MHM, Seidl H, Gagno J. A posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde na perspectiva das equipes e usuários participantes do PMAQ-AB. Saude Debate. 2014;38 N. Espec:13-33. DOI:10.5935/0103-1104.2014S003
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reafirmam que a coordenação pela APS é dependente de porta de entrada com acesso oportuno e resolutivo, acolhimento e atendimento à demanda espontânea, oferta abrangente de ações e apoio matricial. Nos casos estudados, a função de porta de entrada preferencial depara-se com forte concorrência de serviços ambulatoriais, emergências hospitalares e pronto-atendimentos, desarticulados da rede, muitas vezes pensados para atender à demanda por atenção especializada, como os hospitais regionais. Tal situação é agravada por problemas na organização do trabalho na APS, com desequilíbrio entre ações programadas e demanda espontânea, barreiras também identificadas por outros estudos22. Almeida PF, Giovanella L, Nunan BA. Coordenação dos cuidados em saúde pela atenção primária à saúde e suas implicações para a satisfação dos usuários. Saude Debate. 2012;36(94):375-91. DOI:10.1590/S0103-11042012000300010
https://doi.org/10.1590/S0103-1104201200...
,88. Fausto MCR, Giovanella L, Mendonça MHM, Seidl H, Gagno J. A posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde na perspectiva das equipes e usuários participantes do PMAQ-AB. Saude Debate. 2014;38 N. Espec:13-33. DOI:10.5935/0103-1104.2014S003
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,99. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2009;14(3):783-94. DOI:10.1590/S1413-81232009000300014
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, e excesso de usuários por EqSF.

Destaca-se a necessidade de ampliação das ações clínicas da enfermagem, Núcleos de Apoio à Saúde da Família e saúde bucal como medidas que poderiam contribuir para que a população reconhecesse que a EqSF não se restringe ao médico. O estudo aponta, também, a necessidade de fortalecer a APS por meio da provisão regular de medicamentos e demais insumos. Apesar dos constrangimentos, a APS, na percepção de usuários e profissionais, parece apresentar boa resolubilidade, o que reafirma a necessidade de investimentos para fortalecê-la. A busca indistinta de serviços públicos como primeiro contato, sejam USF, policlínicas ou hospitais, demonstra a necessidade de organização e articulação da oferta de serviços na rede, de modo que o acesso via APS seja o preferencial.

Nos três casos, o percurso dos usuários se ramifica à medida que os serviços são fragmentados e a coordenação fica dispersa. Cecílio et al.77. Cecilio LCO, Andreazza R, Carapinheiro G, Araújo EC, Oliveira LA, Andrade MGG, et al. A Atenção Básica à Saúde e a construção das redes temáticas de saúde: qual pode ser o seu papel? Cienc Saude Coletiva. 2012;17(11):2893-902. DOI:10.1590/S1413-81232012001100006
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mostram que, embora usuários valorizem as USF, tecem uma teia de possibilidades conjugando recursos que esperam encontrar na APS e em outros serviços na rede. Quando se extrapola a coordenação para as regiões de saúde, o papel das EqSF se dissipa, por diversas razões. A oferta de serviços especializados é fortemente dependente do setor privado, cuja insuficiência e subfinanciamento públicos, aliados à utilização, por vezes, inadequada, pode ser apontada como fatores que dificultam a constituição das redes regionais. Além disso, nas regiões de saúde eleitas, há histórico vazio assistencial, dificuldade de atração e disponibilidade de algumas especialidades, desinteresse de médicos em serem servidores públicos (mediante precarização do trabalho no SUS) e alto poder de barganha de algumas especialidades. Tais problemas excedem a capacidade gestora dos municípios isoladamente, requerendo a tomada de posição compartilhada1515. Santos AM, Giovanella L. Governança regional: estratégias e disputas para gestão em saúde. Rev Saude Publica. 2014;48(4):622-31. DOI:10.1590/S0034-8910.2014048005045
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.

Embora a organização dos fluxos para especialidades via APS na região de saúde tenha sido formalmente constituída, a incorporação do especialista, por compra de procedimentos, acentua a fragmentação e fragiliza os mecanismos de coordenação e regulação assistenciais. Enquanto grandes municípios priorizam a constituição de serviços especializados territoriais11. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica. 2010;26(2):286-98. DOI:10.1590/S0102-311X2010000200008
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, no contexto de regiões de saúde parece ser premente a busca de outras formas de incorporação da retaguarda terapêutica, em uma perspectiva de redes intermunicipais. Nesse sentido, espaços como a Comissão Intergestores Regional precisam ser fortalecidos e reconhecidos como lócus de governança regional solidária, capaz de superar a lógica municipalista, ineficaz para a construção de redes regionalizadas para o cuidado integral. Para tanto, a Comissão Intergestores Regional deve aglutinar estratégias para que gestores possam firmar acordos conjuntos de compromissos sanitários para fortalecer a oferta pública de serviços, superando os frágeis mecanismos de contratualização com o setor privado, uma vez que não há adequado acompanhamento de metas pactuadas entre prestadores privados, restringindo-se à auditoria post factum. Em traços gerais, há relação de dependência recíproca entre setores público e privado; contudo, a dominância pendeu para os privados contratados e conveniados do SUS que definem, outrossim, os preços de mercado dos procedimentos e serviços à revelia do interesse público.

A necessidade de comunicação entre profissionais e prestadores é consensual para alcance de melhor coordenação do cuidado55. Boerma WGW. Coordenação e integração em atenção primária europeia. In: Saltman RB, Rico A, Boerma WGW, organizadores. Atenção Primária conduzindo as redes de atenção à saúde: reforma organizacional na atenção primária europeia. Berkshire: Open University Press; 2010. p.25-47.,1313. McDonald KM, Schultz E, Albin L, Pineda N, Lonhart J, Sundaram V, et al. Care Coordination Atlas Version 4. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2014. (AHRQ Publication, N.14-0037-EF).,aa Schang L, Waibel S, Thomson S. Measuring care coordination: health system and patient perspectives: report prepared for the Main Association of Austrian Social Security Institutions. London: LSE Health; 2013 [citado 2015 jul 5]. Disponível em: http://eprints.lse.ac.uk/59573/1/__lse.ac.uk_storage_LIBRARY_Secondary_libfile_shared_repository_Content_Schang%2C%20L_Schang_Measuring%20care%20coordination_2014.pdf . Ações de coordenação provavelmente irão falhar se estiverem sob responsabilidade apenas do médico44. Bodenheimer T. Coordinating care: a perilous journey through the health care system. N Engl J Med. 2008;358(10):1064-71. DOI:10.1056/NEJMhpr0706165
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. Neste estudo, por exemplo, o agente comunitário de saúde foi responsável pela busca de informações e por visitas durante a internação, indicando potencialidades para maximizar as ações de coordenação horizontais.

Como achados não previstos no estudo, mas com repercussões sobre o tema analisado, destaca-se a ausência do profissional médico na USF durante a coleta de dados, realizada antes e durante os pleitos municipais. Quando se analisa as perdas, percebe-se incidência maior sobre médicos, principalmente por causa da ausência ou presença esporádica desses profissionais nas USF. Mesmo que o pleito eleitoral tenha gerado instabilidade e acirrado a precariedade dos vínculos de trabalho, sobretudo em Feira de Santana e Santo Antônio de Jesus, houve maior afastamento das funções entre os médicos, especialmente por terem maior empregabilidade e possibilidade de estabelecimento de novos vínculos em outros municípios. As perdas são reveladoras de uma situação concreta também vivenciada por usuários, com reflexos nas dificuldades de acesso, no cuidado oportuno, levando à busca por serviços de pronto-atendimento e, por fim, inviabilizando a coordenação do cuidado pela APS.

Os constrangimentos para coordenação pela APS são de diversas ordens, englobando um conjunto de serviços que não conformam rede integrada, na perspectiva de articulação de sujeitos, saberes e práticas33. Ayres JRCM. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2009 [citado 2015 abr 9]. (Coleção Clássicos para Integralidade em Saúde). Disponível em: http://www.cepesc.org.br/wp-content/uploads/2013/08/miolo-livro-ricardo.pdf
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e uma APS que ainda carece de robustez em seus atributos essenciais, clamando por ações que ultrapassem as fronteiras municipais para a organização da rede de atenção em regiões de saúde.

Não obstante, constata-se que a consecução das regiões de saúde estudadas requer o cumprimento de responsabilidades entre gestores de entes distintos que, apesar das expectativas normativas da regionalização, não convergem para um planejamento que viabilize o território sanitário para além de uma visão burocrática e programática. As três regiões sinalizam que, para coordenação do cuidado, há premente necessidade de ampliação e qualificação dos serviços de primeiro contato via APS, pois permanecem problemas relativos à fragmentação e busca desordenada por serviços ofertados, sem adequada regulação assistencial.

As regiões de saúde indicam uma inflexão na descentralização e um caminho para viabilizar a integralidade assistencial1616. Santos L, Campos GWS. SUS Brasil: a região de saúde como caminho. Saude Soc. 2015;24(2):438-46. DOI:10.1590/S0104-12902015000200004
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. Porém, este estudo mostra que a coordenação, quando ocorre, limita-se ao território municipal das sedes regionais, ou seja, como a grande maioria dos municípios necessita de oferta de serviços de outros entes, a coordenação do cuidado via APS é inviabilizada, perdendo-se no fluxo apenas burocrático das centrais de marcação de consultas. Assim, mesmo que seja alcançada oferta ampla de serviços em um determinado território, a coordenação é um atributo essencial para viabilizar o cuidado continuado e a integração assistencial, requerendo, mais do que nunca, uma forte base de APS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    7 Ago 2015
  • Aceito
    14 Jan 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br