Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional-20 (IVCF-20): reconhecimento rápido do idoso frágil

Edgar Nunes de Moraes Juliana Alves do Carmo Flávia Lanna de Moraes Raquel Souza Azevedo Carla Jorge Machado Dalia Elena Romero Montilla Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar a adequação do Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 , instrumento de triagem rápida de vulnerabilidade em idosos brasileiros, para utilização pela atenção básica. O estudo incluiu amostra de conveniência de 397 pacientes com idade maior ou igual a 60 anos atendidos em um Centro de Referência para o Idoso e de 52 idosos da mesma idade atendidos na comunidade. Os resultados do questionário, constituído por 20 perguntas, foram comparados com aqueles da Avaliação Geriátrica Ampla, considerada referência para identificação do idoso frágil. Foi avaliada a correlação de Spearman do Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 com a Avaliação Geriátrica Ampla; a validade foi verificada pela área sob a curva ROC; a confiabilidade foi estimada pelo percentual de concordância entre avaliadores e coeficiente kappa, ambos com ponderação quadrática. Obteve-se ponto de corte com base no critério de maior acurácia. O alfa de Cronbach, medida de consistência interna, foi calculado. O coeficiente de correlação de Spearman foi elevado e positivo em ambos os grupos (0,792 para idosos atendidos no Centro de Referência para o Idoso e 0,305 para idosos da comunidade [p < 0,001]). A área sob a curva ROC para idosos atendidos no Centro de Referência para o Idoso foi substancial (0,903). O ponto de corte obtido foi seis e idosos com pontuação no Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 acima desse valor tinham forte possibilidade de serem frágeis. Para idosos da comunidade, a concordância ponderada quadrática entre avaliadores foi 99,5% e o coeficiente kappa ponderado quadrático global, 0,94. O alfa de Cronbach foi elevado para idosos atendidos no Centro de Referência para o Idoso (0,861) e da comunidade (0,740).

CONCLUSÕES

O questionário do Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20, na amostra analisada, mostrou ser positivamente correlacionado com a Avaliação Geriátrica Ampla, além de os resultados indicarem alto grau de validade e confiabilidade. Assim, o Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 se mostra viável como instrumento de rastreio na atenção básica que identifica o idoso com fragilidade (idoso em risco de fragilização e idoso frágil).

Idoso Fragilizado; Avaliação Geriátrica; Triagem, métodos; Atenção Primária à Saúde; Vulnerabilidade em Saúde

INTRODUÇÃO

O envelhecimento está intimamente associado ao processo de fragilização. Contudo, a idade, por si só, é um preditor de fragilidade inadequado, uma vez que o processo de envelhecimento segue padrão heterogêneo. A idade cronológica é apenas uma aproximação precária da idade biológica4. Assim, a heterogeneidade entre os indivíduos idosos é marcante e progressiva ao longo do processo de envelhecimento. Da mesma forma, envelhecer sem qualquer doença crônica é esporádico20. Com isso, conhecer apenas a idade dos indíviduos e o número de doenças crônicas não agrega possibilidades de maior compreensão da situação de saúde e capacidade do indivíduo idoso. Dessa forma, saúde no idoso pode ser compreendida como a capacidade individual de satisfação das necessidades biopsicossociais, independentemente da idade ou da presença de doenças.

O termo fragilidade é comumente utilizado para representar o grau de vulnerabilidade do idoso a desfechos adversos, como declínio funcional, quedas, internação hospitalar, institucionalização e óbito. Todavia, o termo fragilidade apresenta várias definições, dependendo da dimensão utilizada como referência, dificultando sua padronização e operacionalização na prática clínica e na comparação entre diferentes estudos5,17. Moraes et al.11, em estudo recente, consideram como fragilidade multidimensional a redução da reserva homeostática ou da capacidade de adaptação às agressões biopsicossociais e, consequentemente, aumento da vulnerabilidade ao declínio funcional e suas consequências.

A Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) é a principal ferramenta utilizada para identificar o idoso frágil e deve ser aplicada por equipe geriátrico-gerontológica especializada, na qual diversas escalas ou instrumentos são utilizados10. Sua duração média varia de 60 a 90 minutos12. Assim, pode-se considerar a AGA como um procedimento diagnóstico de alto custo, que necessita ser bem indicada. Torna-se, portanto, fundamental a utilização de instrumentos de triagem rápida, aplicados por qualquer profissional de saúde, como os agentes comunitários de saúde ou técnicos de enfermagem, capazes de reconhecer o idoso de risco. Embora sejam descritos na literatura vários instrumentos para triagem rápida de vulnerabilidade em idosos, aqueles que poderiam ser utilizados na atenção básica têm sua validação para uso prático ainda incipiente6. Instrumentos de triagem disponíveis para o idoso carecem da acurácia necessária para identificação do idoso frágil2. Tampouco foram encontrados trabalhos que avaliassem a inserção desses instrumentos na gestão integral do idoso a longo prazo, tanto pela atenção primária, quanto pela atenção secundária2.

No Brasil, os profissionais de saúde na atenção primária tendem a considerar um idoso como frágil baseando-se em sua aparência geral, ou quando tal indivíduo apresenta múltiplas doenças ou comorbidades. Para esses profissionais, a identificação adequada de idosos frágeis ou em risco de fragilização necessita ser simples e rápida. Alguns estudos testaram a eficácia de alguns instrumentos na identificação de fragilidade em idosos na atenção primária de saúde1,13,15,16, mas nenhum destes instrumentos foi especificamente concebido para identificação do idoso frágil, segundo a concepção de maior vulnerabilidade ao declínio funcional10-12. Além disso, estudos em países em desenvolvimento, com o propósito de encontrar um instrumento para tal identificação, são escassos.

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a adequação do Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional-20 (IVCF-20) como instrumento de triagem de fragilidade a ser utilizado por profissionais de saúde no Brasil. Para tanto, a AGA foi utilizada como padrão de referência.

A AGA permite um processo diagnóstico global e amplo, envolvendo o paciente e sua família, com a finalidade de verificar a saúde do idoso como um todo. Consiste na busca de informações referentes a vários aspectos: funcionalidade global, sistemas funcionais (cognição, humor, mobilidade, comunicação), sistemas fisiológicos principais, uso de medicamentos, história pregressa e fatores contextuais (avaliação sociofamiliar, ambiental e do cuidador). Permite classificar o idoso em um dos 10 estratos clínico-funcionais11. Um indivíduo no estrato clínico-funcional ≥ 4 é considerado frágil (Quadro). Entretanto, a utilização da AGA no contexto da atenção primária é inviável, apresentando uma relação custo-benefício insatisfatória em saúde pública. Por isso, é importante a definição de quem é o idoso a ser submetido à esta avaliação12. Assim, um instrumento de triagem multidimensional objetivo, simples e de rápida aplicação torna-se de grande importância.

Quadro
Classificação clínico-funcional dos idosos, segundo Moraes et al.11

Com essa finalidade, o IVCF-20 foi construído de forma interdisciplinar, com a participação de vários profissionais da equipe geriátrico-gerontológica especializada na atenção ao idoso. Contribuíram ainda agentes comunitários, auxiliares e técnicos de enfermagem, enfermeiros médicos, equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e gestores da atenção primária. Foi discutido por profissionais inseridos na atenção primária das regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Sul do Brasil, em reuniões e oficinas no Ministério da Saúde, com a participação de pesquisadores da área.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, com amostra de conveniência, no qual foram comparados os resultados obtidos por meio do uso do questionário IVCF-20a com os resultados verificados pelo uso da AGA.

O IVCF-20 é um questionário que contempla aspectos multidimensionais da condição de saúde do idoso, sendo constituído por 20 questões distribuídas em oito seções: idade (1 questão), auto-percepção da saúde (1 questão), incapacidades funcionais (4 questões), cognição (3 questões), humor (2 questões), mobilidade (6 questões), comunicação (2 questões) e comorbidades múltiplas (1 questão). Cada seção tem pontuação específica que perfazem um valor máximo de 40 pontos. Quanto mais alto o valor obtido, maior é o risco de vulnerabilidade clínico-funcional do idoso.

Os dados deste estudo foram obtidos de 449 pacientes atendidos no Centro de Referência do Idoso (CRI) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Instituto Jenny de Andrade Faria de Atenção ao Idoso), atendidos em 2014. Da amostra, 397 idosos foram avaliados no instituto e submetidos ao IVCF-20 e à AGA. A aplicação do IVCF-20 foi feita pela equipe de enfermagem, antes do atendimento geriátrico. A aplicação da AGA foi realizada por equipe geriátrico-gerontológica especializada. Os outros 52 pacientes foram avaliados pela equipe do CRI em sua comunidade, ou seja, em seu respectivo centro de saúde.

Todos os pacientes foram avaliados pelos dois questionários: IVCF-20 e AGA. Contudo, os pacientes avaliados no centro de saúde foram submetidos ao questionário IVCF-20 duas vezes, por dois profissionais de saúde (aqui identificados por A e B) que não sabiam do resultado obtido pelo outro.

O treinamento dos profissionais de saúde para aplicação do questionário foi feito pelos autores do presente estudo, no próprio CRI e no centro de saúde.

O Statistical Package for Social Sciences – Statistics for Windows (SPSS), versão 19.0, foi utilizado para a construção da base de dados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE 35321914.0.0000.5149).

Análise dos Dados

Os dados foram analisados com o uso do software Stata for MAC, versão 12.0. Obteve-se frequência absoluta e relativa de cada questão do IVCF-20 (variáveis categóricas), bem como média, mediana e desvio-padrão para variáveis contínuas. Os idosos avaliados no instituto (CRI) e os avaliados na comunidade foram descritos separadamente.

Para averiguar a correlação entre a AGA e o IVCF-20, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman entre esses dois indicadores. Para avaliar a validade do questionário IVCF-20 frente à AGA, foi obtida a área sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristic). A área sob a curva ROC (Area under the Curve – AUC) é uma medida resumo do desempenho de um teste frente ao padrão-ouro, ou seja, a capacidade no novo teste discriminar o indivíduo doente do não doente8. A interpretação dessa medida é a probabilidade do indivíduo portador de uma doença ou condição ter um resultado ao teste diagnóstico de maior magnitude que àquele não doente ou sem a condição. Quanto maior essa probabilidade, mais a AUC-ROC se aproxima de 1. Se for inferior à 0,50, a probabilidade de discriminar corretamente é a mesma de um teste que classifique ao acaso.

O uso da curva ROC permite estabelecer o melhor ponto de corte empírico, pois os programas que implementam a curva ROC também calculam o número de indivíduos corretamente classificados, considerado aqui como aquele ponto de corte que maximizou sensibilidade e especificidade conjuntamente. Obtido esse ponto de corte, variações na acurácia resultantes do uso do IVCF-20 no lugar da Avaliação Multidimensional do Idoso foram avaliadas, com a descrição da sensibilidade, especificidade, e valores preditivos positivo e negativo.

A confiabilidade foi avaliada pela concordância entre avaliadores, para os idosos avaliados na comunidade, e pela consistência interna, para esses mesmos idosos e para os idosos avaliados no CRI. Para a avaliação da concordância entre avaliadores foi usado o coeficiente kappa para cada item e o coeficiente kappa ponderado quadrático para o IVCF-20 global7. As classificações adotadas para o coeficiente foram: valores menores que 0 (zero) indicaram ausência de concordância; de 0 a 0,20, concordância ligeira; de 0,21 a 0,40, concordância considerável; de 0,41 a 0,60, concordância moderada; de 0,61 a 0,80, concordância substancial; de 0,81 a 1,00, concordância excelente7. Já a consistência interna foi avaliada pela correlação entre as respostas no IVCF-20 pela análise das respostas dos idosos ou da homogeneidade relativa entre um conjunto de vários itens no IVCF-20. Essa consistência interna foi explicitada pelo coeficiente alfa de Cronbach, o qual varia, principalmente, de zero a +1. A confiabilidade, medida pelo alfa de Cronbach, é maior quanto maior a associação interna simultânea entre as variáveis19. DeVellis3 considera que valores de 0,70 a 0,80 são respeitáveis; de 0,81 a 0,90, muito bons; acima de 0,90, o pesquisador deve considerar encurtar a escala, uma vez que esse valor elevado pode ser decorrente de perguntas redundantes18,19.

O nível de significância considerado foi 5%. Foi obtido intervalo de 95% de confiança para a AUC-ROC.

RESULTADOS

Visão Geral da Amostra

A Tabela 1 apresenta as frequências (absolutas e relativas) dos itens do IVCF-20 no grupo avaliado no CRI e no grupo de idosos da comunidade.

Tabela 1
Frequências (absolutas e percentuais) de indicadores de vulnerabilidade clínico-funcional.

A comparação dos dois grupos indicou diferenças nas proporções (p < 0,001). O grupo atendido no CRI era mais velho e mais vulnerável em todas as dimensões da vulnerabilidade clínico-funcional. Quanto aos escores finais médios, desvios-padrão (DP) e medianos, respectivamente, foram iguais a 12,6; 8,8; e 11 para os idosos atendidos no CRI; e 1,98; 4,5; e 1 para os idosos atendidos da comunidade.

Associação entre IVCF-20 e AGA

A correlação de Spearman entre o IVCF-20 e a AGA para a amostra de idosos atendidos no CRI foi 0,790 (p < 0,001), indicando correlação de magnitude elevada e positiva; esse valor foi 0,305 (p = 0,026) entre os idosos atendidos no centro de saúde, indicando correlação positiva.

Validade

A estatística AUC-ROC foi igual à 0,903 (IC95% 0,871–0,934), sendo bastante superior à 0,50 e muito próxima de 1 (Figura). O ponto de corte obtido foi 6 (seis) e, assim, valores maiores do que seis indicam idoso frágil. Para este valor obtido, o percentual classificado como correto (acurácia) foi 84,4% (335/397), sendo esta acurácia a maior dentre todos os possíveis pontos de corte obtidos. Assim, foram identificados os seguintes valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo, respectivamente: 90,5% (247/273); 71,0% (88/124); 87,3% (247/283); e 77,2% (88/114).

Figura
Curva ROC avaliando a variação da sensibilidade e especificidade para diferentes valores de corte.

Confiabilidade

Quanto aos avaliadores, o avaliador A, em maior proporção que o avaliador B, indicou esquecimento do paciente mencionado por familiar ou amigo, e desânimo, tristeza ou desesperança; comparativamente ao avaliador A, o avaliador B mencionou maior proporção de autopercepção de saúde regular ou ruim, piora do esquecimento, perda de interesse em atividades antes prazerosas, perda de capacidade aeróbica/muscular, incontinência esfincteriana, problemas de visão e comorbidades. Ainda assim, as médias e medianas dos avaliadores foram muito próximas e indicaram valores inferiores a três (idoso classificado como robusto). As médias dos avaliadores foram 1,7 (DP = 3,9) e 2,0 (DP = 4,4); e o valor mediano para ambos foi igual a 1.

Os percentuais de concordância e os coeficientes kappa mostraram-se elevados. Os coeficientes kappa foram quase perfeitos ou substanciais para todas as variáveis constituintes do IVCF-20, exceto para a variável “desânimo, tristeza ou desesperança no último mês”, que obteve concordância moderada (Tabela 2). A concordância ponderada quadrática foi igual a 99,5% para o índice global IVCF-20. Quanto ao kappa ponderado quadrático para o índice global IVCF-20, foi igual a 0,94, sendo considerado, então, quase perfeito.

Tabela 2
Frequências (valores absolutos e percentuais) dos indicadores de vulnerabilidade clínico funcional na população estudada – Entrevistadores distintos nas duas amostras com os mesmos indivíduos.

Os coeficientes alfa de Cronbach encontrados, para idosos atendidos no CRI e no centro de saúde, foram, respectivamente, 0,740 (valor considerado respeitável) e 0,861 (valor considerado muito bom).

DISCUSSÃO

Este estudo comparou o IVCF-20 com a AGA. Primeiramente foi avaliada a correlação entre os resultados obtidos de ambas as avaliações, para verificar se tinham relação entre si, o que foi feito pela correlação de postos de Spearman. Assim, pôde-se confirmar que valores elevados obtidos por um instrumento também eram elevados no outro. Esse resultado era esperado, tendo em vista que as avaliações têm objetivos semelhantes de classificar o idoso quanto à presença de fragilidade. Além disso, foi obtido em uma população menos frágil e outra população mais frágil, o que corrobora a viabilidade de aplicação do IVCF-20 em populações distintas.

Após averiguar a existência da relação positiva entre as duas variáveis, a validade do instrumento IVCF-20 foi aferida pela estatística AUC-ROC. Tal aferição foi feita para os idosos atendidos no CRI e o instrumento foi considerado válido. Foi obtido, ainda, o ponto de corte para discriminar os idosos frágeis com base no critério de maior acurácia. Com base neste critério, obteve-se testes com sensibilidade superior a 90,0% e especificidade superior a 70,0%. Este resultado de elevada sensibilidade, mesmo em detrimento de uma maior especificidade, é desejável, tendo em vista que testes de triagem (rastreio) devem ter sensibilidade elevada para não perder indivíduos doentes (falsos negativos)9.

Quanto à confiabilidade, foi feito deliberadamente um esforço para avaliar esta confiabilidade tanto entre os idosos do centro de saúde quanto do CRI. Todos os indicadores medidos no centro de saúde indicaram que o instrumento era confiável: estatísticas de concordância e kappa elevados, bem como coeficiente alfa de Cronbach. No caso do CRI, o coeficiente alfa foi o único avaliado, mas acompanhou os resultados obtidos no centro de saúde.

Os achados referentes à estatística kappa indicaram estabilidade entre os avaliadores, condição fundamental na definição do instrumento. Já os resultados da estatística alfa de Cronbach encontrados neste estudo indicam que as perguntas que compõem o IVCF-20 medem um mesmo construto (alfa > 0,70) e que as perguntas não são redundantes (alfa < 0,90)20. Assim, trata-se de um instrumento considerado confiável na população avaliada.

É um instrumento de fácil utilização e de rápida aplicação. Dessa forma, o IVCF-20 mostra-se como bom instrumento para identificação inicial do idoso de risco, capaz de reconhecer o idoso que precisa ser submetido a uma avaliação realizada por equipe geriátrico-gerontológica especializada.

Assim, o IVCF-20 pode ser considerado uma metodologia de AGA realizada por profissionais não especialistas em geriatria e gerontologia, que pode ser aplicado por profissionais de nível médio previamente treinados. Entretanto, ressalta-se que se trata de um instrumento de triagem inicial. Outras possíveis aplicações do instrumento seriam:

  • Indicação de intervenções interdisciplinares capazes de melhorar a autonomia e independência do idoso e prevenir o declínio funcional, institucionalização e óbito, para aqueles idosos nos quais não foi possível aplicar a AGA. Apesar de ser imprescindível a aplicação da AGA em todos os idosos, poucas regiões do Brasil contam com especialistas em Geriatria e Gerontologia. Nessa situação, o IVCF-20 permite a sugestão de várias medidas preventivas que podem ser úteis para o idoso e sua família até que seja possível a avaliação geriátrico-gerontológica especializada.

  • Função gerencial, como instrumento qualificador de vulnerabilidade, permitindo a identificação e o monitoramento da população de maior risco para internação hospitalar e uso excessivo dos equipamentos de saúde.

  • Planejamento de demanda programada na atenção primária, como definição de grupo de idosos que necessitarão de atendimento diferenciado na unidade básica de saúde.

  • Estruturação e direcionamento da consulta geriátrico-gerontológica especializada: planejamento da consulta especializada do idoso, destacando as dimensões de sua saúde que merecem uma investigação mais detalhada.

A aplicação do instrumento também deve ser diversificada para outras modalidades de atendimento ao idoso, tais como clínicas geriátricas, centros de convivência, serviços de urgência e emergência e instituições de longa permanência.

Este estudo possui limitações. Devido ao fato de ter incluído idosos provenientes de apenas um centro de saúde na comunidade e de um centro de referência em atenção secundária geriátrica, é possível que não seja representativo da população alvo, que é de idosos. Além disso, a amostra é de conveniência, e é possível que idosos mais fragilizados não estejam representados. Assim, os idosos deste estudo podem ser mais saudáveis do que a população de idosos em geral. Adicionalmente, embora o número de pacientes obtidos seja considerável (mais de 400 idosos), os resultados tem capacidade limitada de ser extrapolado para outros municípios ou outras regiões de Minas Gerais.

Em conclusão, este instrumento pode ser utilizado como triagem inicial na atenção básica. Entretanto, é fundamental ressaltar que o IVCF-20 não substitui a avaliação realizada por equipe geriátrica-gerontológica especializada. O idoso frágil necessita de abordagem especializada, em uma unidade de referência para o idoso, e a avaliação multidimensional completa é imprescindível para um correto projeto terapêutico interdisciplinar.

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    Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional (IVCF-20). Questionário na íntegra disponível em: www.ivcf20.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    9 Fev 2016
  • Aceito
    26 Ago 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br