Tradução, adaptação cultural e validação do Diabetes Empowerment Scale – Short Form

Fernanda Figueredo Chaves Ilka Afonso Reis Adriana Silvina Pagano Heloísa de Carvalho Torres Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Traduzir, adaptar culturalmente e validar o Diabetes Empowerment ScaleShort Form para aplicação no contexto cultural brasileiro.

MÉTODOS

A análise do instrumento, para avaliar a equivalência conceitual e de itens, bem como sua tradução e adaptação cultural, foram realizadas de acordo com a metodologia padrão. A etapa de avaliação pelo comitê de juízes foi conduzida por meio de questionário eletrônico, desenvolvido e aplicado pela ferramenta web e-Surv. A versão adaptada foi utilizada durante o pré-teste, aplicado via ligação telefônica, a um grupo de 11 usuários com diabetes melito tipo 2. Os resultados do pré-teste foram examinados por profissionais da área da saúde, linguística aplicada e estatística, para obtenção de uma versão adequada do instrumento. Em seguida, foi aplicada no teste e reteste em amostra de 100 usuários com diabetes, por ligação telefônica, com registro das respostas dos usuários por meio da ferramenta e-Surv. As análises de consistência interna e reprodutibilidade foram realizadas no ambiente de programação estatística R.

RESULTADOS

Foi possível obter validade de face e de conteúdo do instrumento, que resultou na versão em português, intitulada Escala de Autoeficácia em Diabetes – Versão Curta. A escala apresentou consistência interna aceitável, com alfa de Cronbach igual a 0,634 (IC95% 0,494–0,737), enquanto a concordância do escore total nos dois momentos foi considerada moderada (0,47). O coeficiente de correlação intraclasse teve o valor de 0,50.

CONCLUSÕES

O processo de tradução e de adaptação para a língua portuguesa falada no Brasil gerou uma versão do instrumento considerada válida e confiável para a população brasileira. A utilização do e-Surv para o registro dos dados coletados do comitê de juízes, assim como das respostas dos testes de validação, mostrou-se uma metodologia confiável, segura e inovadora.

Diabetes Mellitus; Efeitos Psicossociais da Doença; Inquéritos e Questionários; Traduções; Reprodutibilidade dos Testes; Estudos de Validação

INTRODUÇÃO

O diabetes melito é uma das condições crônicas mais frequentes do mundo. O Brasil tem a maior prevalência da América do Sul: aproximadamente 11,9 milhões de brasileirosaaInternational Diabetes Federation. Diabetes atlas. Brussels; 2014 [citado 2015 mar 19]. Disponível em: http://www.idf.org/diabetesatlas . As práticas educativas na condição do diabetes buscam levar o usuário do serviço de saúde a assumir a responsabilidade por seu próprio cuidado. Isso pode reduzir os riscos de complicações e aumentar a qualidade de vida11. Anderson RM, Funnell MM, Fitzgerald JT, Marrero DG. The Diabetes Empowerment Scale: a measure of psychosocial self-efficacy. Diabetes Care. 2000;23(6):739-43. https://doi.org/10.2337/diacare.23.6.739
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. Essas práticas educativas consideram os aspectos comportamentais, psicossociais e clínicos do usuário com diabetes22. Anderson RM, Funnell MM, Nwankwo R, Gillard ML, Fitzgerald JT, Oh MS. Evaluation of a problem-based, culturally specific, patient education program for African Americans with diabetes [abstract]. Diabetes. 2001;50 Suppl. 2:A195..

Especialistas da Universidade de Michigan, EUA, realizaram a elaboração, adaptação e validação do Diabetes Empowerment Scale (DES) com 37 questões que deram origem à versão curta do instrumento Diabetes Empowerment Scale – Short Form (DES-SF). Esse instrumento possui oito questões direcionadas à avaliação da autoeficácia psicossocial e abrange os domínios: necessidade de mudança de comportamento, desenvolvimento de um plano de cuidados, superação de barreiras, solicitação de apoio, cuidar de si, gerenciamento das emoções, motivações pessoais, e a tomada de decisões adequadas sobre o cuidado do diabetes11. Anderson RM, Funnell MM, Fitzgerald JT, Marrero DG. The Diabetes Empowerment Scale: a measure of psychosocial self-efficacy. Diabetes Care. 2000;23(6):739-43. https://doi.org/10.2337/diacare.23.6.739
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,33. Anderson RM, Fitzgerald JT, Gruppen LD, Funnell MM, Oh MS. The Diabetes Empowerment Scale-Short Form (DES-SF). Diabetes Care. 2003;26(5):1641-2. https://doi.org/10.2337/diacare.26.5.1641-a
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,44. Bandura A. Health promotion by social cognitive means. Health Educ Behav. 2004;31(2):143-64. https://doi.org/10.1177/1090198104263660
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.

Dentre os instrumentos que avaliam a autoeficácia em diabetes1010. Gastal DA, Pinheiro RT, Vazquez DP. Self-efficacy scale for Brazilians with type 1 diabetes. Sao Paulo Med J. 2007;125(2):96-101. https://doi.org/10.1590/s1516-31802007000200006
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,1717. Pereira MG, Almeida P. Auto-eficácia na diabetes: conceito e validação da escala. Anal Psicol. 2004;22(3):585-95., o DES-SF destaca-se por ser eficaz, sucinto, prático e rápido na sua aplicação. Pode ser aplicado via ligação telefônica a amplo número de usuários, antes e depois de uma intervenção educativa22. Anderson RM, Funnell MM, Nwankwo R, Gillard ML, Fitzgerald JT, Oh MS. Evaluation of a problem-based, culturally specific, patient education program for African Americans with diabetes [abstract]. Diabetes. 2001;50 Suppl. 2:A195.,33. Anderson RM, Fitzgerald JT, Gruppen LD, Funnell MM, Oh MS. The Diabetes Empowerment Scale-Short Form (DES-SF). Diabetes Care. 2003;26(5):1641-2. https://doi.org/10.2337/diacare.26.5.1641-a
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.

Um grupo de pesquisadores da Escola de Enfermagem, em parceria com o Laboratório Experimental de Tradução da Faculdade de Letras e Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolve estudos acerca da tradução, adaptação e validação de instrumentos em saúde no escopo do projeto “Empodera – Inovação metodológica nas práticas educativas orientadas à autonomia no cuidado em saúde”. O grupo constatou a necessidade de se utilizar o DES-SF nas práticas educativas direcionadas aos aspectos psicossociais dos usuários e de se disponibilizar aos profissionais da área da saúde um instrumento que avalie a autoeficácia em diabetesbbTorres HC, Reis IA, Pagano AS. Empoderamento do pesquisador nas ciências da saúde. Belo Horizonte (MG): FALE/UFMG; 2015..

O objetivo do presente estudo foi realizar a tradução, adaptação cultural e validação do DES-SF para aplicação no contexto cultural brasileiro.

MÉTODOS

O processo de validação da versão brasileira do DES-SF foi precedido pela solicitação de autorização para a utilização do instrumento, que foi concedida pelo autor principal11. Anderson RM, Funnell MM, Fitzgerald JT, Marrero DG. The Diabetes Empowerment Scale: a measure of psychosocial self-efficacy. Diabetes Care. 2000;23(6):739-43. https://doi.org/10.2337/diacare.23.6.739
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,88. Epstein J, Osborned RH, Elsworth GR, Beatone DE, Guillemin F. Cross-cultural adaptation of the Health Education Impact Questionnaire: experimental study showed expert committee, not back-translation, added value. J Clin Epidemiol. 2013;68(4):360-9. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2013.07.013
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.

Conceitos relacionados ao diabetes foram explorados na análise da equivalência conceitual e de itens para se verificar se as dimensões do instrumento eram relevantes ao contexto cultural brasileiro. Foi realizada ampla revisão bibliográfica, além de encontros interdisciplinares com profissionais da área da saúde, linguística aplicada e integrantes do Núcleo de Gestão, Educação e Avaliação em Saúde (NUGEAS) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, para discussão e avaliação do instrumento.

Constatada a viabilidade e pertinência de se utilizar o DES-SF no Brasil, procedeu-se à tradução para o português brasileiro por dois tradutores graduados em Letras. Foram elaboradas duas versões em português, que foram comparadas, e gerada uma versão síntese. A retrotradução foi seguida pela revisão da equivalência semântica por um professor doutor em Letras, especializado em tradução e adaptação de instrumentos. Obteve-se assim uma versão consolidada.

A versão consolidada foi submetida para exame por um comitê interdisciplinar de juízes, composto por 19 profissionais da área de linguística aplicada e 19 profissionais da área da saúde. Foi utilizado um questionário eletrônico, aplicado por meio da ferramenta web e-Surv55. Buchanan E, Hvizdak EE. Online survey tools: ethical and methodological concerns of human research ethics committees. J Empir Res Hum Res Ethics. 2009;4(2):37-48. https://doi.org/10.1525/jer.2009.4.2.37
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. As páginas do questionário continham a questão do instrumento em inglês e uma caixa de texto para que o juiz escrevesse com as próprias palavras a tradução proposta. Abaixo, havia duas perguntas: a) “Você acha que o texto em português está de acordo com o do inglês?” e b) “Você acha que a tradução proposta está clara e de fácil entendimento para o entrevistado?”. As opções de respostas eram: “sim”, “não” e “em parte”. Ao responder “não” e “em parte”, justificativas das inadequações e sugestões eram solicitadas para que o texto pudesse ser aprimorado. A validade de face e de conteúdo do instrumento foi analisada dessa forma.

A versão adaptada foi utilizada no pré-teste, aplicada via ligação telefônica a um grupo de 11 usuários com diagnóstico de diabetes melito tipo 2. Os usuários eram de ambos os sexos, com idades entre 30 e 75 anos e capazes de ouvir e responder verbalmente às questões contidas no instrumento. Não participaram do estudo os usuários com complicações crônicas como: insuficiência renal crônica dialítica; cegueira; amputação de membros e diagnóstico de distúrbios psiquiátricos graves.

Utilizou-se um questionário eletrônico na plataforma e-Surv para o registro das perguntas de compreensão dos usuários, com as seguintes opções: 1) Usuário não teve nenhuma dificuldade de entender a frase; 2) Usuário teve dificuldade de entender a frase; 3) Usuário solicitou a repetição da frase mais de uma vez; e 4) Usuário não respondeu à frase. Ao cabo de três aplicações com diferentes usuários, eram realizados encontros conduzidos por um grupo de especialistas, formado por profissionais de linguística aplicada, saúde e estatística que atuavam em pesquisas com enfoque na adaptação cultural de instrumentos ou eram especialistas em diabetes. Foram feitos ajustes de expressão no instrumento para facilitar o entendimento dos usuários. Após quatro encontros, foi construída a versão final do instrumento (Tabela 1).

Tabela 1
Versão original e versão final do instrumento, traduzida e adaptada culturalmente. Brasil, 2015.

Essa versão foi aplicada via ligação telefônica em 100 usuários com diabetes melito tipo 2. Utilizou-se o processo de amostragem aleatória simples e o software G-Power foi utilizado para o cálculo do tamanho da amostra . Foi considerado nível de significância de 5%, poder de teste de 80,0%, desvios padrões iguais nas pontuações do teste e do reteste e coeficiente de correlação de 0,30 (valor mínimo a ser detectado na avaliação de consistência), o tamanho de amostra mínimo requerido foi de 82 usuários. Considerando a taxa de atrito não superior a 20,0%, foram recrutados 100 usuários para compor a amostra inicial99. Faul F, Erdfelder E, Lang AG, Buchner A. G*Power 3: a flexible statistical power analysis program for the social, behavioral, and biomedical sciences. Behav Res Methods. 2007;39(2):175-91. https://doi.org/10.3758/bf03193146
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.

O instrumento foi aplicado em dois momentos (teste e reteste), com intervalo de 15 dias entre eles, como preconizado na literatura para esta etapa de validação88. Epstein J, Osborned RH, Elsworth GR, Beatone DE, Guillemin F. Cross-cultural adaptation of the Health Education Impact Questionnaire: experimental study showed expert committee, not back-translation, added value. J Clin Epidemiol. 2013;68(4):360-9. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2013.07.013
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,2323. Tavakol M, Dennick R. Making sense of Cronbach’s alpha. Int J Med Educ. 2011;2:53-5. https://doi.org/10.5116/ijme.4dfb.8dfd
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. A primeira e a segunda entrevista foram realizadas pelo mesmo entrevistador, nos mesmos horários.

As respostas obtidas, por sua vez, foram registradas por meio de um questionário implementado com o uso ferramenta web e-Survcce-Surv. Create online surveys for free. Reino Unido; 2001 [citado 2015 jan 6]. Disponível em: https://eSurv.org?s=LIEJOO_dcfefe5e , questionário esse composto pelas seguintes seções: 1) Instruções para o entrevistador; 2) Dados sociodemográficos e clínicos do usuário; 3) Questão do instrumento traduzido e adaptado; e 4) Observações do entrevistador.

Na seção 1, o entrevistador foi orientado a acolher o usuário, explicar o estudo, em especial os objetivos, obter sua anuência para participar, fornecer as respostas, e ainda solicitar que a ligação pudesse ser gravada. Na seção 2, foram coletados os dados sociodemográficos e as informações clínicas, como tempo do diagnóstico da condição do diabetes, tipo de tratamento e relato de problemas de saúde. Na seção 3, o entrevistador realizou a leitura de cada questão da versão adaptada do instrumento. A escala utilizada foi: “estou muito de acordo” – 5 pontos; “estou de acordo” – 4 pontos; “não tenho opinião” – 3 pontos; “não estou de acordo” – 2 pontos, e “não estou de acordo de jeito nenhum” – 1 ponto. A pontuação final do instrumento foi calculada utilizando-se a média das pontuações nas oito questões, e considerada alta a pontuação de 3,8 a 5,0, moderada de 2,4 a 3,7 e baixa de 1 a 2,311. Anderson RM, Funnell MM, Fitzgerald JT, Marrero DG. The Diabetes Empowerment Scale: a measure of psychosocial self-efficacy. Diabetes Care. 2000;23(6):739-43. https://doi.org/10.2337/diacare.23.6.739
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Realizou-se análise descritiva dos dados, para caracterizar a amostra segundo as variáveis sociodemográficas e clínicas. O coeficiente alfa de Cronbach (consistência interna) e o coeficiente de correlação de Spearman (correlação entre as respostas aos itens do instrumento nos momentos do teste e do reteste) foram utilizados como medida de concordância entre duas aferições para a avaliação da confiabilidade. Este último foi escolhido devido à sua menor sensibilidade a valores discrepantes, comparado à sua versão paramétrica66. Conover WJ. Practical nonparametric statistics. 3.ed. New York: Wiley; 1999.. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) também foi utilizado como medida de concordância entre a pontuação total obtida em duas aplicações do instrumento, enquanto o teste de Wilcoxon foi utilizado para se verificar se houve diferença estatística entre a pontuação mediana da primeira e da segunda aplicação do instrumento. O nível de significância adotado para a inferência estatística foi de 5,0%1515. Pal SK. Statisttics for geoscientists: techniques and applications. New Delhi: Concept Publishing Company;1998..

Os dados coletados foram armazenados com código identificador em uma planilha eletrônica de dados, importada para análise no ambiente de programação estatística RddR Development Core Team. R Foundation for Statistical Computing. Viena; 2014 [citado 2015 jan 20]. Disponível em: http://www.R-project.org/ .

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer 1.018.006/2015). O consentimento dos usuários em participar do estudo e responder às perguntas do questionário foi registrado antes da gravação das ligações telefônicas no momento do teste.

RESULTADOS

A análise da equivalência conceitual e de itens, a tradução e a adaptação cultural contribuíram para a consolidação de uma versão consensual da escala em português brasileiro, denominada Escala de Autoeficácia em Diabetes – Versão Curta (EAD-VC).

Em relação às respostas do comitê de juízes, a questão 6 apresentou maior frequência de respostas “em parte” para necessidade de adequação da tradução do inglês para o português, com frequência (31,6%) no grupo da área de letras e (57,9%) no grupo da área da saúde. Nas demais questões, houve maior frequência de avaliações com respostas “em parte” e “não” no grupo de respondentes da área da saúde. Todas as sugestões feitas pelos juízes foram amplamente discutidas até a obtenção da versão adaptada.

A versão adaptada foi aplicada no pré-teste em uma amostra de 11 usuários dos serviços de Saúde. Observou-se que 60,0% dos usuários tiveram dificuldade em entender três questões (2, 6 e 7) devido a termos utilizados, o que exigiu que o entrevistador repetisse a questão e explicasse a frase. Isso levou à reformulação da tradução dessas questões, com escolhas de itens mais facilmente compreensíveis, como “motivado” em lugar de “animado”, “cuidar” no lugar de “tratar”, “programar” no lugar de “planejar”. Em vez da primeira pessoa do discurso (“eu”) no início das questões constantes no instrumento traduzido, utilizou-se a terceira pessoa do discurso, na forma polida “o(a) senhor(a)”, para que o aplicador interagisse oralmente com o usuário e facilitar a aplicação via ligação telefônica.

Para a análise da confiabilidade do instrumento, uma amostra de 100 usuários com diabetes melito tipo 2 e inseridos em Unidades Básicas de Saúdes foi recrutada. Entre os entrevistados, 38,0% possuíam escolaridade básica incompleta e 66,0% eram inativos (aposentados ou do lar) (Tabela 2). A média de idade era de 61,3 anos (DP = 8,7 anos), enquanto a duração média da doença era de 10 anos (DP = 7,6 anos). A autoeficácia média no teste foi de 4,4 (DP = 0,5) e, no reteste, de 4,4 (DP = 0,4) (Tabela 3).

Tabela 2
Caracterização da amostra estudada para validação da Escala de Autoeficácia em Diabetes – Versão Curta (EAD-VC). Brasil, 2015.

Tabela 3
Distribuição de frequências absolutas das pontuações para cada questão do instrumento nos momentos de teste e reteste. Brasil, 2015.

A consistência interna foi avaliada pelo alfa de Cronbach considerando os dados da primeira aplicação, quando os usuários não haviam tido contato com o instrumento. A Escala de Autoeficácia em Diabetes – Versão Curta apresentou um alfa de Cronbach = 0,634 (IC95% 0,494–0,737) e teve a sua consistência interna considerada aceitável.

Para avaliar a influência de cada item na consistência interna do instrumento, o alfa de Cronbach foi calculado retirando-se uma questão de cada vez (Tabela 4). Comparando-se apenas os valores das estimativas pontuais do alfa, somente a retirada do item 1 aumentou o valor da estimativa pontual de alfa. O item 1 teve os maiores índices de discordância, tanto no teste quanto no reteste, com respostas mais divergentes do que as respostas aos outros itens. Com a retirada do item 1, a pontuação total da escala ficou mais homogênea, aumentando o índice alfa.

Tabela 4
Correlação entre as respostas no teste e no reteste (item a item e pontuação total) e coeficiente alfa de Cronbach (α) para Escala de Autoeficácia em Diabetes – Versão Curta. Brasil, 2015.

A confiabilidade do instrumento foi avaliada usando-se a correlação entre as respostas a cada item do teste e do reteste por meio do coeficiente de correlação de Spearman (Tabela 4) Apesar do baixo valor desse coeficiente em algumas das questões (3, 5 e 8), a concordância do escore total foi considerada moderada (0,47). Para as questões 3 e 8, houve concentração de respostas nas categorias “de acordo” e “muito de acordo” no teste (questão 3) ou no reteste (questão 8) (Tabela 3). Paralelamente, o exame do cruzamento das respostas às questões 3 e 8 no teste e no reteste (não apresentado no texto) mostrou que a maioria dos usuários que disseram estar “de acordo” ou “muito de acordo” no primeiro momento também escolheu uma dessas duas respostas no segundo momento (97,0% e 100%, respectivamente). No entanto, essa alta concentração das respostas em duas categorias em um dos momentos provocou muitos empates nos postos utilizados no cálculo do coeficiente de Spearman, o que levou a valores muito baixos para o coeficiente nessas questões, visto que é sensível a empates.

A confiabilidade teste-reteste do instrumento foi apoiada pela análise do coeficiente de correlação intraclasse após duas semanas, com concordância moderada (CCI = 0,50; IC95% 0,495–0,504).

A pontuação mediana no momento do reteste foi considerada maior do que a pontuação mediana do teste (diferença entre as medianas igual a 1 ponto; teste de Wilcoxon, p = 0,013). No entanto, ao se reduzir as respostas para três opções (“não estou de acordo ou muito de acordo”, “não tenho opinião” e “estou de acordo ou muito de acordo”), a diferença entre as pontuações medianas não foi considerada estatisticamente significante (diferença entre as medianas amostrais igual a zero; teste de Wilcoxon, p = 0,757).

Houve diferença no tempo de resposta ao instrumento no teste-reteste nas duas aplicações. Todos os usuários despenderam entre cinco e 10 minutos no teste e tempo inferior a cinco minutos no reteste. Os dados sociodemográficos e clínicos foram coletados na segunda seção do questionário no e-Surv.

DISCUSSÃO

A avaliação da equivalência conceitual e de itens mostrou que o instrumento é viável e prático de ser utilizado nas ações educativas em diabetes no Brasil. Isso fundamentou sua tradução e adaptação cultural. A validade de face e de conteúdo foram consideradas adequadas na análise semântica da escala. A avaliação da compreensão dos itens foi satisfatória pelos especialistas no comitê de juízes e pelos usuários da população-alvo. A população-alvo era constituída por usuários com níveis de escolaridade heterogêneos, critério adotado para se averiguar que linguagem era apropriada para todos os níveis, seguindo o recomendado na literatura sobre o tema1212. Lee JW, Jones PS, Mineyama Y, Zhang XE. Cultural differences in responses to a Likert scale. Res Nurs Health. 2002;25(4):295-306. https://doi.org/10.1002/nur.10041
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,1313. Leksell J, Funnell M, Sandberg G, Smide B, Wiklund G, Wikblad K. Psychometric properties of the Swedish Diabetes Empowerment Scale. Scand J Caring Sci. 2007;21(2):247-52. https://doi.org/10.1111/j.1471-6712.2007.00463.x
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,1919. Scatena LM, Wysocki AD, Beraldo AA, Magnabosco GT, Brunello ME, Ruffino-Netto A, et al. Validity and reliability of a health care service evaluation instrument for tuberculosis. Rev Saude Publica. 2015;49:1-11. https://doi.org/10.1590/s0034-8910.2015049005548
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. O instrumento foi adequado em particular para ser utilizado como texto falado, visando a facilitar o diálogo e a compreensão dos usuários, bem como maior proximidade ao contexto cultural brasileiro77. Drennan J. Cognitive interviewing: verbal data in the design and pretesting of questionnaires. J Adv Nurs. 2003;42(1):57-63. https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2003.02579.x
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,1818. Rosal MC, Carbone ET, Goins KV. Use of cognitive interviewing to adapt measurement instruments for low-literate Hispanics. Diabetes Educ. 2003;29(6):1006-16. https://doi.org/10.1177/014572170302900611
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.

A análise de consistência interna forneceu valor do alfa de Cronbach de 0,634 (IC95% 0,494–0,737). Esse resultado está entre os valores aceitáveis pela literatura2323. Tavakol M, Dennick R. Making sense of Cronbach’s alpha. Int J Med Educ. 2011;2:53-5. https://doi.org/10.5116/ijme.4dfb.8dfd
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. Os estudos1313. Leksell J, Funnell M, Sandberg G, Smide B, Wiklund G, Wikblad K. Psychometric properties of the Swedish Diabetes Empowerment Scale. Scand J Caring Sci. 2007;21(2):247-52. https://doi.org/10.1111/j.1471-6712.2007.00463.x
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,1414. Mahjouri MY, Arzaghi SM, Heshmat R, Khashayar P, Esfahani EN, Larijani B. Psychometric properties of the Iranian version of Diabetes Empowerment Scale (IR-DES-28). J Diabetes Metab Disord. 2012;11(1):4. https://doi.org/10.1186/2251-6581-11-4
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,1616. Park C, Park YH. Validity and reliability of Korean version of Health Empowerment Scale (K-HES) for older adults. Asian Nurs Res. 2013;7(3):142-8. https://doi.org/10.1016/j.anr.2013.07.004
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,2020. Shiu ATY, Wong RYM, Thompson DR. Development of a reliable and valid Chinese version of the diabetes empowerment scale. Diabetes Care. 2003;26(10):2817-21. https://doi.org/10.2337/diacare.26.10.2817
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, que validaram a versão original do instrumento com 37 questões, apresentaram valores de alfa de Cronbach superiores a 0,70. Entretanto, não foram encontrados estudos que descrevem a validação de versões traduzidas e adaptadas do DES-SF para serem comparados com os nossos dados. Além disso, Tavakol e Dennick2323. Tavakol M, Dennick R. Making sense of Cronbach’s alpha. Int J Med Educ. 2011;2:53-5. https://doi.org/10.5116/ijme.4dfb.8dfd
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(2011) afirmam que o valor do alfa de Cronbach é afetado pelo tamanho do instrumento, de modo que, se este for curto, o valor do alfa tende a ser reduzido.

A pontuação mediana do reteste pode ser considerada igual à pontuação mediana do teste, o que indica que não houve mudanças estatisticamente significativas na autoeficácia dos usuários entre o teste e o reteste.

Foram encontrados diferentes instrumentos que avaliam a autoeficácia em diabetes na literatura1010. Gastal DA, Pinheiro RT, Vazquez DP. Self-efficacy scale for Brazilians with type 1 diabetes. Sao Paulo Med J. 2007;125(2):96-101. https://doi.org/10.1590/s1516-31802007000200006
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,1717. Pereira MG, Almeida P. Auto-eficácia na diabetes: conceito e validação da escala. Anal Psicol. 2004;22(3):585-95.,2222. Tassitano RM, Farias Júnior JC, Rech CR, Tenório MCM, Cabral PC, Silva GAP. Validação de escalas psicossociais para atividade física em jovens universitários. Rev Saude Publica. 2015;49:47. https://doi.org/10.1590/s0034-8910.2015049005465
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. Todavia, a Escala de Autoeficácia em Diabetes – Versão Curta (EAD-VC) destaca-se por sua facilidade e viabilidade de aplicação. Sobretudo, pode ser aplicada via ligação telefônica, além de representar um indicador de processo e resultado das práticas educativas em diabetes, o que possibilita a longitudinalidade do cuidado2424. Utz SW, Williams IC, Jones R, Hinton I, Alexander G, Yan G, et al. Culturally tailored Intervention for rural African Americans with type 2 diabetes. Diabetes Educ. 2008;34(5):854-65. https://doi.org/10.1177/0145721708323642
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,2525. Vasconcelos HCA, Freitas RWJF, Marinho NBP, Lima FET, Araújo TL, Damasceno MMC. Effectiveness of telephone interventions as a strategy for glycemic control: an integrative literature review. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):239-46. https://doi.org/10.1590/s0104-07072013000100029
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.

O processo de validação aqui apresentado possibilitou três constatações principais. A primeira foi feita durante a aplicação do instrumento e diz respeito à necessidade de se problematizar a pertinência e a adequação da utilização de uma escala de Likert com cinco opções. Isso porque os usuários tendem a concordar ou não com determinada questão sem, no entanto, conseguirem quantificar a intensidade dessa concordância ou discordância. Isso confirma observações feitas em outros estudos e sugere a necessidade de se adaptar a escala para três opções1010. Gastal DA, Pinheiro RT, Vazquez DP. Self-efficacy scale for Brazilians with type 1 diabetes. Sao Paulo Med J. 2007;125(2):96-101. https://doi.org/10.1590/s1516-31802007000200006
https://doi.org/10.1590/s1516-3180200700...

11. Heine SJ, Lehman DR, Peng K, Greenholtz J. What’s wrong with cross-cultural comparisons of subjective Likert scales?: the reference-group effect. J Pers Soc Psychol. 2002;82(6):903-18. https://doi.org/10.1037/0022-3514.82.6.903
https://doi.org/10.1037/0022-3514.82.6.9...
-1212. Lee JW, Jones PS, Mineyama Y, Zhang XE. Cultural differences in responses to a Likert scale. Res Nurs Health. 2002;25(4):295-306. https://doi.org/10.1002/nur.10041
https://doi.org/10.1002/nur.10041...
,2121. Stewart AL, Thrasher AD, Goldberg J, Shea JA. A framework for understanding modifications to measures for diverse populations. J Aging Health. 2012;24(6):992-1017. https://doi.org/10.1177/0898264312440321
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. Entretanto, optou-se por manter o número de categorias da escala no presente estudo, a fim de tornar os resultados da aplicação da EAD-VC comparáveis aos estudos de outros países22. Anderson RM, Funnell MM, Nwankwo R, Gillard ML, Fitzgerald JT, Oh MS. Evaluation of a problem-based, culturally specific, patient education program for African Americans with diabetes [abstract]. Diabetes. 2001;50 Suppl. 2:A195.,33. Anderson RM, Fitzgerald JT, Gruppen LD, Funnell MM, Oh MS. The Diabetes Empowerment Scale-Short Form (DES-SF). Diabetes Care. 2003;26(5):1641-2. https://doi.org/10.2337/diacare.26.5.1641-a
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.

A segunda constatação foi observada na aplicação do reteste, em que alguns usuários responderam de forma diferente algumas das questões. Estudo1818. Rosal MC, Carbone ET, Goins KV. Use of cognitive interviewing to adapt measurement instruments for low-literate Hispanics. Diabetes Educ. 2003;29(6):1006-16. https://doi.org/10.1177/014572170302900611
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que enfocou o comportamento de entrevistados de comunidades de ascendência latino-americana nos EUA apontou para aleatoriedade nas respostas dos participantes com baixa escolaridade e idade avançada (> 60 anos). Características semelhantes dos usuários entrevistados no presente estudo podem explicar os resultados moderados do CCI (0,50) e Spearman (0,47).

A terceira constatação relaciona-se à utilização de um questionário eletrônico implementado por meio da ferramenta web e-Surv, que se mostrou uma metodologia confiável, segura e inovadora. Durante a consulta ao comitê de juízes, o e-Surv contribuiu para a integração entre as áreas da saúde, linguística aplicada e estatística na adaptação do instrumento, além de oferecer a cada juiz a possibilidade de fazer sugestões individuais e independentes da sua localização. Isso favoreceu a sensação de anonimato e permitiu ao participante expressar determinadas opiniões que não faria pessoalmente55. Buchanan E, Hvizdak EE. Online survey tools: ethical and methodological concerns of human research ethics committees. J Empir Res Hum Res Ethics. 2009;4(2):37-48. https://doi.org/10.1525/jer.2009.4.2.37
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. O e-Surv também facilitou a digitação dos dados coletados nos testes de validação, pois a planilha com as informações das entrevistas é gerada automaticamente. Precisa apenas de alguns ajustes para ser organizada no formato adequado à importação e à análise no ambiente de programação estatística R1717. Pereira MG, Almeida P. Auto-eficácia na diabetes: conceito e validação da escala. Anal Psicol. 2004;22(3):585-95..

O presente estudo contribuiu para disponibilizar um instrumento compreensível, viável de ser aplicado via ligação telefônica a amplo número de usuários para a avaliação da autoeficácia psicossocial. Isso possibilita a melhoria do cuidado em diabetes no Brasil1616. Park C, Park YH. Validity and reliability of Korean version of Health Empowerment Scale (K-HES) for older adults. Asian Nurs Res. 2013;7(3):142-8. https://doi.org/10.1016/j.anr.2013.07.004
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.

A necessidade da realização de novos estudos para a obtenção de evidências de validade e confiabilidade da EAD-VC, utilizando outras amostras representativas, compostas por diferentes grupos regionais, constitui uma limitação deste estudo. Essa limitação será sanada por meio de um processo contínuo de avaliação do instrumento, cujo processo deve ser sensível à evolução do construto do instrumento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2015
  • Aceito
    14 Jan 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br