Mortalidade infantil por cor ou raça em Rondônia, Amazônia Brasileira

Caroline Gava Andrey Moreira Cardoso Paulo Cesar Basta Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar a qualidade dos registros de nascidos vivos e de óbitos infantis e estimar a taxa de mortalidade infantil segundo cor ou raça, a fim de explorar iniquidades étnico-raciais em saúde.

MÉTODOS

Estudo descritivo que analisou a qualidade dos registros do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e do Sistema de Informações sobre Mortalidade em Rondônia, Amazônia brasileira, entre 2006-2009. As taxas de mortalidade infantil foram estimadas nas categorias de cor ou raça, pelo método direto, e corrigidas por: (1) distribuição proporcional dos óbitos com cor ou raça ignorada; e (2) aplicação de fatores de correção. Efetuou-se também o cálculo da mortalidade proporcional por causas e grupos etários.

RESULTADOS

Entre 2008-2009, a captação de nascimentos e óbitos melhorou em relação aos anos de 2006-2007, requerendo fatores de correção menores para estimar a taxa de mortalidade infantil. O risco de morte de crianças indígenas (31,3/1.000 nascidos vivos) foi maior que o registrado nos demais grupos de cor ou raça, excedendo em 60% a mortalidade infantil média no estado (19,9/1.000 nascidos vivos). As crianças pretas apresentaram as maiores taxas de mortalidade infantil neonatal, enquanto as indígenas apresentaram as maiores taxas de mortalidade infantil pós-neonatal. Observou-se que 15,2% dos óbitos indígenas foram por causas mal definidas, enquanto nos demais grupos não ultrapassaram 5,4%. A mortalidade infantil proporcional por doenças infecciosas e parasitárias foi maior entre indígenas, ao passo que entre crianças pretas, sobressaíram as causas externas (8,7%).

CONCLUSÕES

Observaram-se expressivas iniquidades na mortalidade infantil entre as categorias de cor ou raça, com situação mais desfavorável às crianças indígenas. Os fatores de correção propostos na literatura não consideram diferenças na subenumeração de óbitos entre as categorias de cor ou raça. A correção específica entre as categorias de cor ou raça provavelmente resultaria em exacerbação das iniquidades observadas.

Mortalidade Infantil; Declaração de Nascimento; Atestado de Óbito; Origem Étnica e Saúde; Desigualdades em Saúde; Estatísticas Vitais

INTRODUÇÃO

A taxa de mortalidade infantil (TMI) é considerada um indicador sintético capaz de refletir as condições de vida da população, a qualidade da assistência ao parto e ao recém-nascido e os problemas de saúde mais comuns no primeiro ano de vida1818. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011;377(9780):1863-76. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(11)60138-4
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,aaBarata RB. Condições de saúde da população brasileira. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Política e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2008. p.167-213.. De acordo com Victora et al.1818. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011;377(9780):1863-76. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(11)60138-4
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, houve importante redução da mortalidade infantil nas últimas três décadas no Brasil, atribuída sobretudo ao incremento nas condições socioeconômicas e sanitárias da população e no acesso aos serviços de saúde. Não obstante, estudos recentes sobre o tema têm evidenciado que a mortalidade infantil indígena permanece elevada, acima da experimentada por outros grupos de cor ou raça, superando em pelo menos duas vezes a média no país55. Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saude Publica. 2005;21(5):1602-8. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2005000500035
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,66. Cardoso AM, Coimbra Jr CEA, Barreto CTG, Werneck GL, Santos RV. Mortality among Guarani Indians in Southeastern and Southern Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27 Suppl 2:S222-36. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2011001400010
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,88. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Escobar AL, organizadores. Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003.,1010. Garnelo L, Macedo G, Brandão LC. Os povos indígenas e a construção das políticas de saúde no Brasil. Brasília (DF): Organização Pan-Americana da Saúde; 2003.,bbBasta PC, Orellana JDY, Arantes R. Perfil epidemiológico dos povos indígenas no Brasil: notas sobre agravos selecionados. In: Garnelo L; Pontes AL, organizadores. Saúde indígena: uma introdução ao tema. Brasília (DF): MEC,SECADI; 2012. p.60-106..

Estimativas confiáveis da mortalidade infantil, provenientes de cálculo pelo método direto, dependem essencialmente da qualidade dos registros de nascimentos e óbitos ocorridos em uma determinada população. Para se utilizar os dados vitais contidos nos Sistemas de Informação em Saúde é necessário considerar, dentre outros atributos, a cobertura dos eventos, a não duplicidade de registros, a completude das variáveis e a forma como os dados são mensurados1212. Lima CRA, Schramm JMA, Coeli CM, Silva MEM. Revisão das dimensões da qualidade dos dados e métodos aplicados na avaliação dos sistemas de informação em saúde. Cad Saude Publica. 2009;25(10):2095-109. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2009001000002
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.

Nessa perspectiva, recentes investigações indicam influência contínua da subenumeração de óbitos infantis e nascimentos sobre as TMI, fato que prejudica a validade das estimativas produzidas e a elucidação de fatores associados aos riscos de morte no primeiro ano de vida22. Andrade CLT, Szwarcwald CL. Desigualdades sócio-espaciais da adequação das informações de nascimentos e óbitos do Ministério da Saúde, Brasil, 2000-2002. Cad Saude Publica. 2007;23(5):1207-16. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2007000500022
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,99. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WS, Lira PIC. Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1048-58. https://doi.org/10.1590/50034-8910.2013047004839
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,ccSzwarcwald CL, Morais Neto OL, Frias PG, Souza Junior PRB, Cortez Escalante JJ, Lima RB, et al. Busca ativa de óbitos e nascimentos no Nordeste e na Amazônia Legal: estimação da mortalidade infantil nos municípios brasileiros. In: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011. p.99-114., particularmente em regiões e grupos populacionais em desvantagem social55. Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saude Publica. 2005;21(5):1602-8. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2005000500035
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,1212. Lima CRA, Schramm JMA, Coeli CM, Silva MEM. Revisão das dimensões da qualidade dos dados e métodos aplicados na avaliação dos sistemas de informação em saúde. Cad Saude Publica. 2009;25(10):2095-109. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2009001000002
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. Para corrigir tais deficiências, alguns autores têm desenvolvido estratégias alternativas, que incluem análises prévias e críticas acerca da qualidade das bases de dados vitais e estimativas indiretas, além da aplicação de fatores de correção antes de efetuar o cálculo da mortalidade infantil55. Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saude Publica. 2005;21(5):1602-8. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2005000500035
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,99. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WS, Lira PIC. Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1048-58. https://doi.org/10.1590/50034-8910.2013047004839
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,ccSzwarcwald CL, Morais Neto OL, Frias PG, Souza Junior PRB, Cortez Escalante JJ, Lima RB, et al. Busca ativa de óbitos e nascimentos no Nordeste e na Amazônia Legal: estimação da mortalidade infantil nos municípios brasileiros. In: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011. p.99-114..

Apesar do incremento de publicações científicas em saúde com recorte étnico-racial a partir da incorporação da variável cor ou raça nos Sistemas de Informação em Saúde77. Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2005;21(5):1586-94. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2005000500033
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,1111. Gava C, Malacarne J, Rios DPG, Sant’Anna CC, Camacho LAB, Basta PC. Tuberculosis in indigenous children in the Brazilian Amazon. Rev Saude Publica. 2013;47(1):77-85. https://doi.org/10.1590/s0034-89102013000100011
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,1515. Travassos C, Williams DR. The concept and measurement of race and their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cad Saude Publica. 2004;20(3):660-78. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2004000300003
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,1717. Victora CG, Matijasevich A, Silveira MF, Santos IS, Barros AJD, Barros FC. Socio-economic and ethnic group inequities in antenatal care quality in the public and private sector in Brazil. Health Policy Plan. 2010;25(4):253-61. https://doi.org/10.1093/heapol/czp065
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, poucas pesquisas analisaram a situação da mortalidade infantil indígena55. Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saude Publica. 2005;21(5):1602-8. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2005000500035
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,66. Cardoso AM, Coimbra Jr CEA, Barreto CTG, Werneck GL, Santos RV. Mortality among Guarani Indians in Southeastern and Southern Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27 Suppl 2:S222-36. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2011001400010
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,88. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Escobar AL, organizadores. Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003.,1212. Lima CRA, Schramm JMA, Coeli CM, Silva MEM. Revisão das dimensões da qualidade dos dados e métodos aplicados na avaliação dos sistemas de informação em saúde. Cad Saude Publica. 2009;25(10):2095-109. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2009001000002
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,1414. Souza LG, Santos RV, Coimbra Jr CEA. Estrutura etária, natalidade e mortalidade do povo indígena Xavante de Mato Grosso, Amazônia, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Suppl 1:1465-73. https://doi.org/10.1590/s1413-81232010000700058
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,bbBasta PC, Orellana JDY, Arantes R. Perfil epidemiológico dos povos indígenas no Brasil: notas sobre agravos selecionados. In: Garnelo L; Pontes AL, organizadores. Saúde indígena: uma introdução ao tema. Brasília (DF): MEC,SECADI; 2012. p.60-106.. Além disso, nenhum dos estudos identificados utilizou técnicas de correção de subenumeração de óbitos e nascimentos. Acreditamos que esse tipo de análise possa aprofundar o conhecimento sobre a situação de saúde de crianças indígenas no Brasil e ampliar a discussão sobre iniquidades por cor ou raça.

Diante desse cenário, este estudo teve por objetivo analisar a qualidade dos registros de nascidos vivos e de óbitos infantis em Rondônia e estimar a taxa de mortalidade infantil segundo cor ou raça, a fim de explorar possíveis iniquidades étnico-raciais em saúde nesse estado.

MÉTODOS

O estado de Rondônia localiza-se na região norte do Brasil e é administrativamente dividido em 52 municípios. Segundo dados do último Censo Demográfico (2010)ddInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: resultados. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 [citado 2015 mai 8]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/resultados , a população do estado soma 1.562.409 habitantes, dos quais 13.076 se autodeclararam indígenas, o que representa menos de 1% do total. Ainda que pouco expressiva numericamente, a população indígena de Rondônia é caracterizada por grande diversidade étnica, sendo composta por mais de 50 etniaseeMinistério da Saúde (BR), Secretaria Especial de Saúde Indígena. Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena – SIASI: dados populacionais indígenas por diversos parâmetros de análise – Rondônia. Brasília (DF); 2013 [citado 2015 mai 8]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/secretaria-sesai/mais-sobre-sesai/9518-destaques .

Realizou-se um estudo epidemiológico descritivo da mortalidade infantil, segundo cor ou raça no estado de Rondônia. Para tal, foram consultadas as bases de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) disponibilizadas pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), referentes ao período de 1/1/2006 a 31/12/2009. Entretanto, os dados referentes aos anos de 2005 e 2010 foram utilizados para o cálculo de indicadores médios por triênios, para fins de correção de subenumeração de óbitos infantis.

A partir de 2011, a variável cor ou raça sofreu alteração no Sinasc. Em acordo com o documento técnico do Sinasc de 2011ffMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação Geral de Informações e Análises Epidemiológicas. Consolidação do Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos – 2011. Brasília (DF); 2013 [citado 2016 nov 29]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Consolida_Sinasc_2011.pdf , passou-se a coletar na Declaração de Nascido Vivo a cor ou raça da mãe e não mais a da criança. Por essa razão e para assegurar comparabilidade dos dados, não foram analisados em nosso estudo dados dos anos mais recentes. Neste estudo, a categoria de cor ou raça amarela foi excluída das análises em decorrência do pequeno número de eventos registrados no SIM (n = 2; 0,1%) e no Sinasc (n = 178; 0,2%).

Estimou-se a TMI pelo método direto, segundo categorias de cor ou raça, considerando no numerador e no denominador da razão, respectivamente, o número de óbitos infantis e de nascidos vivos informados e classificados em cada categoria de cor ou raça, multiplicado por 1.000. A fim de incorporar ao cálculo da TMI a totalidade dos nascidos vivos e óbitos em menores de um ano captados nos sistemas de informação, recorreu-se à estratégia de distribuir os nascidos vivos e óbitos infantis com cor ou raça ignorada proporcionalmente às categorias de cor ou raça informadas. Assim, obtiveram-se taxas de mortalidade infantil por cor ou raça proporcionalmente modificadas (TMIprop)55. Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saude Publica. 2005;21(5):1602-8. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2005000500035
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.

Visando à correção de subenumeração de óbitos e nascimentos, seguiram-se as recomendações do método proposto por Frias et al.99. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WS, Lira PIC. Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1048-58. https://doi.org/10.1590/50034-8910.2013047004839
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Para obter estimativas mais precisas acerca da mortalidade infantil no Brasil, esses autores estratificaram o coeficiente geral de mortalidade padronizado (CGMpad) em categorias (≥ 1 e < 2; ≥ 2 e < 3; ≥ 3 e < 4; ≥ 4 e < 5; ≥ 5 e < 5,5; ≥ 5,5 por 1.000 habitantes). Para cada categoria, os autores estabeleceram um fator de correção por unidade federativa (UF), separando os óbitos em menores de um ano e os óbitos em maiores de um ano de idade.

Em nosso estudo, no cálculo do CGMpad, utilizamos como referência a população do Brasil. Os dados populacionais empregados nos denominadores foram provenientes do IBGE, a partir dos censos e de estimativas intercensitárias, disponíveis no DatasusggMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS – DATASUS. Informações de Saúde (TABNET). [citado 2015 mar 3]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02 . Para obter as estimativas do CGMpad de 2006, 2007, 2008 e 2009, em Rondônia, empregou-se a média desse coeficiente por triênios agrupando respectivamente os anos a seguir: 2005 a 2007; 2006 a 2008; 2007 a 2009; e 2008 a 2010. Em seguida, foi aplicado o fator de correção para óbitos de menores de um ano, segundo as categorias propostas por Frias et al.99. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WS, Lira PIC. Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1048-58. https://doi.org/10.1590/50034-8910.2013047004839
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Já para correção das informações dos nascidos vivos, os autores criaram estratos para a Razão de Nascidos Vivos (RNV) informados e estimados (< 0,5; ≥ 0,5 e < 0,6; ≥ 0,6 e < 0,7; ≥ 0,7 e < 0,8; ≥ 0,8 e < 0,9; ≥ 0,9) e também estabeleceram para cada categoria um fator de correção por UF99. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WS, Lira PIC. Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1048-58. https://doi.org/10.1590/50034-8910.2013047004839
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. Em nosso estudo, utilizou-se a RNV fornecida pelos Indicadores e Dados Básicos do Brasil (IDB)ggMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS – DATASUS. Informações de Saúde (TABNET). [citado 2015 mar 3]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02 para o período em análise e foi aplicado o fator de correção correspondente por ano.

Em seguida, foram calculadas as TMI corrigidas por categoria de cor ou raça. Também foram calculadas as razões entre as taxas estimadas para cada categoria de cor ou raça, tomando por referência a média das TMI e as estimativas produzidas para as crianças pardas, que apresentaram menores TMI.

De maneira análoga, foram calculadas as TMI por cor ou raça, considerando os períodos neonatal precoce (óbitos até seis dias de vida), neonatal tardio (óbitos de sete a 27 dias de vida) e pós-neonatal (óbitos de 28 a 364 dias de vida).

Por fim, foi descrita a mortalidade infantil proporcional por Capítulos da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID10), segundo categorias de cor ou raça. Os dados foram estruturados em planilhas eletrônicas e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences versão 16.0.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública com protocolo nº 191/09, CAAE: 0203.0.031.000.09.

RESULTADOS

No período de 2006 a 2009 foram registrados 100.617 nascidos vivos no Sinasc, com média de 25.015 nascimentos ao ano. A proporção de nascidos vivos com cor ou raça ignorada foi 1,5%, 1,1%, 2,3% e 3,2%, nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente. No SIM, foram notificados 1.813 óbitos de menores de um ano, correspondendo a uma média anual de 454 óbitos infantis. A proporção de óbitos com cor ou raça ignorada foi de 9,4%, 18,0%, 19,7% e 13,6%, nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente.

A análise da qualidade dos dados contidos no Sinasc e no SIM em RO, por meio da RNV e do CGMpad, respectivamente, mostrou que nos anos 2008 e 2009 houve melhora na captação de nascimentos e óbitos em relação aos anos de 2006 e 2007. Os parâmetros relativos à qualidade das bases de dados vitais e os fatores de correção empregados estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Número de nascidos vivos (NV) registrados no Sinasc, óbitos de menores de um ano registrados no SIM, razão de NV (RNV), fator de correção (FC) de NV, coeficiente geral de mortalidade padronizado (CGMpad), FC de óbitos em menores de 1 ano, NV corrigidos e óbitos de menores de 1 ano corrigidos. Rondônia, Brasil, 2006-2009.

As TMI segundo cor ou raça e suas variantes estão apresentadas na Tabela 2. Houve incremento nas TMI em todas as categorias de cor ou raça quando aplicamos a distribuição proporcional dos óbitos e nascimentos com cor ou raça ignoradas e os fatores de correção. A TMI média entre as crianças indígenas e pretas foram notadamente maiores que a TMI média do estado e a TMI média entre as crianças pardas (Tabela 3). No ano 2007, verificou-se uma alteração expressiva no padrão da mortalidade infantil entre todas as categorias de cor ou raça, sobretudo entre as crianças pretas e indígenas, apresentando uma inversão no número de óbitos (Tabela 2).

Tabela 2
Número de Nascidos Vivos (NV) e óbitos infantis captados com cor ou raça no SIM e Sinasc e corrigidos e TMI estimadas por método direto (bruta) e corrigidas por distribuição proporcional dos NV e óbitos com cor ou raça não declarada (TMIprop) ou adicionalmente por aplicação do fator de correção (TMIFC), segundo cor ou raça e ano de ocorrência. Rondônia, Brasil, 2006-2009.
Tabela 3
Taxas de mortalidade infantil (TMI) quadrienais (2006-2009) brutas e corrigidas proporcionalmente e por aplicação do fator de correção e razões de taxas (em relação ao Estado e à categoria parda, de menor valor), por cor ou raça. Rondônia, Brasil, 2006-2009.

Aproximadamente 1/3 dos óbitos infantis ocorreram no período pós-neonatal. Entretanto, entre as crianças indígenas observou-se maior proporção de óbitos no período pós-neonatal (46,3%) (Tabela 4). Analisando a TMI no período neonatal, a categoria de cor ou raça preta apresentou a maior cifra, superando em 40% a taxa correspondente nas crianças pardas. A TMI no período pós-neonatal entre as crianças indígenas e pretas superou em 3,0 e 2,4 vezes a taxa correspondente entre as crianças pardas, respectivamente (dados não tabulados).

Tabela 4
Número de óbitos, taxas de mortalidade infantil (TMI) corrigidas e mortalidade proporcional por grupos de idade, segundo cor ou raça. Rondônia, Brasil, 2006-2009.

A mortalidade proporcional por causas não se distribuiu de maneira semelhante entre os capítulos da CID 10 nas categorias de cor ou raça (Tabela 5). De modo geral, houve predomínio de afecções perinatais em todas as categorias de cor ou raça, sendo os percentuais registrados entre as crianças pretas e indígenas de 47,8% e 45,5%, respectivamente. Destaca-se que 15,2% dos óbitos de crianças indígenas ocorreram por causas mal definidas, enquanto nas outras categorias de cor ou raça a proporção de óbitos por causas mal definidas não ultrapassou 5,4% (brancas). Entre as crianças indígenas, também houve maior mortalidade proporcional por doenças infecciosas e parasitárias (12,1%) em comparação às crianças brancas (5,8%), pretas (4,3%) e pardas (7,2%). Chama atenção ainda a maior proporção de óbitos por causas externas em crianças pretas de 8,7%, enquanto nas outras categorias de cor ou raça, a mortalidade por causas externas não ultrapassou 3,0%. Ainda entre as crianças pretas, houve maior proporção de óbitos por doenças do aparelho respiratório, aproximadamente três vezes superior à média das demais categorias de cor ou raça.

Tabela 5
Causas básicas de óbito em menores de um ano, segundo as categorias de cor ou raça e capítulos da CID-10. Rondônia, Brasil, 2006-2009.

DISCUSSÃO

A taxa de mortalidade infantil corrigida no estado de Rondônia para o período de 2006 a 2009 (19,9/1.000 NV) apresentou-se semelhante à TMI média nacional para o mesmo período (18,2/1.000 NV)ggMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS – DATASUS. Informações de Saúde (TABNET). [citado 2015 mar 3]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02 .

Em conjunto, nossas análises sugerem que existem limitações nas bases de dados do SIM e do Sinasc de Rondônia para o período estudado. Destacam-se a baixa cobertura ou subenumeração de óbitos e nascimentos, os problemas na completude de algumas variáveis e a baixa qualidade da informação sobre as causas básicas de óbito, sobretudo nos anos de 2006 e 2007. Os resultados indicam que essas limitações afetaram de forma diferencial as categorias de cor ou raça. Vale lembrar que de acordo com alguns autores44. Boing AF, Boing AC. Mortalidade infantil por causas evitáveis no Brasil: um estudo ecológico no período 2000-2002. Cad Saude Publica. 2008;24(2):447-55. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2008000200024
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,1616. Victora CG, Cesar JA. Saúde materno-infantil no Brasil: padrões de morbimortalidade e possíveis Intervenções. In: Rouquayrol MZ; Almeida Filho N. Epidemiologia e saúde. 6. ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p.415-68. diferenças registradas nos indicadores de mortalidade infantil entre distintos grupos populacionais podem indicar que as estratégias para prevenção de óbitos infantis não estão sendo aplicadas igualitariamente.

A despeito das limitações, foi possível notar que a captação dos eventos vitais melhorou nos anos 2008 e 2009, pois o CGM padronizado pela idade e a RNV apresentaram valores mais próximos dos padrões esperados, resultando na aplicação de fatores de correção menores. Ainda assim, foi possível notar expressivas iniquidades na mortalidade infantil entre as categorias de cor ou raça, sendo a situação mais desfavorável registrada entre as crianças pretas e indígenas.

Apesar do esforço efetuado por Szwarcwald et al.ccSzwarcwald CL, Morais Neto OL, Frias PG, Souza Junior PRB, Cortez Escalante JJ, Lima RB, et al. Busca ativa de óbitos e nascimentos no Nordeste e na Amazônia Legal: estimação da mortalidade infantil nos municípios brasileiros. In: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011. p.99-114. e por Frias et al.99. Frias PG, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Almeida WS, Lira PIC. Correção de informações vitais: estimação da mortalidade infantil, Brasil, 2000-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1048-58. https://doi.org/10.1590/50034-8910.2013047004839
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, ao elaborarem fatores de correção para as estatísticas vitais nas regiões Norte e Nordeste do país, diferenças na subenumeração de óbitos entre as categorias de cor ou raça não foram contempladas. Portanto, é importante sublinhar que mesmo após a aplicação dos fatores de correção neste estudo, nossas estimativas não corrigiram prováveis desigualdades na subenumeração de óbitos e NV entre as categorias de cor ou raça. A aplicação de fatores de correção específicos por categoria de cor ou raça provavelmente resultaria em exacerbação das iniquidades observadas. Todavia, esses fatores ainda não estão disponíveis para avaliar a real dimensão das iniquidades na mortalidade infantil no Brasil.

Diferentemente do registrado nas demais categorias de cor ou raça, a TMI entre as crianças pretas reduziu quase 70% de 2008 para 2009. Como esse fenômeno foi observado em apenas uma das categorias, que tradicionalmente sofre discriminação e desvantagens sociais, é pouco provável que essa redução represente uma efetiva melhora na assistência às crianças pretas. Ao contrário, essa redução pode ser indicativa de problemas relativos à subenumeração de óbitos infantis, ou meramente a uma variação aleatória no número de óbitos, entre as crianças pretas no ano de 2009.

Em Rondônia, de maneira geral, constatamos que aproximadamente 2/3 dos óbitos de menores de um ano ocorreram no período neonatal. De acordo com Victora et al.1616. Victora CG, Cesar JA. Saúde materno-infantil no Brasil: padrões de morbimortalidade e possíveis Intervenções. In: Rouquayrol MZ; Almeida Filho N. Epidemiologia e saúde. 6. ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p.415-68., os óbitos nesse período são, na quase totalidade, devidos às causas perinatais e às anomalias congênitas (também chamadas de causas endógenas). Portanto, estão relacionados a problemas na gestação e no parto, ou decorrem de desordens maternas de origem genética. Em conformidade com esses dados, a primeira e a segunda causa de óbitos de menores de um ano foram as afecções perinatais e as malformações congênitas, respectivamente. Em conjunto, essas causas responderam por quase 3/4 da mortalidade proporcional por capítulos da CID10 em Rondônia.

Por sua vez, a mortalidade no período pós-neonatal é presumivelmente devida às causas relacionadas a fatores ambientais, doenças infecciosas, desnutrição, entre outras causas também conhecidas como causas exógenas1616. Victora CG, Cesar JA. Saúde materno-infantil no Brasil: padrões de morbimortalidade e possíveis Intervenções. In: Rouquayrol MZ; Almeida Filho N. Epidemiologia e saúde. 6. ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p.415-68.. De modo geral, em Rondônia, os óbitos nesse período corresponderam a aproximadamente 1/3 do total dos óbitos infantis. Entretanto, as maiores proporções de óbitos no período pós-neonatal foram registradas entre as crianças indígenas e pretas, indicando desigualdades no acesso aos serviços de saúde e sugerindo precariedade nas condições socioeconômicas, ambientais e sanitárias nessas populações.

Reforçando a hipótese da existência de desigualdades no acesso aos serviços de saúde, a maior proporção de óbitos por causas mal definidas foi registrada entre as crianças indígenas (15,2%), valor aproximadamente três vezes maior que a observada nas demais categorias de cor ou raça declaradas. Óbitos por causas mal definidas indicam baixa qualidade ou ausência de assistência médica em qualquer contexto. Quando se trata de óbitos por causa mal definidas em menores de um ano, a situação é ainda mais grave. O Ministério da SaúdehhMinistério da Saúde (BR). Portaria GM nº 1.172, de 15 de junho de 2004. Regulamenta a NOB SUS 01/96 no que se refere às competências da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, na área de Vigilância em Saúde, define a sistemática de financiamento e dá outras providências. Brasília (DF); 2004 [citado 2016 nov 29]. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/Port_1172_2004.pdf preconiza que seja realizada vigilância epidemiológica e monitoramento da mortalidade infantil e materna em todo território nacional, visando a investigar óbitos por causas mal definidas, pois sua ocorrência prejudica a análise dos fatores que influenciam a mortalidade e, consequentemente, dificulta a elaboração de ações de intervençãoiiMinistério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. 2. ed. Brasília (DF); 2009..

Segundo levantamento sobre saúde materno-infantil no Brasil realizado por Victora et al.1818. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011;377(9780):1863-76. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(11)60138-4
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, as taxas de mortalidade infantil reduziram substancialmente nas últimas três décadas, sendo registradas diminuição de 5,5% ao ano entre as décadas de 1980 e 1990, e de 4,4% ao ano desde 2000, até chegar a 20 mortes por 1.000 NV, em 2008. Essa tendência de redução contínua e sustentada é decorrente da melhoria das condições socioeconômicas da população, bem como ampliação do acesso aos serviços de saúde e aperfeiçoamento do manejo das infecções respiratórias e da diarreia nas crianças33. Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RAA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011;377(9780):1877-89. https://doi.org/10.1016/s140-6736(11)60202-x)
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,jjMinistério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2009: uma análise da situação de saúde e da agenda nacional e internacional de prioridades em saúde. Brasília (DF); 2010. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).. Como consequência dessas mudanças, em tempos recentes, as afecções perinatais e as malformações congênitas tornaram-se as principais causas de morte em menores de um ano em todo o país, sobretudo nas regiões economicamente mais desenvolvidas.

Curiosamente, Rondônia, um estado situado na região Norte do País, onde historicamente a situação de saúde da população é desfavorável quando comparada aos grandes centros urbanos, apresentou padrão de mortalidade infantil com predomínio de óbitos devidos às afecções perinatais e às malformações congênitas. Essa constatação reforça nossa hipótese de que houve subenumeração de óbitos e nascimentos nos sistemas de informação, no período analisado. Provavelmente a subenumeração concentrou-se nas populações mais carentes e com menos acesso aos serviços de saúde, possivelmente residentes em áreas mais remotas.

Dado que mais de 90% dos nascimentos registrados em Rondônia no período analisado ocorreram em ambiente hospitalar11. Alves CG. Perfil de nascidos vivos e mortalidade infantil de Rondônia, com base nos dados provenientes do SINASC e do SIM, com enfoque na população indígena, 2006-2009 [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012., é admissível supor que a probabilidade de captar óbitos no período neonatal (antes de a criança completar 28 dias) foi maior do que no período pós-neonatal, quando as crianças já estavam em suas comunidades de origem. Esse problema seria potencialmente mais relevante nas populações indígenas que residem em áreas rurais isoladas. Dessa forma, a ocorrência de um óbito pós-neonatal nessas comunidades estaria mais sujeita à subenumeração, devido ao contato mais remoto com os serviços de saúde. Diante disso, é razoável pensar que em algumas situações os sepultamentos das crianças ocorreriam localmente, sem o conhecimento das autoridades. Esse fato pode ter subestimado as TMI aqui apresentadas para essas populações.

O predomínio de óbitos infantis em decorrência de afecções perinatais e malformações congênitas no cenário nacional impõe grandes desafios ao Sistema Único de Saúde, especialmente no que tange ao aprimoramento dos programas de assistência pré-natal, ao parto e ao puerpério11. Alves CG. Perfil de nascidos vivos e mortalidade infantil de Rondônia, com base nos dados provenientes do SINASC e do SIM, com enfoque na população indígena, 2006-2009 [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2012.,1313. Santos IS, Menezes AMB, Mota DM, Albernaz EP, Barros AJD, Matijasevich A, et al. Infant mortality in three population-based cohorts in Southern Brazil: trends and differentials. Cad Saude Publica. 2008;24 Suppl 3:s451-60. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2008001500011
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, sobretudo em regiões pobres do País e entre os segmentos menos favorecidos da população.

Por fim, com vistas a ampliar o conhecimento sobre os problemas relativos à subenumeração de óbitos infantis, sugere-se incorporar a perspectiva da etnicidade nos estudos sobre mortalidade infantil; ou ainda, diferenciar os fatores de correção por tipos de domicílio (urbano ou rural), que sabidamente influenciam no acesso aos serviços de saúde. Dessa forma, seriam fornecidos subsídios mais robustos para o aperfeiçoamento dos programas de assistência materno-infantil, com a consequente ampliação do acesso aos serviços de saúde, sobretudo às minorias étnicas, garantindo equidade e atendimento universal às necessidades específicas de cada segmento da população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2015
  • Aceito
    12 Abr 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br