Jornadas de trabalho associadas a cochilos não intencionais entre pilotos da aviação regular

Elaine Cristina Marqueze Ana Carolina B Nicola Dag Hammarskjoeld M D Diniz Frida Marina Fischer Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Identificar fatores associados aos cochilos não intencionais durante as jornadas de trabalho de pilotos da aviação regular.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico transversal conduzido com 1.235 pilotos brasileiros de avião do transporte aéreo regular, que realizavam voos nacionais ou internacionais, sendo a coleta de dados realizada on-line. Foi realizada análise de regressão logística bivariada e múltipla, tendo como variável dependente o cochilo não intencional durante o horário de trabalho. As variáveis independentes foram relacionadas a dados biodemográficos, características do trabalho, estilo de vida e aspectos do sono.

RESULTADOS

A prevalência do cochilo não intencional enquanto pilotava o avião foi de 57,8%. Os fatores associados ao cochilo não intencional foram: voar por mais de 65 horas por mês, atrasos técnicos frequentes, maior necessidade de recuperação após o trabalho, capacidade para o trabalho inferior à ótima, sono insuficiente e sonolência excessiva.

CONCLUSÕES

A ocorrência do cochilo não intencional durante a jornada de trabalho de pilotos da aviação regular está associada a fatores relacionados à organização do trabalho e à saúde.

Aviação; Recursos humanos; Privação do Sono; Epidemiologia; Condições de Trabalho; Trabalho em Turnos; Saúde do Trabalhador

INTRODUÇÃO

A aviação civil brasileira, de acordo com o Anuário do Transporte Aéreo de 2013 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)aaAgência Nacional de Aviação Civil. Anuário do Transporte Aéreo 2013. Brasília (DF): ANAC; 2013 [citado 2016 dez 7]. Disponível em: http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/628/Anu%C3%A1rio%20do%20Transporte%20A%C3%A9reo%20de%202013.pdf?sequence=1 , passou por mudanças expressivas na gestão operacional nos últimos anos, impactando diretamente nas operações de voo. A frota das empresas aéreas brasileiras chegou a 563 aviões ao final de 2013, representando um acréscimo de 8,7% em relação a 2012. O número de passageiros transportados atingiu o maior número da história: mais de 109 milhões, sendo 90 milhões em voos domésticos e 19,2 milhões nos voos internacionaisaaAgência Nacional de Aviação Civil. Anuário do Transporte Aéreo 2013. Brasília (DF): ANAC; 2013 [citado 2016 dez 7]. Disponível em: http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/628/Anu%C3%A1rio%20do%20Transporte%20A%C3%A9reo%20de%202013.pdf?sequence=1 . Entretanto, o número de funcionários das empresas seguiu a direção oposta, com redução do número de pilotosaaAgência Nacional de Aviação Civil. Anuário do Transporte Aéreo 2013. Brasília (DF): ANAC; 2013 [citado 2016 dez 7]. Disponível em: http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/628/Anu%C3%A1rio%20do%20Transporte%20A%C3%A9reo%20de%202013.pdf?sequence=1 . A média do número de funcionários por aeronave passou de 118 para 106,3, indicando que a diminuição é uma tendência da indústria aeronáutica. Essa redução atingiu tanto o pessoal de apoio em terra (aeroviários) como os aeronautas (pilotos e comissários de voo). Atualmente, os pilotos (comandantes e copilotos) representam em torno de 10% do quadro de funcionários das empresas aéreasaaAgência Nacional de Aviação Civil. Anuário do Transporte Aéreo 2013. Brasília (DF): ANAC; 2013 [citado 2016 dez 7]. Disponível em: http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/628/Anu%C3%A1rio%20do%20Transporte%20A%C3%A9reo%20de%202013.pdf?sequence=1 .

Diante desse cenário, a fadiga, os horários irregulares e as longas jornadas de trabalho (usualmente acima de oito horas diárias) dos pilotos gera preocupação quanto à segurança das operações aéreas44 Caldwell JA. Fatigue in aviation. Travel Med Infect Dis. 2005;3(2):85-96. https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07.008
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,1717 Powell DMC, Spencer MB, Holland D, Broadbent E, Petrie KJ. Pilot fatigue in short-haul operations: effects of number of sectors, duty length, and time of day. Aviat Space Environ Med. 2007;78(7):698-701.. Os voos que se iniciam de madrugada, os que terminam tarde da noite, os voos noturnos e o cruzamento de fusos horários provocam alterações no ciclo vigília-sono, nos níveis de alerta e na tomada de decisões dos pilotos durante os voos1212 Ingre M, Van Leeuwen W, Klemets T, Ullvetter C, Hough S, Kecklund G, et al. Validating and extending the three process model of alertness in airline operations. PLoS One. 2014;9(10):e108679. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0108679
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. Esses fatores podem ocasionar sonolência excessiva ao longo da jornada de trabalho, o que aumenta a propensão ao cochilo não intencional e o risco de incidentes ou acidentes de trabalho22 Akerstedt T, Wright KP Jr. Sleep loss and fatigue in shift work and shift work disorder. Sleep Med Clin. 2009;4(2):257-71. https://doi.org/10.1016/j.jsmc.2009.03.001
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,99 Goode JH. Are pilots at risk of accidents due to fatigue? J Safety Res. 2003;34(3):309-13. https://doi.org/10.1016/S0022-4375(03)00033-1
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. Ingre et al.1212 Ingre M, Van Leeuwen W, Klemets T, Ullvetter C, Hough S, Kecklund G, et al. Validating and extending the three process model of alertness in airline operations. PLoS One. 2014;9(10):e108679. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0108679
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observaram que os cochilos não intencionais são reflexo das condições e organização do trabalho dos pilotos. Os autores1212 Ingre M, Van Leeuwen W, Klemets T, Ullvetter C, Hough S, Kecklund G, et al. Validating and extending the three process model of alertness in airline operations. PLoS One. 2014;9(10):e108679. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0108679
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também mostraram que os cochilos não intencionais podem comprometer a segurança dos voos.

De fato, as atividades de trabalho dos pilotos são complexas e exigem múltiplas competências, tanto técnicas como relacionais. Dentre elas, a capacidade de concentração, de trabalhar sob pressão, de adaptação às mudanças operacionais, de trabalhar em equipe, de antecipar as consequências de um conjunto de sinais e interpretá-los para tomada de decisões rápidas1313 Itani A. Saúde e gestão na aviação: a experiência de pilotos e controladores de tráfego aéreo. Psicol Soc. 2009;21(2):203-12. https://doi.org/10.1590/S0102-71822009000200007
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. Com a sonolência excessiva, algumas dessas competências podem ficar comprometidas, e com elas, a segurança dos voos.

Dentro desse contexto, o objetivo do presente estudo foi identificar fatores associados aos cochilos não intencionais durante as jornadas de trabalho de pilotos da aviação regular.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico transversal conduzido com pilotos de avião do transporte da aviação regular, afiliados à Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil (Abrapac) e que trabalhavam nas cinco principais companhias aéreas brasileiras. A população alvo (todos os pilotos associados à Abrapac) totalizava 2.530 pilotos na época da coleta de dados. De acordo com os dados da AnacaaAgência Nacional de Aviação Civil. Anuário do Transporte Aéreo 2013. Brasília (DF): ANAC; 2013 [citado 2016 dez 7]. Disponível em: http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/628/Anu%C3%A1rio%20do%20Transporte%20A%C3%A9reo%20de%202013.pdf?sequence=1 , este número representava aproximadamente metade dos pilotos brasileiros da aviação regular. Foi enviado um convite individualizado para participação no estudo aos 2.530 pilotos por correio eletrônico. A coleta de dados on-line foi realizada no período de dezembro de 2013 a março de 2014, e durante esse período foram reenviados os convites de participação sistematicamente a cada 15 dias. Participaram da pesquisa 1.234 pilotos da aviação regular, que realizavam voos nacionais ou internacionais, totalizando 48,8% de retorno. A amostra do presente estudo foi de conveniência, uma vez que apenas os pilotos associados à Abrapac foram convidados para participar.

Após a leitura do termo de consentimento esclarecido, os pilotos deveriam registrar on-line que concordavam em participar do estudo; apenas após sua anuência era possível responder ao questionário. Por se tratar de um questionário on-line, os pilotos podiam responder parcialmente ao questionário e continuar a respondê-lo quando lhes fosse conveniente. Esse foi um fator que contribuiu para aumentar a participação. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (Protocolo 625.158).

As variáveis independentes foram: dados biodemográficos (sexo, estado civil, filhos menores de 12 anos de idade, número de pessoas que contribuem com a renda familiar, escolaridade), características do trabalho (tempo de trabalho como piloto, tempo de trabalho na empresa atual, função, local de residência, tipo de tripulação, frequência dos atrasos dos voos, tipo de folga, turno de trabalho, horas de voo, reserva e sobreavisobbBrasil. Lei 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Brasília (DF); 1984. Capítulo II; Seção III: Do Sobreaviso e Reserva. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7183.htm Art. 25 - Sobreaviso é o período de tempo não excedente a 12 horas, em que o aeronauta permanece em local de sua escolha, à disposição do empregador, devendo apresentar-se no aeroporto ou outro local determinado, até 90 minutos após receber comunicação para início de nova tarefa. § 1° - O número de sobreavisos que o aeronauta poderá concorrer não deverá exceder a dois semanais ou oito mensais. Art. 26 – Reserva é o período de tempo em que o aeronauta permanece, por determinação do empregador, em local de trabalho à sua disposição. § 1° - O período de reserva dos aeronautas de empresas de transporte aéreo regular não excederá de seis horas. § 3° - Prevista a reserva, por prazo superior a três horas, o empregador deverá assegurar ao aeronauta acomodações adequadas para o seu descanso. mensal, tempo de deslocamento entre a residência e a base contratual, tempo de deslocamento entre o hotel que pernoitou e o aeroporto, duração da jornada de trabalho, número de dias e de noites consecutivas de trabalho, número de escalas por dia, tempo de trabalho no turno noturno, horário de início e término das jornadas de trabalho, número de dias de folga, fatores que causam cansaço no trabalho, qualidade do local disponível para dormir dentro do avião e nos hotéis disponibilizados pelas empresas para pernoitar), estilo de vida (tabagismo e dependência do consumo de bebidas alcoólicas avaliada pelo AUDIT – Alcohol Use Disorders Identification Test2020 Saunders JB, Aasland OG, Babor TF, De La Fuente JR, Grant M. Development of the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT): WHO Collaborative Project on Early Detection of Persons with Harmful Alcohol Consumption-II. Addiction. 1993;88(6):791-804. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.1993.tb02093.x
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) e aspectos relacionados ao sono (descritos abaixo).

A variável dependente “cochilo não intencional” durante o trabalho foi avaliada por meio de uma questão única (“Você já cochilou não intencionalmente enquanto pilotava o avião?”), tendo como opção de resposta sim ou não. Essa questão foi adaptada do questionário de sono Karolinska (Unintended periods of sleep – nodding off – during work)11 Akerstedt T, Knutsson A, Westerholm P, Theorell T, Alfredsson L, Kecklund G. Sleep disturbances, work stress and work hours: a cross-sectional study. J Psychosom Res. 2002;53(3):741-8. https://doi.org/10.1016/S0022-3999(02)00333-1
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, em que o cochilo é considerado como qualquer período breve de sono inferior à metade da duração do sono principal, podendo ser alguns segundos ou minutos. As questões de como dorme e se dorme o suficiente, índice de problemas para acordar e índice de qualidade do sono também foram adaptadas do questionário de sono Karolinska11 Akerstedt T, Knutsson A, Westerholm P, Theorell T, Alfredsson L, Kecklund G. Sleep disturbances, work stress and work hours: a cross-sectional study. J Psychosom Res. 2002;53(3):741-8. https://doi.org/10.1016/S0022-3999(02)00333-1
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. Foi utilizado o questionário de Berlim para estimar a chance de desenvolver síndrome de apnéia obstrutiva do sono1515 Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin Questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med. 1999;131(7):485-91. https://doi.org/10.7326/0003-4819-131-7-199910050-00041
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. Para avaliação da sonolência excessiva foi utilizada a escala de sonolência de Epworth1515 Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin Questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med. 1999;131(7):485-91. https://doi.org/10.7326/0003-4819-131-7-199910050-00041
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.

Para avaliar a necessidade de recuperação após o trabalho foi utilizada a escala proposta por Veldhoven e Broersen2424 Veldhoven M, Broersen S. Measurement quality and validity of the “need for recovery scale”. Occup Environ Med. 2003;60 Suppl 1:i3-9. https://doi.org/10.1136/oem.60.suppl_1.i3
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, que possui pontuação de zero a 100, proporcionais à necessidade de recuperação. A capacidade física e mental para o trabalho foi avaliada pelo Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) desenvolvido por Tuomi et al.2323 Tuomi K, Ilmarinen J, Jahakola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional. São Carlos (SP): EDUFSCAR, 2005. O ICT fornece um escore que varia de sete a 49 pontos, e é composto por sete dimensões (capacidade para o trabalho atual, capacidade para o trabalho em relação às exigências do trabalho, número atual de doenças diagnosticadas por médico, perda estimada da capacidade para o trabalho devido às doenças, faltas ao trabalho por motivo de doenças nos últimos 12 meses, prognóstico próprio sobre a capacidade para o trabalho para os próximos dois anos)2323 Tuomi K, Ilmarinen J, Jahakola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional. São Carlos (SP): EDUFSCAR, 2005..

Sendo o cochilo não intencional durante o trabalho a variável de desfecho, o poder amostral da presente pesquisa foi de 88%, considerando um erro amostral de 5% (G*Power Version 3.1.4). A normalidade das variáveis foi testada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Foram descritas as frequências simples e relativas das variáveis estudadas e realizada análise de regressão logística bivariada e múltipla, tendo como variável dependente já ter cochilado não intencionalmente durante o horário de trabalho. Utilizou-se o teste de Hosmer-Lemeshow para testar a bondade do ajuste do modelo. Em todos os testes, foi considerado significante se p < 0,05. Para as análises estatísticas foi utilizado o programa Stata 12.0 (Stata corp, Texas, USA).

RESULTADOS

A maioria dos participantes (97,1%) era do sexo masculino, possuía companheiro (a) (84,3%) e não possuía filhos menores de 12 anos (61,3%). A idade média dos pilotos era de 39,1 anos (DP = 9,8 anos). O número de pessoas que contribuíam para a renda familiar era em média de 1,6 pessoas (DP = 0,7 pessoas).

A maioria dos pilotos (82,4%) estava cursando ou já tinha concluído curso universitário. O tempo de trabalho como piloto foi em média 15,2 anos (DP = 10,1 anos) e o tempo de trabalho médio na empresa aérea atual era de 5,8 anos (DP = 4,8 anos). A maioria dos respondentes atuava como comandante (57,9%), e os demais eram copilotos (42,1%); 53,7% não residiam no mesmo local de contratação da sua base contratual. Quase todos os participantes do estudo (91,2%) relataram voar quase sempre com tripulação simplesccTripulação simples é constituída basicamente de uma tripulação mínima acrescida quando for o caso, dos tripulantes necessários à realização do voo (Brasil. Lei 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Brasília (DF); 1984. Capítulo 1; Seção II: Das Tripulações. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7183.htm) (91,2%).

Elevado porcentual de pilotos relatou que frequentemente ou sempre ocorriam atrasos nos voos por conta de questões operacionais, de manutenção e de despacho (40,7%). O tipo de folga variava entre os pilotos, mas para 27,6% eram folgas simples (de apenas um dia). O turno de trabalho de quase todos os pilotos (94,1%) era irregular e envolvia o turno noturno – período compreendido entre 22h às 5h.

A média mensal de horas de voo foi de aproximadamente 65 horas. O tempo de deslocamento entre a residência e a base contratual era quase três vezes maior entre aqueles que residiam fora da base contratual em comparação aos que residiam no mesmo local da sua base. Destaca-se que a maioria residia fora da sua base contratual. A jornada de trabalhoddSegundo a Lei 7.183 de 5 de abril de 1984, a jornada de trabalho é contada a partir da hora de apresentação no local de trabalho (base contratual), ou no local estabelecido pelo empregador (fora da base contratual). Encerra-se a jornada 30 minutos após a parada final dos motores (Brasil. Lei 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Brasília (DF); 1984. Capítulo II; Seção II: Da Jornada de Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7183.htm) foi mais extensa no turno matutino, seguida do turno vespertino e noturno (Tabela 1).

Tabela 1
Médias e desvios-padrão das jornadas mensais de trabalho, tempo de deslocamento, dias de trabalho e de folga entre pilotos da aviação regular brasileira.

Quanto aos horários de trabalho nos turnos matutino, vespertino e noturno, o turno matutino contemplava maior proporção de pilotos que iniciavam o seu trabalho antes das 6h. O horário de término de trabalho no turno vespertino foi em sua maior proporção após às 22h. Já no turno noturno, o horário de início de trabalho foi em sua maior proporção antes das 22h (Tabela 2).

Tabela 2
Horários de trabalho entre pilotos da aviação regular brasileira.

Sobre as condições de trabalho que poderiam estar associadas a maior cansaço, os principais fatores relatados entre os pilotos foram: as longas jornadas de trabalho, horários de trabalho, pouco tempo de descanso entre as jornadas de trabalho e trabalho noturno (Figura).

Figura
Percepção dos fatores que causam cansaço no trabalho entre pilotos da aviação regular brasileira.

Ao atribuírem uma nota de zero (pior situação) a 10 (melhor situação) sobre a qualidade do local disponível para dormir dentro do avião (em local destinado para esse fim e externo à cabine) quando o repouso é permitido, os pilotos avaliaram esses locais, em relação à luminosidade, ruído, conforto térmico e conforto físico, sendo as médias 2,82, 2,14, 4,07 e 1,85 pontos, respectivamente. A qualidade dos hotéis disponibilizados pelas empresas aéreas para o descanso também foi avaliada quanto aos mesmos parâmetros e as médias foram maiores em comparação aos locais do avião (5,84, 5,25, 6,66 e 6,24 pontos, respectivamente).

O porcentual de fumantes foi baixo (7%). A proporção de pilotos que relatou consumo de bebidas alcoólicas foi de 75%. Entre os que consomem, o uso de baixo risco foi relatado por 75,2%, o uso moderado por 23,6% e o uso nocivo ou de possível dependência foi relatado por 1,2%.

Entre os 1.234 pilotos, 578 doenças com diagnóstico médico foram referidas, sendo as doenças mais prevalentes as lesões, os distúrbios musculoesqueléticos, as doenças digestivas e as respiratórias (35,8%, 28,2%, 24,6% e 21,6%, respectivamente).

O tempo médio referido da latência de sono (tempo entre o deitar e o início de sono) após trabalhar no turno diurno foi de 40,7 minutos e após o turno noturno foi de 38,3 minutos. A duração do sono após trabalhar nos turnos diurnos e noturnos foi respectivamente de 6,9 horas (DP = 1,2 h) e 6,7 horas (DP = 1,9 h). Nos dias de folga, a duração do sono foi maior do que nos dias de trabalho (8,8 horas). Ao serem questionados se dormem o suficiente, 31,2% referiram que dormem pouco. Sobre a qualidade subjetiva de sono, 10,6% dos pilotos a classificaram como ruim. O porcentual médio da necessidade de recuperação após o trabalho em uma escala de zero (menor necessidade) a 100% (maior necessidade) foi de 61,2% (DP = 26,4%).

A maioria dos pilotos referiu que já cochilou não intencionalmente enquanto estava no comando do avião (57,8%). A Tabela 3 apresenta os fatores associados ao cochilo não intencional. No modelo múltiplo ajustado, quem voava por mais de 65 horas por mês apresentou chance aumentada de 78% em cochilar não intencionalmente enquanto pilotava o avião quando comparada aos pilotos que apresentavam tempo médio mensal de voo de 65 horas ou menos. Atrasos frequentes dos voos e maior necessidade de recuperação aumentaram a chance de cochilar não intencionalmente em 45% e 49% em relação aos que relataram poucos atrasos operacionais e menor necessidade de recuperação após o trabalho, respectivamente. Apresentar capacidade para o trabalho inferior à ótima foi outro fator associado: quanto pior a capacidade de trabalho, maior era chance de cochilar, chegando a ser quase cinco vezes maior na categoria “baixa capacidade para o trabalho”. O sono percebido como insuficiente e a sonolência excessiva aumentaram em 44% e em mais de duas vezes, respectivamente, as chances de cochilar de maneira não intencional enquanto pilotavam o avião, comparado a quem percebe sono suficiente e apresenta baixa sonolência.

Tabela 3
Regressão logística bivariada e múltipla do cochilo não intencional enquanto pilota o avião.

DISCUSSÃO

A ocorrência do cochilo não intencional durante a jornada de trabalho foi o principal desfecho de interesse deste estudo. Observou-se associação significante com fatores relacionados à organização do trabalho (número de horas de voo mensais, atrasos operacionais, necessidade de recuperação após o trabalho) e à saúde (capacidade para o trabalho, sono insuficiente e sonolência excessiva).

O porcentual de pilotos que relataram já ter cochilado não intencionalmente durante o voo foi elevado e duas vezes maior do que o encontrado por Gregory et al.1010 Gregory KB, Winn W, Johnson K, Rosekind MR. Pilot fatigue survey: exploring fatigue factors in air medical operations. Air Med J. 2010;29(6):309-19. https://doi.org/10.1016/j.amj.2010.07.002
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em estudo populacional americano com pilotos de operações médicas. Nosso achado é relevante, visto que cochilos não intencionais podem comprometer a segurança dos voos e são reflexo das condições e organização do trabalho de pilotos da aviação regular brasileira1212 Ingre M, Van Leeuwen W, Klemets T, Ullvetter C, Hough S, Kecklund G, et al. Validating and extending the three process model of alertness in airline operations. PLoS One. 2014;9(10):e108679. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0108679
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. De acordo com Cabon et al.33 Cabon P, Bourgeois-Bougrine S, Mollard R, Coblentz A, Speyer JJ. Electronic pilot-activity monitor: a countermeasure against fatigue on long-haul flights. Aviat Space Environ Med. 2003;74(6):679-82. pilotos que voam longas distâncias estão particularmente susceptíveis a lapsos durante a vigília, bem como durante períodos de baixa carga de trabalho. Tais lapsos podem simultaneamente ocorrer com ambos pilotos responsáveis pelo voo.

Na percepção dos pilotos participantes desse estudo, os fatores que mais causam cansaço no trabalho são os horários de trabalho, as longas jornadas diárias de trabalho, o trabalho noturno e o reduzido tempo de descanso entre as jornadas de trabalho. Esses fatores também foram observados em outros estudos realizados com aeronautas44 Caldwell JA. Fatigue in aviation. Travel Med Infect Dis. 2005;3(2):85-96. https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07.008
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,1717 Powell DMC, Spencer MB, Holland D, Broadbent E, Petrie KJ. Pilot fatigue in short-haul operations: effects of number of sectors, duty length, and time of day. Aviat Space Environ Med. 2007;78(7):698-701.,1818 Roach GD, Petrilli RM, Dawson D, Lamond N. Impact of layover length on sleep, subjective fatigue levels, and sustained attention of long-haul airline pilots. Chronobiol Int. 2012;29(5):580-6. https://doi.org/10.3109/07420528.2012.675222
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. Embora a irregularidade dos horários de trabalho e o turno noturno não tenham sido associados, neste estudo, ao cochilo não intencional, esses são fatores contribuintes para a percepção de fadiga e sonolência excessiva, conforme relatado em estudos anteriores44 Caldwell JA. Fatigue in aviation. Travel Med Infect Dis. 2005;3(2):85-96. https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07.008
https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07....
,1717 Powell DMC, Spencer MB, Holland D, Broadbent E, Petrie KJ. Pilot fatigue in short-haul operations: effects of number of sectors, duty length, and time of day. Aviat Space Environ Med. 2007;78(7):698-701.,1818 Roach GD, Petrilli RM, Dawson D, Lamond N. Impact of layover length on sleep, subjective fatigue levels, and sustained attention of long-haul airline pilots. Chronobiol Int. 2012;29(5):580-6. https://doi.org/10.3109/07420528.2012.675222
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Uma vez que as escalas de trabalho são irregulares, um dos fatores a ser destacado é o horário de início e finalização do trabalho diário. Quando trabalham no turno matutino, os pilotos podem iniciar sua jornada de madrugada. E se somado a isso, considerarmos o tempo de deslocamento (casa × local de trabalho, hotel × local de trabalho), a duração do sono é prejudicada, principalmente por acordar em horário de maior sonolência (por volta das 3h ou 4h)22 Akerstedt T, Wright KP Jr. Sleep loss and fatigue in shift work and shift work disorder. Sleep Med Clin. 2009;4(2):257-71. https://doi.org/10.1016/j.jsmc.2009.03.001
https://doi.org/10.1016/j.jsmc.2009.03.0...
.

Aproximadamente metade dos pilotos participantes do estudo não reside na mesma cidade de sua base contratual, o que eleva em quase três vezes o tempo de deslocamento até o local de trabalho e retorno à residência nos dias de folga, comparados aos que residem na base contratual. O tempo de transporte não é considerado no cálculo da jornada de trabalho. Entretanto, essa variável pode estar associada à percepção da duração insuficiente de sono e agravar o cansaço, uma vez que diminui o tempo de descanso durante a(s) folga(s), ou entre dias sucessivos de trabalho44 Caldwell JA. Fatigue in aviation. Travel Med Infect Dis. 2005;3(2):85-96. https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07.008
https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07....
,1717 Powell DMC, Spencer MB, Holland D, Broadbent E, Petrie KJ. Pilot fatigue in short-haul operations: effects of number of sectors, duty length, and time of day. Aviat Space Environ Med. 2007;78(7):698-701..

Outro fator que merece destaque é o número de noites consecutivas de trabalho, que em média foi de quatro noites. De acordo com os estudos sobre trabalho em turnos, o risco de incidentes ou acidentes ao se trabalhar quatro noites consecutivas é aproximadamente 36% maior em relação a apenas uma noite de trabalho noturno77 Folkard S, Tucker P. Shift work, safety and productivity. Occup Med (Lond). 2003;53(2):95-101. https://doi.org/10.1093/occmed/kqg047
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. Nesse contexto, Rodionov1919 Rodionov ON. [The relationship between fatigue and the specific features of a flight shift of civil aviation flight crew]. Gig Sanit. 2010;(1):59-62. Russian. sugeriu que não fosse permitido mais do que dois turnos noturnos consecutivos de voo, visto que três turnos noturnos de trabalho sucessivos aumentam o risco para a fadiga crônica.

De acordo com a regulamentação atual (Lei 7.183 de 5 de abril de 1984), as horas de voo relatadas pelos participantes desse estudo não excederam as previstas em lei (85 h/mês). No entanto, a jornada mensal média de voo acima de 65 horas foi associada ao cochilo não intencional enquanto pilotavam. Ressalta-se que não foram coletadas informações da jornada de trabalho total, nesta inclusos horários de apresentação, horários de desligamento dos motores e duração de atrasos operacionais. Portanto, os resultados observados neste estudo sobre as horas efetivas de voo são inferiores ao tempo total de trabalho. Um aspecto que dificulta o aproveitamento das horas efetivas de trabalho são os atrasos operacionais dos voos, e esses, segundo os relatos, ocorrem com grande frequência. Vale destacar que essa variável foi associada ao cochilo não intencional enquanto pilotava o avião.

Caldwell44 Caldwell JA. Fatigue in aviation. Travel Med Infect Dis. 2005;3(2):85-96. https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07.008
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e Powell et al.1717 Powell DMC, Spencer MB, Holland D, Broadbent E, Petrie KJ. Pilot fatigue in short-haul operations: effects of number of sectors, duty length, and time of day. Aviat Space Environ Med. 2007;78(7):698-701. chamam atenção para múltiplos efeitos negativos associados ao sono insuficiente e à fadiga. No presente estudo, uma elevada proporção dos pilotos considerou que precisa dormir mais. De fato, o sono nos dias de folga foi mais longo do que em dias de trabalho, indicando um débito de sono diário de aproximadamente duas horas.

Aos cochilos não intencionais somam-se outros fatores que são pouco citados nos estudos já realizados, como a qualidade dos locais de descanso, hotéis e cabines de aviõeseeRosekind MR, Gregory KB, Co EL, Miller DL, Dinges DF. Crew factors in flight operations XII: a survey of sleep quantity and quality in on-board crew rest facilities. Moffett Field: NASA; 2000 [citado 2016 nov 29]. Report nº NASA/TM-2000-20961. Disponível em: https://ntrs.nasa.gov/archive/nasa/casi.ntrs.nasa.gov/20010038243.pdf . Em nosso estudo, numa escala de zero a 10, os participantes avaliaram como muito ruins as cabines de repouso dentro das aeronaves, e apenas regulares, a qualidade dos quartos de hotel.

A necessidade de recuperação após o trabalho referida pelos pilotos foi mais elevada em comparação a outras categorias profissionais, sendo fator associado ao cochilo não intencional2222 Sluiter JK, Croon EM, Meijman TF, Frings-Dresen MHW. Need for recovery from work related fatigue and its role in the development and prediction of subjective health complaints. Occup Environ Med. 2003;60 Suppl 1:i62-70. https://doi.org/10.1136/oem.60.suppl_1.i62
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,2121 Silva-Costa A, Griep RH, Fischer FM, Rotenberg L. Need for recovery from work and sleep-related complaints among nursing professionals. Work. 2012;41 Suppl 1:3726-31. https://doi.org/10.3233/WOR-2012-0086-3726
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. Esses dados indicam que o trabalho como piloto em função de suas características, como horários irregulares de trabalho e complexidade do trabalho em si44 Caldwell JA. Fatigue in aviation. Travel Med Infect Dis. 2005;3(2):85-96. https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07.008
https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2004.07....
,55 Casto KL, Casali JG. Effects of headset, flight workload, hearing ability, and communications message quality on pilot performance. Hum Factors. 2013;55(3):486-98. https://doi.org/10.1177/0018720812461013
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,1717 Powell DMC, Spencer MB, Holland D, Broadbent E, Petrie KJ. Pilot fatigue in short-haul operations: effects of number of sectors, duty length, and time of day. Aviat Space Environ Med. 2007;78(7):698-701., requer um tempo maior para a recuperação do que aquele estipulado na lei brasileira (no mínimo de 12 horas de descanso entre duas jornadas de trabalho consecutivas). Pesquisadores australianos1818 Roach GD, Petrilli RM, Dawson D, Lamond N. Impact of layover length on sleep, subjective fatigue levels, and sustained attention of long-haul airline pilots. Chronobiol Int. 2012;29(5):580-6. https://doi.org/10.3109/07420528.2012.675222
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sugerem ser necessário pelo menos duas noites consecutivas de descanso para recuperação após o trabalho noturno, estendendo-se a quatro noites após voos internacionais. A regulamentação da profissão (Lei 7.183 de 5 de abril de 1984) estabelece o período de descanso segundo tempo de voo, tipo de tripulação, tempo de jornada anterior, número de fusos horários cruzados e turno de trabalho. No entanto, considerando a extensão territorial brasileira, a legislação em vigor não prevê tempo suficiente para recuperação após o trabalho, especialmente aquele realizado à noite, ou iniciando-se muito cedo de manhã.

Predominantemente, os pilotos tiveram folgas simples (que tem duração de 12 horas de descanso regulamentar após uma jornada de trabalho mais 24 horas de folga). Mesmo considerando que a legislação atual sobre a jornada de trabalho esteja sendo respeitada, a irregularidade dos horários de trabalho associada às folgas simples são agravantes nas questões relacionadas ao sono e, consequentemente, à saúde1919 Rodionov ON. [The relationship between fatigue and the specific features of a flight shift of civil aviation flight crew]. Gig Sanit. 2010;(1):59-62. Russian..

O índice de capacidade para o trabalho (ICT) tem sido utilizado como uma variável preditora do estado de saúde dos trabalhadores2323 Tuomi K, Ilmarinen J, Jahakola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional. São Carlos (SP): EDUFSCAR, 2005.. Em nosso estudo, observou-se que quanto pior o ICT maiores as chances de cochilos não intencionais. Esses dados são preocupantes, pois essa é uma população de adultos jovens e considerada saudável, já que para se manter na ativa é exigido uma avaliação médica anual rigorosa e a partir dos 40 anos, semestral.

Uma proporção significativa de doenças diagnosticadas por médicos foram relatadas pelos pilotos, sendo as mais prevalentes as lesões e os distúrbios musculoesqueléticos. No entanto, as prevalências dessas lesões e dos distúrbios musculoesqueléticos são inferiores às mencionadas em outros estudos88 Gaydos SJ. Low back pain: considerations for rotary-wing aircrew. Aviat Space Environ Med. 2012;83(9):879-89. https://doi.org/10.3357/ASEM.3274.2012
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,1111 Grossman A, Nakdimon I, Chapnik L, Levy Y. Back symptoms in aviators flying different aircraft. Aviat Space Environ Med. 2012;83(7):702-5. https://doi.org/10.3357/ASEM.3225.2012
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. Pesquisa realizada há 22 anos em uma empresa aérea brasileira já indicava a preocupação de pilotos com sua saúde e precárias condições de trabalho66 Ferreira LL, Bussacos MA, Schlithler CRB, Maciel RH. Voando com os pilotos: condições de trabalho dos pilotos de uma empresa de aviação comercial. 2.ed. São Paulo: APVAR; 1998.. Os pilotos apontaram a necessidade de revisão dos critérios utilizados na elaboração das escalas de trabalho e de conceitos estabelecidos na própria regulamentação profissional, como os períodos de repouso entre dias de trabalho consecutivos e dias de folga66 Ferreira LL, Bussacos MA, Schlithler CRB, Maciel RH. Voando com os pilotos: condições de trabalho dos pilotos de uma empresa de aviação comercial. 2.ed. São Paulo: APVAR; 1998.. A regulamentação da profissão na época de realização do presente estudo é a mesma que ainda vigora (Lei 7.183 de 5 de abril de 1984), ou seja, já são mais de 30 anos sem revisão ou modificação da legislação apesar do crescimento da aviação civil.

A amostra do estudo pode estar sub-representada, pois apenas participaram os pilotos associados à Abrapac. Não se tem informações das características sociodemográficas daqueles que não participaram do estudo, o que também pode ter levado a um viés nos resultados. O desenho transversal deste estudo não nos permite inferências causais entre as variáveis analisadas. Apesar das limitações citadas, houve um número expressivo de participantes, o que nos permite traçar um cenário geral das condições de trabalho e possíveis efeitos na saúde e no sono dos pilotos de linhas aéreas brasileiras.

Fatores relacionados ao trabalho, como carga horária, baixo aproveitamento das horas de trabalho decorrente dos atrasos operacionais e más condições de trabalho, precisam ser levados em conta para impedir o cochilo não intencional durante o trabalho. Além desses aspectos, faz-se necessário propiciar um tempo suficiente para a recuperação entre as jornadas de trabalho, visto que as atividades desenvolvidas pelos pilotos são complexas, exigindo importantes demandas de trabalho de natureza cognitiva.

Os resultados do presente estudo apontam a necessidade de implementar ações preventivas relacionadas à organização do trabalho, visando à melhoria das condições de trabalho e de saúde, especialmente nos aspectos relacionados ao sono dos pilotos. Como uma das práticas preventivas para amenizar a sonolência excessiva durante o trabalho, cochilos programados antes e durante os voos são recomendados, principalmente em voos noturnos ou de longa duração1616 Petrie KJ, Dawson AG. Symptoms of fatigue and coping strategies in international pilots. Int J Aviat Psychol.1997;7(3):251-8. https://doi.org/10.1207/s15327108ijap0703_5
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,2525 Wright N, McGown A. Vigilance on the civil flight deck: incidence of sleepiness and sleep during long-haul flights and associated changes in physiological parameters. Ergonomics. 2001;44(1):82-106. https://doi.org/10.1080/00140130150203893
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. Apesar de o sono ser permitido durante o voo quando a tripulação é composta ou de revezamento, a maioria dos voos dos respondentes deste estudo foi de tripulação simples. As companhias aéreas brasileiras dispõem de salas de espera para suas tripulações, mas nem todas possuem locais para dormir. É necessário melhorar as instalações para o repouso, sejam elas no próprio avião, nos hotéis ou nos aeroportos.

As escalas de trabalho deveriam seguir as recomendações propostas por Rodionov1919 Rodionov ON. [The relationship between fatigue and the specific features of a flight shift of civil aviation flight crew]. Gig Sanit. 2010;(1):59-62. Russian. e Roach et al.1818 Roach GD, Petrilli RM, Dawson D, Lamond N. Impact of layover length on sleep, subjective fatigue levels, and sustained attention of long-haul airline pilots. Chronobiol Int. 2012;29(5):580-6. https://doi.org/10.3109/07420528.2012.675222
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para prevenir cochilos não intencionais. Vale ressaltar que o início da jornada de trabalho durante a madrugada, bem como o término tardio, também são danosos à saúde. Dessa forma, é recomendada a redução do número de jornadas que iniciem muito cedo, bem como as que terminam muito tarde da noite. As companhias aéreas poderão se beneficiar de ações integradas no planejamento das escalas de trabalho, compondo equipes com integrantes do setor que atua na construção das escalas, e com profissionais das áreas da saúde, segurança e meio ambiente e representantes dos pilotos.

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    Brasil. Lei 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Brasília (DF); 1984. Capítulo II; Seção III: Do Sobreaviso e Reserva. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7183.htm Art. 25 - Sobreaviso é o período de tempo não excedente a 12 horas, em que o aeronauta permanece em local de sua escolha, à disposição do empregador, devendo apresentar-se no aeroporto ou outro local determinado, até 90 minutos após receber comunicação para início de nova tarefa. § 1° - O número de sobreavisos que o aeronauta poderá concorrer não deverá exceder a dois semanais ou oito mensais. Art. 26 – Reserva é o período de tempo em que o aeronauta permanece, por determinação do empregador, em local de trabalho à sua disposição. § 1° - O período de reserva dos aeronautas de empresas de transporte aéreo regular não excederá de seis horas. § 3° - Prevista a reserva, por prazo superior a três horas, o empregador deverá assegurar ao aeronauta acomodações adequadas para o seu descanso.
  • c
    Tripulação simples é constituída basicamente de uma tripulação mínima acrescida quando for o caso, dos tripulantes necessários à realização do voo (Brasil. Lei 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Brasília (DF); 1984. Capítulo 1; Seção II: Das Tripulações. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7183.htm)
  • d
    Segundo a Lei 7.183 de 5 de abril de 1984, a jornada de trabalho é contada a partir da hora de apresentação no local de trabalho (base contratual), ou no local estabelecido pelo empregador (fora da base contratual). Encerra-se a jornada 30 minutos após a parada final dos motores (Brasil. Lei 7.183, de 5 de abril de 1984. Regula o exercício da profissão de aeronauta e dá outras providências. Brasília (DF); 1984. Capítulo II; Seção II: Da Jornada de Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7183.htm)
  • e
    Rosekind MR, Gregory KB, Co EL, Miller DL, Dinges DF. Crew factors in flight operations XII: a survey of sleep quantity and quality in on-board crew rest facilities. Moffett Field: NASA; 2000 [citado 2016 nov 29]. Report nº NASA/TM-2000-20961. Disponível em: https://ntrs.nasa.gov/archive/nasa/casi.ntrs.nasa.gov/20010038243.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2015
  • Aceito
    29 Mar 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br