RESUMO
OBJETIVO
Descrever a prevalência de distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (Dort) e analisar os fatores associados com esse desfecho na população brasileira.
MÉTODOS
Neste estudo transversal, de base populacional, utilizamos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013. A amostra foi composta por 60.202 brasileiros com 18 anos ou mais de idade. A variável desfecho foi a ocorrência de Dort autorreferida. Como variáveis explicativas, foram investigadas características sociodemográficas, ocupacionais, recursos pessoais e condições de saúde. As análises foram realizadas com o software Stata 12.0 e levaram em consideração as ponderações impostas pelo delineamento amostral do estudo. Foi realizado, então, um modelo logístico binário uni e multivariado, considerando o nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Os resultados obtidos indicaram que a prevalência de Dort na população brasileira foi de 2,5%, variando de 0,2% (Acre) a 4,2% (Santa Catarina). Os fatores associados à maior chance de ocorrência de Dort foram: sexo feminino (OR = 2,33; IC95% 1,72–3,15); estar afastado temporariamente do trabalho (OR = 2,44; IC95% 1,41–4,23); estar exposto a ruído no local de trabalho (OR = 2,16; IC95% 1,68–2,77); antiguidade igual ou superior a 4,5 anos no trabalho atual (OR = 1,37; IC95% 1,09–1,72); participar de trabalho voluntário (OR = 1,65; IC95% 1,25–2,17); relatar diagnóstico médico de artrite ou reumatismo (OR = 2,40; IC95% 1,68–3,44) e de depressão (OR = 2,48; IC95% 1,86–3,31). Por outro lado, foram associados à menor chance de diagnóstico de Dort: não ter parceiro (OR = 0,73; IC95% 0,37–0,71) e trabalhar em ambiente aberto (OR = 0,51; IC95% 0,37–0,71).
CONCLUSÕES
Os fatores associados e a prevalência encontrada indicam diferenças regionais e de gênero. Especial atenção às comorbidades e monitoramento do ruído ambiental beneficiariam a saúde dos trabalhadores no país.
Transtornos Traumáticos Cumulativos, epidemiologia; Fatores de Risco; Fatores Socioeconômicos; Condições de Trabalho; Inquéritos Epidemiológicos
INTRODUÇÃO
Os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort) dizem respeito a uma gama de condições decorrentes da inflamação ou degeneração de tendões, nervos, ligamentos, músculos e estruturas periarticulares em diferentes sítios (dedos, punhos, antebraços e braços, ombros e região cervical) dos membros superiores e pescoço11. Costa BR, Vieira ER. Risk factors for work-related musculoskeletal disorders: a systematic review of recent longitudinal studies. Am J Ind Med. 2010;53(3):285-323. https://doi.org/10.1002/ajim.20750.
https://doi.org/10.1002/ajim.20750... ,22. Ha C, Roquelaure YC, Leclerc AA, Goldberg M, Imbernon E. The French Musculoskeletal Disorders Surveillance Program: Pays de la Loire network. Occup Environ Med. 2009;66(7):471-9. https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812.
https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812... .
Os termos utilizados na literatura diferem de acordo com a legislação previdenciária vigente em cada país: lesões por esforços repetitivos (LER), lesões por traumas cumulativos, distúrbios inespecíficos dos membros superiores relacionados ao trabalho, problemas musculoesqueléticos relacionados ao trabalho, síndrome cervicobraquial de origem ocupacional, entre outros. Em comum, esses termos designam inflamações localizadas, síndromes nervosas compressivas ou síndromes dolorosas. Por essa razão, são considerados termos guarda-chuva22. Ha C, Roquelaure YC, Leclerc AA, Goldberg M, Imbernon E. The French Musculoskeletal Disorders Surveillance Program: Pays de la Loire network. Occup Environ Med. 2009;66(7):471-9. https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812.
https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812... . As diferentes nominações existentes já foi objeto de publicações na literatura especializada33. Helliwell PS, Taylor WJ. Repetitive strain injury. Postgrad Med J. 2004;80(946):438-43. https://doi.org/10.1136/pgmj.2003.012591.
https://doi.org/10.1136/pgmj.2003.012591... .
Em 1987, pela primeira vez, a Previdência Social no Brasil reconheceu esse grupo de afecções com a denominação de tenossinovite do digitador. Em 1991, adotou-se a denominação LER em procedimentos internos à instituição para a avaliação de incapacidade. Em 1998, por meio da Norma Técnica do Instituto Nacional de Saúde e Seguridade Social (INSS), aprovada pela Ordem de Serviço INSS/DSS Nº 606, de 5 de agosto de 1998, formalizou-se o uso de Dort para designar os referidos distúrbios.
O acrônimo LER, no Brasil, alcançou o senso comum desde as negociações sociais nos anos 1980, pelo reconhecimento do caráter ocupacional dos distúrbios. Apesar de guardar imprecisões, Dort seria mais abrangente, uma vez que os sintomas podem surgir associados a um esforço ou trauma, e não exclusivamente ao gesto repetitivo como sugere o acrônimo que se tornou mais difundido. Vale ressaltar que fatores ambientais e tarefas que exigem repetição e posturas estereotipadas são riscos reconhecidos.
É inegável o progresso da pesquisa e as evidências científicas produzidas nas últimas três décadas, quando vários autores se dedicaram a identificar os fatores relacionados ao surgimento e à evolução das queixas dos trabalhadores11. Costa BR, Vieira ER. Risk factors for work-related musculoskeletal disorders: a systematic review of recent longitudinal studies. Am J Ind Med. 2010;53(3):285-323. https://doi.org/10.1002/ajim.20750.
https://doi.org/10.1002/ajim.20750... ,22. Ha C, Roquelaure YC, Leclerc AA, Goldberg M, Imbernon E. The French Musculoskeletal Disorders Surveillance Program: Pays de la Loire network. Occup Environ Med. 2009;66(7):471-9. https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812.
https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812... . Os resultados são esclarecedores: não derivam de lesões súbitas, nem sistêmicas, mas de traumatismos de fraca intensidade, agindo durante longos períodos sobre as estruturas musculoesqueléticas normais ou alteradas. Cargas pesadas podem alterar os tecidos quando ultrapassam a capacidade física de resposta, produzindo lesão muscular ou ligamentar. Por sua vez, cargas mais leves aplicadas continuamente podem provocar inflamação, devido ao estiramento prolongado dos tecidos das estruturas solicitadas no movimento33. Helliwell PS, Taylor WJ. Repetitive strain injury. Postgrad Med J. 2004;80(946):438-43. https://doi.org/10.1136/pgmj.2003.012591.
https://doi.org/10.1136/pgmj.2003.012591... . Sua origem é multifatorial e são consistentes as evidências que indicam a contribuição da organização do trabalho no desenvolvimento dos distúrbios11. Costa BR, Vieira ER. Risk factors for work-related musculoskeletal disorders: a systematic review of recent longitudinal studies. Am J Ind Med. 2010;53(3):285-323. https://doi.org/10.1002/ajim.20750.
https://doi.org/10.1002/ajim.20750... ,22. Ha C, Roquelaure YC, Leclerc AA, Goldberg M, Imbernon E. The French Musculoskeletal Disorders Surveillance Program: Pays de la Loire network. Occup Environ Med. 2009;66(7):471-9. https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812.
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Na União Européia, os distúrbios musculoesqueléticos representam 53% do total de doenças ocupacionais registradas e 50% das situações que levam a faltas ao trabalho por período superior a três dias44. Bevan S. Economic impact of musculoskeletal disorders (MSDs) on work in Europe. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2015;29(3):356-73. https://doi.org/10.1016/j.berh.2015.08.002.
https://doi.org/10.1016/j.berh.2015.08.0... . Nos Estados Unidos, esses distúrbios são responsáveis por 29% de todas as doenças e acidentes que levam ao afastamento do trabalho55. Gerr F, Fethke N, Merlino L, Anton D, Rosecrance J, Jones MP, et al. A prospective study of musculoskeletal outcomes among manufacturing workers: I. effects of physical risk factors. Hum Factors. 2014;56(1):112-30. https://doi.org/10.1177/0018720813491114.
https://doi.org/10.1177/0018720813491114... .
No Brasil, não são disponibilizados dados de abrangência nacional com fineza de detalhes; no entanto, os estudos de prevalência permitem uma estimativa aproximada da gravidade do quadro. De acordo com os registros da Previdência Social, na última década, os grupos diagnósticos com maiores prevalências de benefícios do tipo auxílio-doença foram doenças osteomuscularesaaMinistério da Previdência Social (MPS). Anuário Estatístico da Previdência Social. Brasília: MPS; 2013..
Há muitas evidências nesse concurso, por exemplo, 50% dos bancários na cidade de Pelotas, RS, mencionaram dor musculoesquelética no último ano66. Brandão AG, Horta BL, Tomasi E. Sintomas de distúrbios osteomusculares em bancários de Pelotas e região: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(3):295-305. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000300011.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500... . Entre os metalúrgicos da cidade de Canoas, RS, 75,2% relataram algum tipo de sintoma osteomuscular no último ano77. Picoloto D, Silveira E. Prevalência de sintomas osteomusculares e fatores associados em trabalhadores de uma indústria metalúrgica de Canoas-RS. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(2):507-16. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000200026.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200800... . Utilizando o mesmo período de referência e perguntando sobre todos os segmentos corporais, a prevalência de dor musculoesquelética na amostra de trabalhadores da saúde foi de 49,9%88. Barbosa REC, Assunção AA, Araújo TM. Distúrbios musculoesqueléticos em trabalhadores do setor saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(8):1569-80. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000800015.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200... . Contudo, ainda não se conhecem resultados de estudos populacionais. Esta pesquisa propõe descrever a prevalência de Dort e analisar os fatores associados com esse desfecho em uma amostra da população brasileira.
MÉTODOS
Delineamento do Estudo e Coleta de Dados
Trata-se de um estudo transversal, elaborado com base nos dados secundários coletados por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)bb Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013, IBGE. Percepção do estado de saúde, estilo de vida e doenças crônicas. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..
A PNS é uma pesquisa domiciliar de base populacional e âmbito nacional, realizada em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no período de agosto de 2013 a fevereiro de 2014. Ela fará parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE e deverá ter uma periodicidade de 5 anos. Tem por finalidade a produção de dados acerca da situação de saúde e do estilo de vida da população do Brasil, além de avaliar o acesso e o uso dos serviços de saúde, ações preventivas, continuidade dos cuidados, do financiamento e da assistência à saúde.
A população alvo da PNS é constituída por moradores de domicílios particulares permanentes, e tem como abrangência demográfica todo o território nacional. O plano amostral empregado foi de amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das unidades primárias de amostragem. Os setores censitários ou conjunto de setores formam as unidades primárias de amostragem, os domicílios são as unidades de segundo estágio e os moradores com 18 anos ou mais de idade definem as unidades de terceiro estágio.
A amostra da PNS 2013 foi composta por 64.348 domicílios, nos quais 60.202 brasileiros com idade de 18 anos ou mais aceitaram responder ao questionário individual e, portanto, compõem a amostra investigada neste estudo.
Variáveis Estudadas
O desfecho deste estudo foi a ocorrência de Dort autorreferida, caracterizada pela resposta positiva à seguinte questão: “Algum médico já lhe deu o diagnóstico de Dort (distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho)?” Também foram considerados na avaliação a idade ao primeiro diagnóstico, o tratamento utilizado e o nível de limitação das atividades por causa da doença.
Em relação aos fatores associados à ocorrência de Dort, foram analisados três blocos de variáveis: 1. características sociodemográficas (sexo, faixa etária, estado conjugal e nível de instrução); 2. características ocupacionais (trabalho com remuneração em dinheiro, trabalho com remuneração em produtos, “bicos” ou atividade ocasional, trabalho sem remuneração, afastamento temporário do trabalho, tempo e motivo do afastamento, número de empregos ou equivalente) e condições de trabalho (horário noturno, ambiente aberto ou fechado, exposição a ruído, antiguidade no atual trabalho); e 3. recursos pessoais e condições de saúde (participação em atividades esportivas, associação de moradores, trabalho voluntário ou cultos e atividades religiosas, prática de atividade física, avaliação de saúde, relato de ter sido diagnosticado com artrite e depressão, uso de medicamento para dormir).
Análise Estatística
Todas as análises foram realizadas com o uso do programa Stata 12.0 e levaram em consideração as ponderações impostas pelo delineamento amostral do estudo.
Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva de todas as variáveis estudadas por meio do cálculo das frequências relativas e construção de gráfico de barras. Para avaliar os possíveis fatores associados à ocorrência de Dort, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson, assim como o modelo de regressão logística binária, tanto uni como multivariado.
Para a entrada das variáveis na análise multivariada, foi considerado um valor-p menor que 0,20 na análise univariada. Foram construídos modelos para cada bloco de variáveis (características sociodemográficas; características ocupacionais, incluindo condições de trabalho; recursos pessoais; condições de saúde) utilizando o método backward para a entrada das variáveis em cada bloco. Permaneceram no modelo final de cada bloco as variáveis com p < 0,05. Em seguida, o modelo final foi ajustado pelas variáveis de todos os blocos, permanecendo somente as significativas no nível de significância de 5%. Foram estimados os valores de odds ratio (OR), com intervalo de confiança de 95% (IC95%) tanto na análise univariada quanto na multivarida. A qualidade do ajuste do modelo foi avaliada por meio da estatística de Hosmer e Lemeshow.
O projeto PNS foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep – Processo: 328.159, em 26 junho de 2013).
RESULTADOS
A prevalência de Dort na população brasileira foi de 2,5% (IC95% 2,2–2,7%), variando de 0,2% (Acre) a 4,2% (Santa Catarina) (Figura). Entre os entrevistados que relataram o diagnóstico, 25,5% fazem exercício físico ou fisioterapia por causa da doença, 35,7% usam medicamento para Dort e 2,6% fazem acupuntura. Mais da metade dos entrevistados relatou que os distúrbios limitavam suas atividades habituais, e, para 13,1%, essa limitação era intensa e, para 2,8%, muito intensa. A idade média no diagnóstico de Dort foi de 36,3 anos (IC95% 34,9–37,8).
Prevalência de Dort na população brasileira em cada um dos 26 estados e no Distrito Federal, segundo dados da PNS, Brasil, 2013.
Sobre as características da amostra, predominaram as mulheres (55,1% dos entrevistados); 27,1% com idade igual ou superior a 55 anos; 54,5% estavam sem parceiro e 35,5% informaram grau de instrução fundamental. Em relação a características ocupacionais e condições de trabalho, 56,9% dos entrevistados eram remunerados em dinheiro; 0,2% com produtos ou serviços; 1,8% faziam “bicos” ou trabalhavam ocasionalmente; 0,8%, apesar de trabalharem, não eram remunerados. Sobre os afastamentos do trabalho, 1,5% estavam afastados temporariamente e, desses, 31,0% eram assegurados com benefícios; 46,2% eram relacionados a alguma doença ocupacional; e 56,9%, por período igual ou superior a três meses. A categoria “exercer mais de um trabalho” foi relatada por 2,6% dos brasileiros e, desses, 14,9% trabalhavam à noite; 52,3%, em ambiente fechado; e 32,1%, expostos a ruído no ambiente laboral. Quanto à antiguidade no atual trabalho, a mediana foi de 4,5 anos.
Quanto aos recursos pessoais e condições de saúde, 25,4% dos entrevistados relataram participar de atividade esportiva ou artística, 16% participavam de associação de moradores, 12,1% praticavam trabalho voluntário e 70,4% atendiam a cultos e celebrações religiosas. A prevalência de prática de atividade física foi de 31,0%. A maioria (52,5%) dos brasileiros avaliou sua saúde como boa. A prevalência de artrite ou reumatismo foi de 6,7% e de depressão, 7,9%. Do total de entrevistados, 8,0% relataram uso de medicamento para dormir.
De acordo com a análise univariada, os fatores sociodemográficos (Tabela 1) associados à maior prevalência de Dort foram: sexo feminino, idade na faixa de 25–54 anos, viver sem parceiro e maior nível de instrução (p < 0,05). Com relação aos fatores ocupacionais (Tabela 2), aqueles que foram significativamente associados à maior chance de ocorrência de Dort foram: informar trabalho remunerado em dinheiro, estar afastado temporariamente (este por motivo de doença ocupacional), estar inserido em dois ou mais empregos, trabalhar em ambiente fechado, estar exposto a ruído durante o trabalho e antiguidade igual ou maior que 4,5 anos. Quanto aos recursos pessoais e condições de saúde (Tabela 3) relacionados a uma maior probabilidade de ocorrência de Dort (p < 0,05), identificaram-se os seguintes fatores: participar de atividades esportivas ou artísticas, participar de associação de moradores, trabalhar em caráter voluntário ou praticar cultos e atividades religiosas, relatar pior situação de saúde (regular ou ruim), relatar diagnóstico de artrite ou reumatismo e depressão, e usar medicamento para dormir.
Segundo o modelo final da análise multivariada (Tabela 4), os fatores associados à maior chance de ocorrência de Dort foram: sexo feminino; estar exposto a ruído no local de trabalho; antiguidade igual ou superior a 4,5 anos no trabalho atual; participar de trabalho voluntário; relatar diagnóstico médico de artrite ou reumatismo e de depressão. Chama atenção dois fatores associados a uma menor chance de diagnóstico de Dort: não ter parceiro e trabalhar em ambiente aberto. Ressalta-se que o modelo apresentou bom ajuste, segundo a estatística de Hosmer e Lemeshow (p = 0,962).
DISCUSSÃO
A PNS é o primeiro estudo de abrangência nacional a investigar a prevalência autorreferida de uma doença ocupacional. Dort se destaca no ranking de motivos que levam a faltas ao trabalho e à incapacidade de adultos trabalhadores no Brasil e em demais países industrializados.
Sexo, antiguidade no trabalho atual igual ou maior que 4,5 anos, afastamento temporário do trabalho, relato de exposição a ruído no local de trabalho, participação em trabalho voluntário não remunerado, relato de ter sido diagnosticado com artrite por um médico e relato de ter sido diagnosticado com depressão por um profissional de saúde mental foram associados a uma maior chance de ocorrência de Dort. Viver sem companheiro e trabalhar em ambiente aberto diminuíram as chances de ocorrência dos distúrbios.
A doença foi reportada por 2,5% dos entrevistados no Brasil, com variações de 0,2% a 4,2%. Não é possível estabelecer comparações ideais, porque, ainda que descritos os resultados sobre a magnitude e os fatores associados às morbidades musculoesqueléticas em populações específicas, são raros os estudos de base populacional que focaram o adoecimento musculoesquelético especificamente relacionado ao trabalho.
A constatação das diferenças de prevalências quando se comparam os estados brasileiros oferece uma oportunidade de discussão sobre as desigualdades sociais e a distribuição geográfica dos serviços de saúde que afetam o acesso ao cuidado. É possível que os adultos habitantes das regiões Norte e Nordeste, onde se identificou menor prevalência de Dort, enfrentem barreiras de acesso em relação aos estados das outras Grandes Regiões, com reflexos sobre a informação colhida por autorrelato de diagnóstico de Dort e outras morbidades.
No Brasil, de maneira similar a outros países, a distribuição de morbidade é caracterizada por gradiente social e geográfico. Observou-se que o acesso aos serviços de saúde depende do local onde vivem os sujeitos, com vantagem para as regiões com maior desenvolvimento socioeconômico99. Travassos C, Oliveira EXG, Viacava F. Desigualdades geográficas e sociais no acesso aos serviços de saúde no Brasil: 1998 e 2003. Cienc Saude Coletiva. 2006;11(4):975-86. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000400019.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200600... . A implantação da Rede de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) é a principal estratégia da Política Nacional de Saúde do Trabalhador para o SUS. Entre as dificuldades encontradas para a consolidação da Renast, cita-se a sua lógica de atuação regionalizada no contraponto à organização do SUS, que é municipalizada1010. Dias EC, Hoefel MG. O desafio de implementar as ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia da RENAST. Cienc Saude Coletiva. 2005;10(4):817-27. https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000400007.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200500... , com possíveis reflexos sobre a informação e o registro dos eventos mórbidos.
É possível outra direção para a interpretação das diferenças regionais no autorrelato de Dort. Está constatada oferta desigual dos serviços do SUS no território nacional, com prejuízos para os grupos de menor renda, que coincidem com as parcelas da população que habitam municípios com dificuldades em cumprir as suas responsabilidades no financiamento e na oferta de serviços de saúde. As restrições dos sujeitos mais pobres em pagar pela assistência suplementar reforçam a hipótese sobre os efeitos da distribuição de renda no acesso ao cuidado, ampliando a probabilidade do viés de informação quanto aos diagnósticos de morbidades1111. Cambota JN, Rocha FF. Determinantes das desigualdades na utilização de serviços de saúde: análise para o Brasil e regiões. Pesq Planej Econ. 2015;45(2):219-43..
Apesar da possibilidade de subestimação da informação autorreferida, Dort é um quadro originalmente descrito em sua relação com o trabalho. É plausível supor que a afirmação à pergunta que gerou a variável desfecho deixe pouca margem para subentendidos, diminuindo a probabilidade de viés de informação. Por outro lado, se o viés de informação é menos provável, o mesmo não se pode afirmar sobre as controvérsias33. Helliwell PS, Taylor WJ. Repetitive strain injury. Postgrad Med J. 2004;80(946):438-43. https://doi.org/10.1136/pgmj.2003.012591.
https://doi.org/10.1136/pgmj.2003.012591... no plano da avaliação clínico-ocupacional que teriam acentuado a tendência à subestimação da prevalência estudada. A polêmica se origina na natureza multifatorial dos distúrbios, principalmente em relação ao peso dos fatores individuais. Contribui para o dissenso a existência de quadros clínicos de natureza distinta, pacientes que não apresentam sinais objetiváveis ao exame e as falhas quando a abordagem é exclusiva do médico em detrimento de uma equipe multiprofissional.
Geralmente, os casos específicos, cuja dor é localizada e confirmada ao exame por meio dos testes provocativos conhecidos (síndrome do túnel do carpo, tenossinovite e síndrome do impacto), são diagnosticados na primeira consulta. Os casos suscitam polêmicas quando o achado de dor aparentemente não se explica pela lesão detectável ou quando a dor é associada a uma lesão que, em teoria, seria insuficiente para explicar a intensidade do sintoma. Aumenta a consistência dos resultados apresentados a maior chance de Dort relacionada à informação de estar afastado temporariamente do trabalho. Sabe-se que esses distúrbios são incapacitantes77. Picoloto D, Silveira E. Prevalência de sintomas osteomusculares e fatores associados em trabalhadores de uma indústria metalúrgica de Canoas-RS. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(2):507-16. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000200026.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200800... ,1212. Fernandes RCP, Carvalho FM, Assunção AA. Prevalence of musculoskeletal disorders among plastics industry workers. Cad Saude Publica. 2011;27(1):78-86. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... .
Comenta-se sobre a iatrogenia social provocada pelo sistema judiciário ao dar ganho às causas trabalhistas acionadas pelos pacientes, pela militância sindical que incentiva essas medidas e pelos sistemas de saúde que seriam “permeáveis” ao diagnóstico1313. Bell DS. Repetition strain injury: an iatrogenic epidemic of simulated injury. Med J Aust. 1989;151(5):280-4.. Agindo assim, a sociedade estaria alimentando o quadro clínico polimorfo em pacientes de perfil poliqueixoso. A hipótese da iatrogenia social, bastante difundida na Austrália, ganhou larga repercussão no Brasil. Verthein e Gomez (2001)1414. Verthein MAR, Gomez CM. As armadilhas: bases discursivas da neuropsiquiatrização das LER. Cienc Saude Coletiva. 2001;6(2):457-70. https://doi.org/10.1590/S1413-81232001000200015.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200100... expuseram uma crítica bastante fundamentada ao que eles denominaram de “as bases discursivas da neuropsiquiatrização da LER”. Segundo os autores, as ideias de iatrogenia da doença e a simulação dos pacientes servem para montar uma rede de alianças constituídas para a negação do nexo. Nesse contexto, mais uma vez, é plausível supor que a prevalência encontrada na população brasileira esteja subestimada.
De modo geral, são bem documentados os efeitos dos diferenciais de gênero1515. Hirata H, Kergoat D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cad Pesq. 2007;37(132):595-609. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005.
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200700... quando se analisa a prevalência de distúrbios musculoesqueléticos tanto na população em geral quanto em grupos ocupacionais específicos. Os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres afetam a gestão do tempo: as mulheres se ocupam das tarefas domésticas em detrimento de seus interesses pessoais, enquanto os homens desenvolvem atividades esportivas e de lazer no tempo livre1616. Arcas MM, Novoa AM, Artazcoz L. Gender inequalities in the association between demands of family and domestic life and health in Spanish workers. Eur J Public Health. 2013;23(5):883-8. https://doi.org/10.1093/eurpub/cks095.
https://doi.org/10.1093/eurpub/cks095... . Além disso, as condições de trabalho de homens e mulheres não se equivalem, ou seja, os efeitos da vida laboral são mais acentuados no grupo das mulheres porque elas são mais vulneráveis ao emprego precário, obtêm salários mais baixos, ocupam posições inferiores na hierarquia, além de baixo reconhecimento social1515. Hirata H, Kergoat D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cad Pesq. 2007;37(132):595-609. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005.
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200700... . Argumentos no plano biológico e comportamental, como as diferenças de altura, força muscular, capacidade aeróbica, condições hormonais, entre outros, tornariam a mulher mais suscetível aos distúrbios musculoesqueléticos. Contudo, a excessiva prevalência em mulheres de dor musculoesquelética em membros superiores foi explicada pela maior exposição aos fatores de risco no ambiente ocupacional e doméstico em detrimento da hipótese sobre a vulnerabilidade biológica das mulheres aos riscos mencionados1717. Wijnhoven HAH, Vet HCW, Picavet HSJ. Prevalence of musculoskeletal disorders is systematically higher in women than in men. Clin J Pain. 2006;22(8):717-24. https://doi.org/10.1097/01.ajp.0000210912.95664.53.
https://doi.org/10.1097/01.ajp.000021091... .
Os argumentos mencionados acima podem ser evocados para explicar a menor chance de ocorrência no grupo que vive sem companheiro, uma vez que as tarefas domésticas seriam mais prováveis na vida em casal, por vezes com filhos, e os cuidados decorrentes nessa situação. Os vínculos familiares conferem apoio por meio do compartilhamento dos afetos, mas podem gerar acúmulos dadas às vicissitudes enfrentadas pelos cônjuges1717. Wijnhoven HAH, Vet HCW, Picavet HSJ. Prevalence of musculoskeletal disorders is systematically higher in women than in men. Clin J Pain. 2006;22(8):717-24. https://doi.org/10.1097/01.ajp.0000210912.95664.53.
https://doi.org/10.1097/01.ajp.000021091... . É válido lembrar que os efeitos da sobrecarga de trabalho podem se somar ao peso das responsabilidades familiares, de maneira a restringir as pausas necessárias para o descanso e recuperação do desgaste musculoesquelético1616. Arcas MM, Novoa AM, Artazcoz L. Gender inequalities in the association between demands of family and domestic life and health in Spanish workers. Eur J Public Health. 2013;23(5):883-8. https://doi.org/10.1093/eurpub/cks095.
https://doi.org/10.1093/eurpub/cks095... .
O grupo de sujeitos com maior antiguidade no trabalho teve mais chance de relatar Dort. A antiguidade é um marcador da duração da exposição aos fatores ocupacionais que favorece, de um lado, a construção da experiência. Por outro lado, é esperada a diminuição da capacidade de regulação da carga laboral, em razão do acúmulo dos efeitos dos fatores ambientais e psicossociais que os indivíduos enfrentam ao longo da trajetória profissional1818. Chau N, Bhattacherjee A, Kunar BM. Relationship between job, lifestyle, age and occupational injuries. Occup Med (Lond). 2009;59(2):114-9. https://doi.org/10.1093/occmed/kqp002.
https://doi.org/10.1093/occmed/kqp002... . Nessa direção, não seria inesperada a maior chance de Dort no referido grupo.
Sobre a menor chance de ocorrência no grupo que relatou trabalhar em ambiente aberto, seriam necessárias outras informações para desenvolver hipóteses embasadas. Ainda assim, não é improvável que o trabalho nessa condição esteja livre das injunções que caracterizam os métodos de gestão da produção industrial, os quais expõem os sujeitos à repetição de operações cadenciadas e menor autonomia, ambas características bem documentadas em sua relação com Dort22. Ha C, Roquelaure YC, Leclerc AA, Goldberg M, Imbernon E. The French Musculoskeletal Disorders Surveillance Program: Pays de la Loire network. Occup Environ Med. 2009;66(7):471-9. https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812.
https://doi.org/10.1136/2oem.2008.042812... ,1212. Fernandes RCP, Carvalho FM, Assunção AA. Prevalence of musculoskeletal disorders among plastics industry workers. Cad Saude Publica. 2011;27(1):78-86. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... .
A exposição ao ruído intenso durante a atividade laborativa aumentou a chance de ocorrência de Dort. Esse resultado não surpreendeu, uma vez conhecidas as associações entre distúrbios musculoesqueléticos e fatores ambientais1919. Magnavita N, Elovainio M, De Nardis I, Heponiemi T, Bergamaschi A. Environmental discomfort and musculoskeletal disorders. Occup Med (Lond). 2011;61(3):196-201. https://doi.org/10.1093/occmed/kqr024.
https://doi.org/10.1093/occmed/kqr024... . No caso do ruído, aventa-se a hipótese dos efeitos extra-auditivos, como irritação e desconforto2020. Basner M, Babisch W, Davis A, Brink M, Clark C, Janssen S, et al. Auditory and non-auditory effects of noise on health. Lancet. 2014;383(9925):1325-32. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61613-X.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61... , os quais provocam reações no nível das fibras musculares. Em situações de aumento involuntário da contração das miofibrilas, as micropausas necessárias ao trabalho muscular diminuem, com prejuízos na reperfusão sanguínea dos tecidos peritendinosos. Os processos inflamatórios decorrentes dessa situação explicariam os sintomas de fadiga muscular, dor, e, caso se mantenha a exposição ambiental, limitação da função1919. Magnavita N, Elovainio M, De Nardis I, Heponiemi T, Bergamaschi A. Environmental discomfort and musculoskeletal disorders. Occup Med (Lond). 2011;61(3):196-201. https://doi.org/10.1093/occmed/kqr024.
https://doi.org/10.1093/occmed/kqr024... .
A maior chance de Dort no grupo que relatou participar de trabalho voluntário na comunidade é consistente com a incapacidade que o quadro álgico provoca. Se for assim, os sujeitos limitados para se manterem nos seus postos de trabalho estariam mais disponíveis para atuar em outras esferas da vida, por exemplo, ações comunitárias de caráter voluntário. Pesquisas interdisciplinares evidenciam vias importantes para se compreender o impacto de uma doença ocupacional incapacitante sobre as diferentes dimensões da vida social1414. Verthein MAR, Gomez CM. As armadilhas: bases discursivas da neuropsiquiatrização das LER. Cienc Saude Coletiva. 2001;6(2):457-70. https://doi.org/10.1590/S1413-81232001000200015.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200100... .
Quanto ao relato de ter sido diagnosticado com artrite por um médico, a prevalência encontrada (6,7%) foi inferior aos resultados (18,53%) colhidos por entrevistas nos domicílios dos países do sul da Ásia2121. Levesque JF, Mukherjee S, Grimard D, Boivin A, Mishra S. Measuring the prevalence of chronic diseases using population surveys by pooling self-reported symptoms, diagnosis and treatments: results from the World Health Survey of 2003 for South Asia. Int J Public Health. 2013;58(3):435-47. https://doi.org/10.1007/s00038-013-0446-5.
https://doi.org/10.1007/s00038-013-0446-... . É possível que a diferença tenha explicação na estratégia metodológica utilizada na PNS, cuja pergunta que deu origem à variável evoca diagnóstico médico. Entretanto, em ambos os casos, a prevalência da doença é alta.
Uma pesquisa de base populacional buscou identificar a vigência de comorbidades no grupo que relatou distúrbios musculoesqueléticos nas regiões cervical e lombar2222. Strine TW, Hootman JM. US national prevalence and correlates of low back and neck pain among adults. Arthritis Rheum. 2007;57(4):656-65. https://doi.org/10.1002/art.22684.
https://doi.org/10.1002/art.22684... . A prevalência de artrite concomitante à dor cervical isolada e à dor cervical em curso com dor lombar foi de 35,1% e 46,2%, respectivamente, em contraposição à prevalência de 13,8% no grupo que negou dores musculares cervicais e lombares. Em convergência aos resultados da PNS, no caso dos sintomas depressivos, verificou-se a mesma tendência: 23,9% e 40,1% de prevalência autorreferida em concomitância, respectivamente, à dor cervical isolada e à dor cervical em curso com dor lombar2222. Strine TW, Hootman JM. US national prevalence and correlates of low back and neck pain among adults. Arthritis Rheum. 2007;57(4):656-65. https://doi.org/10.1002/art.22684.
https://doi.org/10.1002/art.22684... .
A manutenção do emprego e da atividade de trabalho é uma medida estimulada na prática reumatológica. Apesar dos benefícios, o local de trabalho pode ser fonte de estresse ocupacional2323. Griep RH, Rotenberg L, Landsbergis P, Vasconcellos-Silva PR. Uso combinado de modelos de estresse no trabalho e a saúde auto-referida na enfermagem. Rev Saude Publica. 2011;45(1):145-2. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000100017.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100... , com efeitos negativos sobre a situação dos sujeitos com essas morbidades reumáticas. Observou-se que o esperado efeito protetor da atividade laboral sobre a evolução dos sintomas de artrite foi frustrado quando os sujeitos estavam expostos a tarefas para as quais tinham restritas margens de controle (abertura para escolher quando e como fazer suas tarefas) em contraposição a altas demandas (volume de tarefas, velocidade com que devem finalizá-las e o tempo que têm disponível para cumprir essas exigências). Essas tensões no âmbito ocupacional podem se expressar em maior ou menor satisfação com o trabalho e essas vivências podem se traduzir em eventos estressantes, os quais interagem com saúde física e mental do indivíduo, de maneira a piorar os sintomas reumáticos e depressivos. Nessa direção, são plausíveis os resultados da PNS que indicam as referidas comorbidades.
Depressão é um fator de risco independente para um conjunto de distúrbios musculoesqueléticos2424. Magni G, Moreschi C, Rigatti-Luchini S, Merskey H. Prospective study on the relationship between depressive symptoms and chronic musculoskeletal pain. Pain.1994;56(3):289-97. https://doi.org/10.1016/0304-3959(94)90167-8
https://doi.org/10.1016/0304-3959(94)901... . Segundo a hipótese da vulnerabilidade cognitiva, os eventos estressantes tendem a precipitar quadros depressivos2525. Alloy LB, Abramson LY, Whitehouse WG, Hogan ME, Tashman NA, Steinberg DL, et al. Depressogenic cognitive styles: predictive validity, information processing and personality characteristics, and developmental origins. Behav Res Ther. 1999;37(6):503-31. https://doi.org/10.1016/S0005-7967(98)00157-0.
https://doi.org/10.1016/S0005-7967(98)00... . Está bem esclarecido o caráter multifatorial, assim como o papel dos fatores psicossociais (como insatisfação) no desenvolvimento dos distúrbios musculoesqueléticos e das comorbidades psiquiátricas tanto no desencadeamento quanto no agravamento da dor musculoesquelética crônica, que é o principal sintoma de Dort2626. Menzel NN. Psychosocial factors in musculoskeletal disorders. Crit Care Nurs Clin North Am. 2007;19(2):145-53. https://doi.org/10.1016/j.ccell.2007.02.006.
https://doi.org/10.1016/j.ccell.2007.02.... .
Contudo, as hipóteses aventadas não autorizam mais incursões. O relato de diagnóstico de depressão pode estar associado ao desfecho investigado. É possível também, porém, que as vivências relacionadas a uma doença ocupacional estejam agravando problemas preexistentes, ou que elas sejam mais facilmente notadas por pessoas com quadros depressivos e, por isso, são mais frequentemente relatadas por elas.
Os limites derivados da falta de consenso metodológico indicam prudência na interpretação dos resultados descritos. A definição do evento para caracterizar o desfecho varia na literatura atual, com prejuízos para as tentativas de comparação dos resultados obtidos. Pergunta-se sobre a queixa55. Gerr F, Fethke N, Merlino L, Anton D, Rosecrance J, Jones MP, et al. A prospective study of musculoskeletal outcomes among manufacturing workers: I. effects of physical risk factors. Hum Factors. 2014;56(1):112-30. https://doi.org/10.1177/0018720813491114.
https://doi.org/10.1177/0018720813491114...
6. Brandão AG, Horta BL, Tomasi E. Sintomas de distúrbios osteomusculares em bancários de Pelotas e região: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(3):295-305. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000300011.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500...
7. Picoloto D, Silveira E. Prevalência de sintomas osteomusculares e fatores associados em trabalhadores de uma indústria metalúrgica de Canoas-RS. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(2):507-16. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000200026.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200800... -88. Barbosa REC, Assunção AA, Araújo TM. Distúrbios musculoesqueléticos em trabalhadores do setor saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(8):1569-80. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000800015.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200... ,1212. Fernandes RCP, Carvalho FM, Assunção AA. Prevalence of musculoskeletal disorders among plastics industry workers. Cad Saude Publica. 2011;27(1):78-86. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... ,1717. Wijnhoven HAH, Vet HCW, Picavet HSJ. Prevalence of musculoskeletal disorders is systematically higher in women than in men. Clin J Pain. 2006;22(8):717-24. https://doi.org/10.1097/01.ajp.0000210912.95664.53.
https://doi.org/10.1097/01.ajp.000021091... ,2222. Strine TW, Hootman JM. US national prevalence and correlates of low back and neck pain among adults. Arthritis Rheum. 2007;57(4):656-65. https://doi.org/10.1002/art.22684.
https://doi.org/10.1002/art.22684... ; ou sobre o diagnóstico2121. Levesque JF, Mukherjee S, Grimard D, Boivin A, Mishra S. Measuring the prevalence of chronic diseases using population surveys by pooling self-reported symptoms, diagnosis and treatments: results from the World Health Survey of 2003 for South Asia. Int J Public Health. 2013;58(3):435-47. https://doi.org/10.1007/s00038-013-0446-5.
https://doi.org/10.1007/s00038-013-0446-... ; investigam-se morbidades musculoesqueléticas em geral no grupo de trabalhadores ativos em um determinado ramo da produção66. Brandão AG, Horta BL, Tomasi E. Sintomas de distúrbios osteomusculares em bancários de Pelotas e região: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(3):295-305. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000300011.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500...
7. Picoloto D, Silveira E. Prevalência de sintomas osteomusculares e fatores associados em trabalhadores de uma indústria metalúrgica de Canoas-RS. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(2):507-16. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000200026.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200800... -88. Barbosa REC, Assunção AA, Araújo TM. Distúrbios musculoesqueléticos em trabalhadores do setor saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(8):1569-80. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000800015.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200... ,1212. Fernandes RCP, Carvalho FM, Assunção AA. Prevalence of musculoskeletal disorders among plastics industry workers. Cad Saude Publica. 2011;27(1):78-86. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... ; ou entrevistam em seus domicílios sujeitos ocupados2121. Levesque JF, Mukherjee S, Grimard D, Boivin A, Mishra S. Measuring the prevalence of chronic diseases using population surveys by pooling self-reported symptoms, diagnosis and treatments: results from the World Health Survey of 2003 for South Asia. Int J Public Health. 2013;58(3):435-47. https://doi.org/10.1007/s00038-013-0446-5.
https://doi.org/10.1007/s00038-013-0446-... , como é também o caso da PNS.
A estrutura macroeconômica, a internacionalização do investimento e a aplicação de novas tecnologias transformam as políticas de emprego e as condições de trabalho. Tendo em vista o enfraquecimento do poder sindical e o desemprego, o ambiente da reestruturação produtiva torna-se propício para a implantação de estratégias de gestão que diminuem os poros do trabalho (ausência de pausas, exigências de mais peças por unidade de tempo, por exemplo), além de gerar novas formas de inserção dos sujeitos na produção1212. Fernandes RCP, Carvalho FM, Assunção AA. Prevalence of musculoskeletal disorders among plastics industry workers. Cad Saude Publica. 2011;27(1):78-86. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... ,1515. Hirata H, Kergoat D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cad Pesq. 2007;37(132):595-609. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005.
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200700... . Nessa conjuntura, tornam-se ainda mais precárias as fontes de informação sobre o emprego, trabalho e saúde dos trabalhadores. Pela primeira vez no Brasil foi possível examinar a prevalência de uma doença de tamanha relevância pelas razões já comentadas. Viés de memória, divergências nas estimativas das doenças e inadequação de recursos para avaliar a qualidade da coleta de dados são limitações inerentes aos inquéritos. Contudo, é indubitável a contribuição desse tipo de estudo para melhorar a qualidade do cuidado, fomentar programas e avaliar as políticas específicas para os grupos ocupacionais.
Além disso, vale destacar que a análise estatística se beneficiou das vantagens relativas ao expressivo tamanho da amostra somado à elevada taxa de resposta. O delineamento amostral da PNS, bem como as ponderações utilizadas nas análises, garante representatividade dos dados para o Brasil, suas grandes regiões, unidades federativas, regiões metropolitanas, capitais e demais municípios, de maneira a permitir uma caracterização fidedigna das condições de saúde do conjunto da população brasileira. Sabe-se que as medidas de prevalência de doenças ocupacionais configuram um desafio para os países nos quais os sistemas de informação em saúde do trabalhador não abrangem o total da população ocupada ou apresenta vícios relacionados à exclusividade de cobertura à população formalmente empregada, como é caso do Brasil.
Os resultados indicam a necessidade de monitorar as comorbidades no caso das doenças musculoesqueléticas e reforçar programas focados nos diferenciais de gênero. Especial foco ao monitoramento do ruído ambiental beneficiaria a saúde dos trabalhadores no país.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
01 Jun 2017
Histórico
- Recebido
20 Set 2016 - Aceito
3 Dez 2016