Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos

Patricia Constante Jaime Rogério Ruscitto do Prado Deborah Carvalho Malta Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar a influência de hábitos familiares e características do domicílio sobre o consumo de bebidas açucaradas em crianças brasileiras menores de dois anos.

MÉTODOS

Estudo transversal que utilizou dados secundários gerados pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em 2013. Foram estudados 4.839 pares de crianças menores de dois anos e adultos residentes no mesmo domicílio. Foram estimadas as prevalências do indicador consumo de bebidas açucaradas para a amostra total de crianças e segundo categorias de variáveis familiares e do domicílio. Aplicou-se análise de regressão logística múltipla para avaliar a influência de hábitos familiares e características do domicílio sobre o consumo de bebidas açucaradas pelas crianças.

RESULTADOS

O consumo de bebidas açucaradas foi identificado em 32% das crianças estudadas (IC95% 30,6–33,3) e esteve independentemente associado com as seguintes caraterísticas familiares e domiciliares: consumo regular de bebidas açucaradas pelo adulto residente no domicílio (OR = 1,78; IC95% 1,51–2,10), hábito de assistir TV por mais de 3 horas diárias (OR = 1,22; IC95% 1,03–1,45), maior idade (OR = 3,10; IC95% 1,54–6,26), maior escolaridade (OR = 0,70; IC95% 0,53–0,91), domicílio localizado na região Nordeste (OR = 0,65; IC95% 1,54–6,26) e número de componentes da família (OR = 1,05; IC95% 1,00–1,09).

CONCLUSÕES

Os achados apontam a alta prevalência de consumo de bebidas açucaradas em crianças brasileiras menores de dois anos e que características sociodemográficas e hábitos familiares influenciam essa prática alimentar não recomendada na infância.

Lactente; Bebidas; Sacarose na Dieta; Consumo de Alimentos; Inquéritos sobre Dietas; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

A obesidade na infância é reconhecida como um emergente problema de saúde pública pelo aumento de sua prevalência, seu impacto negativo sobre a saúde física e psicológica da criança11. Sahoo K, Sahoo B, Choudhury AK, Sofi NY, Kumar R, Bhadoria AS. Childhood obesity: causes and consequences. J Family Med Prim Care. 2015;4(2):187-92. https://doi.org/10.4103/2249-4863.154628.
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e pelo risco associado de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis em outras fases do curso da vida22. Biro FM, Wien M. Childhood obesity and adult morbidities. Am J Clin Nutr. 2010;91(5):1499S-1505S. https://doi.org/10.3945/ajcn.2010.28701B.
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. Os esforços para preveni-la passam por ações de incentivo ao aleitamento materno, de promoção de comportamentos saudáveis em alimentação e atividade física na infância e de segurança alimentar familiar e pela regulação da indústria de alimentos, visando a proteger as crianças de incentivos ao consumo inoportuno e exagerado de alimentos de baixa qualidade nutricional33. Lobstein T, Jackson-Leach R, Moodie ML, Hall KD, Gortmaker SL, Swinburn AB, et al. Child and adolescent obesity: part of a bigger picture. Lancet. 2015;385(9986):2510-20. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61746-3.
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.

No Brasil, em 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), composto por entidades da sociedade civil e ministérios do Governo Federal, aprovou resolução que proíbe a publicidade direcionada a crianças, incluindo a publicidade de alimentos. Para o Conanda, a publicidade infantil viola o que está previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor, por se aproveitar da natural vulnerabilidade da criança e de sua incapacidade de analisar os interesses vinculados à peça publicitáriaaaInstituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Conanda aprova resolução que proíbe a publicidade direcionada a crianças. São Paulo: IDEC; 2014 [citado 2016 ago 23]. Disponível em: http://www.idec.org.br/em-acao/em-foco/conanda-aprova-resoluco-que-proibe-a-publicidade-direcionada-a-criancas .

Nesse sentido, maior atenção tem sido dada ao impacto negativo do consumo de bebidas açucaradas, como refrigerantes, sucos e refrescos artificiais, sobre a qualidade da dieta44. Popkin BM, Hawkes C. Sweetening of the global diet, particularly beverages: patterns, trends, and policy responses. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(2):174-86. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(15)00419-2.
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. As bebidas açucaradas possuem baixa qualidade nutricional (restringindo-se à oferta de açúcares, como sacarose e frutose), não proporcionam a mesma sensação de saciedade do que alimentos sólidos55. Pan A, Hu FB. Effects of carbohydrates on satiety: differences between liquid and solid food. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2011;14(4):385-90. https://doi.org/10.1097/MCO.0b013e328346df36.
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, possuem intensa propaganda nos diversos tipos de mídia44. Popkin BM, Hawkes C. Sweetening of the global diet, particularly beverages: patterns, trends, and policy responses. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(2):174-86. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(15)00419-2.
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, estão associadas ao excesso de calorias ingeridas na dieta e também ao excesso de peso e à obesidade em crianças e adolescentes66. Malik VS, Pan A, Willett WC, Hu FB. Sugar-sweetened beverages and weight gain in children and adults: a systematic review and meta-analysis. Am J Clini Nutr. 2013;98(4):1084-102. https://doi.org/10.3945/ajcn.113.058362.
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. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, refrigerantes e outras bebidas industrializadas açucaradas são produtos ultraprocessados e, portanto, devem ser evitados para uma alimentação adequada e saudável77. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Martins AP, Martins CA, Garzillo J, et al. Dietary guidelines to nourish humanity and the planet in the twenty-first century: a blueprint from Brazil. Public Health Nutr. 2015;18(13):2311-22. https://doi.org/10.1017/S1368980015002165.
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O consumo de bebidas açucaradas apresenta tendência de aumento em muitas partes do mundo, inclusive no Brasil44. Popkin BM, Hawkes C. Sweetening of the global diet, particularly beverages: patterns, trends, and policy responses. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(2):174-86. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(15)00419-2.
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. Na amostra de 34.003 indivíduos com 10 anos ou mais de idade que responderam ao Inquérito Nacional de Alimentação (INA), um módulo da Pesquisa Nacional de Orçamento Familiar de 2008-2009, a prevalência de consumo de sucos e refrescos (39,8%) e de refrigerantes (23%) ocupou, respectivamente, sexta e nona posições entre os 20 alimentos com maior prevalência de consumo no país88. Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:190s-9s. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000700005.
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. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada em 2006, investigou indicadores de aleitamento materno e alimentação de crianças menores de cinco anos, e verificou que o consumo diário de refrigerantes apresentou prevalência igual a 22,1% (IC95% 19,5–24,8)99. Bortolini GA, Gubert MB, Santos LMP. Consumo alimentar entre crianças brasileiras com idade de 6 a 59 meses. Cad Saude Publica. 2012;28(9):1759-71. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000900014.
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. Na mesma direção, a II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal identificou que refrigerantes foram introduzidos de forma precoce na alimentação de bebês de 9 a 12 meses (11,6%; IC95% 10,5–12,8)1010. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasília (DF); 2009..

O consumo de bebidas açucaradas na primeira infância é preocupante, sobretudo por se tratar de um período de formação de hábitos alimentares que podem influenciar padrões alimentares futuros33. Lobstein T, Jackson-Leach R, Moodie ML, Hall KD, Gortmaker SL, Swinburn AB, et al. Child and adolescent obesity: part of a bigger picture. Lancet. 2015;385(9986):2510-20. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61746-3.
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,1111. Park S, Lin M, Onufrak S, Li R. Association of sugar-sweetened beverage intake during infancy with dental caries in 6-year-olds. Clin Nutr Res. 2015;4(1):9-17. https://doi.org/10.7762/cnr.2015.4.1.9.
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. Como mencionado por Savage et al.1212. Savage JS, Fisher JO, Birch LL. Parental influence on eating behavior: conception to adolescence. J Law Med Ethics. 2007;35(1):22-34. https://doi.org/10.1111/j.1748-720X.2007.00111.x.
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, nesses primeiros anos de vida as crianças aprendem o quê, como, quando e quanto comer, de acordo com o ambiente socioalimentar ao qual pertencem e com base na transmissão cultural de crenças, atitudes e práticas em torno da alimentação. Famílias desempenham um papel importante no desenvolvimento de hábitos alimentares das crianças. A primeira influência social na alimentação humana vem do núcleo familiar1313. Birch LL, Fisher JO. Development of eating behaviors among children and adolescents. Pediatrics. 1998;101(3 Suppl 2):539-49.. Práticas alimentares e comportamentos dos pais, além de fatores socioeconômicos da família, têm sido associados ao consumo de bebidas açucaradas entre crianças1414. De Coen V, Vansteelandt S, Maes L, Huybrechts I, De Bourdeaudhuij I, Vereecken C. Parental socioeconomic status and soft drink consumption of the child.The mediating proportion of parenting practices. Appetite. 2012;59(1):76-80. https://doi.org/10.1016/j.appet.2012.03.024.
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15. Paes VM, Hesketh K, O’Malley C, Moore H, Summerbell C, Griffin S, et al. Determinants of sugar-sweetened beverage consumption in young children: a systematic review. Obes Rev. 2015;16(11):903-13. https://doi.org/10.1111/obr.12310.
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-1616. Pabayo R, Spence JC, Cutumisu N, Casey L, Storey K. Sociodemographic, behavioural and environmental correlates of sweetened beverage consumption among pre-school children. Public Health Nutr. 2012;15(8):1338-46. https://doi.org/10.1017/S1368980011003557.
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.

A melhor compreensão sobre fatores associados ao consumo de bebidas açucaradas em crianças pode subsidiar o desenvolvimento de intervenções de promoção da alimentação saudável e prevenção da obesidade infantil. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013, possibilita a exploração de dados atualizados relacionados à alimentação infantil por ter incluído crianças brasileiras menores de dois anos em sua amostra populacional1717. Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003.
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.

O objetivo deste estudo foi avaliar a influência de hábitos familiares e características do domicílio sobre o consumo de bebidas açucaradas em crianças brasileiras menores de dois anos.

MÉTODOS

Delineamento e População de Estudo

Neste estudo transversal, utilizamos dados secundários gerados pela PNS, realizada em parceria entre o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013. A PNS é um inquérito populacional de base domiciliar, parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE. Partindo da amostra mestra do referido sistema, foram definidas unidades primárias de amostragem, tendo como referência informações provenientes do Censo Demográfico de 2010. Desta forma, a amostra da PNS é representativa do Brasil, macrorregiões, população urbana e rural e capitais. A coleta de dados ocorreu entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014.

A PNS utilizou a amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das unidades primárias de amostragem. Os setores censitários ou conjunto de setores foram as unidades primárias de amostragem; os domicílios foram as unidades de segundo estágio; e os moradores com 18 anos ou mais de idade, as unidades de terceiro estágio. Foram obtidos registros de entrevistas em 64.348 domicílios. Dentro de cada domicílio selecionado, um morador de 18 anos ou mais de idade foi selecionado, por amostragem aleatória simples, da lista de moradores construída no momento da entrevista. Foram entrevistados 60.202 indivíduos, o que resultou em uma não resposta de 8,1%. As entrevistas foram feitas com a utilização de computadores de mão e conduzidas por agentes de coleta, sob responsabilidade do IBGE.

Crianças menores de dois anos de idade foram identificadas no segundo estágio, quando um número fixo de domicílios particulares, permanentes em cada unidade primária de amostragem, foi selecionado por amostragem aleatória simples por meio do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos. Todas as crianças dessa idade residentes nos domicílios sorteados foram investigadas.

Foram definidos pesos amostrais para as unidades primárias de amostragem, para os domicílios e todos os seus moradores. Detalhes metodológicos da PNS estão descritos em publicação anterior1717. Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003.
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.

No presente estudo foram estudados 4.839 pares de crianças menores de dois anos e adultos entrevistados no mesmo domicílio. A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos, do Ministério da Saúde (Parecer 328.159/2013).

Variável Dependente

Estimou-se a prevalência do consumo de bebidas açucaradas por crianças menores de dois anos. O módulo L do questionário da PNS refere-se à saúde das crianças nessa faixa etária, sendo as informações dadas pela mãe ou responsável pela criança no domicílio. Nesse módulo, além de questões sobre a utilização de serviços de saúde e cuidados preventivos, havia um questionário de frequência alimentar referente ao consumo nas 24 horas anteriores. Estimou-se o consumo de bebidas açucaradas a partir de duas questões no módulo L – Criança com menos de dois anos, do questionário da PNS: “Você pode me dizer se [nome] tomou sucos artificiais desde ontem de manhã até hoje de manhã?” ou “Você pode me dizer se [nome] tomou refrigerantes desde ontem de manhã até hoje de manhã?” Identificou-se o consumo de bebidas açucaradas pela criança quando houve resposta positiva em, ao menos, uma das duas questões de referência no questionário.

Variáveis Independentes

Foram analisados dados referentes às características sociodemográficas e a comportamento alimentar, prática de atividade física, peso, altura, tabagismo, entre outros, desse adulto (com 18 anos ou mais), morador do domicílio de residência da criança, que foi tomado como proxy do comportamento dos demais adultos do domicílio e da família da criança. As variáveis estudadas foram: consumo regular de bebidas açucaradas (consumo de refrigerante ou suco artificial cinco dias ou mais por semana); tabagismo (uso atual de tabaco fumado); atividade física suficiente (prática de 150 minutos semanais de atividade física no lazer, no trabalho ou no deslocamento); hábito de assistir televisão (relato de assistir televisão por três ou mais horas/dia); excesso de peso (índice de massa corporal [IMC] maior ou igual a 25 kg/m2, calculado a partir de dados referidos de peso e altura); sexo (masculino; feminino); idade (18–29; 30–59; 60–64; 65 anos ou mais) e escolaridade (sem instrução/fundamental incompleto; fundamental completo/médio incompleto; médio completo/superior incompleto; e superior completo).

Também foram exploradas características dos domicílios, sendo elas: local de residência (urbano; rural), região (Centro-Oeste; Sul; Sudeste; Nordeste; Norte) e número de componentes no domicílio.

Análise dos Dados

Foram estimadas as prevalências do indicador consumo de bebidas açucaradas para as crianças menores de dois anos, apresentadas em percentuais e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), para a população total e segundo categorias das variáveis de hábitos familiares e de características do domicílio. Posteriormente, foi realizada a análise bivariada, calculando a odds ratio (OR) bruta, empregando o teste Qui-quadrado de Pearson com nível de significância de 0,05. Por último, foi feita a análise de regressão logística múltipla para avaliar as influências de hábitos familiares e características do domicílio sobre o consumo de bebidas açucaradas pelas crianças. Inseriram-se no modelo múltiplo as variáveis independentes que apresentaram associação com o desfecho em nível de p < 0,20, calculando a OR ajustada e IC95%. As análises dos dados foram realizadas por meio do software Stata versão 11.0. Utilizou-se o comando survey para análise de dados provenientes de amostra complexa.

RESULTADOS

A partir das informações obtidas na PNS, observou-se que o consumo de refrigerantes no dia anterior foi referido para cerca de uma em cada três crianças estudadas (32,0%; IC95% 30,6–33,3). Os adultos investigados eram na maioria mulheres (61,9%), com idade entre 30 e 59 anos (49,7%). Cerca de um quarto dos adultos que compunham o par de interesse – criança menor de dois anos e adulto residente no mesmo domicílio – referiu consumo regular de bebidas açucaradas (27%). Os domicílios urbanos foram mais frequentes do que os localizados na zona rural (79,1% contra 20,9), conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da população e domicílios estudados. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

A hipótese do presente estudo era que hábitos familiares e características do domicílio estariam associados ao consumo de bebidas açucaradas em crianças brasileiras menores de dois anos. Conforme apresentado na Tabela 2, observou-se maior prevalência de consumo nas crianças cujo adulto residente no domicílio consumia regularmente bebidas açucaradas (41,8%; IC95% 39,2–44,5), quando comparado àqueles pares cujos adultos não consumiam (28,0%; IC95% 25,4–30,8%). Diferenças de menor magnitude foram observadas, segundo categorias das demais variáveis independentes.

Tabela 2
Prevalência do consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos, segundo hábitos familiares e características do domicílio. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

Os resultados da análise bivariada (Tabela 3) confirmaram que o consumo regular de bebidas açucaradas pelo adulto foi associado ao consumo da criança (OR = 1,85; p < 0,001). Outro comportamento familiar que se mostrou associado ao consumo das crianças foi o hábito diário de assistir TV por três horas ou mais (OR = 1,20; p = 0,008). Por outro lado, crianças cujo adulto residente no domicílio possuía nível de escolaridade superior completo tiveram menor chance de consumir bebidas açucaradas (OR = 0,73; p = 0,006), assim como aquelas residentes na Região Nordeste (OR = 0,66; p < 0,001). Destaca-se que não se observou diferença significativa nas prevalências da variável dependente, segundo localização urbana ou rural do domicílio.

Tabela 3
Associação entre o consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos e hábitos familiares e características do domicílio. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

As associações observadas na análise bivariada mantiveram-se significativas na análise por regressão logística, que identificou outras duas associações independentes entre variáveis de hábitos familiares e domiciliares e o consumo da criança (Tabela 3). A chance de a criança menor de dois anos consumir bebidas açucaradas foi 3,1 vezes maior naquelas com adulto residente no domicílio com idade igual ou superior a 65 anos (ORaj = 3,10; p = 0,002), quando comparado àquelas com referências mais jovens (18 a 29 anos). O número de componentes no domicílio também se mostrou associado ao consumo de bebidas açucaradas pelas crianças (ORaj = 1,05; p = 0,041).

DISCUSSÃO

O Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos1818. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos, um guia para o profissional da saúde na atenção básica. 2.ed. Brasília (DF); 2013., publicado pelo Ministério da Saúde, recomenda que sejam evitados açúcar e refrigerantes, dentre outras guloseimas, nos primeiros anos de vida da criança. Ao contrário dessa recomendação, a prevalência de consumo de bebidas açucaradas, reconhecido como fator de risco para obesidade infantil66. Malik VS, Pan A, Willett WC, Hu FB. Sugar-sweetened beverages and weight gain in children and adults: a systematic review and meta-analysis. Am J Clini Nutr. 2013;98(4):1084-102. https://doi.org/10.3945/ajcn.113.058362.
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, foi alta nas crianças menores de dois anos estudadas pela PNS, em 2013. Ao nosso conhecimento, este é o primeiro estudo brasileiro que relaciona dados de consumo alimentar de crianças e de adultos residentes em um mesmo domicílio em um inquérito de base populacional, sendo possível, assim, explorar a hipótese da influência de características da família e do domicílio sobre o consumo da criança.

No conjunto de variáveis independentes exploradas, dois hábitos familiares mostraram forte associação com o consumo de bebidas açucaradas pelas crianças: o consumo regular dessas bebidas pelos adultos e o hábito diário de assistir televisão por mais de três horas. Estudos anteriores feitos com crianças em diferentes fases (pré-escolar, escolar e adolescência) constataram maior chance de consumo de bebidas açucaradas pelas crianças cujos pais consomem essas bebidas regularmente1919. Van Lippevelde W, Velde SJ, Verloigne M, De Bourdeaudhuij I, Bere E, Jan N, et al. Associations between home- and family-related factors and fruit juice and soft drink intake among 10- to 12-year old children. The ENERGY project. Appetite. 2013;61(1):59-65. https://doi.org/10.1016/j.appet.2012.10.019.
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,2020. Vereecken CA, Keukelier E, Maes L. Influence of mother’s educational level on food parenting practices and food habits of young children. Appetite. 2004;43(1):93-103. https://doi.org/10.1016/j.appet.2004.04.002.
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. Os dados da PNS sinalizam que essa influência comportamental familiar pode ocorrer mesmo na fase inicial do curso da vida, i.e., a primeira infância.

No tocante à variável relacionada ao tempo de tela (hábito diário de assistir TV por mais de três horas), revisão sistemática conduzida por Paes et al.1515. Paes VM, Hesketh K, O’Malley C, Moore H, Summerbell C, Griffin S, et al. Determinants of sugar-sweetened beverage consumption in young children: a systematic review. Obes Rev. 2015;16(11):903-13. https://doi.org/10.1111/obr.12310.
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identificou que oito em 12 estudos que avaliaram sua associação com o consumo de bebidas açucaradas em crianças e adolescentes encontraram resultados positivos. Mecanismos causais têm sido propostos para explicar a relação entre comportamentos sedentários, como ver televisão por muitas horas, e padrão alimentar não saudável2121. Robinson TN. Television viewing and childhood obesity. Pediatr Clin North Am. 2001;48(4):1017-25. https://doi.org/10.1016/S0031-3955(05)70354-0.
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. Uma das causas pode ser a exposição à publicidade de alimentos, visto que os refrigerantes e outras bebidas açucaradas são frequentemente objeto de forte marketing44. Popkin BM, Hawkes C. Sweetening of the global diet, particularly beverages: patterns, trends, and policy responses. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(2):174-86. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(15)00419-2.
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. Os dados da PNS mostram que crianças residindo com adultos que assistem TV por mais de três horas têm maior chance de consumir bebibas açucaradas. Percebe-se que fatores ambientais relacionados ao hábito de ver televisão pela família podem influenciar o consumo alimentar de diferentes membros.

Em relação às características sociodemográficas, enquanto a idade do adulto residente no domicílio mostrou-se positivamente associada ao consumo de bebidas açucaradas pelas crianças, a escolaridade apresentou associação inversa, corroborando estudos anteriores que apontam que, assim como em outros desfechos de saúde, o consumo de bebidas açucaradas por crianças sofre influência de determinantes sociais1414. De Coen V, Vansteelandt S, Maes L, Huybrechts I, De Bourdeaudhuij I, Vereecken C. Parental socioeconomic status and soft drink consumption of the child.The mediating proportion of parenting practices. Appetite. 2012;59(1):76-80. https://doi.org/10.1016/j.appet.2012.03.024.
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,1515. Paes VM, Hesketh K, O’Malley C, Moore H, Summerbell C, Griffin S, et al. Determinants of sugar-sweetened beverage consumption in young children: a systematic review. Obes Rev. 2015;16(11):903-13. https://doi.org/10.1111/obr.12310.
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.

Os resultados das análises por características dos domicílios mostraram que a região Sul apresentou a maior prevalência de consumo de bebidas açucaradas nas crianças menores de dois anos (38,7%), enquanto na região Nordeste, onde se estimou a menor prevalência, uma em cada quatro crianças teve consumo referido para essas bebidas (24,3%). Esses achados sinalizam, por um lado, diferenças regionais, mas, por outro, desvelam um hábito alimentar frequente no país como um todo pelas altas prevalências observadas nas cinco macrorregiões estudadas. Não houve diferença quando comparados os domicílios urbanos e rurais, o que havia sido identificado no estudo de Bortolini et al.99. Bortolini GA, Gubert MB, Santos LMP. Consumo alimentar entre crianças brasileiras com idade de 6 a 59 meses. Cad Saude Publica. 2012;28(9):1759-71. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000900014.
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com dados da PNDS/2006, mostrando que crianças residentes em área urbana consumiam refrigerantes com maior frequência do que aquelas de áreas rurais. Com as cautelas necessárias em função das diferenças metodológicas dos dois inquéritos populacionais, verifica-se aumento expressivo no consumo de bebidas açucaradas em crianças residentes na zona rural – o que era 9,7% segundo a PNDS-2006 passa a 32,2% na PNS-2013. Esse aumento pode ser explicado, em parte, pela melhoria do acesso a alimentos em geral pelos domicílios rurais brasileiros e, consequentemente, melhor situação de segurança alimentar e nutricional, como encontrado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)2222. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar. Rio de Janeiro: IBGE; 2014., em 2013, apesar da maior presença de alguns alimentos com pior valor nutricional, como as bebidas açucaradas.

Na agenda global de prevenção e controle da obesidade infantil, medidas voltadas à redução do consumo de bebidas açucaradas têm sido consideradas emergenciais e prioritárias. Essas medidas incluem ações de educação alimentar e nutricional que envolvam pais, famílias e cuidadores de crianças, mas também ações de controle da indústria de alimentos, como a regulação da publicidade de alimentos e uma política de taxação fiscal de bebidas açucaradas33. Lobstein T, Jackson-Leach R, Moodie ML, Hall KD, Gortmaker SL, Swinburn AB, et al. Child and adolescent obesity: part of a bigger picture. Lancet. 2015;385(9986):2510-20. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61746-3.
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,44. Popkin BM, Hawkes C. Sweetening of the global diet, particularly beverages: patterns, trends, and policy responses. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(2):174-86. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(15)00419-2.
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. A taxação fiscal vem sendo implantada de forma inovadora no México2323. Organización Panamericana de la Salud. Experiencia de México en el establecimiento de impuestos a las bebidas azucaradas como estrategia de salud pública. México (DF): OPS; 2015. e, mais recentemente, no Reino Unido2424. Briggs A. Sugar tax could sweeten a market failure. Nature. 2016;531(7596):551. https://doi.org/10.1038/531551a.
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. Resultados promissores da experiência mexicana mostram que a adoção do imposto sobre bebidas açucaradas resultou em redução nas compras dessas bebidas no varejo2525. Colchero MA, Popkin BM, Rivera JA, Ng SW. Bevarage purchases from stores in Mexico under the excise tax on sugar sweetened beverages: observational study. BMJ. 2016;352:h6704. https://doi.org/10.1136/bmj.h6704.
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. De fato, estudos avaliativos ajudam a compreender o potencial impacto de intervenções no preço e na disponibilidade de bebidas açucaradas sobre o padrão de compra e consumo alimentar de indivíduos e coletividades e as implicações para a saúde pública, aumentando o nível de evidência para orientar políticas de controle da obesidade infantil. Essas políticas devem não apenas abranger a educação em saúde e a atenção individual como também promover melhorias no ambiente alimentar no sentido de apoiar e facilitar as práticas alimentares saudáveis por indivíduos, famílias e coletividades.

Este estudo apresenta limitações comuns aos inquéritos de consumo alimentar: possível viés de aferição da dieta habitual, por falha de memória do entrevistado; sobre ou subestimação do consumo alimentar; e validade limitada dos instrumentos de coleta dos dados.

Outra limitação diz respeito à impossibilidade de avaliar a influência familiar em relação à disponibilidade, acessibilidade e permissividade para o consumo infantil nos domicílios, o que mostrou ter associação com o consumo de refrigerantes em crianças de 2,5 a 7 anos1414. De Coen V, Vansteelandt S, Maes L, Huybrechts I, De Bourdeaudhuij I, Vereecken C. Parental socioeconomic status and soft drink consumption of the child.The mediating proportion of parenting practices. Appetite. 2012;59(1):76-80. https://doi.org/10.1016/j.appet.2012.03.024.
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. A disponibilidade e exposição repetida a determinados alimentos é um condicionante das preferências alimentares adquiridas na infância2626. Patrick H, Nicklas TA. A review of family and social determinants of children’s eating patterns and diet quality. J Am Coll Nutr. 2005;24(2):83-92. https://doi.org/10.1080/07315724.2005.10719448.
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. Ainda, o adulto tomado como referência familiar para responder ao questionário sobre comportamentos foi selecionado aleatoriamente; porém, para alguns domicílios, esse adulto pode não ser o responsavel direto pela criança. A literatura é mais consistente em sinalizar a influência da modelagem parental sobre os hábitos e comportamentos alimentares das crianças1414. De Coen V, Vansteelandt S, Maes L, Huybrechts I, De Bourdeaudhuij I, Vereecken C. Parental socioeconomic status and soft drink consumption of the child.The mediating proportion of parenting practices. Appetite. 2012;59(1):76-80. https://doi.org/10.1016/j.appet.2012.03.024.
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,1515. Paes VM, Hesketh K, O’Malley C, Moore H, Summerbell C, Griffin S, et al. Determinants of sugar-sweetened beverage consumption in young children: a systematic review. Obes Rev. 2015;16(11):903-13. https://doi.org/10.1111/obr.12310.
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. Por fim, a variável peso e altura foi omitida em 30% dos informantes, podendo ter alterado a análise dessa variável, que não se mostrou significativa na análise bivariada.

Por outro lado, ao incluir crianças menores de dois anos em sua amostra populacional, a PNS possibilita a exploração de dados atualizados relacionados à alimentação infantil.

Para concluir, os achados do presente estudo expõem a alta prevalência de consumo de bebidas açucaradas em crianças brasileiras menores de dois anos e que características sociodemográficas e hábitos familiares influenciam essa prática alimentar não recomendada na infância.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2016
  • Aceito
    7 Jan 2017
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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