RESUMO
OBJETIVO
Caracterizar as atividades de natureza clínica desenvolvidas pelos farmacêuticos nas unidades básicas de saúde e sua participação em atividades educativas de promoção da saúde.
MÉTODOS
O artigo integra a Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Uso Racional de Medicamentos – Serviços 2015, estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por levantamento de informações numa amostra representativa de municípios, estratificada pelas regiões do Brasil que constituem domínios do estudo, e sub-amostra de serviços de atenção básica. Os farmacêuticos entrevistados (n = 285) eram responsáveis pela entrega de medicamentos e foram entrevistados pessoalmente com uso de roteiro. A caracterização das atividades de natureza clínica baseou-se em informações dos farmacêuticos que declararam realizá-las, e a participação em atividades educativas e voltadas à promoção da saúde, em informações de todos os farmacêuticos. Os resultados são apresentados em frequência e respectivos intervalos de confiança de 95%.
RESULTADOS
Dos entrevistados, 21,3% afirmaram realizar atividades de natureza clínica. Destes, mais de 80% as consideram muito importante; a maioria não dispõe de local específico para realizá-las, prejudicando a privacidade e confidencialidade nessas atividades. As principais denominações foram orientação farmacêutica e atenção farmacêutica. O registro das atividades é feito principalmente em prontuário do usuário, sistema informatizado e documento próprio arquivado na farmácia, o que dificulta a circulação das informações entre os profissionais. A maioria realiza as atividades principalmente em conjunto com médicos e enfermeiros; 24,7% raramente participam de reuniões com a equipe de saúde e 19,7% nunca participou.
CONCLUSÕES
As atividades de natureza clínica desempenhadas por farmacêuticos no Brasil ainda são incipientes. As dificuldades encontradas apontam improvisação e esforço dos profissionais. A pequena participação em atividades educativas de promoção da saúde indica pouca integração dos farmacêuticos na equipe de saúde e da assistência farmacêutica nas demais ações de saúde.
Farmacêuticos; Atenção Farmacêutica; Assistência Farmacêutica; Atenção Primária à Saúde; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Sistema Único de Saúde
INTRODUÇÃO
A morbimortalidade relacionada a medicamentos tem sido apontada como importante problema de saúde pública no mundo66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1414. Johnson JA, Bootman JL. Drug related morbidity and mortality: a cost-of - illness model. Arch Intern Med. 1995;155(18):1949-56. https://doi.org/10.1001/archinte.1995.00430180043006
https://doi.org/10.1001/archinte.1995.00... ,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011.. No Brasil, estudos têm mostrado o impacto sobre a sociedade e sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)33. Araújo ALA, Pereira LRL, Ueta JM, Freitas O. Perfil da assistência farmacêutica na atenção primária do Sistema Único de Saúde. Cienc Saude Coletiva. 2008;13 Supl:611-7. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000700010
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200800... ,2525. Souza TT, Godoy RR, Rotta I, Pontarolo R, Fernandez-Llimos F, Correr J. Morbidade e mortalidade relacionadas a medicamentos no Brasil: revisão sistemática de estudos observacionais. Rev Cienc Farm Basica Apl. 2014 [cited 2017 Feb 10];35(4):519-32. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/view/2971/1621
http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/inde... . Entre os problemas associados ao uso de medicamentos destacam-se os referentes à indicação, efetividade, segurança e adesão. Esses problemas produzem morbidade e mortalidade relacionadas a essas tecnologias que resultam em elevado impacto social, no âmbito clínico, humanístico e econômico. Os principais fatores de risco associados à ocorrência desses problemas incluem idade, presença de comorbidades e polifarmacoterapia1010. Hepler CD, Strand LM. Opportunities and responsibilities in pharmaceutical care. Am J Hosp Pharm. 1990;47(3):533-43.,1414. Johnson JA, Bootman JL. Drug related morbidity and mortality: a cost-of - illness model. Arch Intern Med. 1995;155(18):1949-56. https://doi.org/10.1001/archinte.1995.00430180043006
https://doi.org/10.1001/archinte.1995.00... ,2525. Souza TT, Godoy RR, Rotta I, Pontarolo R, Fernandez-Llimos F, Correr J. Morbidade e mortalidade relacionadas a medicamentos no Brasil: revisão sistemática de estudos observacionais. Rev Cienc Farm Basica Apl. 2014 [cited 2017 Feb 10];35(4):519-32. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/view/2971/1621
http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/inde... . Prevenir e minimizar este impacto requer ações que interfiram no processo de uso de medicamentos pelos usuários, por meio do gerenciamento da terapia medicamentosa66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011., desafios importantes da agenda atual da assistência farmacêutica no Brasil.
Em vários países55. Bussières JF, Roy P, Lebel D, Binette MC, Cambar J, Colombe, C. Profil de la pratique pharmaceutique de la France et du Québec et perspectives d’échange. Pharmactuel. 2002 [cited 2016 Mar 8];35(1):30-8. Available from: http://www.pharmactuel.com/index.php/pharmactuel/article/view/405/72
http://www.pharmactuel.com/index.php/pha... ,77. Conill EM. A recente reforma dos serviços de saúde na província do Québec, Canadá: as fronteiras da preservação de um sistema público. Cad Saude Publica. 2000;16(4):963-71. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000400015
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200000... ,99. Dauti M, Alili-Idrizi E, Malaj L. Pharmaceutical care in community pharmacy In the Republic of Macedonia: a compared study with EU countries. Eur Sci J. 2014 [cited 2016 Mar 8];3 Spec Ed:313-8. Available from: http://eujournal.org/index.php/esj/article/view/2951
http://eujournal.org/index.php/esj/artic... ,2121. Pammett R, Jorgenson D. Eligibility requirements for community pharmacy medication review services in Canada. Can Pharm J (Ott). 2014;147(1): 20-4. https://doi.org/doi:10.1177/1715163513514006
https://doi.org/doi:10.1177/171516351351... ,2323. Perraudin C, Brion F, Bourdon O, Pelletier-Fleury N. The future of pharmaceutical care in France: a survey of final-year pharmacy students’ opinions. BMC Clin Pharmacol. 2011;11:6. https://doi.org/10.1186/1472-6904-11-6
https://doi.org/10.1186/1472-6904-11-6... ,2727. Yordanova S, Petkova V. Pharmaceutical care in some European countries, Australia, Canada and USA. World J Pharm Pharm Sci. 2013 [cited 2017 Feb 11];2(5):2291-308. Available from: http://www.wjpps.com/wjpps_controller/abstract_id/313
http://www.wjpps.com/wjpps_controller/ab... a atenção farmacêuticaa tem sido assumida como política estratégica para a redução do impacto da morbimortalidade relacionada ao uso de medicamentos66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1212. Isetts BJ, Brummel, AR, Oliveira DR, Moen DW. Managing drug-related morbidity and mortality in the patient-centered. Med Care. 2012;50(11):997-1001. https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826ecf9a
https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826e... ,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011.. No Brasil, integra a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF). No entanto, os trabalhos de pesquisas sobre essa temática são escassos, até mesmo em trabalhos que abordam políticas farmacêuticas que prescrevem estas práticas em seus dispositivos, a exemplo do componente especializado da assistência farmacêutica. Os trabalhos que estudam como tais atividades acontecem no SUS e seus resultados são também incipientes.
a Atenção Farmacêutica na Política Nacional de Assistência Farmacêutica é definida como ação da assistência farmacêutica, considerada um modelo de prática realizada pelo farmacêutico. Na política, o modus operandi dessa prática inclui a interação direta do farmacêutico com o usuário, com o objetivo de prover uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados clínicos definidos e mensuráveis além de compreender essa prática como importante para a integralidade das ações de saúde.
A temática da atenção farmacêutica encontra algumas dificuldades, principalmente no que concerne à compreensão do seu significado. Em todo o mundo, a definição adotada por Hepler e Strand1010. Hepler CD, Strand LM. Opportunities and responsibilities in pharmaceutical care. Am J Hosp Pharm. 1990;47(3):533-43. (1990) é considerada como um marco consensual, mas no Brasil, o que se denomina como atenção farmacêutica assume significados distintos no que denominaríamos de “mundo da ciência” e o como as políticas no âmbito da assistência farmacêutica a compreendem. As diferenças operam no plano epistemológico e se reproduzem na prática.
As denominações que têm sido amplamente utilizadas entre os farmacêuticos para designar serviços de caráter clínico são: serviços cognitivos farmacêuticos, consulta farmacêutica, orientação farmacêutica, educação do paciente, farmácia clínica e atenção farmacêutica/seguimento farmacoterapêutico/gerenciamento da terapia medicamentosa. Em diversos países, a denominação adotada para atividades de natureza clínica, a forma como executam e os aspectos organizativos, traduzem (ou não) os elementos que revelam o embasamento filosófico, o modus operandi e os aspectos gerenciais dessas atividades de natureza clínica1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011.,1919. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica e serviços farmacêuticos. In: Acúrcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013. p.197-227..
Para além do “quadro nebuloso”1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011. que envolve aquilo que se denomina atenção farmacêutica, neste estudo compreende-se por atividade farmacêutica de natureza clínica toda atividade realizada diretamente com o usuário e que tenha a finalidade de atender as necessidades dos pacientes relacionadas ao uso de medicamentos e que expressem elementos filosóficos. Conforme Cipolle, Strand e Morley66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004. (p. 73), “a filosofia da atenção farmacêutica inclui diversos elementos. Começa com a afirmação de uma necessidade social; continua com um enfoque centrado no paciente para satisfazer esta necessidade; tem como elemento central o cuidado a outra pessoa mediante o desenvolvimento e manutenção de uma relação terapêutica, e finaliza com uma descrição das responsabilidades concretas do profissional”. Ademais, um processo de cuidado formal, ou seja, o modus operandi do cuidado e aspectos gerenciais.
Existem no Brasil políticas farmacêuticas específicas que atribuem ao farmacêutico o exercício das atividades de natureza clínica – denominada na PNAF de atenção farmacêutica. Além disso, há lacunas quanto às informações sobre a realização ou não dessas atividades na atenção básica no SUS. Considerado isso, o presente estudo teve por objetivo caracterizar as atividades de natureza clínica desenvolvidas pelos farmacêuticos nas unidades básicas de saúde do SUS e sua participação em atividades educativas de promoção da saúde.
MÉTODOS
Este estudo integra a Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM) – Serviços, cujo objetivo foi caracterizar a organização dos serviços de assistência farmacêutica na atenção primária à saúde no SUS, com vistas ao acesso e à promoção do uso racional de medicamentos, bem como identificar e discutir os fatores que interferem na consolidação da assistência farmacêutica no âmbito municipal.
Trata-se de um estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por um levantamento de informações numa amostra de serviços de atenção básica, em municípios representativos das regiões do Brasil. Várias populações de estudo foram consideradas no plano de amostragem, com amostras estratificadas pelas regiões, que constituem domínios do estudo. Foram realizadas entrevistas presenciais com usuários, médicos e responsáveis pela entrega dos medicamentos nos serviços de atenção básica do SUS, além de observação dos serviços farmacêuticos e entrevistas telefônicas com os responsáveis pela assistência farmacêutica e os secretários de saúde dos municípios selecionados. A metodologia da PNAUM, bem como o processo amostral estão descritos detalhadamente em Álvares et al.11. Álvares J, Alves MCGP, Escuder MML, Almeida AM, Izidoro JB, Guerra Junior AA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos: métodos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 2:4s. https://doi.org/10.11606/S01518-8787.2017051007027
https://doi.org/10.11606/S01518-8787.201...
No presente artigo, foram selecionados apenas os farmacêuticos entre os responsáveis pela entrega de medicamentos. Trata-se de um estudo descritivo, de natureza exploratória com variáveis selecionadas.
A caracterização das atividades farmacêuticas de natureza clínica ocorreu com base nas informações de farmacêuticos que informaram realizar essa atividade em resposta à seguinte questão: “O(A) Sr.(a) realiza alguma atividade que tenha caráter clínico?” A partir da afirmativa a essa pergunta buscou-se identificar as denominações e a importância atribuída pelos farmacêuticos que declararam realizar a atividade; entre os demais, os motivos para a não realização.
A relação das denominações das atividades de natureza clínica incluídas no roteiro de entrevistas considerou aquelas de maior frequência de uso nas publicações da revisão de literatura: atenção farmacêutica, seguimento farmacoterapêutico, farmácia clínica, consulta farmacêutica, orientação farmacêutica, cuidado farmacêutico. Também constou do roteiro um campo para ‘outras denominações’, cujos resultados tiveram pequena frequência e não foi objeto de análise nesse artigo. Ademais foram incluídas perguntas visando configurar a presença de elementos filosóficos66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1616. Oliveira DR, Varela ND. La investigación cualitativa en Farmacia: aplicación en la Atención Farmacéutica. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):763-72. https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400024
https://doi.org/10.1590/S1516-9332200800... da referida atividade e do processo de cuidado prestado ao usuário; além disso, elementos de um sistema de gestão com recursos materiais e humanos organizados, necessários à realização das atividades.
Considerando as diferentes concepções de atividades de natureza clínica22. Angonesi D, Sevalho G. Atenção Farmacêutica: fundamentação conceitual e crítica para um modelo brasileiro. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3603-14. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900035
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ,66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011., buscou-se a participação em atividades educativas/de promoção da saúde, por serem atividades de natureza diversa da dispensação ou das funções gerenciais próprias das atividades farmacêuticas.
Os dados foram analisados utilizando o software SPSS® versão 21. As análises levaram em conta os pesos amostrais e a estrutura do plano de análise para amostras complexas. Foi realizada uma análise descritiva das variáveis utilizadas no estudo, apresentadas segundo as regiões do Brasil com intervalo de 95% de confiança.
A PNAUM foi aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa, mediante Parecer nº 398.131/2013 e os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
Foram entrevistados 1.139 responsáveis pela entrega de medicamentos, entre os quais 285 eram farmacêuticos (32,7%), 106 auxiliares de farmácia (10,6%), 141 enfermeiros (11,5%), 115 auxiliares de enfermagem (8,3%) e 492 informaram outras profissões ou ocupações (37%). Do total de farmacêuticos entrevistados, 79 (21,4%) afirmaram realizar atividades de natureza clínica.
Entre os 285 farmacêuticos entrevistados, mais de 3/4 encontravam-se na faixa etária de 30 a 59 anos. No Brasil, predominou o sexo feminino (exceto na região Centro-Oeste) e a escolaridade em nível de pós-graduação latu sensu, cujo maior percentual foi alcançado pela região Nordeste, onde não eram mestres nem doutores (Tabela 1).
Observa-se na Tabela 2 que do total de farmacêuticos entrevistados pouco mais de 1/5 afirmou realizar alguma atividade de natureza clínica; o maior percentual na Região Nordeste (47,5%) e o menor na Região Sul (6,0%).
Os principais motivos alegados pelos farmacêuticos para não realizar tais atividades foram: nunca ter sido solicitado, não dispor de espaço físico e de tempo. Outros motivos citados incluem a ausência de formação específica, a falta de incentivo pelo município, a ausência de estrutura física, pessoal insuficiente na farmácia etc.
As principais denominações atribuídas a essas atividades foram orientação farmacêutica (Nordeste e Sul) e atenção farmacêutica (Norte e Sudeste). Na Região Centro-Oeste foi mais frequente a denominação consulta farmacêutica; a denominação cuidado farmacêutico foi observada apenas no Sudeste; farmácia clínica, somente nas regiões Sul e Sudeste. Não foi possível investigar os fatores explicativos dessas diferenças de denominações.
As funções mais frequentes desempenhadas concomitantemente com as atividades de natureza clínica foram: dispensação de medicamentos (93,6%), responsabilidade técnica pela farmácia (90,5%), supervisão de outros funcionários da farmácia (74,5%), atividades com a equipe de saúde (61,2%).
No Nordeste, 100% dos farmacêuticos que afirmaram desenvolver atividades de natureza clínica referiram realizar também a dispensação de medicamentos, enquanto no Centro-Oeste a dispensação foi uma função declarada por apenas 32,9% dos farmacêuticos que executavam atividades de natureza clínica. Quando interrogados sobre a importância que atribuem a tais atividades, a maioria dos farmacêuticos que realizam atividade de natureza clínica considerou muito importante (85,5%) ou importante (14,2%).
Conforme a Tabela 3, as condições e os modos de realização das atividades farmacêuticas de natureza clínica variaram entre as regiões. A maioria dos farmacêuticos afirmou realizar tais atividades principalmente em conjunto com médicos e enfermeiros. Entre o total de farmacêuticos entrevistados no estudo, 1/4 deles afirmou raramente participar de reuniões com a equipe de saúde e 1/5 nunca participou (Tabela 5).
O estudo identificou que, no Brasil, o registro das atividades de natureza clínica é feito principalmente no prontuário do usuário, em sistema informatizado e em documento próprio arquivado na farmácia, nesta ordem. Os maiores percentuais de registro dessas atividades foram encontrados no Sudeste e Centro-Oeste; no Nordeste os percentuais de registro foram ínfimos (2%; 8,7% e 6,7% respectivamente).
No Brasil, aproximadamente a metade dos entrevistados informou que as atividades farmacêuticas de natureza clínica são ofertadas a todos os usuários da unidade de saúde; esta foi a resposta mais frequente na região Nordeste. Na Centro-Oeste essas atividades são oferecidas com mais frequência apenas aos usuários que solicitam.
Mais da metade dos farmacêuticos entrevistados informou que recebeu algum treinamento.
Conforme a Tabela 4, o fornecimento de informações pelos farmacêuticos sobre o uso e o armazenamento de medicamentos em casa, no momento da entrega, varia entre as regiões. A região Centro-Oeste se destaca em fornecer essas informações, enquanto o Nordeste se coloca com os menores percentuais. A expressiva maioria dos farmacêuticos, no Brasil, afirma informar sobre o uso de medicamentos, e pouco mais da metade informa sobre o armazenamento em casa. Desse modo, o fornecimento de informações sobre o uso sobrepassa a informação sobre o armazenamento do medicamento em casa, o que pode indicar que os farmacêuticos desconsideram a falta de informação dos usuários sobre os cuidados necessários à preservação da qualidade do medicamento.
A Tabela 5 mostra que, no Brasil, apenas cerca de ⅓ dos entrevistados informaram participar de outras atividades realizadas na unidade de saúde. Em geral, a participação dos farmacêuticos nessas atividades varia entre as regiões. O Centro-Oeste expressou o menor percentual de participação de farmacêuticos em outras atividades na unidade de saúde; apesar disso, os percentuais de participação nas atividades entre estes foram mais expressivos quando comparado a outras regiões, exceto no tocante à prevenção e controle da obesidade. É no Nordeste que os farmacêuticos menos se envolvem em atividades de planejamento familiar, e nada em programas de atividade física.
Chama a atenção que as atividades de prevenção e controle de obesidade e aquelas de incentivo a atividades físicas são as de menor participação dos farmacêuticos, exatamente as que menos requerem o uso de medicamentos por serem mais relacionadas ao estilo de vida. No entanto, observou-se no Brasil uma participação relevante dos farmacêuticos em atividades que envolvem outros setores e a própria comunidade (Tabela 5), exceto na região Nordeste; tais atividades poderiam se aproximar da promoção da saúde.
DISCUSSÃO
Embora ainda incipientes, as atividades de natureza clínica ocorrem na atenção básica no Brasil, em proporções desiguais em todas as regiões.
Em geral, essas atividades requerem recursos mínimos para sua realização: condições que assegurem privacidade na relação terapêutica farmacêutico/paciente, critérios para a oferta do serviço, documentação e treinamento, entre outros66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1111. Isetts BJ, Schondelmeyer SW, Artz MB, Lenarz LA, Heaton AH, Wadd WB, et al. Clinical and economic outcomes of medication therapy management services: The Minnesota experience. J Am Pharm Assoc. 2008;48(2):203-14. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108... ,1515. Mastroianni PC, Machuca M. Conocimiento de la experiencia farmacoterapéutica de los pacientes como medio para resolver problemas farmacoterapéuticos causados por incumplimiento. Rev OFIL. 2012 [cited 2017 Feb 11];22 Nº Extr:38. FA5-oral. Available from: http://www.revistadelaofil.org/wp-content/uploads/2014/01/OFILn220.pdf
http://www.revistadelaofil.org/wp-conten... ,2121. Pammett R, Jorgenson D. Eligibility requirements for community pharmacy medication review services in Canada. Can Pharm J (Ott). 2014;147(1): 20-4. https://doi.org/doi:10.1177/1715163513514006
https://doi.org/doi:10.1177/171516351351... ,2424. Shoemaker SJ, Hassol A. Understanding the landscape of MTM programs for Medicare. Part D: Results from a study for the Centers for Medicare & Medicaid Services. J Am Pharm Assoc. 2011;51(4):520-6. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2011.10210
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2011.10210... .
No presente estudo, a maioria dos farmacêuticos que afirmaram realizar atividades de natureza clínica também declarou não dispor de um local específico para realizá-las, condição essencial à preservação da privacidade e confidencialidade nas atividades com o usuário. A privacidade pode ser definida como a vontade pessoal de manter em segredo fatos intimamente ligados à pessoa; o sigilo das informações assegura a confidencialidade. A garantia da privacidade e da confidencialidade contribui para que a relação terapêutica seja mais interativa e resolutiva66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011..
Foi possível identificar um conjunto de dificuldades para a realização dessas atividades, conforme os farmacêuticos entrevistados. Os motivos, em geral, remetem a problemas estruturais ou a excesso de atividades sob responsabilidade do farmacêutico; esses mesmos problemas também foram relatados por aqueles que informaram realizar atividades de natureza clínica desempenhadas concomitantemente com outras funções.
A incipiente institucionalização das atividades farmacêuticas de natureza clínica na atenção básica no SUS, associada a deficiências dos serviços relativas à própria implementação da Política de Assistência Farmacêutica44. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistência farmacêutica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... , ainda limitada no conjunto de suas diretrizes, podem explicar o pouco desenvolvimento dessas atividades. Embora a maioria dos farmacêuticos as reconheçam como importantes somente uma pequena parcela deles as realizam atualmente.
Em diversos países, um aspecto importante das atividades de natureza clínica diz respeito à organização de serviços com tal finalidade e o caráter de dedicação exclusiva por parte de quem executa essas atividades. Os farmacêuticos que se envolvem nesses serviços não são autorizados pelos sistemas de saúde ou pelos órgãos de classe para desempenhar outras atividades, visando prevenir conflitos de interesse, como também para otimizar o trabalho que realizam1111. Isetts BJ, Schondelmeyer SW, Artz MB, Lenarz LA, Heaton AH, Wadd WB, et al. Clinical and economic outcomes of medication therapy management services: The Minnesota experience. J Am Pharm Assoc. 2008;48(2):203-14. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108... ,2121. Pammett R, Jorgenson D. Eligibility requirements for community pharmacy medication review services in Canada. Can Pharm J (Ott). 2014;147(1): 20-4. https://doi.org/doi:10.1177/1715163513514006
https://doi.org/doi:10.1177/171516351351... ,2424. Shoemaker SJ, Hassol A. Understanding the landscape of MTM programs for Medicare. Part D: Results from a study for the Centers for Medicare & Medicaid Services. J Am Pharm Assoc. 2011;51(4):520-6. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2011.10210
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2011.10210... .
Dificuldades identificadas quanto aos recursos necessários para a realização dessas atividades, na atenção básica no Brasil, indicam certa improvisação que demanda um esforço dos profissionais, além de não contarem com critérios que permitam racionalizar a oferta dessas atividades nos serviços de saúde.
Em diversos países a qualificação e o treinamento para qualquer atividade farmacêutica de natureza clínica são requisitos; tanto treinamentos iniciais quanto periódicos, tendo em vista a singularidade de competências e habilidades requeridas55. Bussières JF, Roy P, Lebel D, Binette MC, Cambar J, Colombe, C. Profil de la pratique pharmaceutique de la France et du Québec et perspectives d’échange. Pharmactuel. 2002 [cited 2016 Mar 8];35(1):30-8. Available from: http://www.pharmactuel.com/index.php/pharmactuel/article/view/405/72
http://www.pharmactuel.com/index.php/pha... ,66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1111. Isetts BJ, Schondelmeyer SW, Artz MB, Lenarz LA, Heaton AH, Wadd WB, et al. Clinical and economic outcomes of medication therapy management services: The Minnesota experience. J Am Pharm Assoc. 2008;48(2):203-14. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108... ,2323. Perraudin C, Brion F, Bourdon O, Pelletier-Fleury N. The future of pharmaceutical care in France: a survey of final-year pharmacy students’ opinions. BMC Clin Pharmacol. 2011;11:6. https://doi.org/10.1186/1472-6904-11-6
https://doi.org/10.1186/1472-6904-11-6... ,2727. Yordanova S, Petkova V. Pharmaceutical care in some European countries, Australia, Canada and USA. World J Pharm Pharm Sci. 2013 [cited 2017 Feb 11];2(5):2291-308. Available from: http://www.wjpps.com/wjpps_controller/abstract_id/313
http://www.wjpps.com/wjpps_controller/ab... . Ademais, a necessidade não satisfeita de qualificação específica dos farmacêuticos dificulta a compreensão dos princípios filosóficos estabelecidos para as atividades de natureza clínica, ou seja: os valores, as responsabilidades, as funções e atividades, assim como o modus operandi do processo de cuidado e do gerenciamento dessas atividades66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1313. Isetts BJ. Pharmaceutical care, MTM, & payment: the past, present, & future. Ann Pharmacother. 2012;46(4):S47-56. https://doi.org/10.1345/aph.1Q806
https://doi.org/10.1345/aph.1Q806... ,1919. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica e serviços farmacêuticos. In: Acúrcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013. p.197-227.,2727. Yordanova S, Petkova V. Pharmaceutical care in some European countries, Australia, Canada and USA. World J Pharm Pharm Sci. 2013 [cited 2017 Feb 11];2(5):2291-308. Available from: http://www.wjpps.com/wjpps_controller/abstract_id/313
http://www.wjpps.com/wjpps_controller/ab... .
Quanto aos critérios para a oferta do serviço, conforme a literatura, os mais utilizados consideram os pacientes com maior risco de experimentar problemas farmacoterapêuticos e que possuam condições clínicas crônicas. Essa estratégia direciona recursos e esforços no sentido de atender grupos nos quais o impacto das intervenções farmacêuticas são maiores66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1111. Isetts BJ, Schondelmeyer SW, Artz MB, Lenarz LA, Heaton AH, Wadd WB, et al. Clinical and economic outcomes of medication therapy management services: The Minnesota experience. J Am Pharm Assoc. 2008;48(2):203-14. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2008.07108... ,2424. Shoemaker SJ, Hassol A. Understanding the landscape of MTM programs for Medicare. Part D: Results from a study for the Centers for Medicare & Medicaid Services. J Am Pharm Assoc. 2011;51(4):520-6. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2011.10210
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2011.10210... ,2727. Yordanova S, Petkova V. Pharmaceutical care in some European countries, Australia, Canada and USA. World J Pharm Pharm Sci. 2013 [cited 2017 Feb 11];2(5):2291-308. Available from: http://www.wjpps.com/wjpps_controller/abstract_id/313
http://www.wjpps.com/wjpps_controller/ab... .
Não foi possível neste estudo aprofundar a análise das diversas sistemáticas de registro das atividades de natureza clínica. Observou-se que, no Brasil, os percentuais de registro nas três modalidades foram muito próximos e chama a atenção que apesar de o Nordeste ser a região que mais declarou realizar atividades de natureza clínica, foram insignificantes os percentuais de registro dessas atividades.
Ressalte-se que o registro próprio arquivado na farmácia pode dificultar a circulação das informações entre os profissionais envolvidos com o cuidado ao usuário. Já a ausência de registro indica baixo grau de institucionalização dessas atividades de acordo com as premissas filosóficas requeridas para uma prática relacionada ao cuidado, para atender necessidades farmacoterapêuticas dos usuários dos serviços de saúde66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011..
O registro das intervenções farmacêuticas e a troca de informações entre os profissionais da equipe de saúde podem contribuir para a promoção do uso seguro e racional de medicamentos. O registro das atividades farmacêuticas de natureza clínica sistematiza o acompanhamento da terapia medicamentosa utilizada pelos usuários e possibilita avaliar a necessidade, a segurança e a efetividade da utilização de medicamentos, o que proporciona resultados mais favoráveis durante a farmacoterapia66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1818. Oliveira DR, Shoemaker SJ, Ekstrand M, Alves MR. Preventing and resolving drug therapy problems by understanding patients’ medication experiences. J Am Pharm Assoc. 2012;52(1):71-80. https://doi.org/10.1331/JAPhA.2012.10239
https://doi.org/10.1331/JAPhA.2012.10239... .
A participação dos distintos profissionais de saúde – entre os quais o farmacêutico – em reuniões clínicas costuma ser indicativo de um reconhecimento, pela equipe de saúde, do lugar de cada um no cuidado aos usuários. A interação com outros profissionais da equipe de saúde ocorre em diversos modelos de prática farmacêutica clínica e é recomendada66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1212. Isetts BJ, Brummel, AR, Oliveira DR, Moen DW. Managing drug-related morbidity and mortality in the patient-centered. Med Care. 2012;50(11):997-1001. https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826ecf9a
https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826e... ,1919. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica e serviços farmacêuticos. In: Acúrcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013. p.197-227..
A filosofia da prática farmacêutica de natureza clínica22. Angonesi D, Sevalho G. Atenção Farmacêutica: fundamentação conceitual e crítica para um modelo brasileiro. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3603-14. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900035
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ,66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011. reforça a necessidade dessa interação, por se entender também que isto contribui para assegurar a integralidade do cuidado. A interação entre os profissionais é essencial para que a totalidade dos recursos e competências necessárias estejam disponíveis para a solução dos problemas de saúde da população. Ademais, porque o cuidado se fundamenta também em diferentes processos de decisão interdisciplinares e na complementariedade dos saberes para promover o cuidado o mais adequado possível às pessoas66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004..
Neste trabalho, as denominações conferidas às atividades de natureza clínica revelaram que as expressões orientação e atenção farmacêutica são as que apresentaram maior frequência entre os farmacêuticos que realizam tais atividades. No entanto, para além da problemática da denominação, identificou-se, entre os entrevistados, um entendimento de que as atividades que realizam na dispensação corresponderiam às atividades farmacêuticas de natureza clínica. Isso pode estar relacionado à insuficiente discussão conceitual e filosófica no país sobre a atenção farmacêutica e as próprias disputas do campo científico22. Angonesi D, Sevalho G. Atenção Farmacêutica: fundamentação conceitual e crítica para um modelo brasileiro. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3603-14. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900035
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ,1919. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica e serviços farmacêuticos. In: Acúrcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013. p.197-227.,1616. Oliveira DR, Varela ND. La investigación cualitativa en Farmacia: aplicación en la Atención Farmacéutica. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):763-72. https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400024
https://doi.org/10.1590/S1516-9332200800... ,2222. Pereira LRL, Freitas O. A evolução da Atenção Farmacêutica e a perspectiva para o Brasil. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):601-12. https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400006
https://doi.org/10.1590/S1516-9332200800... ,2626. Vieira FS. Possibilidades de contribuição do farmacêutico para a promoção da saúde. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(1):213-20. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000100024
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700... .
Chama a atenção que, no Nordeste, todos os farmacêuticos que afirmaram realizar atividades de natureza clínica referiram realizar também a dispensação de medicamentos. Dado que a dispensação abrange orientação aos usuários, é possível que, entre esses farmacêuticos exista um entendimento de que as atividades de natureza clínica que declararam realizar sejam principalmente a dispensação, pois a denominação mais frequentemente atribuída àquelas atividades foi exatamente orientação farmacêutica.
Diferentemente das demais regiões, no Centro-Oeste a dispensação foi uma função referida por 32,9% dos farmacêuticos que afirmaram desenvolver atividades de natureza clínica. Posto que, nesta região a denominação mais frequentemente atribuída às atividades de natureza clínica foi consulta farmacêutica, é possível que haja, entre esses farmacêuticos, um entendimento mais claro da natureza dessas atividades e da dispensação.
A dispensação requer que o farmacêutico informe, oriente e eduque sobre o uso de medicamentos. Tal atividade, própria deste profissional – fundamental para o uso adequado dessa tecnologia – não implica, necessariamente, que o farmacêutico dispensador deva assumir a responsabilidade pelos resultados da farmacoterapia do paciente, o que é requerido daqueles que realizam a atenção farmacêutica22. Angonesi D, Sevalho G. Atenção Farmacêutica: fundamentação conceitual e crítica para um modelo brasileiro. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3603-14. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900035
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ,66. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PL. Pharmaceutical care practice: the clinician’s guide. 2.ed. New York: McGraw Hill; 2004.,1212. Isetts BJ, Brummel, AR, Oliveira DR, Moen DW. Managing drug-related morbidity and mortality in the patient-centered. Med Care. 2012;50(11):997-1001. https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826ecf9a
https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826e... ,1515. Mastroianni PC, Machuca M. Conocimiento de la experiencia farmacoterapéutica de los pacientes como medio para resolver problemas farmacoterapéuticos causados por incumplimiento. Rev OFIL. 2012 [cited 2017 Feb 11];22 Nº Extr:38. FA5-oral. Available from: http://www.revistadelaofil.org/wp-content/uploads/2014/01/OFILn220.pdf
http://www.revistadelaofil.org/wp-conten... ,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011.,2121. Pammett R, Jorgenson D. Eligibility requirements for community pharmacy medication review services in Canada. Can Pharm J (Ott). 2014;147(1): 20-4. https://doi.org/doi:10.1177/1715163513514006
https://doi.org/doi:10.1177/171516351351... .
No caso brasileiro, a escolha por uma definição de atenção farmacêutica que inclui as atividades de dispensação, orientação e educação em saúde pode dificultar o entendimento do que caracterizaria o que é próprio ou inovador nas atividades de natureza clínica1212. Isetts BJ, Brummel, AR, Oliveira DR, Moen DW. Managing drug-related morbidity and mortality in the patient-centered. Med Care. 2012;50(11):997-1001. https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826ecf9a
https://doi.org/10.1097/MLR.0b013e31826e... ,1616. Oliveira DR, Varela ND. La investigación cualitativa en Farmacia: aplicación en la Atención Farmacéutica. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):763-72. https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400024
https://doi.org/10.1590/S1516-9332200800... ,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011.,1919. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica e serviços farmacêuticos. In: Acúrcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013. p.197-227..
Foi observado neste estudo pequena participação dos farmacêuticos em atividades educativas e relacionadas à promoção da saúde nos serviços da atenção básica, o que indica que este profissional ainda não está bem integrado na equipe de saúde e que a assistência farmacêutica ainda mantém certo isolamento das demais ações de saúde. O envolvimento dos farmacêuticos em atividades menos medicamentalizadas88. Costa EA. Vigilância Sanitária: proteção e defesa da saúde. 2.ed. aum. São Paulo: Sobravime; 2005. pode estar relacionado com a manutenção da centralidade do medicamento nas práticas farmacêuticas.
Na perspectiva da promoção do uso racional de medicamentos, estratégias que impactam na redução da morbimortalidade relacionada a essas tecnologias podem ser de natureza clínica e podem incluir também ações educativas de abrangência coletiva2020. Organização Pan-Americana da Saúde. Atenção Farmacêutica no Brasil: trilhando caminhos: relatório 2001 – 2002. Brasília (DF): OPAS; 2002 [cited 2012 Oct 11]. Available from: http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=24&Itemid=965
http://www.paho.org/bra/index.php?option... . No entanto, estas ações não se confundem com as atividades farmacêuticas de natureza clínica em experiências observadas em outros países22. Angonesi D, Sevalho G. Atenção Farmacêutica: fundamentação conceitual e crítica para um modelo brasileiro. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3603-14. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900035
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000... ,1717. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica: da Filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo: RCN Editora; 2011.,1919. Oliveira DR. Atenção Farmacêutica e serviços farmacêuticos. In: Acúrcio FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: Coopmed; 2013. p.197-227..
Este estudo levanta um conjunto de questões ainda não investigadas e outras que requerem aprofundamento. É relevante investigar como ocorreu a implantação dessas atividades em políticas farmacêuticas de outros países e no Brasil, quais os elementos estruturantes dessas atividades clínicas e como se dá o processo de trabalho dos farmacêuticos que desempenham tais atividades no SUS. Procurou-se identificar a presença de elementos filosóficos, um processo de cuidado e aspectos gerenciais que pudessem caracterizar o que se convencionou denominar, para efeitos do presente estudo, atividades farmacêuticas de natureza clínica. No entanto, é preciso sinalizar as limitações quanto aos resultados, que não permitiu um conhecimento mais aprofundado das regiões e seus serviços farmacêuticos, tampouco dos processos referentes às práticas de natureza clínica, desenvolvidas pelos profissionais farmacêuticos.
O enfrentamento da morbimortalidade relacionada à farmacoterapia1414. Johnson JA, Bootman JL. Drug related morbidity and mortality: a cost-of - illness model. Arch Intern Med. 1995;155(18):1949-56. https://doi.org/10.1001/archinte.1995.00430180043006
https://doi.org/10.1001/archinte.1995.00... tem contribuído para a reorganização das práticas farmacêuticas. Embora importantes políticas farmacêuticas no Brasil tenham colocado a atenção farmacêutica como diretriz, faz-se necessário empreender esforços no sentido de institucionalizar essas atividades clínicas assegurando estrutura adequada, qualificação dos profissionais, financiamento e avaliação dos resultados para que farmacêuticos e gestores sejam estimulados a ofertar tais atividades no SUS promovendo a implementação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica em todas as suas diretrizes.
Agradecimentos
Ao prof. Dr. Djanilson Barbosa dos Santos, pela revisão crítica do manuscrito.
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- Financiamento: Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos e Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS – Processo 25000.111834/2, Descentralização de Recursos do FNS).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
13 Nov 2017
Histórico
- Recebido
19 Abr 2016 - Aceito
23 Jan 2017