Análise de custo-efetividade do parto vaginal e da cesariana eletiva na saúde suplementar

Aline Piovezan Entringer Márcia Pinto Maria Auxiliadora de Souza Mendes Gomes Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Realizar uma análise de custo-efetividade do parto vaginal e da cesariana eletiva para gestantes de risco habitual.

MÉTODOS

A perspectiva adotada foi a da saúde suplementar, subsistema de saúde financiador da assistência obstétrica privada, representado no Brasil por operadoras de planos de saúde. As populações de referência foram as gestantes de risco habitual, que poderiam ser submetidas ao parto vaginal ou à cesariana eletiva, subdivididas em primíparas e multíparas com uma cicatriz uterina prévia. Foi construído um modelo de decisão analítico que incluiu a escolha pelos tipos de parto, consequências em saúde para mãe e recém-nascido da internação para o parto à alta da maternidade. As medidas de efetividade foram identificadas a partir da literatura científica. Os dados de custos foram obtidos pela consulta aos profissionais de saúde, tabelas das operadoras dos planos de saúde e publicações de referências de preços de recursos de saúde.

RESULTADOS

O parto vaginal foi dominante em comparação com a cesariana eletiva para gestantes de risco habitual primíparas e apresentou menor custo (R$5.210,96 versus R$5.753,54) e melhor ou igual efetividade para todos os desfechos avaliados. Para multíparas com uma cicatriz uterina prévia, a cesariana mostrou-se com custo inferior (R$5.364,07) ao do parto vaginal (R$5.632,24) e melhor ou igual efetividade, portanto mais eficiente para essa população.

CONCLUSÕES

É necessário o controle e a auditoria das cesarianas sem indicação clínica, destacadamente em primíparas, contribuindo para a gestão da atenção perinatal.

Parto Normal, economia; Cesárea, economia; Avaliação de custo-efetividade; Saúde Suplementar

INTRODUÇÃO

O Brasil está entre os países com maior taxa de cesarianas em excesso 11. Gibbons L, Belizán JM, Lauer JA, Betrán AP, Merialdi M, Althabe F. The global numbers and costs of additionally needed and unnecessary caesarean sections performed per year: overuse as a barrier to universal coverage. Geneva: WHO; 2010 [cited 2016 Sep 16]. (World Health Report Background Paper, 30). Available from: http://www.who.int/healthsystems/topics/financing/healthreport/30C-sectioncosts.pdf
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. A taxa de cesarianas no Brasil atingiu 57% em 2014 aaMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Informações de saúde (TABNET): estatísticas vitais. Brasília (DF); s.d. [citado 20 ago 2013]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205 . Quando desagregada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e saúde suplementar, a taxa é de cerca de 43% e 85%, respectivamente 22. Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d’Orsi E, Pereira APE, et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saude Publica . 2014;30 Supl 1:S101-16. https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113
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. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que taxas acima de 10% não estão associadas à redução da mortalidade materna e neonatal bbOrganização Mundial de Saúde, Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa. Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas: resumo executivo. Genebra: OMS; 2014 [citado 27 out 2016]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/161442/3/WHO_RHR_15.02_por.pdf . Atualmente no Brasil, em função de uma alta taxa de cesarianas anteriores, características da população e modelo obstétrico, a referência para esse indicador sugerida pelas “Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação Cesariana” varia entre 25% e 30% ccMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana. Brasília (DF); 2016 [citado 16 set 2016]. Protocolo Nº 19. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2016/Relatorio_Diretrizes_Cesariana_N179.pdf .

O acesso da população brasileira à atenção à saúde ocorre por meio do SUS, de acesso universal e financiado exclusivamente com recursos públicos; do segmento de planos privados de saúde, de vinculação eletiva, financiado com recursos das famílias e/ou dos empregadores e mediante o desembolso direto ( out-of-pocket ) ddAgência Nacional de Saúde Suplementar. Idoso na saúde suplementar: uma urgência para a saúde da sociedade e sustentabilidade do setor. Projeto idoso bem cuidado. Rio de Janeiro: ANS; 2016 [citado 15 abr 2017]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/web_final_livro_idosos.pdf . A saúde suplementar no Brasil é regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável por regulamentar 789 operadoras médico-hospitalares ativas em 2016 eeAgência Nacional de Saúde Suplementar. Perfil do Setor: dados gerais. Rio de Janeiro: ANS; s.d. [citado 13 abr 2017]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais . A forma de remuneração predominante na saúde suplementar é o modelo fee-for-service que remunera por unidade de serviço e pacotes de procedimentos e diárias hospitalares. Esse modelo está mais associado ao aumento desnecessário do custo da assistência, mas é a forma de financiamento predominante nos serviços da saúde suplementar ddAgência Nacional de Saúde Suplementar. Idoso na saúde suplementar: uma urgência para a saúde da sociedade e sustentabilidade do setor. Projeto idoso bem cuidado. Rio de Janeiro: ANS; 2016 [citado 15 abr 2017]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/web_final_livro_idosos.pdf .

Em 2015, as operadoras de planos de saúde foram responsáveis pelo pagamento de quase 20% dos partos em todo o país ffAgência Nacional de Saúde Suplementar. Atualização das taxas de partos na saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS; 2016 [citado 3 nov 2016]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/numeros-do-setor/3324-atualizacao-das-taxas-de-partos-na-saude-suplementar ,ggMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC. Brasília (DF) [citado 12 fev 2014]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def . No mesmo ano, foram realizados cerca de 569 mil partos na rede credenciada, destes, 85% por cesarianas hhAgência Nacional de Saúde Suplementar. Taxas de partos cesáreos por operadora de plano de saúde. Rio de Janeiro: ANS; 2016 [citado 3 nov 2016]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/informacoes-e-avaliacoes-de-operadoras/taxas-de-partos-cesareos-por-operadora-de-plano-de-saude .

Desde 2004, a ANS implementa estratégias para a redução de cesarianas na saúde suplementar, por meio do Programa de Qualificação iiAgência Nacional de Saúde Suplementar; Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Eistein; Institute for Healthcare Improvement. Cartilha nova organização do cuidado ao parto e nascimento para melhores resultados de saúde: Projeto Parto Adequado -Fase 1. Rio de Janeiro: ANS; 2016 [citado 7 nov 2016]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/web_total_parto_adequado.pdf . Em 2015, com a publicação da Resolução Normativa 368, a ANS adotou uma série de medidas em prol da melhoria da prática obstétrica, como a inclusão do cartão da gestante, do partograma e o detalhamento da taxa de cesarianas por operadora de saúde, estabelecimento e médico jjAgência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN Nº 368, de 6 de Janeiro de 2015. Rio de Janeiro: ANS; 2015 [citado 7 nov 2016]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=Mjg5Mg== . Ainda, o projeto Parto Adequado foi implementado com o objetivo de testar estratégias de melhoria do parto, mudar o modelo atual e qualificar os serviços kkAgência Nacional de Saúde Suplementar. Estímulo ao parto normal: organização da atenção ao pré-natal, parto e nascimento. Rio de Janeiro: ANS; s.d. [citado 27 dez 2016]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/noticias/Parto_Adequado_final.pdf .

Os partos cirúrgicos trazem benefícios à saúde materna e perinatal quando realizados com justificativa clínica. Porém, há maior permanência hospitalar e morbidade materna e neonatal se as mulheres são expostas ao procedimento sem indicação adequada3–14.

Vários aspectos estão relacionados à escolha entre os dois tipos de parto, como a preferência das gestantes e profissionais, desfechos favoráveis de saúde e questões econômicas, pela diferença de custo entre os procedimentos. Nesse sentido, as avaliações econômicas em saúde contribuem para apoiar a tomada de decisão dos gestores. Estudos de avaliação econômica são escassos nesse campo no Brasil. Resultados gerados por pesquisas dessa natureza podem ser agregados às evidências de segurança e eficácia clínica estabelecidas na literatura. O objetivo deste estudo foi realizar uma análise de custo-efetividade do parto vaginal e da cesariana eletiva sob a perspectiva da saúde suplementar.

MÉTODOS

Análise de custo-efetividade que comparou o parto vaginal e a cesariana eletiva, sem indicação clínica, sob a perspectiva da saúde suplementar, subsistema de saúde financiador da assistência obstétrica privada que remunera serviços de saúde por meio de operadoras de planos de saúde. As populações de referência foram as gestantes de risco habitual que poderiam ser submetidas a ambos os procedimentos. Foi considerada gestante de risco habitual aquela sem qualquer complicação clínica e obstétrica até o momento do parto, com feto único, a termo (37 a 41 semanas de idade gestacional) e apresentação cefálica. Gestantes que poderiam se beneficiar da cesariana não foram incluídas ccMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana. Brasília (DF); 2016 [citado 16 set 2016]. Protocolo Nº 19. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2016/Relatorio_Diretrizes_Cesariana_N179.pdf . A população foi subdividida em primíparas e multíparas com uma cicatriz uterina prévia, a fim de se avaliar separadamente a custo-efetividade incremental do parto vaginal após uma cesariana e da cesariana de repetição.

O parto vaginal foi comparado à cesariana eletiva por meio da intenção de tratar. O grupo “parto vaginal” referiu-se às gestantes que planejaram o parto vaginal e entraram em trabalho de parto espontaneamente, mas podem ter sido submetidas à cesariana intraparto. O parto por via vaginal considerado foi o parto espontâneo ou com necessidade de assistência. O comparador foi o grupo “cesariana eletiva”. O conceito de cesariana eletiva se aplica àquela gestante na qual a intervenção cirúrgica é programada e realizada antes do início do trabalho de parto, encontrando-se as membranas amnióticas íntegras. Neste estudo, considerou-se a cesariana eletiva sem justificativa clínica. O horizonte temporal compreendeu o período desde a internação para o parto até a alta da maternidade.

Para o cálculo da razão de custo-efetividade incremental (RCEI), foi construído um modelo de decisão analítico. Esse modelo foi representado por uma árvore de decisão, que incluiu a escolha pelos tipos de parto, consequências em saúde e desfecho final de interesse para a mãe e o recém-nascido ( Figura 1 ). O modelo de decisão incorporou as intercorrências que poderiam ocorrer durante e após o parto e foram divididas em intercorrências clínicas maternas – hemorragia com necessidade de transfusão sanguínea e trombose/embolia – e intercorrências cirúrgicas maternas, como histerectomia, ruptura uterina e óbito materno. Para o recém-nascido, foi considerada a internação em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI) neonatal e óbito neonatal. As medidas de efetividade foram obtidas na literatura. Foi realizada busca bibliográfica nas bases de dados Medline (via PubMed) e Scielo. A estratégia de busca utilizada foi [(“ elective cesarean” OR “elective cesarean deliveries” OR “elective cesarean delivery” OR “vaginal delivery” OR “natural childbirth”) AND (“outcomes pregnancy” OR “maternal mortality” OR “neonatal mortality” OR “neonatal morbidity” OR “maternal morbidity” OR “preterm birth” OR “hemorrhage” OR “thrombosis” OR “respiratory stress” OR “urinary incontinence” OR “infection” OR “early term” OR “late preterm” )]. Limitou-se aos artigos publicados entre 2000 e 2014, pois o objetivo foi identificar informações mais recentes, coerentes com a prática clínica atual. Os artigos foram selecionados considerando aqueles que incluíssem gestantes de risco habitual, feto único, parto vaginal de feto em apresentação cefálica, que comparassem o parto vaginal planejado com a cesariana eletiva em relação a desfechos de morbimortalidade materna e neonatal. Para a escolha dos artigos, consideraram-se aqueles que fizeram análise por intenção de tratar.

Figura 1
Modelo de decisão analítico para gestantes de risco habitual e recém-nascidos elegíveis para o parto vaginal espontâneo ou a cesariana eletiva, sem indicações clínicas.

Os dias de internação foram obtidos pelo Sistema de Informações Hospitalares do SUS llMinistério da Saúde (BR), Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Internações hospitalares no SUS - por local de internação - Brasil. Brasília (DF) [citado 3 fev 2014]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/sxuf.def (SIH-SUS) e consulta aos profissionais da área de saúde que atuavam em hospitais e clínicas conveniados às operadoras de planos de saúde e que possuíam experiência de mais de 15 anos na assistência obstétrica e perinatal ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Variáveis do modelo de decisão para primíparas, multíparas e recém-nascidos.

Estimaram-se os custos diretos dos procedimentos, intercorrências e desfechos para os seguintes itens de custo: medicamentos, materiais hospitalares, internação hospitalar e honorários médicos.

Utilizou-se a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) de 2016 para valoração de honorários médicos mmAssociação Médica Brasileira. Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos – CBHPM - 2016. Barueri: Manole; 2016. [citado 11 abr 2017]. Disponível em: https://amb.org.br/cbhpm/ . A CBHPM não dispõe dos valores de uso de salas cirúrgicas e de diárias hospitalares. Essas informações foram obtidas de tabelas de operadoras de planos de saúde que atuam nacionalmente. Das operadoras selecionadas, foram obtidas informações de diárias e taxas de uso de salas cirúrgicas das regiões Sudeste e Distrito Federal. Para os procedimentos de cesariana eletiva e cesariana intraparto, foram incluídos os honorários médicos de um obstetra, um auxiliar, porte anestésico e atendimento do pediatra em sala de parto. Para o parto vaginal, foram incluídos os honorários médicos de um obstetra, atendimento do pediatra em sala de parto e porte anestésico para 31,5% dos partos vaginais, de acordo com informações do estudo “Nascer no Brasil”, que identificou esse percentual como prática hospitalar no país 1515. Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Obstetric interventions during labor and childbirth in Brazilian low-risk women. Cad Saude Publica . 2014;30 Supl 1:S1-16. https://doi.org/10.1590/0102-311X00151513
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. Para o parto vaginal e a cesariana intraparto, foram adicionadas seis horas de atendimento ao trabalho de parto do obstetra. Para UTI adulto e neonatal, foi considerado o atendimento do plantão e do diarista. Nas intercorrências cirúrgicas, os honorários médicos corresponderam ao cirurgião, dois auxiliares e ao porte anestésico e, para as intercorrências clínicas, foi incluído o honorário sugerido para o procedimento de transfusão sanguínea.

A identificação e a quantificação dos materiais e medicamentos utilizados nos procedimentos e durante a permanência hospitalar após o parto em apartamento ou UTI neonatal ou adulto também foram obtidas pela consulta aos profissionais de saúde e valorados a partir da Revista Simpro Hospitalar e do Guia Farmacêutico Brasíndice, utilizados para negociação entre os prestadores de serviços de saúde e operadoras de saúde no Brasil. Para os medicamentos, foi utilizado o preço de fábrica nnCâmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, Conselho de Ministros. Resolução nº 3, de 4 de maio de 2009. Proíbe a aplicação de Preço Máximo ao Consumidor – PMC a medicamentos de uso restrito a hospitais. Brasília (DF); 2009 [citado 27 dez 2016]. Disponível em: http://www.simpro.com.br/documentos/resolucao_03_09_restrito.pdf do Guia Farmacêutico Brasíndice e aplicou-se o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) de 17,5% para o caso de referência. Para os materiais hospitalares, considerou-se um adicional de 30% da Revista Simpro Hospitalar. No parto vaginal, o cálculo de custo dos insumos hospitalares baseou-se nos dados do estudo “Nascer no Brasil” para gestantes de risco habitual que entraram em trabalho de parto. Esses dados indicaram 73,8% de gestantes que realizaram punção venosa, 38,2% usaram ocitocina, 31,5% necessitaram de analgesia e 56% de episiotomia 1515. Leal MC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Obstetric interventions during labor and childbirth in Brazilian low-risk women. Cad Saude Publica . 2014;30 Supl 1:S1-16. https://doi.org/10.1590/0102-311X00151513
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. Esses percentuais foram multiplicados pelo custo dos insumos hospitalares.

A coleta de dados com os especialistas foi realizada presencialmente e de forma individual com cada um deles. Um roteiro foi utilizado para cada unidade incluída (centro obstétrico, centro cirúrgico, alojamento conjunto, unidade de terapia intensiva neonatal e adulto) a fim de identificar todos os materiais e medicamentos utilizados a partir da internação para o parto (primeiro período do parto para o parto vaginal e entrada no centro cirúrgico para a cesariana eletiva), realização do procedimento, pós-parto, atendimento do recém-nascido em sala de parto e permanência da mãe, bebê e acompanhante em alojamento conjunto, assim como o tempo de permanência em cada unidade. Os profissionais selecionados foram enfermeiros, médicos, pediatras e anestesistas que atuam em serviços de referência do Rio de Janeiro, RJ, como hospitais e clínicas conveniados às operadoras de planos de saúde, com experiência de mais de 15 anos na assistência obstétrica e perinatal e com disponibilidade para participar do estudo. Os profissionais responderam apenas ao questionário referente à sua especialidade.

Não foram aplicados descontos e ajustes inflacionários devido ao curto horizonte temporal. Os resultados foram apresentados em reais (R$) de 2016.

A RCEI, isto é, o custo incremental por unidade de benefício obtido, foi calculada para as duas populações estudadas para os desfechos: óbito materno evitado, óbito neonatal evitado, morbidade materna evitada, morbidade neonatal evitada. Para o parto vaginal após uma cesariana e cesariana de repetição, foi calculada a RCEI para ruptura uterina evitada. O limiar de custo-efetividade considerado foi de 71% do Produto Interno Bruto (PIB) per capita (R$26 mil), conforme proposto na literatura internacional para países de média renda 1616. Woods B, Revill P, Sculpher M, Claxton K. Country-level cost-effectiveness thresholds: initial estimates and the need for further research. Value Health . 2016;19(8):929-35. https://doi.org/10.1016/j.jval.2016.02.017
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e não estabelecido formalmente no Brasil.

As análises econômicas podem incluir parâmetros que geram incertezas. Assim, foi realizada análise de sensibilidade determinística e probabilística, por meio da técnica microssimulação de Monte Carlo com 10 mil interações e distribuição triangular para custos e beta para as probabilidades. Os parâmetros de efetividade foram variados a partir de dados da literatura ( Tabela 1 ). Os honorários médicos, uso de sala e diárias foram variados com redução e acréscimo de 20% do caso de referência. Os materiais hospitalares foram variados, utilizando os valores apresentados na Revista Simpro Hospitalar com até 50% de acréscimo. Os medicamentos hospitalares foram variados pelo ICMS de 12% a 20% por meio do Guia Farmacêutico Brasíndice ( Tabela 2 ). A variação máxima do custo do parto vaginal considerou o porte anestésico para todas as gestantes.

Tabela 2
Custos dos procedimentos do parto vaginal espontâneo, da cesariana eletiva e das intercorrências clínicas e cirúrgicas. Rio de Janeiro, RJ, 2016.

O software Tree Age Pro 2015 1717. TreeAge Pro. Williamstown (MA). TreeAge Software; 2015. foi utilizado para a construção do modelo de decisão e cálculo da RCEI.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo 44387715.1.0000.5269).

RESULTADOS

O custo direto do parto vaginal foi de R$3.508,85. Os honorários dos profissionais foi o principal direcionador de custos (78%), seguido da taxa de uso da sala (15%). O procedimento de cesariana eletiva apresentou custo inferior ao do parto vaginal (R$3.429,27). Os honorários dos profissionais também foi o item de custo mais representativo (62%), seguido dos insumos hospitalares (21%) ( Tabela 2 ).

As intercorrências cirúrgicas apresentaram custo de R$3.915,36. Os honorários médicos corresponderam a 59% do custo total. O custo total das intercorrências clínicas foi de R$519,50; 66% de honorários médicos e 34% de insumos hospitalares ( Tabela 2 ).

O custo total por dia em apartamento da mãe com o recém-nascido foi de R$544,65 (68% corresponderam ao valor da diária cobrada pelo hospital). O custo total por dia para UTI adulto foi de R$1.962,46. A diária do hospital também foi o principal direcionador de custos (42%). O custo total na UTI neonatal por dia foi de R$1.829,49 (52% corresponderam à diária hospitalar) ( Tabela 2 ).

O modelo de decisão analítico, que incluiu as intercorrências clínicas no parto e nascimento de ambos os procedimentos para mãe e recém-nascido, identificou que o custo total da cesariana eletiva (R$5.753,54) foi superior ao do parto vaginal (R$5.210.96). O parto vaginal apresentou melhor efetividade para os desfechos morbidade materna evitada e internação em UTI neonatal evitada e igual efetividade para óbito materno evitado e óbito neonatal evitado. Dessa forma, foi dominante para primíparas de risco habitual para todos os desfechos avaliados ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Razão de Custo-efetividade incremental do parto vaginal e da cesariana eletiva para gestantes de risco habitual, primíparas e multíparas. Rio de Janeiro, RJ, 2016.

Na análise de sensibilidade probabilística, o parto vaginal apresentou 83% de chance de ser custo-efetivo para morbidade materna evitada ( Figura 2 ), 80% para óbito materno evitado, 82% para óbito neonatal evitado e 99% para internação em UTI neonatal evitada.

Figura 2
Análise de sensibilidade probabilística do parto vaginal versus cesariana eletiva para o desfecho morbidade materna evitada para mulheres primíparas (A) e multíparas (B). Rio de Janeiro, RJ, 2016.

Para gestantes multíparas com uma cicatriz prévia, o modelo de decisão analítico identificou um custo superior ao do parto vaginal (R$5.632,24) comparado à cesariana eletiva (R$5.364,07). A efetividade foi igual para os desfechos óbito materno e neonatal evitados e maior para a cesariana para os desfechos morbidade materna evitada, ruptura uterina evitada e internação em UTI neonatal evitada. A cesariana eletiva foi a opção mais custo-efetiva para multíparas com uma cicatriz uterina prévia ( Tabela 3 ).

As variáveis que mais impactaram o modelo de custo-efetividade das gestantes multíparas no diagrama de Tornado foram o custo da cesariana eletiva, os dias de permanência em alojamento conjunto para cesariana eletiva e a probabilidade de cesariana intraparto no grupo parto vaginal.

Foi considerado o intervalo de 8% 1818. Domingues RMSM, Dias MAB, Schilithz AOC, Leal MC. Factors associated with maternal near miss in childbirth and the postpartum period: findings from the birth in Brazil National Survey, 2011-2012. Reprod Health . 2016;13 Suppl 3:115. https://doi.org/10.1186/s12978-016-0232-y
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a 28% 77. Guise JM, Eden K, Emeis C, Denman MA, Marshall N, Janik R, et al. Vaginal birth after cesarean: new insights. Rockville: U.S. Department of Health and Human Services, Agency for Healthcare Research and Quality; 2010 [cited 2016 Sep 16]. (Evidence Reports Technoogy Assesments, 191). Available from: https://www.ahrq.gov/downloads/pub/evidence/pdf/vbacup/vbacup.pdf
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de probabilidade de ocorrência da cesariana intraparto no grupo parto vaginal na análise de sensibilidade univariada do parâmetro “probabilidade de cesariana intraparto no grupo parto vaginal”. Nessa análise, o parto vaginal foi mais custo-efetivo para essa população até o percentual de 16% de cesariana intraparto, considerando a disponibilidade a pagar de R$26 mil. Acima desse percentual de cesariana intraparto, a cesariana eletiva seria a opção de escolha para multíparas com uma cicatriz uterina prévia.

Na análise de sensibilidade probabilística, a cesariana eletiva foi custo-efetiva em 61% das interações para óbito neonatal evitado, em 54% para o desfecho internação em UTI neonatal evitada, em 67% para ruptura uterina evitada, em 66% para morbidade materna evitada ( Figura 2 ) e em 57% para óbito materno evitado, considerando a disponibilidade a pagar de R$26 mil.

DISCUSSÃO

O procedimento do parto vaginal tem um custo unitário superior ao da cesariana eletiva. Porém, no modelo de decisão analítico, que incluiu desfechos de saúde materna e neonatal, o parto vaginal foi mais custo-efetivo que a cesariana para primíparas de risco habitual. Como a cesariana acarreta maior risco de internação da mãe e do bebê em UTI, há aumento do valor esperado. Nossos achados reforçam a atual política governamental da ANS que incentiva o parto vaginal para as primíparas de risco habitual ccMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana. Brasília (DF); 2016 [citado 16 set 2016]. Protocolo Nº 19. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2016/Relatorio_Diretrizes_Cesariana_N179.pdf ,kkAgência Nacional de Saúde Suplementar. Estímulo ao parto normal: organização da atenção ao pré-natal, parto e nascimento. Rio de Janeiro: ANS; s.d. [citado 27 dez 2016]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/noticias/Parto_Adequado_final.pdf ,ooMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal: relatório de recomendação. Brasília (DF); 2016 [citado 25 jan 2017]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relatorio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf .

Em contrapartida, para as multíparas com uma cicatriz uterina prévia, a análise de custo-efetividade mostrou que a cesariana de repetição é mais custo-efetiva que o parto vaginal após uma cesariana. No entanto, o modelo apresentado foi muito sensível ao parâmetro “probabilidade de cesariana intraparto no grupo parto vaginal”. Se essa probabilidade for menor que 16%, o parto vaginal passa a ser custo-efetivo. Diante desse resultado e da ausência de análises semelhantes no Brasil, mais estudos devem avaliar a efetividade desse procedimento, antes de se adotar a recomendação absoluta de cesarianas. O risco de complicações cirúrgicas é maior em locais com infraestrutura deficiente ou capacidade de garantir a realização de cirurgias de forma segura bbOrganização Mundial de Saúde, Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa. Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas: resumo executivo. Genebra: OMS; 2014 [citado 27 out 2016]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/161442/3/WHO_RHR_15.02_por.pdf .

Considerando as limitações desse modelo de atenção à saúde para promoção do parto vaginal, sua revisão passa pelo menos por dois aspectos relevantes. O primeiro diz respeito ao arranjo que possibilita a disponibilidade do profissional em tempo integral, sem que isto inviabilize o desenvolvimento de outras atividades profissionais e pessoais. Os arranjos em torno de plantões nos locais de parto podem ser uma das possibilidades. Outro aspecto central é a inserção da enfermagem obstétrica nessas equipes, considerando principalmente o impacto positivo de sua atuação na qualidade da atenção 1919. Johantgen M, Fountain L, Zangaro G, Newhouse R, Stanik-Hutt J, White K. Comparison of labor and delivery care provided by certified nurse-midwives and physicians: a systematic review, 1990 to 2008. Womens Health Issues . 2012;22(1):e73-81. https://doi.org/10.1016/j.whi.2011.06.005
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O projeto Parto Adequado, que tem como objetivo identificar modelos inovadores e viáveis de atenção ao parto e nascimento apresentou resultados para os 26 hospitais participantes da primeira fase da iniciativa. Dentre eles, está o crescimento médio do parto vaginal em 43%. Em 18 meses, mais de 10 mil cesáreas sem indicação clínica foram evitadas nos hospitais participantes ppAgência Nacional de Saúde Suplmentar. Projeto Parto Adequado - Fase 2: inscrições prorrogadas. Roi de Janeiro: ANS; 2017 [citado 30 jan 2017]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/qualidade-da-saude/3682-projeto-parto-adequado-fase-2-ultimos-dias-para-inscricoes-2 . Hospitais privados que adotaram o modelo com equipes de plantão, colaboração entre equipe médica e enfermagem obstétrica e integrantes da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, também apresentaram menor taxa de cesarianas e melhores desfechos de saúde perinatal 2020. Torres JA, Domingues RMSM, Sandall J, Hartz Z, Gama SGN, Theme Filha MM, et al. Cesariana e resultados neonatais em hospitais privados no Brasil: estudo comparativo de dois diferentes modelos de atenção perinatal. Cad Saude Publica . 2014;30 Supl 1:S220-31. https://doi.org/10.1590/0102-311X00129813
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Modelos de atenção ao parto e nascimento na saúde suplementar diferentes do considerado nesta análise de custo-efetividade poderiam contribuir para a realização do parto vaginal e impactar no custo do procedimento para o prestador e para o financiador.

Este é o primeiro estudo de custo-efetividade sob a perspectiva da saúde suplementar no Brasil com esse objetivo. Ademais, os estudos desta área em outros países são referentes ao sistema de saúde público e não ao componente privado. Algumas pesquisas estimaram o custo dos procedimentos para esta perspectiva no Brasil 2121. Biscione FM, Ferreira GUA, Drumond EFD, Szuster DAC, Bersan SAL. Consequências clínicas e econômicas do parto cesáreo. In: 6.Jornada nacional de Economia da Saúde; 17-19 out 2012; Brasília (DF). Resumo aprovado para apresentação oral. [cited 2016 Sep 16]. Available from: http://abresbrasil.org.br/sites/default/files/trabalho_10.pdf
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,2222. Rocha HAL, Evangelista CMN, MVS, Rocha SGMO, Oliveira IM. Estudo epidemiológico transversal dos partos realizados em beneficiárias de uma operadora de saúde suplementar de pequeno porte. JBES J Bras Econ Saude . 2014;6(1):16-21. . Porém, o método utilizado, a estrutura de financiamento e a organização assistencial são diferentes, o que dificulta a comparações dos resultados.

Estudo que analisou o perfil dos partos realizados por uma operadora de saúde de pequeno porte no Ceará, entre 2011 e 2012, encontrou valores médios que variaram entre os prestadores de R$1.333,05 a R$1.876,20. No entanto, o estudo não descreve detalhadamente os recursos de saúde incluídos nos valores da fatura, nem ao tipo de parto que correspondeu 2222. Rocha HAL, Evangelista CMN, MVS, Rocha SGMO, Oliveira IM. Estudo epidemiológico transversal dos partos realizados em beneficiárias de uma operadora de saúde suplementar de pequeno porte. JBES J Bras Econ Saude . 2014;6(1):16-21. . Em pesquisa realizada em Belo Horizonte, MG, foram medidas as consequências em saúde e os custos da cesariana e do parto vaginal. Dos partos realizados, 22% tiveram indicação de cesariana e daqueles sem indicação de cesariana, 72% ocorreram por essa via. A cesariana apresentou custo ligeiramente superior a R$77,00. Se retirado o efeito das complicações nos custos, a cesariana não apresentou custos superiores aos do parto vaginal 2121. Biscione FM, Ferreira GUA, Drumond EFD, Szuster DAC, Bersan SAL. Consequências clínicas e econômicas do parto cesáreo. In: 6.Jornada nacional de Economia da Saúde; 17-19 out 2012; Brasília (DF). Resumo aprovado para apresentação oral. [cited 2016 Sep 16]. Available from: http://abresbrasil.org.br/sites/default/files/trabalho_10.pdf
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Este estudo apresenta limitações. Não foram encontrados estudos nacionais que comparassem os procedimentos estudados para a população de risco habitual. Dessa forma, foi necessário utilizar a literatura internacional disponível para a identificação dos parâmetros usados no modelo de análise de decisão. O percentual de cesariana intraparto (24%) utilizado para multíparas influenciou os resultados, tornando o parto vaginal menos custo-efetivo. Devido ao impacto dessa variável, a análise de sensibilidade considerou que 8% das mulheres que entraram em trabalho de parto seriam submetidas à cesariana intraparto de acordo com os dados do estudo “Nascer no Brasil”. Esse percentual se refere a toda amostra dessa pesquisa de âmbito nacional, que incluiu majoritariamente gestantes primíparas (79%) e, em menor representatividade, multíparas com uma ou mais cicatrizes 1818. Domingues RMSM, Dias MAB, Schilithz AOC, Leal MC. Factors associated with maternal near miss in childbirth and the postpartum period: findings from the birth in Brazil National Survey, 2011-2012. Reprod Health . 2016;13 Suppl 3:115. https://doi.org/10.1186/s12978-016-0232-y
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. O estudo não apresentou resultados para subgrupos da população, o que inviabilizou utilizá-lo para o caso de referência.

Os dados de custos basearam-se nas tabelas nacionais das operadoras de planos de saúde. Essas tabelas são uma referência para o pagamento de prestadores e seus valores variam sobremaneira dependendo da operadora de saúde, de sua localização, da negociação com os hospitais, da marca comercial dos materiais e medicamentos utilizados, e da rotina de atendimento de cada prestador.

A remuneração dos recursos humanos foi o item de custo de maior magnitude no estudo e foi obtido por meio da tabela CBHPM, uma resolução do Conselho Federal de Medicina, que adota um padrão mínimo de remuneração de procedimentos médicos para a Saúde Suplementar. Além disso, a tabela não dispõe de informações sobre taxas de salas cirúrgicas e diárias hospitalares, que muitas vezes são negociadas separadamente entre operadoras e prestadores. Essa é uma das limitações deste trabalho, pois não dispusemos de informações de todas as regiões do Brasil, para que pudéssemos utilizar um valor que representasse a realidade do país. As operadoras de saúde utilizadas como base atuam nacionalmente, porém os valores que obtivemos referem-se à região Sudeste e Distrito Federal.

O Brasil não possui um limiar de custo-efetividade para o SUS e para a Saúde Suplementar como um dos critérios para subsidiar a tomada de decisão em saúde. Utilizamos a proposta de 71% do PIB per capita para países de média renda e que se refere ao desfecho quality-adjusted life year (QALY) 1616. Woods B, Revill P, Sculpher M, Claxton K. Country-level cost-effectiveness thresholds: initial estimates and the need for further research. Value Health . 2016;19(8):929-35. https://doi.org/10.1016/j.jval.2016.02.017
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. Por isso, sugere-se cautela na interpretação dos nossos resultados.

Este estudo considerou apenas gestações e nascimentos a termo. Uma das discussões acerca das cesarianas agendadas é o nascimento de recém-nascidos pré-termo tardios (34–36 semanas de gestação). Dessa forma, o percentual de internações em UTI neonatal para cesarianas pode ser superior, se considerado o grupo de pré-termos tardios nascidos de cesariana iatrogênica 2222. Rocha HAL, Evangelista CMN, MVS, Rocha SGMO, Oliveira IM. Estudo epidemiológico transversal dos partos realizados em beneficiárias de uma operadora de saúde suplementar de pequeno porte. JBES J Bras Econ Saude . 2014;6(1):16-21.,2323. Silva AAM, Leite AJM, Lamy ZC, Moreira MEL, Gurgel RQ, Cunha AJLA, et al. Morbidade neonatal near miss na pesquisa Nascer no Brasil. Cad Saude Publica . 2014;30 Supl 1:S182-91. https://doi.org/10.1590/0102-311X00129613
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Esta análise incluiu desfechos imediatos em saúde que poderiam ocorrer no horizonte temporal estudado. Fatores importantes como a prevalência de aleitamento materno, a experiência em relação ao parto, e a dor e desejo de novas gestações devem ser discutidos na escolha pelo tipo de parto e incluídos como desfechos em análises futuras.

Este estudo considerou a perspectiva da saúde suplementar sob o ponto de vista do financiador. Outros pontos de vista devem ser considerados, como a perspectiva dos hospitais como prestadores da assistência. Deve ser considerado em estudos desta natureza o papel dos obstetras pela sua relevância no cuidado perinatal, muitas vezes determinantes na escolha do tipo de parto e nas orientações fornecidas às gestantes no pré-natal. O tempo de duração de cada procedimento é diferente, assim como a disponibilidade necessária para um e outro. Enquanto a cesariana pode ser agendada em dia e hora que mais convém, o parto vaginal é inesperado. É necessária a disponibilidade do profissional e de leitos nas maternidades. Para as operadoras de planos de saúde, essas questões podem ter menos impacto, mas para os hospitais e obstetras, que precisam ficar disponíveis, são questões a serem consideradas.

A redução das elevadas taxas de cesarianas no Brasil é um desafio, destacadamente na saúde suplementar, que tem predomínio absoluto de partos cirúrgicos. A identificação das cesarianas sem justificativa clínica e a razão de sua realização poderiam contribuir para o entendimento das elevadas taxas na saúde suplementar e contribuir para novas propostas de controle e auditoria.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2017
  • Aceito
    8 Jan 2018
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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