RESUMO
OBJETIVO:
Conhecer os itinerários terapêuticos de mulheres com câncer de mama tratadas em hospitais públicos, assim como analisar os fatores que influenciam o intervalo de tempo entre a primeira consulta e o início do tratamento.
MÉTODOS:
Realizou-se um estudo transversal com 600 mulheres com câncer de mama tratadas em nove hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil. As pacientes foram entrevistadas entre setembro de 2012 e setembro de 2014. Foram ajustados modelos de regressão logística simples e múltipla para avaliar as variáveis associadas ao intervalo de tempo estudado. O itinerário mais frequente foi aquele iniciado na atenção primária com atendimento subsequente no serviço de tratamento (28,9%). No ajuste múltiplo, foram associados a um maior tempo entre a primeira consulta e o tratamento: menor renda familiar (OR = 1,89; IC95% 1,32–2,68), realização da primeira consulta em serviços públicos (OR = 1,78; I IC95% 1,20–2,64), atendimento em mais de dois serviços de saúde no itinerário terapêutico (OR = 1,71; IC95% 1,19–2,44); e obtenção da análise anatomopatológica da biópsia em serviços públicos ao invés de serviços de saúde privados (OR = 1,87; IC95% 1,29–2,71). De forma independente, a implementação do agendamento de consulta com especialista, por meio da regulação assistencial, foi associada a um menor intervalo de tempo entre primeira consulta e tratamento (OR = 0,33; IC95% 0,16–0,65).
CONCLUSÕES:
Observou-se que múltiplos itinerários foram percorridos pelas mulheres com câncer de mama tratadas em serviços públicos do Distrito Federal. Iniquidades socioeconômicas e diversos aspectos dos itinerários percorridos foram associados a um maior intervalo de tempo entre a primeira consulta e início do tratamento do câncer de mama.
DESCRITORES:
Neoplasias da Mama, terapia; Tempo para o Tratamento; Qualidade, Acesso e Avaliação da Assistência à Saúde; Disparidades nos Níveis de Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde
INTRODUÇÃO
No Brasil e no Distrito Federal (DF), o câncer de mama é a neoplasia com maior incidência nas mulheres, excluindo-se o câncer de pele do tipo não melanoma. Em 2018 foram estimados, aproximadamente, 60 mil novos casos de câncer de mama no Brasil, sendo mais de mil no DF11. Ministério da Saúde (BR), Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2017.. Apesar da tendência de estabilização nas taxas de mortalidade por câncer de mama no Brasil, as dos estados com menor nível socioeconômico são crescentes22. Freitas-Junior R, Gonzaga CMR, Freitas NMA, Martins E, Dardes RCM. Disparities in female breast cancer mortality rates in Brazil between 1980 and 2009. Clinics. 2012;67(7):731-7. https://doi.org/10.6061/clinics/2012(07)05
https://doi.org/10.6061/clinics/2012(07)... . Isso sugere iniquidades socioeconômicas no acesso e uso dos serviços de saúde, com retardo no diagnóstico e/ou na definição e início da opção terapêutica oportuna22. Freitas-Junior R, Gonzaga CMR, Freitas NMA, Martins E, Dardes RCM. Disparities in female breast cancer mortality rates in Brazil between 1980 and 2009. Clinics. 2012;67(7):731-7. https://doi.org/10.6061/clinics/2012(07)05
https://doi.org/10.6061/clinics/2012(07)... ,33. Renck DV, Barros F, Domingues MR, Gonzalez MC, Sclowitz ML, Caputo EL, et al. Equidade no acesso ao rastreamento mamográfico do câncer de mama com intervenção de mamógrafo móvel no sul do Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2014;30(1):88-96. https://doi.org/10.1590/0102-311X00017113
https://doi.org/10.1590/0102-311X0001711... .
Para realizar o diagnóstico precoce, bem como o tratamento em tempo adequado, é importante a existência de serviços de saúde devidamente capacitados para garantir o acesso ao tratamento dos casos confirmados44. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015.. Entretanto, ainda persistem como nós críticos o acesso aos exames de rastreamento e aos serviços de referência para o diagnóstico definitivo (atenção secundária) e para o tratamento (atenção terciária). Isso demonstra a dificuldade de articulação entre os níveis de atenção55. Parada R, Assis M, Silva RCF, Abreu MF, Silva MAF, Dias MBK, et al. A política nacional de atenção oncológica e o papel da atenção básica na prevenção e controle do câncer. Rev APS. 2008 [cited 2017 Mar 28];11(2):199-206. Available from: https://aps.ufjf.emnuvens.com.br/aps/article/view/263/100
https://aps.ufjf.emnuvens.com.br/aps/art... em um país onde ainda faltam mecanismos de organização do fluxo de atendimento66. Dubow C, Olivo VMF, Ceron MI, Vedootto DO, Dal Moro JS, Oliveira CP, et al. Linha de cuidado como dispositivo para a integralidade da atenção a usuários acometidos por agravos neoplásicos de cabeça e pescoço. Saude Debate. 2014;38(100):94-103. https://doi.org/10.5935/0103-104.20140015
https://doi.org/10.5935/0103-104.2014001... , com indisponibilidade e/ou acesso limitado aos especialistas77. Yip CH, Cazap E, Anderson BO, Bright KL, Caleffi M, Cardoso F, et al. Breast cancer management in middle-resource countries (MRCs): consensus statement from the Breast Health Global Initiative. Breast. 2011;20 Suppl 2:S12-9. https://doi.or/10.1016/j.breast.2011.02.015
https://doi.or/10.1016/j.breast.2011.02.... . Essas fragilidades podem ter contribuído para que a maior parte do atraso para confirmação diagnóstica88. Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, Thuler LCS. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(2):75-81. https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000200005
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200900... e início do tratamento99. Barros AF, Uemura G, Macedo JLS. Tempo para acesso ao tratamento do câncer de mama no Distrito Federal, Brasil Central. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(10):458-63. https://doi.org/10.1590/S0100-72032013001000006
https://doi.org/10.1590/S0100-7203201300... do câncer de mama tenha sido atribuído ao serviço de saúde, uma vez que esse atraso ocorreu após as mulheres terem realizado a primeira consulta motivadas pela identificação de sinais e sintomas sugestivos do câncer ou de alterações em exames de rastreamento88. Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, Thuler LCS. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(2):75-81. https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000200005
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200900... ,99. Barros AF, Uemura G, Macedo JLS. Tempo para acesso ao tratamento do câncer de mama no Distrito Federal, Brasil Central. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(10):458-63. https://doi.org/10.1590/S0100-72032013001000006
https://doi.org/10.1590/S0100-7203201300... .
Estudos sobre o intervalo de tempo entre a primeira consulta e o início do tratamento diferem quanto aos resultados quando realizados em países desenvolvidos ou em desenvolvimento1010. Rivera-Franco MM, Leon-Rodriguez E. Delays in breast cancer detection and treatment in developing countries. Breast Cancer (Auckl). 2018;12:1178223417752677. https://doi.org/0.1177/1178223417752677
https://doi.org/0.1177/1178223417752677... , com cada um considerando seus contextos e peculiaridades para analisar os fatores determinantes1111. Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(10):3177-89. https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201... . Além disso, é consenso que esse intervalo deve ser reduzido ao mínimo possível, tendo em vista que o intervalo maior que três meses entre a detecção do sintoma pela paciente e o início do tratamento foi associado a pior sobrevida1212. Richards MA, Westcombe AM, Love SB, Littlejohns P, Ramirez AJ. Influence of delay on survival in patients with breast cancer: a systematic review. Lancet. 1999;353(9):1119-26. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(99)02143-1
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(99)02... , e que um diagnóstico tardio implica tratamentos mais agressivos1010. Rivera-Franco MM, Leon-Rodriguez E. Delays in breast cancer detection and treatment in developing countries. Breast Cancer (Auckl). 2018;12:1178223417752677. https://doi.org/0.1177/1178223417752677
https://doi.org/0.1177/1178223417752677... .
Visando ampliar o acesso aos serviços e aos procedimentos dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)1313. Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis. 2012;22(1):119-40. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000100007
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201200... de forma ordenada, oportuna, equitativa e racional, foram organizadas redes assistenciais que resultaram na estruturação das centrais de regulação; entretanto, o seu funcionamento ainda é incipiente1313. Gawryszewski ARB, Oliveira DC, Gomes AMT. Acesso ao SUS: representações e práticas de profissionais desenvolvidas nas Centrais de Regulação. Physis. 2012;22(1):119-40. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000100007
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201200... ,1414. Vilarins GCM, Shimizu HE, Gutierrez MMU. A regulação em saúde: aspectos conceituais e operacionais. Saude Debate. 2012;36(95):640-7. https://doi.org/10.1590/S0103-11042012000400016
https://doi.org/10.1590/S0103-1104201200... . Ademais, considerando que o acesso à saúde se fundamenta na disponibilidade, aceitabilidade, capacidade de pagamento e informação1515. Sanchez RM, Ciconelli RM. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam Salud Publica. 2012;31(3):260-8., é importante ponderar que vários contextos influenciam a conduta singularizada dos indivíduos para escolha dos serviços de saúde1616. Rabelo MCM, Alves PCB, Souza I. Experiência de doença e narrativa. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1999.. A interação de diferentes atores, entre eles os usuários, profissionais de saúde, gestores e sistemas de saúde, determina a trajetória e a espera pelo tratamento1717. Cecílio LCO, Carapinheiro G, Andreazza R, Souza ALM, Andrade MGG, Santiago SM, et al. O agir leigo e o cuidado em saúde: a produção de mapas de cuidado. Cad Saude Publica. 2014;30(7):1502-14. https://doi.org/10.1590/0102-311X00055913
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005591... .
Dessa forma, diante da importância de agilizar a assistência à saúde em diferentes níveis de atenção, o objetivo deste estudo foi identificar os itinerários terapêuticos de mulheres com câncer de mama tratadas em hospitais públicos do DF e investigar sua associação com o intervalo de tempo entre a primeira consulta e o início do tratamento.
MÉTODOS
Esta pesquisa faz parte do estudo intitulado “Fatores associados ao tempo de acesso para o tratamento do câncer de mama no Distrito Federal, Brasil”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) (Parecer 99.313).
Foi realizado um estudo transversal com mulheres com diagnóstico patológico de câncer de mama internadas para tratamento clínico ou cirúrgico dessa doença, que realizaram o primeiro tratamento em um dentre nove hospitais públicos do DF e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Casos prevalentes de câncer de mama e casos que apresentavam doença metastática antes do início do tratamento não foram incluídos no estudo.
Para o cálculo do tamanho da amostra, tomou-se como base o número de casos novos de câncer de mama estimado no DF para o período de coleta de dados (1.800 casos novos)1818. Ministério da Saúde (BR), Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011 [cited 2012 Apr 26]., a proporção de casos novos atendidos por serviços de saúde privados (40%)1919. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Saúde Suplementar. Informações em Saúde Suplementar TABNET: taxa de cobertura de planos de saúde: assistência médica entre 2012 a 2014, no Distrito Federal, sexo feminino, faixa etária de 30 a 79 anos. Rio de Janeiro: ANS; 2014 [cited 2014 Dec 4] Available from: http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/dh?dados/tabnet_tx.def
http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/... e a prevalência de atraso para início do tratamento do câncer de mama após a primeira consulta, aqui considerado como intervalo de tempo > 3 meses (77,6%)99. Barros AF, Uemura G, Macedo JLS. Tempo para acesso ao tratamento do câncer de mama no Distrito Federal, Brasil Central. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(10):458-63. https://doi.org/10.1590/S0100-72032013001000006
https://doi.org/10.1590/S0100-7203201300... . Assim, estimou-se que 600 casos seriam necessários.
A coleta de dados de casos consecutivos foi realizada entre setembro de 2012 e setembro de 2014, por meio de entrevista orientada por um questionário estruturado e pela análise do prontuário para obtenção dos dados clínicos.
As mulheres foram questionadas sobre os serviços de saúde em que foram atendidas desde a primeira consulta até o início do tratamento do câncer de mama, além das datas desses atendimentos. Cartões de consulta, prontuário e exames foram utilizados para ajudar as pacientes a recordar as datas das consultas. Já o local da primeira consulta foi considerado aquele onde a paciente foi atendida inicialmente para avaliar a queixa clínica na mama ou que solicitou ou realizou os exames cujos resultados foram suspeitos.
As consultas foram consideradas especializadas quando o profissional era mastologista, cirurgião oncológico ou oncologista clínico. As consultas não especializadas foram aquelas realizadas por médicos na atenção primária ou de outras especialidades em serviços ambulatoriais públicos ou em serviços de saúde privados.
O serviço do tratamento foi o local que realizou a cirurgia ou que realizou o encaminhamento para início da quimioterapia. Serviços intermediários foram aqueles em que a mulher se consultou e que tenham realizado encaminhamento para o especialista no intervalo entre a primeira consulta não especializada e o serviço de tratamento. A data e local desse atendimento também foram coletados.
Não foram consideradas as consultas de retorno, as consultas com outros médicos para avaliação pré-operatória e as que serviram somente para segunda opinião, bem como datas de resultados de revisão de exame anatomopatológico.
Os tipos de serviços de saúde nos quais as mulheres realizaram os atendimentos foram classificados como serviços privados ou como serviços públicos do SUS, com a seguinte subclassificação: serviço de atenção primária (unidade básica de saúde ou Estratégia Saúde da Família), serviço de urgência e emergência (pronto-socorro ou unidade de pronto-atendimento), serviço de atenção secundária ou terciária de outras especialidades (ambulatório com médico que não fosse mastologista, cirurgião oncológico ou oncologista clínico) ou serviço de diagnóstico e/ou de tratamento (ambulatório com mastologista, cirurgião oncológico e/ou oncologista clínico).
Como data do início do tratamento foi registrada a data da cirurgia ou da primeira sessão de quimioterapia, nos casos que necessitaram de tratamento neoadjuvante.
Em julho de 2013, a SES-DF implementou o protocolo clínico para agendamento de consulta com mastologistas, por meio do sistema de regulação assistencial, no qual se priorizava o atendimento especializado para mulheres com exames de imagem suspeitos de malignidade. Antes disso, as mulheres eram encaminhadas por orientações verbais ou por escrito, sem necessidade de exames diagnósticos e classificação de risco, levando ao mesmo tipo de encaminhamento para mulheres com doenças benignas ou malignas. O efeito dessa medida sobre o intervalo de tempo entre a primeira consulta e o tratamento foi avaliado restringindo a análise às mulheres residentes no DF com itinerário iniciado na atenção primária e com atendimento subsequente em serviço público de diagnóstico ou serviço de tratamento. Com essa restrição, a amostra para análise dessa variável independente totalizou 220 mulheres. Outras variáveis analisadas foram as seguintes características socioeconômicas: idade, cor da pele autodeclarada, local de residência (DF ou fora do DF), nível de escolaridade e renda familiar.
Na análise dos dados, foram realizadas a distribuição percentual das variáveis categóricas e medidas de tendência central e dispersão das variáveis contínuas. Para avaliar a associação das variáveis preditoras com maior intervalo de tempo entre a primeira consulta e o tratamento, foi utilizado um modelo de regressão logística simples. A variável resposta foi dicotomizada conforme a mediana encontrada, devido à baixa frequência de mulheres com intervalo de tempo menor que três meses. Em seguida, foi ajustado um modelo de regressão logística múltipla pelo método stepwise forward. Foram testadas no modelo múltiplo as variáveis que apresentaram valores de p ≤ 0,25 no modelo simples2020. Hosmer Jr DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. 2.ed. Hoboken: John Wiley & Sons; 2005.. As variáveis permaneciam no modelo quando p < 0,05. Utilizou-se para análise estatística o software IBM SPSS Statistics v.20.0.
RESULTADOS
Entre as 600 mulheres participantes, a média de idade ao diagnóstico foi de 53,3 anos e a maioria tinha entre 50 e 69 anos (47%), se autodeclarou parda (46,4%), residia no DF (65,8%), referiu ter em média 7,9 (±4,6) anos de estudo e declarou renda familiar média de R$2.079,01 (±2.489,23) e mediana de R$1.356,00.
Identificou-se maior prevalência do itinerário com até dois serviços de saúde, seja o local do primeiro atendimento seguido pelo serviço do primeiro tratamento ou a coincidência entre o local do primeiro atendimento e o serviço de tratamento (56,2%) (Figura). Em 17,1% dos casos, após atendimento no primeiro serviço de saúde, ocorreram atendimentos intermediários em pelo menos um serviço público especializado para investigação diagnóstica antes do atendimento no serviço de tratamento.
Fluxograma do itinerário terapêutico de 600 mulheres com câncer de mama até o início do tratamento em nove hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil, entre setembro de 2012 e setembro de 2014.
A atenção primária foi o local em que se realizou a primeira consulta com maior frequência, com serviços de saúde privados em segundo lugar (Tabela 1). Menor percentual de mulheres realizou a primeira consulta diretamente em serviço especializado de atenção secundária ou terciária, serviço de atenção secundária ou terciária de outras especialidades ou serviço de urgência ou emergência (Figura).
Intervalo de tempo entre a primeira consulta e o início do tratamento do câncer de mama para 600 mulheresa tratadas em nove hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil, entre setembro de 2012 e setembro de 2014, segundo características socioeconômicas e dos itinerários.
A primeira consulta de 13,8% das mulheres foi realizada com especialistas. Dessas consultas, 53,7% ocorreram em serviços públicos. Os serviços de saúde privados foram utilizados para realizar pelo menos um exame pela maior parte das pacientes (97,3%) e foram responsáveis por 43,3% dos resultados das análises anatomopatológicas das biópsias (Tabela 1). Das pacientes que realizaram a primeira consulta em serviços públicos, 20,5% obtiveram a análise anatomopatológica da biópsia em serviços privados.
Muitas participantes referiram ter utilizado contatos informais próprios ou dos profissionais de saúde que as atenderam para conseguir atendimento mais ágil nos serviços de saúde (Tabela 1).
O intervalo de tempo entre a primeira consulta e o início do tratamento apresentou a média de 211,8 dias (desvio padrão de 175,8) e mediana de 160 dias (intervalo interquartílico de 162,5).
A regressão logística simples é apresentada na Tabela 2. As variáveis associadas significativamente com maior intervalo de tempo foram cor da pele parda ou negra, menor renda familiar, menor escolaridade, primeira consulta em serviços públicos, mais de dois serviços de saúde percorridos no itinerário terapêutico, não utilização de relações informais para agilizar o atendimento e realização da análise anatomopatológica da biópsia em serviços públicos. Não houve associação estatisticamente significativa das variáveis local de residência e estadiamento com o intervalo de tempo analisado (Tabela 2).
Intervalo de tempo entre a primeira consulta e o início do tratamento do câncer de mama (≤ ou > 160 dias) para 600 mulheresa tratadas em nove hospitais públicos do Distrito Federal, Brasil, entre setembro de 2012 e setembro de 2014, com regressão logística simples utilizando características socioeconômicas e dos itinerários.
Quanto às mulheres procedentes do DF cujo itinerário foi iniciado na atenção primária, com posterior atendimento em serviço especializado ou serviço de tratamento, o intervalo de tempo foi menor para as mulheres encaminhadas após a implementação do protocolo clínico no sistema de regulação assistencial (Tabela 2). Por apresentar quantidades diferentes das outras variáveis independentes, essa variável não foi inserida nos ajustes de modelos múltiplos.
No ajuste do modelo de regressão logística múltipla, verificou-se associação com maior intervalo de tempo entre a primeira consulta e início do tratamento nas mulheres com menor renda familiar, realização da primeira consulta no SUS, atendimento em mais de dois serviços de saúde no itinerário terapêutico e obtenção do resultado da análise anatomopatológica da biópsia em serviços públicos (Tabela 3).
Ajuste do modelo múltiplo de regressão logística entre a variável resposta intervalo de tempo entre primeira consulta e tratamento (≤ ou > 160 dias) e fatores associados.
DISCUSSÃO
Observou-se que foram vários os itinerários terapêuticos seguidos pelas mulheres com câncer de mama tratadas em hospitais públicos do Distrito Federal, sendo o mais frequente aquele iniciado na atenção primária com atendimento subsequente no serviço que realizou o tratamento. As mulheres com maior vulnerabilidade social demoraram mais tempo para percorrer esses itinerários.
Em relação aos itinerários, os resultados mostram a relevância da atenção primária como porta de entrada da população ao sistema de saúde, sendo o meio de acesso mais comum à atenção especializada2121. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica. 2010;26(2):286-98. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200008
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... . Outros tipos de serviços de saúde públicos foram utilizados como porta de entrada menos frequentemente.
Os serviços de saúde privados foram o segundo local mais frequente de primeira consulta. Outros estudos que analisaram o percurso até o tratamento oncológico também observaram que muitos pacientes buscaram atendimentos em serviços de saúde privados66. Dubow C, Olivo VMF, Ceron MI, Vedootto DO, Dal Moro JS, Oliveira CP, et al. Linha de cuidado como dispositivo para a integralidade da atenção a usuários acometidos por agravos neoplásicos de cabeça e pescoço. Saude Debate. 2014;38(100):94-103. https://doi.org/10.5935/0103-104.20140015
https://doi.org/10.5935/0103-104.2014001... ,2222. Göttems LBD, Calaça NRS, Souza SFO, Morais TCP, Santana JA, Pires MRGM. Análise da rede de atenção ao câncer de colo uterino a partir da trajetória de usuárias no Distrito Federal-BR. Rev Eletr Gestao Saude. 2012 [cited 2017 Mar 28];3(2): 251-67. Available from: http://periodicos.unb.br/ojs311/index.php/rgs/article/view/109/104
http://periodicos.unb.br/ojs311/index.ph... .
Esses serviços também foram utilizados para realizar exames, realidade também relatada em outros estudos com pacientes tratados no SUS2222. Göttems LBD, Calaça NRS, Souza SFO, Morais TCP, Santana JA, Pires MRGM. Análise da rede de atenção ao câncer de colo uterino a partir da trajetória de usuárias no Distrito Federal-BR. Rev Eletr Gestao Saude. 2012 [cited 2017 Mar 28];3(2): 251-67. Available from: http://periodicos.unb.br/ojs311/index.php/rgs/article/view/109/104
http://periodicos.unb.br/ojs311/index.ph...
23. Soares MC, Mishima SM, Silva RC, Ribeiro CV, Meincke SMK, Corrêa ACL. Câncer de colo uterino: atenção integral à mulher nos serviços de saúde. Rev Gaucha Enferm. 2011;32(3):502-8. https://doi.org/10.1590/S1983-14472011000300010
https://doi.org/10.1590/S1983-1447201100... -2424. Toledo SRS, Almeida NAM, Souza MR, Minamisava R, Freitas Júnior R. Fluxo assistencial de usuárias com câncer de mama na rede pública de atenção à saúde. Rev Eletr Enf. 2016;8:e1201. https://doi.org/10.5216/ree.v18.39147
https://doi.org/10.5216/ree.v18.39147... . No presente estudo, quase todas as mulheres referiram ter realizado pelo menos um exame em serviços de saúde privados, principalmente por meio de desembolso direto. Isso possivelmente decorre de experiências prévias de dificuldade no acesso, da concepção de que no SUS há demora no agendamento de exames2323. Soares MC, Mishima SM, Silva RC, Ribeiro CV, Meincke SMK, Corrêa ACL. Câncer de colo uterino: atenção integral à mulher nos serviços de saúde. Rev Gaucha Enferm. 2011;32(3):502-8. https://doi.org/10.1590/S1983-14472011000300010
https://doi.org/10.1590/S1983-1447201100... ou da oferta insuficiente de procedimentos específicos2121. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica. 2010;26(2):286-98. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200008
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... . No Brasil, as principais atividades realizadas em serviços de saúde privados são consultas com especialistas e serviços de apoio ao diagnóstico e à terapêutica. Esses são pontos de estrangulamento do SUS, nos quais os usuários enfrentam grande lista de espera2525. Santos IS. Evidência sobre o mix público-privado em países com cobertura duplicada: agravamento das iniquidades e da segmentação em sistemas nacionais de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(6):2743-52. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000600013
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100... , com maiores dificuldades para agendar exames do que consultas especializadas2121. Almeida PF, Giovanella L, Mendonça MHM, Escorel S. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad Saude Publica. 2010;26(2):286-98. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200008
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000... .
Acredita-se que a ampliação da cobertura da atenção primária do SUS aumentou a demanda pelos serviços de nível secundário e terciário, dificultando ainda mais o acesso aos serviços diagnósticos2424. Toledo SRS, Almeida NAM, Souza MR, Minamisava R, Freitas Júnior R. Fluxo assistencial de usuárias com câncer de mama na rede pública de atenção à saúde. Rev Eletr Enf. 2016;8:e1201. https://doi.org/10.5216/ree.v18.39147
https://doi.org/10.5216/ree.v18.39147... . O retardo na obtenção dos exames repercute no acesso de novos pacientes aos serviços especializados, pois aumenta o número de consultas de retorno até a resolução do caso2626. Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis. 2010;20(3):953-72. https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000300014
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201000... .
Para exemplificar o efeito da realização dos exames em serviços de saúde privados sobre o tempo para início do tratamento do câncer de mama, avaliou-se especificamente a análise anatomopatológica da biópsia. Aproximadamente metade das mulheres realizou esse exame em serviços privados, fator associado à maior agilidade no início do tratamento, sugerindo que o sistema de saúde pública ainda não consegue atender à demanda por exames específicos para diagnóstico precoce do câncer de mama. Em um estudo nacional, identificou-se escassez de biópsias em relação à necessidade diagnóstica estimada pelo número de mamografias suspeitas de malignidade realizadas pelo SUS2727. Azevedo e Silva G, Bustamante-Teixeira MT, Aquino EML, Tomazelli JG, Santos-Silva I. Acesso à detecção precoce do câncer de mama no Sistema Único de Saúde: uma análise a partir dos dados do Sistema de Informações em Saúde. Cad Saude Publica. 2014;30(7):1537-50. https://doi.org/10.1590/0102-311X00156513
https://doi.org/10.1590/0102-311X0015651... .
Como o acesso aos serviços privados, tanto para consultas especializadas quanto para exames, é relacionado à maior renda familiar, essa variável também se manteve estatisticamente significativa no ajuste múltiplo. Isso demonstra que maior renda familiar auxilia os usuários a transpor importantes barreiras para alcançar o início do tratamento do câncer de mama no SUS, corroborando a análise de Santos, segundo a qual a cobertura de serviços de saúde semelhantes, e não somente complementares, no âmbito público e privado, contribui para a iniquidade na oferta, no acesso e no uso dos serviços de saúde2525. Santos IS. Evidência sobre o mix público-privado em países com cobertura duplicada: agravamento das iniquidades e da segmentação em sistemas nacionais de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(6):2743-52. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000600013
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100... .
Em relação aos itinerários, verificou-se maior frequência dos originários nos serviços de atenção primária com atendimento subsequente em serviços especializados e/ou no próprio serviço de tratamento. Acredita-se que esse itinerário seria o mais esperado e adequado conforme a hierarquização de regionalização dos serviços de saúde. Ele poderia ser classificado como o regime da regulação governamental, por ter sido produzido pelo arsenal jurídico instituinte do SUS1717. Cecílio LCO, Carapinheiro G, Andreazza R, Souza ALM, Andrade MGG, Santiago SM, et al. O agir leigo e o cuidado em saúde: a produção de mapas de cuidado. Cad Saude Publica. 2014;30(7):1502-14. https://doi.org/10.1590/0102-311X00055913
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005591... .
Entretanto, mesmo apresentando aspectos racionais, esse regime é atravessado por múltiplos interesses e contradições, sendo passível de arranjos e soluções produzidas pelos usuários, mesmo quando referenciados aos itinerários pré-definidos1717. Cecílio LCO, Carapinheiro G, Andreazza R, Souza ALM, Andrade MGG, Santiago SM, et al. O agir leigo e o cuidado em saúde: a produção de mapas de cuidado. Cad Saude Publica. 2014;30(7):1502-14. https://doi.org/10.1590/0102-311X00055913
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005591... . Isso pode ter ocorrido com algumas mulheres que realizaram consultas em diferentes serviços entre a primeira consulta e o serviço de tratamento. Dessa forma, considerando o usuário como protagonista perante as limitações do SUS, não é possível afirmar que somente as fragilidades dos serviços tenham motivado as mulheres a buscar diferentes serviços de saúde. Porém, conforme apontado em outros estudos2222. Göttems LBD, Calaça NRS, Souza SFO, Morais TCP, Santana JA, Pires MRGM. Análise da rede de atenção ao câncer de colo uterino a partir da trajetória de usuárias no Distrito Federal-BR. Rev Eletr Gestao Saude. 2012 [cited 2017 Mar 28];3(2): 251-67. Available from: http://periodicos.unb.br/ojs311/index.php/rgs/article/view/109/104
http://periodicos.unb.br/ojs311/index.ph... ,2828. Rangel G, Lima LD, Vargas EP. Condicionantes do diagnóstico tardio do câncer cervical na ótica das mulheres atendidas no Inca. Saude Debate. 2015;39(107):1065-78. https://doi.org/10.1590/0103-110420161070261
https://doi.org/10.1590/0103-11042016107... , não se pode descartar que limitações na efetividade do acolhimento e na resolubilidade de alguns serviços tenham favorecido variações nos itinerários terapêuticos. Os que incluíram mais de dois serviços de saúde foram associados a maior intervalo de tempo para início do tratamento. O encaminhamento da atenção primária direto para um serviço especializado capaz de realizar toda a investigação diagnóstica diminuiria a necessidade de percorrer outros serviços e possivelmente reduziria o tempo para início do tratamento, conforme sugerido por um estudo canadense2929. Jiang L, Gilbert J, Langley H, Moineddin R, Groome PA. Effect of specialized diagnostic assessment units on the time to diagnosis in screen-detected breast cancer patients. Br J Cancer. 2015;112(11):1744-50. https://doi.org/10.1038/bjc.2015
https://doi.org/10.1038/bjc.2015... .
Para otimizar esse encaminhamento, é importante fortalecer a atenção primária na ordenação do acesso aos demais níveis de atenção à saúde e a regulação assistencial como instrumento para adequar a oferta à demanda, com priorização dos casos de acordo com a classificação dos critérios clínicos3030. Peiter CC, Lanzoni GMM, Oliveira WF. Regulação em saúde e promoção da equidade: o Sistema Nacional de Regulação e o acesso à assistência em um município de grande porte. Saude Debate. 2016;40(111):63-73. https://doi.org/10.1590/0103-1104201611105
https://doi.org/10.1590/0103-11042016111... . O presente estudo verificou que a implementação da regulação assistencial para agendamento de consultas especializadas foi associada a menor tempo para início do tratamento do câncer de mama no DF, benefício apontado previamente em outro estudo3131. Baduy RS, Feuerwerker LCM, Zucoli M, Borian JT. A regulação assistencial e a produção do cuidado: um arranjo potente para qualificar a atenção. Cad Saude Publica. 2011;27(2):295-304. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000200011
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... . A utilização dessa e de outras estratégias que fortaleçam a interação entre gestores, trabalhadores do setor da saúde e usuários também pode contribuir para um acesso mais ágil ao tratamento3131. Baduy RS, Feuerwerker LCM, Zucoli M, Borian JT. A regulação assistencial e a produção do cuidado: um arranjo potente para qualificar a atenção. Cad Saude Publica. 2011;27(2):295-304. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000200011
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100... e, consequentemente, para a construção de um sistema de saúde equânime3030. Peiter CC, Lanzoni GMM, Oliveira WF. Regulação em saúde e promoção da equidade: o Sistema Nacional de Regulação e o acesso à assistência em um município de grande porte. Saude Debate. 2016;40(111):63-73. https://doi.org/10.1590/0103-1104201611105
https://doi.org/10.1590/0103-11042016111... .
O uso de relações informais com profissionais dos serviços de saúde para facilitar o acesso foi frequente entre as participantes deste estudo, o que também foi relatado por outros autores2828. Rangel G, Lima LD, Vargas EP. Condicionantes do diagnóstico tardio do câncer cervical na ótica das mulheres atendidas no Inca. Saude Debate. 2015;39(107):1065-78. https://doi.org/10.1590/0103-110420161070261
https://doi.org/10.1590/0103-11042016107... ,3232. Pontes APM, Cesso RGD, Oliveira DC, Gomes AMT. O princípio de universalidade do acesso aos serviços de saúde: o que pensam os usuários? Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):500-7. https://doi.org/10.1590/S1414-81452009000300007
https://doi.org/10.1590/S1414-8145200900... . Entretanto, essa variável não permaneceu no ajuste múltiplo, indicando que o uso desse mecanismo não interferiu no intervalo de tempo estudado. Ainda assim, é importante ressaltar que o alcance do atendimento intermediado por um profissional de saúde pode ser interpretado como privilégio, acarretando vinculação do acesso a esse profissional, o que fragiliza a estrutura e a organização do sistema em si3232. Pontes APM, Cesso RGD, Oliveira DC, Gomes AMT. O princípio de universalidade do acesso aos serviços de saúde: o que pensam os usuários? Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):500-7. https://doi.org/10.1590/S1414-81452009000300007
https://doi.org/10.1590/S1414-8145200900... .
Em relação ao estadiamento, não foi verificada associação com o intervalo de tempo avaliado, possivelmente devido à relação entre essas variáveis: sinais clínicos de câncer de mama são mais evidentes para os médicos quando a doença está em estágio avançado, o que pode levar a um diagnóstico e tratamento mais ágil; em contrapartida, tumores de crescimento lento seriam mais dificilmente detectados e diagnosticados3333. Symonds RP. Cancer biology may be more important than diagnostic delay. BMJ. 2002;325(7367):774. https://doi.org/10.1136/bmj.325.7367.774
https://doi.org/10.1136/bmj.325.7367.774... ,3434. Crawford SC, Davis JA, Siddiqui NA, Caestecker L, Gillis CR, Hole D. The waiting time paradox: population based retrospective study of treatment delay and survival of women with endometrial cancer in Scotland. BMJ. 2002;325(7357):196. https://doi.org/10.1136/bmj.325.7357.196
https://doi.org/10.1136/bmj.325.7357.196... .
Como limitação do estudo, é importante ressaltar que a abordagem quantitativa restringiu a possibilidade de análise das interpretações das mulheres sobre o itinerário, bem como as repercussões de outros fatores tanto no percurso quanto no intervalo de tempo estudado. Outra possível limitação seria o viés de memória, por demandar que as mulheres recordassem fatos passados. Entretanto, acredita-se que essas limitações tenham sido minimizadas pelo uso de casos incidentes, com poucos meses decorridos entre as experiências e a entrevista.
Em conclusão, neste estudo observaram-se múltiplos itinerários utilizados pelas mulheres com câncer de mama tratadas em serviços públicos do DF, com menor nível socioeconômico e aspectos dos itinerários percorridos associados a maior intervalo de tempo entre a primeira consulta e início do tratamento do câncer de mama. A dificuldade para a realização de exames na rede de apoio ao diagnóstico e terapêutica apresentou-se como um importante fator para o atraso no início desse tratamento. O fortalecimento de estratégias como a regulação assistencial mostra-se uma possibilidade efetiva para melhorar o acesso aos serviços de média e alta complexidade e pode contribuir para redução de iniquidades na assistência prestada pelo SUS.
- Financiamento: Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (edital de fomento à pesquisa n° 41, de 2 de outubro de 2013 – Processo 064.000.455/2013).
Agradecimentos:
À Unidade de Mastologia do Hospital Universitário de Brasília (Universidade de Brasília), ao Hospital de Base do Distrito Federal e ao Serviço de Oncologia do Hospital Regional de Taguatinga (Brasília, DF), pelo apoio logístico.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
31 Jan 2019
Histórico
- Recebido
26 Set 2017 - Aceito
26 Abr 2018