Percepção de agentes operadores do Programa Nacional de Alimentação Escolar

Daniele Mendonça Ferreira Roseane Moreira Sampaio Barbosa Nathália Corrêa Finizola Daniele da Silva Bastos Soares Patrícia Henriques Silvia Pereira Clarice Soares Carvalhosa Ana Beatriz Franco Sena Siqueira Patricia Camacho Dias Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Identificar a percepção de agentes operadores sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional, transversal e quali-quantitativo desenvolvido em amostra não probabilística e selecionada por conveniência em um evento promovido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação em 2015 no Rio de Janeiro. Os dados foram coletados com o auxílio de um questionário cujas questões se relacionavam a categorias pré-definidas relacionadas ao Programa Nacional de Alimentação Escolar. O questionário foi respondido por 43 nutricionistas, 41 membros do Conselho de Alimentação Escolar e 16 gestores da alimentação escolar de 38 municípios do Rio de Janeiro. A análise das narrativas foi baseada em referenciais de análise cognitiva de políticas públicas. A associação entre as variáveis foi investigada com o teste qui-quadrado , sendo calculado o poder do teste das associações.

RESULTADOS

A percepção da execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar foi caracterizada por alguns desafios: 1) baixo quantitativo de nutricionistas para atender à demanda das escolas; 2) baixa adesão à chamada pública para compra de produtos da agricultura familiar por dificuldades burocráticas e insuficiência de produção local de alimentos; 3) reduzida abrangência das ações de educação alimentar e nutricional pela restrição dos recursos humanos, materiais e financeiros; e 4) limitação na atuação do Conselho de Alimentação Escolar por oferta insuficiente de capacitação e de transporte para as visitas regulares. A adequação do quantitativo de nutricionistas mostrou associação estatisticamente significante com a compra de produtos da agricultura familiar (p = 0,002; poder = 99%) e com as atividades de educação alimentar e nutricional (p = 0,021; poder = 79%).

CONCLUSÕES

Os resultados indicam a necessidade de contratação de nutricionistas em número suficiente para atender às demandas do Programa Nacional de Alimentação Escolar, investimento em atividades educativas de alimentação saudável nas escolas, capacitação do Conselho de Alimentação Escolar, maior disponibilidade de veículos para visitas escolares e assistência aos agricultores familiares para facilitar a participação em programas de compras institucionais e oportunizar a diversificação de produção.

Alimentação escolar; Programas e Políticas de Nutrição e Alimentação; Equipes de Administração Institucional; Nutrição em Saúde Pública

INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um dos maiores e mais antigos do mundo e, no Brasil, integra a política de Segurança Alimentar e Nutricional 11. Peixinho AML. A trajetória do Programa Nacional de Alimentação Escolar no período de 2003-2010: relato do gestor nacional. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):909-16. https://doi.org/ 10.1590/S1413-81232013000400002
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. Seus principais objetivos estão relacionados à oferta de refeições que garantam as necessidades nutricionais durante a permanência dos alunos na escola e à formação de hábitos alimentares saudáveis 22. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Cartilha Nacional da Alimentação Escolar. Brasília, DF: FNDE; 2015 [cited 2017 Feb 18]. Available from: http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/116alimentacaoescolar?download=9572:pnae-cartilha-2015
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. Desde sua implantação em 1955, os dispositivos legais que regulamentam o programa têm apresentado avanços técnicos e operacionais por meio de revisões e atualizações3–5com vistas à garantia do direito humano à alimentação adequada (DHAA). Dentre essas mudanças, destacam-se a inserção do nutricionista como responsável técnico (RT), o controle social da execução do programa pelo Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e a compra de alimentos provenientes da agricultura familiar, com investimento de no mínimo 30% do repasse financeiro realizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) 33. Brasil. Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica..., e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 17 jun 2009; p. 11.,66. Saraiva EB, Silva APF, Sousa AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400004
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.

Considerando que o PNAE é um dos mais importantes programas de promoção da saúde do país, fato evidenciado por sua contribuição para a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos da rede pública de educação básica 55. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional da Educação. Resolução/CD/FNDE No26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diario Oficial Uniao. 18 jun 2013; p. 1-44. , é fundamental que seus princípios e diretrizes sejam executados integralmente pelos agentes envolvidos. No entanto, diversos municípios brasileiros apresentam problemas em sua execução, tais como o baixo percentual de compras dos gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar 77. Gabriel CG, Costa LCF, Calvo MCM, Vasconcelos FAG. Planejamento de cardápios para escolas públicas municipais: reflexão e ilustração desse processo em duas capitais brasileiras. Rev Nutr. 2012;25(3):363-72. https://doi.og/10.1590/S1415-52732012000300006
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,88. Gonçalves HVB, Cunha DT, Stedefeldt E, Rosso VV. Family farming products on menus in school feeding: a partnership for promoting healthy eating. Cienc Rural. 2015;45(12):2267-73. https://doi.og/10.1590/0103-8478cr20150214
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, o não cumprimento das atribuições do CAE como controle social 99. Gabriel CG, Goulart G, Calvo MCM. Gestão municipal do Programa Nacional de Alimentação Escolar nas capitais da região Sul do Brasil. Rev Nutr. 2015;28(6):667-80. https://doi.og/10.1590/1415-52732015000600009
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, a utilização equivocada pelas entidades executoras (EEx) dos repasses financeiros praticados pelo FNDE 1010. Bandeira LM, Chagas CMS, Gubert MB, Toral N, Monteiro RA. Análise dos pareceres conclusivos dos Conselhos de Alimentação Escolar sobre a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Rev Nutr. 2013;26(3):343-51. https://doi.og/10.1590/S1415-52732013000300009
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, o planejamento dos cardápios sem considerar a sazonalidade e a diversidade de alimentos regionais 1111. Sousa AA, Silva APF, Azevedo E, Ramos MO. Cardápios e sustentabilidade: ensaio sobre as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Rev Nutr. 2015;28(2):217-29. https://doi.og/10.1590/1415-52732015000200010
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e o quantitativo insuficiente de nutricionistas 1212. Chaves LG, Santana TCM, Gabriel CG, Vasconcelos FAG. Reflexões sobre a atuação do nutricionista no Programa Nacional de Alimentação Escolar no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):917-26. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400003
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.

Tais limitações merecem ser melhor compreendidas, de modo a facilitar a proposição de estratégias que contribuam para superar os desafios. Contudo, os estudos pouco exploram o contexto em que as ações previstas pelo programa são desenvolvidas, expressando de forma superficial a procedência desses obstáculos. Assim, este estudo objetivou identificar a percepção dos agentes operadores do PNAE sobre o cumprimento de seus principais parâmetros legais.

MÉTODOS

Aspectos Éticos

O estudo está em consonância com a Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense (CAAE 3620.0.000.258-10).

Os participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido após serem informados sobre os procedimentos deste estudo. As questões foram respondidas por escrito sem identificação pessoal nem do município. Apenas a função do participante foi identificada para análise dos dados.

Delineamento e Amostra

Trata-se de um estudo observacional descritivo de corte transversal e abordagem quali-quantitativa desenvolvido em uma amostra não probabilística e selecionada por conveniência. Foram convidados a participar os agentes operadores do PNAE presentes no evento “Encontro Técnico do Programa Nacional de Alimentação Escolar” aaEncontro Técnico do Programa Nacional de Alimentação Escolar, 23 set 2015; Niterói, RJ [citado 1 fev 2019]. Disponível em: http://www.uff.br/?q=events/i-encontro-tecnico-do-programa-nacional-de-alimentacao-escolar , promovido pelo FNDE em 2015 na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado com o pacote pwr do programa R versão 3.4.3 (R Core Team, Áustria). Considerando os fatores e respectivos níveis do questionário semiestruturado, o poder do teste de 80% e o nível de significância de 5%, são necessários 85 participantes (4x3: 6 graus de liberdade) para se observar um tamanho de efeito médio a forte (w = 0,4).

Participaram do evento 189 agentes operadores do PNAE de 58 municípios, sendo excluídos aqueles localizados fora do estado do Rio de Janeiro (n = 5). Um total de 100 participantes aceitou participar da pesquisa, compreendendo nutricionistas (n = 43), membros do CAE (n = 41) e gestores da alimentação escolar (n = 16) de 38 (41,3%) dos 92 municípios do estado do Rio de Janeiro. Dentre os municípios representados neste estudo, 33 (86,8%) são predominantemente urbanos, enquanto 5 (13,2%) são rurais 1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estaítstica, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação. Rio de Janeiro: IBGE; 2017 [cited 2017 Feb 18]. (Estudos e Pesquisas. Informação Geográfica; 11). Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100643.pdf
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. A distribuição de agentes por município compreendeu: um município com nove agentes, dois municípios com seis agentes, um município com cinco agentes, quatro municípios com quatro agentes, 11 municípios com três agentes, seis municípios com dois agentes e 13 municípios com apenas um agente.

Procedimentos

As informações foram coletadas por meio de um questionário semiestruturado construído pelos pesquisadores a partir das categorias de análise pré-definidas neste estudo. As questões abordavam os seguintes itens relacionados à execução do PNAE nos municípios do Rio de Janeiro: adequação do quantitativo de nutricionistas no programa; percentual de compra e tipos de alimentos provenientes da agricultura familiar; principais dificuldades encontradas na execução do PNAE; desenvolvimento de atividades educativas para a promoção da alimentação saudável nas escolas; e atuação do CAE no município.

Análise dos Dados Qualitativos

Utilizou-se a análise de conteúdo 1414. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. das narrativas como ferramenta para identificar as principais ideias e percepções dos sujeitos sobre a operacionalização do PNAE nos municípios estudados. Para tanto, obedeceu-se às seguintes etapas:

  1. Pré-exploração do material: leitura flutuante de todo o conteúdo das respostas contidas no questionário, com o objetivo de apreender e organizar de forma não sistematizada as principais ideias e percepções que forneceram indícios iniciais para uma apresentação mais sistematizada dos dados nas fases seguintes;

  2. Categorização apriorística: uso de categorias pré-definidas baseadas na execução do PNAE: atuação dos nutricionistas; compra de alimentos da agricultura familiar; atuação do CAE no município; ações de educação alimentar e nutricional; dificuldades diversas na execução do PNAE.

  3. Seleção das subcategorias de análise: orientada pelas questões de pesquisa a serem respondidas, correspondentes aos itens relacionados à execução do PNAE. As subcategorias de análise foram identificadas a partir de recortes do texto por um processo indutivo, considerando a mensagem explícita e as significações não aparentes do contexto. O agrupamento das unidades de análise se baseou na repetição de conteúdos comuns à maioria dos respondentes e na relevância implícita, quando o tema era considerado importante para o estudo, mas não se repetia no relato dos respondentes.

Todo esse processo foi realizado em conjunto com os pesquisadores para evitar viés de percepção e proporcionar uma visão diferenciada sobre as categorias propostas.

A análise das narrativas foi fundamentada na percepção dos sujeitos que participam da operacionalização do PNAE em municípios do estado do Rio de Janeiro. Desse modo, o programa foi considerado como prática social 1515. Potvin, L. On the nature of programs: health promotion programs as action. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(3):731-8. https://doi.og/10.1590/S1413-81232004000300023
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e analisado com base em referenciais do campo da análise cognitiva de políticas públicas 1616. Hall PA. The role of interests, institutions and ideas in the comparative political economy of the insdustrialized nations. In: Lichbach MI, Zuckerman AS, editors. Comparative politics: rationallity, culture and structure. New York: Cambridge University Press;1997 [cited 2017 Feb 16]. p.174-207. Available from: https://europeanpoliticaleconomy.files.wordprss.com/2014/09/pa-hall-cpe.pdf
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.

Análise Estatística

Os dados foram tabulados em tabelas de contingência e analisados no programa estatístico SPSS versão 21 (IBM, EUA). As variáveis foram descritas por frequência absoluta e relativa (n, %). A associação entre as variáveis categóricas foi investigada por meio do teste qui-quadrado (χ2). Para tabelas 2 x 2 foi utilizado o teste exato de Fisher. O poder do teste (1- b ) foi calculado com o programa R versão 3.4.3 (R Core Team, Áustria) e o pacote pwr. O nível de significância ( a ) adotado corresponde a 5%.

RESULTADOS

O Quadro apresenta a síntese qualitativa da percepção dos agentes operadores do PNAE sobre os principais desafios encontrados na execução do programa em seus municípios. Foram definidas a priori cinco categorias relacionadas com os principais itens do PNAE. Quatorze subcategorias foram identificadas a posteriori por refletirem as dificuldades expressas no conteúdo relatado. As respectivas categorias e subcategorias compreendem: atuação dos nutricionistas (atribuições, adequação quantitativa, carga horária e vínculo empregatício), compra de alimentos da agricultura familiar (obtenção de declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, produção local e tipos de alimentos adquiridos), atuação do CAE no município (transporte, capacitação dos membros e participação), ações de educação alimentar e nutricional (quantitativo insuficiente de nutricionistas, abrangência das ações educativas e recursos financeiros) e dificuldades diversas na execução do PNAE (repasse financeiro e excesso de trabalho administrativo para o nutricionista).

A Tabela 1 apresenta dados sobre a execução dos itens preconizados pelo PNAE segundo relatos dos agentes operadores. Observa-se que a maioria dos nutricionistas (n = 39; 90,7%) e dos membros do CAE (n = 34; 75,6%) considera o número de profissionais insuficiente para a realização de todas as atividades atribuídas pelo PNAE (p = 0,008; poder = 80%). A principal justificativa para essa opinião se relaciona à elevada demanda de unidades escolares com grande número de alunos ( Quadro, item A1 ), dificultando a assistência e execução de suas atribuições de monitoramento do estado nutricional dos estudantes e a elaboração de projetos para promoção da alimentação saudável e de atividades de educação nutricional nas escolas. A sobrecarga e a urgência de atividades burocráticas e administrativas também foram apontadas como uma barreira para a execução das atribuições técnicas ( Quadro, item E2 ).

Tabela 1
Características da execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar segundo relatos dos agentes operadores de 38 municípios do Rio de Janeiro.
Quadro
Categorias de análise sobre as dificuldades de execução dos parâmetros preconizados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), segundo relatos dos seus agentes operadores.

A compra de alimentos provenientes da agricultura familiar acima de 30% dos recursos fornecidos pelo FNDE foi relatada por 70,1% (n = 47) dos respondentes e a aquisição de alimentos orgânicos apresentou frequência de 12,5% (n = 11). No entanto, essas variáveis não apresentaram associação estatisticamente significante com os agentes operadores do PNAE (p > 0,05). Os alimentos comumente adquiridos da agricultura familiar vêm na forma in natura , incluindo: alface, tomate, aipim, inhame, cheiro verde, repolho, abóbora, couve, banana, laranja, abacaxi, batata-doce, cheiro-verde, cenoura, beterraba, caqui, quiabo, ovos, mel e leite. Analisando as respostas por município, 55,3% (n = 21) realizavam a compra acima de 30%, enquanto 10,5% (n = 4) ainda não haviam adquirido os gêneros alimentícios por estarem em processo de chamada pública. A principal justificativa apresentada para a compra de alimentos da agricultura familiar foi o cumprimento da legislação. Apesar de conseguirem cumprir a exigência, 21,0% (n = 8) dos municípios relataram dificuldades por falta da aquisição da declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) pelos agricultores ( Quadro, item B1 ) e pela insuficiência de produção local de alimentos ( Quadro, item B2 ).

A existência de atividades educativas para promoção da alimentação saudável nas escolas foi relatada por 83,7% (n = 82) dos respondentes. Capacitações por meio de oficinas com as merendeiras foram as principais atividades realizadas ( Quadro, item D2 ). Em menor frequência, dinâmicas de grupo com alunos e palestras com os pais promovidas por nutricionistas, professores e pedagogos também foram incluídas nas ações de educação nutricional. Entretanto, não foi mencionada a periodicidade destas atividades. Dentre os principais critérios configurados como impasses para a realização das ações educativas estão as dificuldades com os recursos humanos, devido à quantidade insuficiente de nutricionistas e outros profissionais de apoio ( Quadro, item D1 ), e a disponibilidade de recursos financeiros e materiais para desenvolver rotineiramente as oficinas ( Quadro, item D3 ).

A maioria dos respondentes (n = 66; 67,3%) classificou a atuação do CAE nos municípios como boa, e de modo significativo (p = 0,009; poder = 86%); os próprios membros do conselho (n = 36; 80%) classificaram sua atuação como boa. Dentre as ações desenvolvidas, destacam-se as visitas técnicas e fiscalização das escolas, participação em reuniões, conversa com os alunos sobre a aceitação de cardápios e o acompanhamento da aplicação dos recursos do PNAE. As qualificações regular e ruim foram, em sua maioria, atribuídas à falta de capacitação para os conselheiros e de transporte para as visitas regulares ( Quadro, itens C2 e C1, respectivamente ).

A Tabela 2 apresenta a associação estatisticamente significante da adequação do quantitativo de nutricionistas no PNAE com a compra de alimentos da agricultura familiar (p = 0,002; poder = 99%) e com as atividades de educação alimentar e nutricional (EAN) (p = 0,021; poder = 79%), indicando que os municípios com dificuldades de cumprir os parâmetros da legislação são aqueles com número insuficiente de nutricionistas, segundo a opinião dos participantes. A opinião sobre a qualidade da atuação do CAE não apresentou associação estatisticamente significante com a compra de alimentos orgânicos (p = 0,729; poder = 10%) e da agricultura familiar (p = 0,273; poder = 28%), nem com as atividades de EAN (p = 0,905; poder = 7%).

Tabela 2
Associação entre a adequação do quantitativo de nutricionistas e qualidade da atuação do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e os parâmetros preconizados no Programa Nacional de Alimentação Escolar segundo relatos dos agentes operadores.

Isolando as respostas quantitativas dos agentes operadores do PNAE pertencentes ao mesmo município (25 municípios com mais de um agente), poucos apresentaram divergências entre si. Em relação à adequação do número de nutricionistas e compra de alimentos orgânicos, apenas 8% (n = 2) dos municípios apresentaram divergência nas respostas. Em relação à compra da agricultura familiar, 16% (n = 4) dos municípios apresentaram discordância. As questões com mais divergências foram aquelas relacionadas à realização de atividades de EAN (n = 6; 26% dos municípios) e a atuação do CAE (n = 5; 20,8% dos municípios). Essa observação é importante para identificar se as respostas refletem a realidade de cada município.

DISCUSSÃO

A análise integrada das narrativas, com base nos diferentes seguimentos de sujeitos que participam diretamente da operacionalização do PNAE nos municípios, indica como principais questões estratégicas para a garantia da qualidade do programa os aspectos relacionados com a estrutura institucional, a articulação com agricultores familiares, o aporte financeiro e a participação social.

Sobre a atuação dos nutricionistas, quase a totalidade deles relatou um número insuficiente de profissionais, evidenciando possíveis limitações para o cumprimento das atribuições definidas no programa, o que gera sobrecarga de trabalho. O número ideal de nutricionistas para atuação no programa é referenciado na Resolução 26/2013 do FNDE 55. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional da Educação. Resolução/CD/FNDE No26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diario Oficial Uniao. 18 jun 2013; p. 1-44. , a qual segue os parâmetros numéricos mínimos para contratação de profissionais por unidade executora do PNAE estabelecidos na Resolução 465/2010 do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) 44. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução CFN no465/2010. Dispõe sobre as atribuições do Nutricionista, estabelece parâmetros numéricos mínimos de referência no âmbito do Programa de Alimentação Escolar (PAE) e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 25 ago 2010; p. 1–8. . Segundo essa resolução, toda entidade executora deverá ter um nutricionista responsável técnico pelo programa, independentemente do número de alunos. A partir de 501 alunos, deverá ter também um nutricionista no quadro técnico (QT), aumentando o quantitativo de nutricionistas à medida que aumenta o número de alunos. Foram observados relatos de existência de um nutricionista para cada 5.000 alunos, cenário em que deveria haver um nutricionista RT e três nutricionistas do QT 44. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução CFN no465/2010. Dispõe sobre as atribuições do Nutricionista, estabelece parâmetros numéricos mínimos de referência no âmbito do Programa de Alimentação Escolar (PAE) e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 25 ago 2010; p. 1–8. .

Outras duas questões importantes mencionadas pelos nutricionistas são a carga horária semanal contratada de 20 horas e a diferença de vínculos empregatícios entre os profissionais, o que contribui para a redução da autonomia e para a rotatividade daqueles com vínculo de trabalho celetista. Diante deste cenário, o monitoramento e a execução das diretrizes do PNAE ficam comprometidos, dificultando a vigilância do estado nutricional dos alunos, a realização de atividades de educação alimentar e nutricional e a supervisão de todo o processo produtivo de refeições, desde a aquisição dos alimentos até a distribuição de forma a atender os princípios da segurança alimentar e nutricional, incluindo a garantia das condições higiênico-sanitárias adequadas 1111. Sousa AA, Silva APF, Azevedo E, Ramos MO. Cardápios e sustentabilidade: ensaio sobre as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Rev Nutr. 2015;28(2):217-29. https://doi.og/10.1590/1415-52732015000200010
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,1717. Mello AL, Vidal Júnior PO, Sampaio LR, Santos LAS, Freitas MCS, Fontes GAV. Perfil do nutricionista do Programa Nacional de Alimentação Escolar na Região Nordeste do Brasil. Rev Nutr. 2012;25(1):119-32. https://doi.og/10.1590/S1415-52732012000100011
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.

Quanto à participação da agricultura familiar na alimentação escolar, a porcentagem mínima de aquisição tornou-se obrigatória a partir de janeiro de 2010 33. Brasil. Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica..., e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 17 jun 2009; p. 11. , favorecendo a sustentabilidade, redução do êxodo rural e maior oferta de empregos com desenvolvimento local 66. Saraiva EB, Silva APF, Sousa AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400004
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. Neste estudo, a maioria (55,3%) dos municípios relatou realizar a compra de alimentos da agricultura familiar acima de 30% dos recursos financeiros federais. No entanto, esse percentual foi inferior ao encontrado por Ferigollo et al. 1818. Ferigollo D, Kirsten VR, Heckler D, Figueiredo OAT, Perez-Cassarino J, Triches RM. Aquisição de produtos da agricultura familiar para alimentação escolar em municípios do Rio Grande do Sul. Rev Saude Publica. 2017;51(6):1-10. https://doi.og/10.1590/S1518-8787.2017051006648
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(71,2%) em estudo realizado nos municípios do Rio Grande do Sul. De acordo com Saraiva et al. 66. Saraiva EB, Silva APF, Sousa AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400004
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, a região Sul destaca-se na produção da agricultura familiar e no abastecimento interno de alimentos, o que pode justificar sua experiência bem-sucedida. Alguns municípios do Rio de Janeiro ainda apresentam dificuldades, que, segundo os relatos, se referem principalmente à falta de agricultores com a declaração de aptidão ao Pronaf (DAP) para concorrer ao processo de chamada pública e à produção local insuficiente para atender à demanda da alimentação escolar. A DAP é utilizada para identificar e qualificar as unidades familiares de produção agrária e dá acesso a linhas de crédito do Pronaf e a outras políticas de compra pública do governo federal, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o PNAE. Segundo os agentes operadores do PNAE, o principal entrave está relacionado a questões burocráticas, como a existência de agricultores que não declaram ou declaram uma parcela reduzida das vendas por meio das notas fiscais, dificultando a comprovação da renda agrícola exigida para emissão da DAF.

Outra dificuldade relatada em relação à compra de alimentos da agricultura familiar está associada à falta de adequação da demanda da alimentação escolar à produção local. Alguns municípios, especialmente aqueles com características mais urbanas que rurais, apresentam produção insuficiente em quantidade e variedade dos gêneros alimentícios. Apesar de a legislação permitir a compra de agricultores de municípios vizinhos, alguns relatos apontaram que eles não mostram interesse de venda em virtude da logística de transporte dos gêneros alimentícios até as escolas. Saraiva et al. 66. Saraiva EB, Silva APF, Sousa AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400004
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, em estudo sobre o tema nas cinco regiões brasileiras, atribuíram o não atendimento da legislação à falta de planejamento adequado dos cardápios e à estimativa inadequada da demanda de alimentos necessários, ressaltando a importância da integração entre os compradores e os agricultores. São necessárias articulações entre os agricultores familiares e os gestores da alimentação escolar, concretizadas sob a forma de apoio técnico e logístico, pois facilitam a inserção dos produtores nos mercados e o acesso à chamada pública 1919. Bezerra OMPA, Bonomo E, Silva CAM, Correa MS, Souza AA, Santos PCT, et al. Promoção da aquisição de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar em Territórios da Correa MS, Cidadania de Minas Gerais e Espírito Santo. Rev Nutr. 2013;26(3):335-42. https://doi.og/10.1590/S1415-52732013000300008
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. Neste estudo foi observado que o número insuficiente de nutricionistas no programa, segundo opinião dos participantes, esteve associado ao percentual insuficiente de compras. Assim, considera-se que a adequação do número desses profissionais é um fator importante para a elaboração de cardápios adequados, com respeito à cultura local, para o estreitamento da relação com o agricultor familiar e, finalmente, para o cumprimento da legislação.

Em estudo realizado em municípios da região Sul e publicado em 2015 99. Gabriel CG, Goulart G, Calvo MCM. Gestão municipal do Programa Nacional de Alimentação Escolar nas capitais da região Sul do Brasil. Rev Nutr. 2015;28(6):667-80. https://doi.og/10.1590/1415-52732015000600009
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, foi observado apoio à participação do pequeno agricultor no PNAE. No entanto, apenas um dos três municípios avaliados atingiu o mínimo de 30%. Presume-se então que o sucesso da participação da agricultura familiar no PNAE vai além do apoio ao agricultor, sendo necessária a valorização e formação adequada do nutricionista para a atuação nesse processo. A abordagem de temas que extrapolam o campo da saúde, tais como a alimentação escolar e a segurança alimentar e nutricional, que abarcam questões relacionadas com a produção, abastecimento, comercialização, acesso e consumo alimentar, ocupam um lugar ainda incipiente na matriz curricular dos cursos de nutrição nas instituições de ensino superior públicas e privadas do país 2020. Recine E, Gomes RCF, Fagundes AA, Pinheiro ARO, Teixeira BA, Sousa JS, et al. A formação em saúde pública nos cursos de graduação de nutrição no Brasil. Rev Nutr. 2012;25(1):21-33. https://doi.og/10.1590/S1415-52732012000100003
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.

Saraiva et al. 66. Saraiva EB, Silva APF, Sousa AA, Cerqueira GF, Chagas CMS, Toral N. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):927-35. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400004
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destacaram a necessidade de inserir esse processo de compra nas diversas políticas públicas governamentais e destacam como fundamental o planejamento de estratégias capazes de enfrentar esses desafios. Dentre as estratégias, os autores descrevem a adequação das estruturas institucionais como fundamental e apontam como exemplo a assessoria técnica para agricultores, adequação da infraestrutura de logística e armazenagem, diagnóstico da realidade agrícola local e a criação de espaços de debate e planejamento com agricultores, gestores e escolas.

Conforme previsto no artigo 19 da Resolução 26 de junho de 2013 55. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional da Educação. Resolução/CD/FNDE No26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diario Oficial Uniao. 18 jun 2013; p. 1-44. , a compra de alimentos orgânicos deve ser priorizada no PNAE. O baixo percentual relatado de aquisição de alimentos orgânicos não apresentou relação com o quantitativo de nutricionistas do programa, podendo referir-se à dificuldade de parceria com associações de produtores de alimentos orgânicos e de planejamento ou à busca pelo melhor preço, pois seu custo superior aos alimentos convencionais dificulta a inclusão no planejamento dos cardápios para a alimentação escolar. Entretanto, segundo a legislação vigente, os produtos orgânicos ou agroecológicos podem ser adquiridos por um valor até 30% maior em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais 55. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional da Educação. Resolução/CD/FNDE No26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diario Oficial Uniao. 18 jun 2013; p. 1-44. .

O Programa de Alimentação Escolar Orgânica, presente em Santa Catarina, conta com recursos financeiros provenientes do estado 2121. Lima EE, Sousa AA. Alimentos orgânicos na produção de refeições escolares: limites e possibilidades em uma escola pública em Florianópolis. Rev Nutr. 2011;24(2):263-73. https://doi.og/10.1590/S1415-52732011000200007
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. Silva e Souza 2222. Silva APF, Sousa AA. Alimentos orgânicos da agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar do Estado de Santa Catarina, Brasil. Rev Nutr. 2013;26(6):701-14. https://doi.og/10.1590/S1415-52732013000600009
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, estudando a oferta e demanda de alimentos orgânicos para a alimentação escolar, observaram que em 2010 apenas 17,7% dos municípios de Santa Catarina realizaram compras desse tipo de alimento. Segundo relato dos nutricionistas, 42% afirmaram ter dificuldades na aquisição e utilização de alimentos orgânicos no PNAE, sendo as principais: falta de produtos no mercado, resistência das merendeiras em função da aparência dos alimentos, preço dos alimentos e falta de certificação orgânica.

Em relação ao controle social do programa, o estudo mostrou que alguns municípios têm carência de visitas do CAE às escolas, apresentando como principal justificativa a falta de transporte. Outras dificuldades apresentadas referem-se à falta de oferta de capacitação de seus membros e de adesão à participação nas atividades atribuídas pelos dispositivos legais. De acordo com a legislação 55. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional da Educação. Resolução/CD/FNDE No26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diario Oficial Uniao. 18 jun 2013; p. 1-44. , a EEx deve oferecer a infraestrutura necessária para o deslocamento dos membros do conselho, e o não cumprimento desse dever prejudica o monitoramento das diretrizes do programa. Resultados similares foram encontrados por Souza 2323. Souza AA. Atuação de conselheiros de alimentação escolar e nutricionistas responsáveis técnicos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar segundo suas atribuições legais: estudo em municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, 2009-2013 [dissertation]. Ouro Preto: Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto; 2015. , que observou um funcionamento precário dos CAE dos municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, destacando as condições de trabalho inadequadas dos conselheiros, aliadas ao desconhecimento das normativas e regimentos do programa. Promover espaços de formação para os membros do conselho é uma forma de fortalecer sua atuação como órgão fiscalizador e a aplicação adequada dos recursos financeiros na alimentação escolar.

Neste estudo, os participantes classificam a atuação do CAE nos municípios entre boa e regular, percepção que não está significativamente associada com as compras de produtos da agricultura familiar e alimentos orgânicos, nem com a realização de atividades de EAN. É importante considerar que se trata da percepção dos participantes e não de uma avaliação ou análise da atuação do órgão. Alguns estudos constataram que, em municípios nos quais o CAE realizou cerca de 20 reuniões ao ano, houve o impedimento da terceirização da alimentação escolar e o maior acompanhamento da elaboração e aceitação dos cardápios pelos alunos 1010. Bandeira LM, Chagas CMS, Gubert MB, Toral N, Monteiro RA. Análise dos pareceres conclusivos dos Conselhos de Alimentação Escolar sobre a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Rev Nutr. 2013;26(3):343-51. https://doi.og/10.1590/S1415-52732013000300009
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,2424. Belik W, Chaim NA. O Programa Nacional de Alimentação Escolar e a gestão municipal: eficiência administrativa, controle social e desenvolvimento local. Rev Nutr. 2009;22(5):595-607. https://doi.og/10.1590/S1415-52732009000500001
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, bem como a exigência de contratação de nutricionista para o programa, reforçando a influência prática dos conselhos na melhoria do PNAE 77. Gabriel CG, Costa LCF, Calvo MCM, Vasconcelos FAG. Planejamento de cardápios para escolas públicas municipais: reflexão e ilustração desse processo em duas capitais brasileiras. Rev Nutr. 2012;25(3):363-72. https://doi.og/10.1590/S1415-52732012000300006
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e no apoio à alimentação saudável.

Entre as diretrizes do PNAE, a necessidade de inserção da educação alimentar e nutricional no processo ensino-aprendizagem ganhou destaque. Para o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, não basta oferecer um cardápio adequado; são necessárias também ações educativas para melhor compreensão dos escolares, que estão em fase de desenvolvimento cognitivo 2525. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Conselho Deliberativo. Resolução/FNDE/CD No32 de 10 de agosto de 2006. Estabelece as normas para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE. Diario Oficial Uniao. 11 ago 2006; p. 32. . Tal inserção curricular vem sendo desenvolvida por meio de temas relacionados à segurança alimentar e nutricional, que integram alimentação, nutrição e práticas saudáveis de vida 33. Brasil. Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica..., e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 17 jun 2009; p. 11. . Destaca-se a importância da EAN, a partir da abordagem da segurança alimentar e nutricional, na ampliação dos sentidos atribuídos à alimentação saudável em uma perspectiva do DHAA entre os agentes da escola 2626. Barbosa NVS, Machado NMV, Soares MCV, Pinto ARR. Alimentação na escola e autonomia: desafios e possibilidades. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(4):937-45. https://doi.og/10.1590/S1413-81232013000400005
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.

Segundo o FNDE, a EAN é considerada como “o conjunto de ações formativas, de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que objetiva estimular a adoção voluntária de práticas e escolhas alimentares saudáveis, que colaborem para a aprendizagem, o estado de saúde do escolar e a qualidade de vida do indivíduo” 2727. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Ações educativas. Brasília, DF: FNDE; 2017 [cited 2017 Aug 15]. Available from: http://www.fnde.gov.br/acessibilidade/item/4119-ações-educativas
http://www.fnde.gov.br/acessibilidade/it...
. O estudo mostrou escassa realização de atividades educativas sobre alimentação e nutrição com a comunidade escolar como um todo, sendo que os municípios mais prejudicados foram aqueles com quantitativo insuficiente de nutricionistas, segundo opinião dos participantes. A ausência da inserção do tema na rede de ensino não contribui para a eficácia do PNAE, uma vez que a prática deve estar aliada à teoria para que ocorra uma construção significativa do conhecimento sobre a alimentação saudável.

Considerando o grande número de escolas para atuação de cada nutricionista nas atividades de EAN, sugere-se investir na formação dos atores da comunidade escolar que apresentam algum envolvimento com o programa, tais como professores, manipuladores de alimentos, diretores e pais, de forma a compartilhar vivências em alimentação e nutrição e contribuir para construção de um ambiente promotor da alimentação saudável. Gabriel et al. 99. Gabriel CG, Goulart G, Calvo MCM. Gestão municipal do Programa Nacional de Alimentação Escolar nas capitais da região Sul do Brasil. Rev Nutr. 2015;28(6):667-80. https://doi.og/10.1590/1415-52732015000600009
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, em estudo que avaliou a gestão municipal do PNAE nas três capitais da região Sul do Brasil, observaram ausência da atuação pedagógica na maioria das cidades estudadas. Apenas uma capital realizava projetos educativos sobre alimentação e nutrição envolvendo toda a rede de educação municipal. Uma das capitais realizou capacitação em EAN com alguns dos professores, porém não implementou a avaliação metodológica de formação. Duas capitais apresentaram o tema alimentação saudável inserido no currículo escolar, mas essa inserção foi considerada incipiente.

Apesar de as ações de EAN serem de caráter obrigatório e função do nutricionista inserido no PNAE 22. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Cartilha Nacional da Alimentação Escolar. Brasília, DF: FNDE; 2015 [cited 2017 Feb 18]. Available from: http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/116alimentacaoescolar?download=9572:pnae-cartilha-2015
http://www.fnde.gov.br/arquivos/category...
,44. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução CFN no465/2010. Dispõe sobre as atribuições do Nutricionista, estabelece parâmetros numéricos mínimos de referência no âmbito do Programa de Alimentação Escolar (PAE) e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 25 ago 2010; p. 1–8.,55. Ministério da Educação (BR), Fundo Nacional da Educação. Resolução/CD/FNDE No26, de 17 de junho de 2013. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Diario Oficial Uniao. 18 jun 2013; p. 1-44. , Mello et al. 1717. Mello AL, Vidal Júnior PO, Sampaio LR, Santos LAS, Freitas MCS, Fontes GAV. Perfil do nutricionista do Programa Nacional de Alimentação Escolar na Região Nordeste do Brasil. Rev Nutr. 2012;25(1):119-32. https://doi.og/10.1590/S1415-52732012000100011
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, em estudo realizado em municípios nordestinos, observaram que apenas 33% dos nutricionistas entrevistados as realizavam com frequência. A falta de estímulo, baixos salários e desvalorização da categoria profissional foram apontados como possíveis fatores para essa baixa frequência. Voos e Schuch 2828. Voos AC, Schuch I. Atuação do nutricionista no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009. Monografia para o Curso de Especialização em Saúde Pública , estudando a atuação do nutricionista no PNAE no estado do Rio Grande do Sul, observaram que os principais motivos relatados para não realização dessas atividades foram o baixo quantitativo de nutricionistas para atender à demanda e a falta de apoio e interesse dos governantes da cidade em resolver o problema.

Os resultados deste estudo devem ser interpretados considerando suas vantagens e limitações. Primeiro, a participação de diferentes agentes operadores do PNAE (nutricionistas, gestores e membros do CAE) de aproximadamente 40% dos municípios do estado sugere uma moderada representatividade do Rio de Janeiro. A inclusão de outros municípios pode contribuir com percepções socialmente diferentes e deve ser considerada em estudos futuros. Segundo, investigou-se a percepção dos agentes operadores sobre a execução do PNAE para que a realidade fosse retratada e interpretada de acordo com a posição que o profissional ocupa na estrutura organizacional do programa. Embora percepção e realização possam divergir, a percepção de que o programa não é atendido em algum aspecto justifica uma reflexão sobre sua execução. A identificação das percepções neste estudo revela os desafios enfrentados na execução do PNAE, propiciando a construção de novas perspectivas a serem direcionadas para a solução de problemas.

CONCLUSÕES

As percepções dos agentes operadores do PNAE foram pautadas na atuação do nutricionista no programa, na compra de alimentos da agricultura familiar e de orgânicos, na realização de atividades de EAN e na atuação do CAE como mecanismo de controle social. O quantitativo insuficiente de nutricionistas e o vínculo de trabalho inadequado foram considerados limitadores para o cumprimento de todas as funções atribuídas ao profissional. O número insuficiente de nutricionistas que atuam no programa mostrou associação significante com o percentual reduzido da compra de alimentos da agricultura familiar e de atividades de EAN no ambiente escolar. Estas, por sua vez, se mostraram escassas quando direcionadas para a promoção da alimentação saudável com a comunidade escolar. Apesar de a maioria dos respondentes ter classificado a atuação do CAE como boa, a ausência de oferta de cursos de capacitação aos conselheiros, a insuficiência de transporte para visita às escolas e a falta de engajamento de todos os membros na execução de suas funções no conselho são algumas das dificuldades atuais.

Assim, com base nas principais dificuldades vivenciadas pelos agentes operadores do programa, sugerem-se como eixos estratégicos de ações para o fortalecimento do PNAE: (1) contratação de nutricionistas em número suficiente para atender às demandas do PNAE, (2) investimento em atividades educativas de promoção da alimentação saudável no ambiente escolar, (3) capacitação dos membros do CAE e disponibilidade de veículos para transporte em visitas escolares e (4) apoio técnico, no âmbito da gestão municipal, aos agricultores familiares e de orgânicos, de modo a facilitar a organização e participação em programas de compras institucionais e oportunizar a diversificação da produção.

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  • Financiamento: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj – Processo E-26\210.236\2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2017
  • Aceito
    2 Ago 2018
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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