RESUMO
OBJETIVO
Analisar a alocação de recursos financeiros no Sistema Único de Saúde (SUS) no estado de São Paulo por nível de atenção, região de saúde, fonte de recursos e ente federado.
MÉTODOS
Trata-se de estudo exploratório circunscrito ao exercício de 2014. Os dados extraídos do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde estão apresentados em valores absolutos, relativos e per capita .
RESULTADOS
Em 2014 observou-se um gasto público com saúde de R$52,1 bi, sendo 58,0% relativos ao gasto dos municípios e 42,0% relativos ao gasto do governo do estado. O gasto regional per capita variou de R$561,75 a R$824,85. Já o gasto per capita com atenção primária à saúde, que representou 37,5% do gasto total dos municípios, foi menor na região da Grande São Paulo e maior em Araçatuba. A região de Campinas apresentou o maior gasto per capita com atenção de média e alta complexidade, enquanto Presidente Prudente teve o menor. O maior percentual regional da receita corrente líquida gasto com saúde foi verificado em Registro, e o menor na Grande São Paulo.
CONCLUSÕES
O paradigma de financiamento do setor da saúde em São Paulo revelou que o gasto com a atenção primária, nível eleito pela política de saúde como estratégico porque dele dependem a coordenação e o cuidado integral à saúde nas redes de atenção, não recebeu prioridade em relação ao gasto com a média e a alta complexidade, expondo as iniquidades nas regiões do estado.
Sistema Único de Saúde; Alocação de Recursos para a Atenção à Saúde, economia; Economia da Saúde; Política de Saúde
INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS) constitucionalizado, definido como direito de todos e dever do Estado, deve ser garantido por meio de políticas econômicas e sociais 11. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: 1988. . Objetivando corrigir um profundo déficit social acumulado durante décadas, o texto da constituição estabeleceu a seguridade social no Brasil e explicitou como o desenvolvimento do setor da saúde depende intrinsecamente das políticas sociais e econômicas. Dessa forma, ao analisar o setor da saúde, Soares 22. Soares A. O subfinanciamento da saúde no Brasil: uma política de Estado [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014 [cited 2017 Feb 14]. Available from: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/312960
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand... afirma que não é “possível tratar as questões da política de saúde de forma isolada, e sem considerar a sua articulação e dependência das questões econômicas, porque delas decorre, por exemplo, o nível de investimentos a serem realizados nessa política” (p. 31). As definições sobre o financiamento do setor saúde, que não constam na Constituição Federal de 1988 11. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: 1988. e nas Leis Orgânicas da Saúde 33. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 20 set 1990; Seção 1.,44. Brasil. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 31 dez 1990; Seção 1. , foram remetidas para discussão futura, o que ocorreu tardiamente e se consubstanciou, principalmente, na Emenda Constitucional 29/2000 55. Brasil. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Diario Oficial Uniao. 14 set 2000; Seção 1:1-2. (EC 29), na Lei Complementar 141/2012 66. Brasil. Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 16 jan 2012; Seção 1. , na Emenda Constitucional 86/2015 77. Brasil. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diario Oficial Uniao. 18 mar 2015; Seção 1. e na Emenda Constitucional 95/2016 88. Brasil. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o ato das disposições constitucionais transitórias, para instituir o novo regime fiscal, e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 16 dez 2016; Seção 1. , entre outras referências do marco legal e regulatório do SUS.
A articulação entre a política de saúde e a política econômica não foi suficiente para aumentar os gastos do governo federal com saúde nos momentos em que o Brasil observou crescimento econômico. Segundo Soares 22. Soares A. O subfinanciamento da saúde no Brasil: uma política de Estado [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014 [cited 2017 Feb 14]. Available from: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/312960
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand... , o gasto público federal com esse setor no período de 1995 a 2012 se manteve praticamente constante, girando em torno de 1,7% do produto interno bruto (PIB) e apresentando queda na sua participação percentual em relação ao orçamento geral da União (OGU), a receita corrente bruta (RCB) e a receita corrente líquida (RCL). Essa política de contenção dos gastos públicos com saúde contribuiu para que o governo federal aumentasse o superávit primário, que cresceu 659,0% no período, para garantir o pagamento de juros da dívida interna, que cresceu 264,0% no período.
Os resultados econômicos buscados e conquistados a partir de meados da década de 1990 estão alinhados com o projeto político e econômico vencedor que trouxe para o Brasil, entre outras coisas, a ideia da centralidade da política fiscal com prioridade para a realização de superávits primários e teve como consequência a financeirização dos orçamentos públicos 22. Soares A. O subfinanciamento da saúde no Brasil: uma política de Estado [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014 [cited 2017 Feb 14]. Available from: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/312960
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Essa política, a despeito da constitucionalização do direito a saúde, manteve o histórico subfinanciamento do setor público de saúde no país e aprofundou a crise de financiamento, na medida em que propiciou uma inflexão da participação dos entes federados nos gastos do setor em prejuízo dos entes subnacionais, estados e municípios, que possuem menor capacidade de arrecadação tributária. A transição do financiamento da saúde pública no Brasil, que ocorre mais claramente a partir da década de 1990, revela um movimento em direção a uma maior participação relativa dos estados e, principalmente, dos municípios nos gastos totais. Os gastos do governo federal com saúde, que representavam 74,4% do total dos gastos no Brasil em 1990, passaram a representar apenas 45,5% em 2012, enquanto os gastos dos estados subiram de 13,5% em 1990 para 26,8% em 2012, e o dos municípios de 12,1% para 28,2% nesse período 22. Soares A. O subfinanciamento da saúde no Brasil: uma política de Estado [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014 [cited 2017 Feb 14]. Available from: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/312960
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Essa transição nos gastos foi acompanhada pela transição nas obrigações de execução das ações e serviços públicos de saúde (ASPS), com maiores responsabilidades para os estados e municípios. Ela revela uma iniquidade no financiamento do sistema, na medida em que esses entes passam a gastar parcela significativa e cada vez maior de seus orçamentos com as despesas do setor da saúde, principalmente os municípios – os quais têm um piso de 15% da sua RCL para gastos com ASPS 66. Brasil. Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 16 jan 2012; Seção 1. e gastaram em 2014, em média, 22,9% 99. Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde - SIOPS. Indicadores Municipais: recursos próprios em saúde – EC 29. Brasília, DF; 2016 [cited 2016 Aug 2]. Available from: http://siops-asp.datasus.gov.br/CGI/tabcgi.exe?SIOPS/serhist/municipio/mIndicadores.def
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As bases do sistema de saúde no Brasil têm suas raízes nas recomendações descritas no Informe Dawson 1010. Organización Panamericana de la Salud. Informe Dawson sobre el futuro de los servicios médicos y afines, 1962. Washington, DC: OPS; 1964. (Publicación Científica; nº 93). do início do século XX e na Declaração de Alma-Ata 1111. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde; 6-12 set 1978; Alma-Ata, URSS. Declaração de Alma-Ata [cited 2016 Aug 1]. Available from: http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/07/Declara%C3%A7%C3%A3o-Alma-Ata.pdf
http://cmdss2011.org/site/wp-content/upl... do final da década de 1970 que, entre outras coisas, identifica na atenção primária à saúde (APS) uma potência para coordenar o cuidado integral de saúde e ordenar a rede de atenção 1212. Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Brasil). A atenção básica que queremos. Brasília, DF: Conasems; 2011. . A APS tem ainda o importante papel de organizar e racionalizar os recursos de todo o sistema 1313. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde; 2002. . A consolidação desse modelo – que pretende, entre outras coisas, a reorientação do financiamento do sistema de saúde – ganhou força principalmente a partir da edição da Norma Operacional Básica de 1993 (NOB 93), a qual iniciou o processo de transferência regular e automática de recursos do governo federal para os municípios e estados, acelerando o processo de investimentos dos municípios nesse nível de atenção 1414. Mendes A, Marques RM. O financiamento da Atenção Básica e da Estratégia Saúde da Família no Sistema Único de Saúde. Saude Debate. 2014;38(103):900-16. https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140079
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As discussões que se estenderam no âmbito das comissões intergestores do SUS, culminando com a publicação do Pacto pela Saúde 1515. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do referido pacto. Diario Oficial Uniao. 23 fev 2006; Seção 1. e da Política Nacional da Atenção Básica 1616. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 648, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diario Oficial Uniao. 29 mar 2006; Seção 1. em 2006, foram centrais para o desenvolvimento e a definição das prioridades e recursos para a política de APS no Brasil. A busca pela equidade na saúde, cujo objetivo é cumprir com o marco legal e regulatório do SUS, passa, entre outras coisas, pela análise do financiamento do setor.
Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a alocação de recursos no Sistema Único de Saúde no estado de São Paulo e, a partir do olhar para os investimentos realizados por nível de atenção, região de saúde, fonte de recursos e ente federado, discutir o instituinte e o instituído na política pública de saúde.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo exploratório, circunscrito ao exercício de 2014, desenvolvido a partir da coleta e análise de dados sobre a execução do orçamento do setor da saúde dos municípios e do governo do estado de São Paulo. Utilizou-se o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), fonte que permite a apuração e divulgação de forma institucional dos gastos com saúde, como base principal para a coleta das informações secundárias.
Os dados sobre a execução orçamentária foram extraídos do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) do banco de dados do SIOPS, organizados e apresentados em valores absolutos, relativos e per capita . Prioriza-se no estudo o comparativo entre os investimentos realizados em ações de APS, ações de média e alta complexidade (MAC) e ações de vigilância em saúde, sem desconsiderar os gastos com outras subfunções orçamentárias.
Como a política pública de saúde no Brasil utiliza o termo “atenção básica à saúde” (ABS) e não “APS”, adotamos o referencial teórico de Mello et al. 1717. Mello GA, Fontanella BJB, Demarzo MMP. Atenção Básica ou Atenção Primária à Saúde: origem e diferenças conceituais. Rev APS. 2009;12(2):204-13. , que descrevem a “atenção básica”, a “atenção primária” e a “atenção primária à saúde” como “conceitos indistinguíveis entre si” (p. 210). Com o objetivo de facilitar a diferenciação entre os níveis de atenção, utilizou-se o termo “MAC” para se referir à subfunção orçamentária “assistência hospitalar e ambulatorial”, o termo “vigilância em saúde” para se referir ao gasto total com as subfunções agregadas de “vigilância sanitária” e “vigilância epidemiológica” e o termo “assistência farmacêutica” para se referir à subfunção orçamentária “suporte profilático e terapêutico”.
Essa decisão de pesquisa foi tomada na medida em que a metodologia utilizada pelo Brasil em seu plano de contas de finanças públicas e nas contas-satélites de saúde que compõem o Sistema de Contas Nacional estabelece subfunções orçamentárias relacionadas aos níveis de atenção à saúde e trata o financiamento do sistema em blocos também relacionados a elas. Essas subfunções, no caso do setor da saúde, estão definidas no sistema de administração financeira e orçamentária como: atenção básica, assistência hospitalar e ambulatorial, vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, suporte profilático e terapêutico, alimentação e nutrição e outras subfunções.
Para efeito comparativo e de análise, os dados foram ajustados utilizando-se o recurso da correção do valor bruto por meio da eliminação do efeito populacional, resultando em valores per capita . Os dados populacionais foram extraídos da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para análise da cobertura populacional da APS e MAC, considerou-se o número de indivíduos cadastrados no Sistema de Informação da Atenção Básica do Ministério da Saúde (SIAB/MS) 1818. Sistema de Informação da Atenção Básica - SIAB. Brasília, DF: DATASUS; 1998 [cited 2016 Jul 31]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?siab/cnv/SIABFSP.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.... e o número de usuários que utilizam a saúde suplementar, extraídos do banco de dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde (ANS/MS) 1919. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Beneficiários por município. Brasília, DF: ANS; 2014 [cited 2016 Jul 31]. Available from: http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/tabnet?dados/tabnet_02.def
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Considerando que a política, o planejamento e a programação de saúde no estado de São Paulo são realizados por meio de uma estrutura regional coordenada por 17 departamentos regionais de saúde, na análise dos dados buscou-se estabelecer comparativos entre eles.
RESULTADOS
Inicialmente é importante destacar que verificou-se apropriação de gastos com saúde em subfunções inadequadas. Dos 645 municípios paulistas, 18 alocaram os gastos de recursos relativos às ações de APS na subfunção MAC e cinco alocaram os recursos da subfunção APS na rubrica “outras subfunções”. Também se constatou a alocação inadequada de gastos com atenção de MAC por 31,8% do total de municípios e de gastos com ações de vigilância em saúde por 21,2% dos municípios. Essas inadequações justificam o expressivo percentual de recursos alocados na rubrica “outras subfunções”. Verificou-se ainda que o governo do estado alocou os gastos com a folha de pagamento dos recursos humanos que desenvolvem ações de vigilância em saúde na subfunção MAC.
O estado de São Paulo apresentou no exercício de 2014 um gasto total com ASPS de R$51,8 bilhões, sendo R$29,9 bilhões (58,0%) relativos ao gasto dos governos municipais e R$21,9 bilhões (42,0%) relativos ao gasto do governo estadual ( Tabela 1 ). Neste montante verifica-se uma participação relativa de 22,1% de gastos com APS, 58,1% de gastos com MAC, 4,9% com assistência farmacêutica, 1,4% com vigilância em saúde, 0,01% com alimentação e nutrição e 13,4% com outras subfunções, o que corresponde a um gasto per capita de R$277,77, R$729,99, R$61,49, R$17,71, R$0,15 e R$168,40, respectivamente, para esses níveis de atenção e subfunções. Os municípios assumiram 96,3% do gasto total com APS em 2014. O gasto total per capita com ASPS no estado de São Paulo em 2014 foi de R$1.255,52.
Analisando os dados por regiões de saúde ( Tabela 2 ), observa-se que o gasto regional total per capita variou de R$597,71 a R$896,11, sendo Franca a região com menor gasto e Campinas a com maior gasto. Em relação à APS, verifica-se que três regiões apresentaram gastos per capita abaixo da média estadual, sendo a região da Grande São Paulo a que menos investiu (R$212,51). Das regiões que investiram acima da média do estado, o destaque é para a região de Araçatuba (R$490,72), seguida pelas regiões de Presidente Prudente, São José do Rio Preto, Registro, Bauru, Marília, Barretos, Bauru, Ribeirão Preto, Franca, Taubaté, Araraquara, Baixada Santista e Sorocaba.
Em relação à MAC, a região do estado que menos investiu em saúde foi Presidente Prudente (R$114,61), seguida por outras nove regiões com investimentos abaixo da média do estado. Foram sete as regiões que investiram em MAC acima da média do estado, a começar por Campinas (R$468,92), seguida pela Baixada Santista, São João da Boa Vista, Barretos, Sorocaba, Taubaté e Grande São Paulo.
A região de Ribeirão Preto foi a que mais investiu em ações de vigilância em saúde (R$36,14) e a região de Sorocaba a que menos investiu (R$8,41). Em relação à assistência farmacêutica, verifica-se que Campinas foi a região com maior gasto (R$25,45) e São João da Boa Vista a com menor gasto (R$2,23).
A execução orçamentária dos municípios do estado de São Paulo apresenta ainda um gasto médio per capita com outras subfunções da ordem de R$123,58, tendo na região de Franca o menor gasto (R$1,99) e na região de Piracicaba o maior gasto (R$197,53).
A cobertura de atenção à saúde pública no estado de São Paulo é de 36,0% para as ações de APS e de 57,4% para as ações de MAC. Esses dados posicionam o estado de São Paulo como o de menor cobertura de atenção à saúde no Brasil, exceto pela atenção básica no estado do Amapá 1818. Sistema de Informação da Atenção Básica - SIAB. Brasília, DF: DATASUS; 1998 [cited 2016 Jul 31]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?siab/cnv/SIABFSP.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.... ,1919. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Beneficiários por município. Brasília, DF: ANS; 2014 [cited 2016 Jul 31]. Available from: http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/tabnet?dados/tabnet_02.def
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A região com a menor cobertura de APS é Sorocaba (25,3%), tendo em contrapartida uma cobertura de MAC de 68,6%. A segunda região com menor cobertura de APS é Campinas, com 26,8%, sendo essa região a segunda menor cobertura na MAC no estado (51,8%). A terceira região com menor cobertura de APS é a Baixada Santista, com 30,6%, e uma cobertura de MAC de 59,1%. Em seguida vem a região de Ribeirão Preto, com 30,9% de cobertura na APS e 60,1% na MAC. As maiores coberturas de APS se verificam em Registro e Araçatuba, com 64,9%, sendo respectivamente a primeira (90,2%) e a quarta (75,0%) em MAC; seguidas por Presidente Prudente, com 61,3% de cobertura na APS e terceira em MAC (76,7%).
Na Tabela 3 apresenta-se a participação relativa regional dos gastos municipais com ASPS nos níveis de atenção e subfunções orçamentárias, utilizando como marcadores as regiões com maior gasto. Os dados demonstram uma heterogeneidade nos gastos, tendo as regiões de Araçatuba, Campinas, Ribeirão Preto, Campinas e Piracicaba os maiores gastos com APS, MAC, vigilância em saúde, assistência farmacêutica e outras subfunções, respectivamente. Os menores gastos são verificados nas regiões da Grande São Paulo, que representa 43,3% dos gastos da região de Araçatuba com APS; na região de Presidente Prudente, que representa 24,4% dos gastos da região de Campinas em ações de MAC; na região de Sorocaba, que representa 23,3% dos gastos da região de Ribeirão Preto com vigilância em saúde; na região de São João da Boa Vista, que representa 8,8% dos gastos da região de Campinas com assistência farmacêutica; e na região de Franca, que representa 1,0% dos gastos da região de Piracicaba com outras subfunções.
Considerando que a “Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde[...]” 2020. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diario Oficial Uniao. 22 out 2011; Seção 1. (p. 3), além das recomendações do Informe Dawson 1010. Organización Panamericana de la Salud. Informe Dawson sobre el futuro de los servicios médicos y afines, 1962. Washington, DC: OPS; 1964. (Publicación Científica; nº 93). e de Alma-Ata 1111. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde; 6-12 set 1978; Alma-Ata, URSS. Declaração de Alma-Ata [cited 2016 Aug 1]. Available from: http://cmdss2011.org/site/wp-content/uploads/2011/07/Declara%C3%A7%C3%A3o-Alma-Ata.pdf
http://cmdss2011.org/site/wp-content/upl... de que ações preventivas, protetoras e promotoras, devem compor o primeiro nível de atenção à saúde, apresentam-se neste estudo os dados da APS (agregando os valores referentes às subfunções vigilância em saúde, assistência farmacêutica e alimentação e nutrição) comparados aos dados da MAC ( Figura ). Nessa análise mais abrangente, verifica-se que não há alteração expressiva nos gastos com APS em relação aos comparativos regionais desagregados verificados na Tabela 3 quando utilizado o seu conceito ampliado e que as iniquidades nos gastos com esses níveis de atenção nas regiões de saúde do estado de São Paulo persistem.
Participação relativa regional dos gastos municipais com saúde por nível de atenção no estado de São Paulo, utilizando o conceito de atenção primária à saúde, 2014.
Em relação às fontes de financiamento que sustentaram os gastos com saúde dos municípios do estado de São Paulo no exercício de 2014 ( Tabela 4 ), verifica-se um investimento com recursos próprios de R$21,6 bilhões, o que corresponde a 72,1% de todo o investimento realizado com ASPS no âmbito dos municípios, enquanto as transferências intergovernamentais realizadas pelo governo federal e pelo governo do estado para os municípios somaram R$7,8 bilhões e a rubrica “outras fontes”, R$721 milhões. Juntas, essas duas fontes corresponderam a 27,9% do total investido. Salienta-se que em 2014, em relação a 2012, a participação relativa do governo federal nos gastos totais com saúde caiu de 40,5% para 37,4%, e que a participação da APS no total de recursos federais transferidos para estados e municípios foi reduzida de 34,0% para 31,0%.
A região de Campinas foi a que mais investiu recursos próprios em saúde em relação ao gasto total na região (76,8%), seguida por Registro (74,4%) e Franca (74,1%). As menores participações relativas nos gastos totais com saúde encontram-se nas regiões de Barretos (62,6%), Ribeirão Preto (63,1%) e Marília (62,7%).
Esses percentuais indicam que no estado de São Paulo os municípios participam majoritariamente com valores superiores aos demais entes federados para a manutenção das ASPS. Os investimentos municipais impactaram diretamente no percentual de recursos da RCL – recursos próprios do município – aplicados em saúde, com uma média de 23,8%, acima do percentual mínimo de 15% definido pela EC 29. Já o ente federado governo do estado de São Paulo aplicou em 2014 12,5% da sua RCL com ASPS ( Tabela 1 ), valor superior ao mínimo de 12% exigido pela EC 29, porém próximo dele.
A região de Campinas, a que mais investiu em saúde (R$896,11 per capita ), foi a sétima com maior aplicação de recursos próprios no setor (27,0%) e a segunda em capacidade de investimentos em função da receita de impostos e transferências constitucionais legais (RITCL), com R$2.346,31 per capita . A segunda região que mais investiu foi a Baixada Santista, com R$850,75 per capita , sendo a décima sexta (penúltima) em aplicação de recursos próprios na saúde (22,6%) e a primeira em capacidade de investimentos em função da RITCL (R$2.385,65 per capita ). A terceira região que mais investiu em saúde foi Barretos, com R$762,49 per capita , sendo a décima quarta em gasto com recursos próprios (24,8%) e a sétima em capacidade de investimentos em função da RITCL (R$1.825,80 per capita ). A região que menos investiu em saúde foi Franca, com R$597,71 per capita , sendo a sexta que menos investiu recursos próprios na saúde (27,0%) e a de menor capacidade de investimentos em função da RITCL (R$1.541,64 per capita ). O segundo menor gasto público regional com saúde se deu em Bauru, com R$646,61 per capita , sendo a nona região que mais investiu recursos próprios na saúde (26,3%) e a décima segunda com menor capacidade de investimentos em função da RITCL (R$1.671,71 per capita ). A terceira região com menor investimento foi Presidente Prudente, com R$653,88 per capita , sendo a décima quinta em investimento de recursos próprios (24,3%) e a décima com menor capacidade de gasto em função da RITCL (R$1.766,15).
DISCUSSÃO
O paradigma de financiamento do setor saúde do estado de São Paulo revelou o protagonismo dos municípios nos investimentos totais com ações e serviços públicos de saúde. A atenção primária à saúde, nível eleito pela política pública de saúde no Brasil como estratégico por que dele dependem a coordenação e o cuidado integral à saúde nas redes de atenção, recebeu prioridade na aplicação dos recursos em algumas regiões do estado; entretanto, assim como no nível de atenção de média e alta complexidade, isso ocorreu de forma desigual e com baixa cobertura.
O nível de investimento realizado pelos municípios, dadas as imposições do marco legal e regulatório do campo da saúde e a opção pelo modelo de atenção, ou encontrou o seu teto, ou está muito próximo dele. A partir disso, prevê-se grande dificuldade de expansão para a resolução dos problemas centrais no SUS estadual: a baixa cobertura e a correção das iniquidades regionais manifestas.
Esses problemas se estabeleceram e vêm se agravando no plano interno pela limitada contribuição do governo do estado para a elevação dos gastos em APS, dada sua opção por concentrar seus investimentos na MAC, e no plano externo, no qual se observa a impossibilidade de expansão dos recursos de origem federal, pois essa esfera de governo vem reduzindo sua participação relativa nos gastos totais com saúde e a participação relativa dos recursos da atenção primária, referentes às suas transferências fundo a fundo, no gasto total.
O sistema de saúde no Brasil, que conviveu com um subfinanciamento crônico desde a sua constitucionalização, está ameaçado por um desfinanciamento do setor decorrente da implementação de uma política econômica austera, que preside e subordina as políticas sociais. Essa política está centrada no ajuste fiscal por meio de cortes nas despesas primárias 2121. Soares A. O desabamento do edifício em São Paulo e a austeridade fiscal: tragédia anunciada. Monde Diplomatique Brasil. 2018 maio [cited 2018 Jul 13]. Available from: https://diplomatique.org.br/o-desabamento-do-edificio-em-sao-paulo-e-a-austeridade-fiscal/
https://diplomatique.org.br/o-desabament... nos vinte anos de vigência da Emenda Constitucional 95/2016 (de 2017 a 2036), o que, segundo estudos, deve impingir ao setor da saúde uma perda de recursos de R$415 bilhões para financiamento das ASPS 2222. Vieira FS, Benevide RPS. O direito à saúde no Brasil em tempos de crise econômica, ajuste fiscal e reforma implícita do Estado. Rev Estud Pesq Americas. 2016;10(3):1-28. . Desse modo, projeta-se a manutenção da tendência de queda na participação relativa da União nos gastos totais com ASPS, redução nos investimentos na APS proporcionalmente a outros níveis de atenção e manutenção das iniquidades regionais nos gastos.
Neste cenário, o presente estudo aponta para a insustentabilidade da política de atenção primária à saúde no estado de São Paulo nos próximos anos, na medida em que se verifica que os municípios participam com 96,3% dos gastos em APS no estado, mesmo no limite da sua capacidade de investimento médio da RCL municipal com saúde (23,8%).
A constatação de despesas alocadas em rubricas inadequadas, que pode trazer um viés na análise dos dados, representa uma limitação do estudo. Isso deve orientar os gestores de políticas públicas a qualificar as informações inseridas no SIOPS, dado que este sistema é fonte de informação para o desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil e base para estudos nacionais e internacionais que estabelecem comparativos de investimentos no campo da saúde entre entes federados e países.
A análise empreendida neste estudo leva a considerar que a correção de rumo do modelo de atenção à saúde instituído na política pública do estado de São Paulo deve passar pela implantação, de fato, da regionalização, com a consequente definição clara das responsabilidades dos entes federados pelas ações e serviços de saúde e a (re)pactuação do financiamento, como forma de alcançar maior equidade na alocação dos recursos e no acesso da população às ações e serviços em todos os níveis de atenção.
Uma das conquistas do campo da saúde e ensinamento do movimento da reforma sanitária, consubstanciado no texto constitucional, é que saúde se faz por meio de políticas econômicas e sociais; assim, as soluções para os dilemas atuais da saúde no Brasil e a correção de rumos apontada não podem, não devem e não estão restritas ao setor. Dessa forma, a discussão sobre o financiamento do SUS deve ser feita no contexto da seguridade social, da rediscussão do pacto federativo e da reforma tributária.
Por fim, considera-se importante que se empreendam pesquisas ampliando e articulando o alcance deste estudo para o nível nacional, contribuindo para a discussão e correção das iniquidades sistêmicas e sustentação do modelo de atenção à saúde que privilegia a atenção primária à saúde como coordenadora do cuidado integral e ordenadora da rede de atenção à saúde no Brasil.
Agradecimento
Ao Grupo de Apoio às Políticas de Prevenção e Proteção à Saúde da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) pelo suporte institucional.
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- Financiamento: Fundo Estadual para a Imunização em Massa e Controle de Doenças da SES/SP (apoio financeiro para esta publicação).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Maio 2019 - Data do Fascículo
2019
Histórico
- Recebido
6 Mar 2018 - Aceito
14 Ago 2018