RESUMO
OBJETIVO
Avaliar se grupo etário, complicações ou comorbidades estão associados ao tempo de internação de mulheres submetidas à cesariana.
MÉTODOS
Estudo transversal realizado entre junho de 2012 e julho de 2017, com 64.437 mulheres submetidas à cesariana e que não apresentaram condições adquiridas durante o tempo de permanência hospitalar. Os dados foram coletados a partir da alta hospitalar nas instituições nacionais de saúde, utilizando o sistema Diagnosis-Related Groups [Grupos de Diagnósticos Relacionados] (DRG Brasil®). Foram incluídos os DRG referentes à cesariana com complicações ou comorbidades adicionais ao diagnóstico inicial (DRG 765) e cesariana sem complicações ou comorbidades associadas (DRG 766). A influência do grupo etário e comorbidades ou complicações presentes na admissão sobre o tempo de permanência hospitalar foi avaliada por meio da análise de variância. O tamanho do efeito foi verificado pelo d de Cohen, que permite avaliar a relevância clínica. Os níveis de criticidade foram identificados utilizando o teste de Duncan.
RESULTADOS
O maior tempo de permanência hospitalar foi observado nos grupos etários de 15 a 17 anos e 45 anos ou mais. Mulheres que apresentaram complicações ou comorbidades presentes à admissão também apresentaram maior tempo de permanência hospitalar. Quantos aos níveis de criticidade, notou-se que seu aumento estava associado ao aumento na média do tempo de permanência hospitalar.
CONCLUSÕES
O tempo de permanência hospitalar de mulheres é maior entre aquelas pertencentes aos grupos etários de 15 a 17 anos e 45 anos ou mais. A presença de comorbidades associadas, como a eclâmpsia, o distúrbio hipertensivo pré-existente com proteinúria superposta e a hipertensão gestacional (induzida pela gravidez) com proteinúria significativa aumentam o tempo de permanência hospitalar. Este estudo possibilitou a construção de perfis distintos de níveis de criticidade a partir da combinação de grupos etários e das principais comorbidades, os quais se apresentaram diretamente relacionados ao tempo de permanência hospitalar.
Cesárea, reabilitação; Hospitalização; Tempo de Internação; Comorbidade; Fatores de Risco
INTRODUÇÃO
A prevalência da operação cesariana tem apresentado aumento em vários países do mundo nas últimas décadas11 Betrán AP , Ye J , Moller AB , Zhang J , Gülmezoglu AM , Torloni MR . The increasing trend in caesarean section rates: global, regional and national estimates: 1990-2014 . PLoS One . 2016 ; 11 ( 2 ): e0148343 . https://doi.org/10.1371/journal.pone.0148343
https://doi.org/10.1371/journal.pone.014... . No Brasil, em 1970, a taxa de cesáreas era de cerca de 15%, em 2001 passou para 38% e, em 2008, para 48,8%, representando 35% das vias de nascimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e 80% do setor privado. Em 2009, o número de cesáreas ultrapassou o de partos vaginais, representando 50,1% e, em 2012, 55,7%22 Mascarello KC , Horta BL , Silveira MF . Complicações maternas e cesárea sem indicação: revisão sistemática e meta-análise . Rev Saude Publica . 2017 ; 51 : 105 . https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051000389
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017... de todos os partos. Ressalta-se que a Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 1985, preconiza como taxa aceitável de cesárea um percentual entre 10% e 15%33 Organização Mundial de Saúde , Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa . Programa de Reprodução Humana. Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas . Genebra : OMS ; 2015 [ cited 2018 May 21 ]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf?sequence=3 >
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Contudo, considerando o perfil da população brasileira, em 2016 o Ministério da Saúde aprovou a Portaria 306, que aponta para a necessidade de ajuste dessa taxa em decorrência de fatores individuais, tais como características demográficas, clínicas e obstétricas das mulheres (paridade e cesariana prévia, entre outras), e estruturantes, como o modelo de atenção obstétrica. Dessa forma, atualmente a referida taxa situa-se entre 25% e 30% no país44 Ministério da Saúde (BR) , Secretaria de Atenção à Saúde . Portaria N° 306, de 28 de março de 2016. Aprova as Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana . 2016 . Brasília, DF ; 2016 [ cited 2018 May 21 ]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2016/prt0306_28_03_2016.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... .
Evidências mostram que, quando realizados desnecessariamente, os partos cirúrgicos podem levar a um maior risco de infecção puerperal, prematuridade e mortalidade neonatal, além de elevarem o tempo de internação hospitalar33 Organização Mundial de Saúde , Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa . Programa de Reprodução Humana. Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas . Genebra : OMS ; 2015 [ cited 2018 May 21 ]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf?sequence=3 >
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl... , 55 Villar J , Valladares E , Wojdyla D , Zavaleta N , Carroli G , Velazco A , et al . Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America . Lancet . 2006 ; 367 ( 9525 ): 1819 - 29 . https://doi.org/10.1016/S0140-6736(06)68704-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(06)68... . Por outro lado, observa-se diminuição das taxas de mortalidade materna e neonatal pelo parto cesariano em situações específicas, tais como na presença de placenta prévia ou de ruptura uterina, as quais tornam essa via de parto a mais segura66 Caughey AB , Cahill AG , Guise JM , Rouse DJ ; American College of Obstetricians ; Society for Maternal-Fetal Medicine . Safe prevention of the primary cesarean delivery . Am J Obstet Gynecol . 2014 ; 210 ( 3 ): 179 - 93 . https://doi.org/10.1016/j.ajog.2014.01.026
https://doi.org/10.1016/j.ajog.2014.01.0... . Pondera-se, portanto, que a cesariana pode apresentar impactos positivos para a saúde quando bem recomendada, como para reduzir o índice de hemorragias22 Mascarello KC , Horta BL , Silveira MF . Complicações maternas e cesárea sem indicação: revisão sistemática e meta-análise . Rev Saude Publica . 2017 ; 51 : 105 . https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051000389
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A probabilidade da realização de cesariana tem sido relacionada a fatores maternos, infantis e obstétricos, mas sem limitar-se a eles. Fatores maternos podem incluir idade, comorbidades pré-existentes, cesariana prévia e condições de saúde adquiridas durante a gravidez, entre outros. Fatores infantis incluem problemas identificados no período intraparto, como anomalias fetais, macrossomias e crescimento intrauterino restrito. Já os fatores obstétricos referem-se às condições relacionadas à gravidez atual, como deslocamento prematuro de placenta, prolapso de cordão e hemorragias77 Degani N , Sikich N . Caesarean delivery rate review: an evidence-based analysis . Ont Health Technol Assess Ser . 2015 ; 15 ( 9 ): 1 - 58 . .
Considerando que o tempo de permanência hospitalar das pacientes por motivo similar é heterogêneo, ou seja, há um coeficiente de variação devido à diferença na assistência nas diversas instituições de saúde e à diversidade nas características individuais das pacientes, principalmente das complicações e comorbidades presentes, o objetivo do estudo foi avaliar o impacto dessas condições clínicas e do grupo etário no tempo de internação das mulheres submetidas à cesariana.
A determinação da influência desses fatores intrínsecos à paciente no tempo de permanência hospitalar proporciona a oportunidade de se implantar mecanismos de gestão assistencial segura, a partir de referenciais de ajuste de risco clínico para tempo de internação hospitalar em cesariana.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo com delineamento transversal, realizado com 64.437 mulheres com idade entre 15 e 59 anos submetidas à cesariana, no período de junho de 2012 a julho de 2017. Foram consideradas todas as puérperas que tiveram alta para o domicílio e não apresentaram condições adquiridas durante o período de internação. Condições adquiridas referem-se a eventos adversos relacionados à assistência e que não são diretamente determinados pelas condições clínicas do paciente.
Os dados utilizados foram coletados utilizando o sistema Diagnosis-Related Groups [Grupos de Diagnósticos Relacionados] (DRG Brasil®), versão 9.04, a partir das altas hospitalares de instituições nacionais de saúde que atendem casos agudos, ou seja, aquelas em que a permanência média não ultrapassa os 30 dias88 Ministério da Saúde (BR) , Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde , Divisão Nacional de Organização de Serviços de Saúde . Terminologia básica em saúde . Brasília, DF : Centro de Documentação do Ministério da Saúde ; 1983 [ cited 2018 May 21 ]. ( Série B: Textos Básicos de Saúde; n. 4 ). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0113terminologia3.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... , 99 Noronha MF , Veras CT , Leite IC , Martins MS , Braga Neto F , Silver L . O desenvolvimento dos “Diagnosis Related Groups”- DRGs. Metodologia de classificação de pacientes hospitalares . Rev Saude Publica . 1991 ; 25 ( 3 ): 198 - 208 . https://doi.org/10.1590/S0034-89101991000300007
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A metodologia DRG é um sistema de classificação que leva em consideração o diagnóstico principal, comorbidades e complicações presentes à admissão, procedimentos realizados, idade e outras variáveis do paciente. Em cada DRG são agrupados pacientes clinicamente e economicamente homogêneos. Ou seja, os pacientes atribuídos a um mesmo DRG compartilham tanto similaridade clínica quanto de consumo de recursos institucionais, incluindo o tempo de permanência. Os DRG são organizados de acordo com o sistema fisiológico em grandes grupos diagnósticos denominados MDC ( Major Diagnostic Categories )1010 Cylus J , Irwin R . The challenges of hospital payment systems . Euro Observer . 2010 [ cited 2018 Jul 23 ]; 12 ( 3 ): 1 - 3 . Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0018/121743/EuroObserver_Autumn2010.pdf
http://www.euro.who.int/__data/assets/pd... , 1111 Mathauer I , Wittenbecher F . Hospital payment systems based on diagnosis-related groups: experiences in low- and middle-income countries . Bull World Health Organ . 2013 ; 91 ( 10 ): 746 - 756A . https://doi.org/10.2471/BLT.12.115931
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O desenho e o desenvolvimento do DRG começaram no final dos anos 1960 na Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América (EUA). Foi originalmente construído com o intuito de instrumentalizar a gestão hospitalar, viabilizando a mensuração e avaliação do desempenho dos hospitais99 Noronha MF , Veras CT , Leite IC , Martins MS , Braga Neto F , Silver L . O desenvolvimento dos “Diagnosis Related Groups”- DRGs. Metodologia de classificação de pacientes hospitalares . Rev Saude Publica . 1991 ; 25 ( 3 ): 198 - 208 . https://doi.org/10.1590/S0034-89101991000300007
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A metodologia DRG utilizada nos EUA foi adaptada ao Brasil no início dos anos 2000, por um grupo de pesquisadores vinculados à pós-graduação da Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma), a partir dos algoritmos para a classificação do Medicare Severity DRG (MS-DRG). Este grupo de pesquisadores desenvolveu o software DRG Brasil, que está em uso no país desde 2011.
A base de dados é gerada a partir de leitura de prontuários realizada por enfermeiros codificadores. A qualidade dos dados é continuamente auditada por médicos e enfermeiros especialistas do suporte do DRG Brasil®, com retorno dos erros potenciais às equipes codificadoras para reavaliação.
A base de dados atual do DRG Brasil® abrange aproximadamente 400 hospitais brasileiros (72% com atendimento à saúde suplementar e 28% à saúde pública), assim distribuídos de acordo com a região do país: 40,1% no Sudeste, 35,7% no Centro-Oeste, 17,6% no Sul, 5,5% no Norte e 1,1% no Nordeste. São em torno de 1 milhão e 500 mil registros de altas hospitalares codificados. Todos os diagnósticos clínicos, tanto o principal quanto os secundários, incluindo as complicações e comorbidades, são classificados segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID), décima revisão, oitava edição.
Neste estudo, foram incluídos os DRG referentes à cesariana com complicações ou comorbidades adicionais ao diagnóstico inicial (DRG 765) e cesariana sem complicações ou comorbidades associadas (DRG 766), que fazem parte do MDC14 (gestação, parto e puerpério). Os dados descritivos foram apresentados por frequências absolutas e relativas. O comportamento do tempo de permanência, em dia(s), foi avaliado por meio da média, desvio-padrão (DP) e percentis de interesse (p10, p25, p50, p75 e p90). Para avaliar o efeito do grupo etário e das comorbidades ou complicações presentes à admissão sobre o tempo de permanência hospitalar em mulheres submetidas à cesariana, utilizou-se a metodologia da análise de variância (ANOVA). Considerou-se, como variável dependente, o tempo de permanência hospitalar em dias de internação; como variável independente, o grupo etário (15 a 17, 18 a 24, 25 a 34, 35 a 44 e 45 anos ou mais) e as complicações e comorbidades presentes à admissão em pelo menos 40 indivíduos, avaliando um total de 81 complicações ou comorbidades.
Por se tratar de um estudo em grandes amostras, foi verificado o tamanho de efeito ( effect size ) das diferenças significativas, utilizando o d de Cohen para avaliar a significância, uma vez que pode ocorrer aumento da probabilidade do erro tipo I. Assim, a análise do tamanho do efeito permite avaliar a relevância clínica. Ele foi classificado em pequeno (d de Cohen < 0,40), moderado (d de Cohen entre 0,40 e 0,60) e grande (d de Cohen ≥ 0,60). Foram considerados fatores que influenciam no tempo de permanência hospitalar aqueles que tiveram efeito significativo (p < 0,05) na ANOVA e com tamanho de efeito igual ou superior a 0,40.
Ressalta-se que foram identificadas muitas variáveis com relevância estatística e prática. A existência de verdadeira associação significativa entre os CID foi verificada por avaliação clínica de cada CID, sendo desconsiderados aqueles que não tinham significado clínico isolado ou que se sobrepunham a outros CID já contemplados com d de Cohen ≥ 0,60.
Após a identificação dos fatores evidenciados pela ANOVA fatorial e d de Cohen, foram construídos todos os perfis possíveis a partir da combinação dos fatores com significância estatística e com significância prática. Foram realizadas comparações múltiplas de médias segundo o teste de Duncan ou LSD de Fisher para verificar entre quais perfis realmente existiam diferenças. O objetivo dessa análise foi comparar médias entre três ou mais grupos em relação a uma variável de nível intervalar (contínua ou discreta) de interesse para identificar possíveis níveis de criticidade diferentes. Os pressupostos para a utilização desta análise, a normalidade dos resíduos do modelo e a presença de variância constantes, foram verificados.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, sob o número 34133814.5.0000.5149. Foi obtida a dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
Observou-se maior tempo de permanência hospitalar de mulheres pertencentes aos grupos etários de 15 a 17 anos e 45 anos ou mais quando comparados com os demais grupos (18 a 24 anos, 25 a 34 anos e 35 a 44 anos), com diferenças estatisticamente significativas ( Tabela 1 ).
Em relação aos CID, de um total de 81 avaliados, foi identificada influência significativa de 63 deles. No entanto, 34 desses CID apresentaram efeito pequeno (d de Cohen < 0,40) – ou seja, apesar de existir significância estatística, não houve significância prática. Por isso, foram avaliados individualmente 29 CID, sendo que 12 mostraram uma relevância maior (d de Cohen ≥ 0,60) e os demais uma relevância moderada (d de Cohen entre 0,40 e 0,60), conforme demonstrado na Tabela 2 . Observa-se que o tempo de permanência hospitalar de mulheres submetidas à cesariana com complicações ou comorbidades foi maior que o das mulheres submetidas à cesariana sem complicações ou comorbidades para todos os CID.
Ao combinar o grupo etário e os 16 CID com relevância estatística e prática, foram identificados quatro níveis de criticidade entre mulheres submetidas à cesariana. O nível de criticidade 1 foi composto por mulheres submetidas à cesariana, independentemente do grupo etário e sem a ocorrência de complicações ou comorbidades presentes à admissão. O nível de criticidade 2 foi formado por mulheres de qualquer grupo etário submetidas à cesariana e com apenas uma complicação ou comorbidade presente à admissão, que não fosse dos CID O15, O11, O14, E14 e O12, ou a combinação dos CID O60 e 84 ( Quadro ). O nível de criticidade 3 foi constituído por mulheres do grupo etário de 18 a 44 anos que possuíam uma combinação de duas ou três complicações ou comorbidades presentes à admissão ou apenas os CID O11, O12, O14 e E14. O nível de criticidade 4 foi composto por mulheres pertencentes ao grupo etário de 15 a 17 anos e 45 anos ou mais, que apresentavam uma combinação de duas ou três complicações ou comorbidades presentes à admissão ou apenas os CID O11, O12, O14 e E14. Havia, também, mulheres de qualquer grupo etário que apresentavam CID O14 (hipertensão gestacional induzida pela gravidez com proteinúria significativa) combinado com qualquer outro CID com relevância estatística e prática que não fosse CID O15 (eclâmpsia). Mulheres que possuíam esse diagnóstico de eclâmpsia foram categorizadas, independentemente do grupo etário, no nível de criticidade 4 ( Quadro ).
Por fim, na Tabela 3 , verifica-se o tempo de permanência hospitalar segundo o nível de criticidade dos grupos. Observa-se que a média do tempo de permanência aumenta junto com o nível de criticidade.
Tempo de permanência hospitalar de mulheres submetidas à cesárea em relação aos níveis de criticidade das categorias diagnósticas relacionadas à MDC14. Brasil, 2012–2017.
DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou maior tempo de permanência hospitalar após cesárea em mulheres jovens (15 a 17 anos) e com idade mais avançada (45 anos ou mais) em relação às demais faixas etárias. Foi revelado ainda que as comorbidades associadas à gestação que mais aumentam o número de dias de internação são a eclâmpsia, o distúrbio hipertensivo pré-existente com proteinúria superposta e a hipertensão gestacional (induzida pela gravidez) com proteinúria significativa, entre outras. Além disso, o presente trabalho possibilitou a construção de perfis distintos de níveis de criticidade a partir da combinação de grupos etários e das principais comorbidades, os quais se apresentaram diretamente relacionados ao tempo de permanência hospitalar.
Estudo realizado em 30 países de baixa e média renda demonstrou que a média de internação após cesariana variou entre 2,5 e 9,3 dias nas localidades pesquisadas. Conforme os achados do presente estudo, um dos fatores associados ao maior tempo de permanência após o procedimento foi a idade materna avançada, assim como em estudo realizado nos Estados Unidos, no qual mais dias de internação foram associados a extremos de idade (< 18 ou > 35 anos) e a múltiplas comorbidades gestacionais1212 Campbell OM , Cegolon L , Macleod D , Benova L . Length of stay after childbirth in 92 countries and associated factors in 30 low- and middle-income countries: compilation of reported data and a cross-sectional analysis from nationally representative surveys . PLoS Med . 2016 ; 13 ( 3 ): e1001972 . https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001972
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.100... . Segundo os autores, conhecer os fatores de risco associados aos períodos prolongados de internação possibilita a realização de ações de monitoramento e vigilância durante a gestação, sobretudo na presença de mais de uma patologia1313 Van Otterloo L , Connelly C , Gould J , Abreo A , Main E . Mothers at risk: factors affecting maternal postpartum length of stay . J Perinat Neonatal Nurs . 2018 ; 32 ( 4 ): 303 - 14 . https://doi.org/10.1097/JPN.0000000000000342
https://doi.org/10.1097/JPN.000000000000... .
No Brasil, o número de mulheres com gestações tardias tem aumentado nos últimos anos1414 Alves NCC , Feitosa KMA , Mendes MES , Caminha MFC . Complicações na gestação em mulheres com idade maior ou igual a 35 anos . Rev Gaucha Enferm . 2017 ; 38 ( 4 ): e2017-0042 . c . Nota-se que isso ocorre por razões diversas, tais como maior dedicação ao estudo e profissão, alta disponibilidade de métodos contraceptivos, além de casamentos tardios e escolha de parceiros ideais1515 Aldrighi JD , Wal ML , Souza SRRK , Cancela FZV . As experiências das mulheres na gestação em idade materna avançada: revisão integrativa . Rev Esc Enferm USP . 2016 ; 50 ( 3 ): 512 - 21 . https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000400019
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600... . Contudo, a elevada faixa etária materna frequentemente associa-se a riscos gestacionais. Estudo de coorte retrospectiva realizada no Texas, com 96.879 participantes, demonstrou maiores taxas de pré-eclâmpsia, eclâmpsia e placenta prévia em gestantes de 40 anos ou mais do que naquelas de 35 a 39 anos1515 Aldrighi JD , Wal ML , Souza SRRK , Cancela FZV . As experiências das mulheres na gestação em idade materna avançada: revisão integrativa . Rev Esc Enferm USP . 2016 ; 50 ( 3 ): 512 - 21 . https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000400019
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600... . Assim como neste estudo, tais mulheres enquadram-se em níveis de criticidade superiores, os quais devem ser considerados no planejamento da permanência hospitalar pós-parto e do cuidado, proporcionando melhores desfechos perinatais.
Os resultados desta pesquisa evidenciaram que os distúrbios hipertensivos na gestação são as comorbidades mais associadas a períodos prolongados de internação após cesárea. Esses dados são confirmados por estudos anteriores, nos quais a presença dessas complicações associou-se a maiores taxas de cesarianas, prolongados períodos de internação e readmissão hospitalar, além de elevados custos para o sistema de saúde1515 Aldrighi JD , Wal ML , Souza SRRK , Cancela FZV . As experiências das mulheres na gestação em idade materna avançada: revisão integrativa . Rev Esc Enferm USP . 2016 ; 50 ( 3 ): 512 - 21 . https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000400019
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600... , 1616 Arya S , Mulla ZD , Plavsic SK . Outcomes of women delivering at very advanced maternal age . J Womens Health ( Larchmt ). 2018 ; 27 ( 11 ): 1378 - 84 . https://doi.org/10.1089/jwh.2018.7027
https://doi.org/10.1089/jwh.2018.7027... . Dessa forma, enfatiza-se a importância das ações de prevenção e promoção da saúde durante o pré-natal, a fim de minimizar a carga de morbidade e mortalidade materna populacional.
O presente estudo possibilitou ainda a estratificação das mulheres em quatro diferentes níveis de criticidade e demonstrou a necessidade de prolongamento do tempo de internação a partir da associação entre o somatório das comorbidades na gestação e a idade materna, mediante necessidades clínicas diversas. O reconhecimento dos diferentes riscos obstétricos e dos níveis de criticidade de mulheres submetidas à cesariana auxilia na proposição de estratégias que minimizem o tempo de internação hospitalar e subsidiem a tomada de decisão na prática clínica. Nesse sentido, o presente estudo ampara a criação de pontos de corte baseados na estratificação de risco dessas mulheres a fim de que elas recebam assistência adequada e segura a partir de uma estimativa do tempo esperado de hospitalização.
Cita-se como limitação destes achados a não representatividade da amostra, uma vez que os hospitais foram escolhidos de forma não aleatória. Foi utilizado o banco de dados disponível para os pesquisadores, uma amostra de conveniência que pode não representar a totalidade da rede hospitalar brasileira. Contudo, cabe destacar a potencialidade dos referenciais de risco aqui apresentados para subsidiar a atuação dos gestores e profissionais de saúde no sentido de planejar a assistência a gestantes e puérperas em todo o país.
O sistema DRG está associado à redução do tempo de internação após cesariana e de outros procedimentos obstétricos e ginecológicos, além de reduzir as taxas de partos cirúrgicos1717 Kim SJ , Han KT , Kim SJ , Park EC , Park HK . Impact of a diagnosis-related group payment system on cesarean section in Korea . Health Policy . 2016 ; 120 ( 6 ): 596 - 603 . https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2016.04.018
https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2016... . Essa metodologia possibilita a otimização do uso de recursos hospitalares aliada à melhoria da qualidade dos atendimentos e da segurança dos pacientes, impactando diretamente na redução das taxas de morbidade e mortalidade materna1818 Jung YW , Pak H , Lee I , Kim EH . The effect of diagnosis-related group payment system on quality of care in the field of obstetrics and gynecology among Korean tertiary hospitals . Yonsei Med J . 2018 ; 59 ( 4 ): 539 - 45 . https://doi.org/10.3349/ymj.2018.59.4.539
https://doi.org/10.3349/ymj.2018.59.4.53... .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo mostrou que o DRG é uma ferramenta que influencia na gestão de custos e de cuidados. Por meio dela, foi possível a criação de níveis de criticidade, o que possibilitou prever o tempo médio de permanência hospitalar de mulheres submetidas à cesariana. Caso o tempo de permanência fosse maior do que o calculado pelo método, seria indicativo de uma falha no processo assistencial que, consequentemente, poderia gerar aumento dos custos hospitalares e ônus ao paciente.
A avaliação do impacto das condições clínicas e do grupo etário no tempo de permanência hospitalar das mulheres submetidas à cesariana é, indubitavelmente, fator a ser considerado ao se pensar em qualidade e eficiência da assistência. Este estudo é, portanto, de importância para o planejamento do cuidado e da gestão hospitalar.
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
02 Set 2019 - Data do Fascículo
2019
Histórico
- Recebido
1 Ago 2018 - Aceito
21 Out 2018