Transtorno mental comum e condição socioeconômica em adolescentes do Erica

Isabel Batista da Silva Ribeiro Marcia Mara Correa Gabriela Oliveira Nágela Valadão Cade Sobre os autores

RESUMO

INTRODUÇÃO:

A adolescência é uma fase de grande demanda social, familiar e emocional, e a literatura tem relacionado o transtorno mental comum (TMC) com piores condições de vida.

OBJETIVO:

Investigar a relação entre TMC e a condição socioeconômica em adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos.

MÉTODO:

Estudo seccional com os dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica). O desfecho foi o TMC e a exposição foi a condição socioeconômica avaliada por raça/cor, escolaridade materna, relação morador/cômodo, tipo de escola, existência de empregada e banheiro no domicílio e atividade laboral. Para o cálculo das prevalências, foi utilizado o modo survey e, na análise multivariada, a regressão logística com p < 5%, assim como o intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS:

A prevalência de TMC em meninas foi 23,3% e em meninos, 11,1%. As variáveis associadas ao TMC nas meninas foram ter idade entre 15 e 17 anos (OR = 1,34; 1,17–1,51), estudar em escola privada (OR = 1,13; 1,01–1,27), ter empregada doméstica (OR = 1,15; 1,00–1,34) e, como fator de proteção, o trabalho não remunerado (OR = 0,64; 0,55–0,75). Os meninos também apresentaram maior chance de TMC na faixa etária mais alta (OR = 1,42; 1,18–1,71) e quando tinham empregada (OR = 1,26; 1,02–1,57), enquanto o trabalho não remunerado diminuiu essa chance (OR = 0,79; 0,67–0,95).

CONCLUSÃO:

As variáveis socioeconômicas que estiveram associadas ao TMC foram sugestivas de classe econômica mais elevada, enquanto o trabalho não remunerado favoreceu a saúde mental dos adolescentes, resultados contrários à literatura sobre condição socioeconômica e TMC.

DESCRITORES:
Adolescente; Transtornos Mentais, epidemiologia; Fatores de Risco; Fatores Socioeconômicos

INTRODUÇÃO

Os transtornos mentais comuns (TMC) referem-se a duas categorias diagnósticas principais, as depressivas e as de ansiedade, consideradas “comuns” por serem muito prevalentes na população. No entanto, elas têm impacto no humor e nos sentimentos, e os sintomas podem variar em gravidade e duração. A prevalência desses quadros tem aumentado, principalmente em países de baixa renda, pois, além de a população estar crescendo, mais indivíduos chegam a idades nas quais a depressão e a ansiedade aparecem11. Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. https://doi.org/10.1590/0102-311X00158412
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De forma isolada, o continente americano detém a maior prevalência de ansiedade, e o Brasil apresenta as maiores taxas dessas condições entre os países das Américas, com 9,3% da população brasileira com ansiedade e 5,8% com depressão22. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017..

De forma geral, apesar de ser mais prevalente na fase adulta, a depressão também ocorre em crianças e adolescentes com menos de 15 anos. Quanto à ansiedade, as taxas são semelhantes em todos os grupos etários – talvez menores em idosos22. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017..

Estudos sobre epidemiologia psiquiátrica têm mostrado uma associação consistente entre a desigualdade social e os TMC33. Patel V, Kleinman A. Poverty and common mental disorders in developing countries. Bull World Health Organ. 2003;81(8):609-15.,11. Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. https://doi.org/10.1590/0102-311X00158412
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. A maior vulnerabilidade dos indivíduos em pior condição socioeconômica advém da sensação de insegurança, falta de esperança e risco de violência. Por outro lado, os custos com a doença pioram a situação econômica44. Coutinho LMS, Matijasevich A, Scazufca M, Meneses PR. Prevalência de transtornos mentais comuns e contexto social: análise multinível do São Paulo Ageing & Health Study (SPAH). Cad Saude Publica. 2014;30(9):1875-83. https://doi.org/10.1590/0102-311X00175313
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No Brasil, na população adulta, os TMC têm se mostrado mais frequentes em mulheres, negros e em pessoas com estado civil “separadas” ou que têm um relacionamento considerado ruim com seu companheiro11. Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. https://doi.org/10.1590/0102-311X00158412
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. Também tem sido associado a eventos produtores de estresse, inexistência de apoio social, condições de trabalho precárias, desemprego, baixa escolaridade e renda, pequena posse de bens duráveis e más condições de moradia11. Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. https://doi.org/10.1590/0102-311X00158412
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,44. Coutinho LMS, Matijasevich A, Scazufca M, Meneses PR. Prevalência de transtornos mentais comuns e contexto social: análise multinível do São Paulo Ageing & Health Study (SPAH). Cad Saude Publica. 2014;30(9):1875-83. https://doi.org/10.1590/0102-311X00175313
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. A Organização Mundial da Saúde (OMS)22. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017. reitera essa ideia no que diz respeito à depressão enquanto TMC quando afirma que condições como pobreza, desemprego, eventos negativos de vida, rompimentos afetivos, doenças físicas e uso de álcool e drogas aumentam o seu risco.

Poucos artigos de base populacional com adolescentes foram encontrados, e parte deles, tanto no Brasil como no mundo, dão ênfase ao jovem com alguma doença crônica ou condição de vida como gravidez, imigração, insegurança alimentar e o efeito delas sobre a saúde mental; nesses estudos a prevalência alcançou 43%55. Nogueira KT, Lopes CS. Associação entre transtornos mentais comuns e qualidade de vida em adolescentes asmáticos. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(3):476-86. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000300011
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77. Marques FA, Legal EJ, Hofelmann DA. Insatisfação corporal e transtornos mentais comuns em adolescentes. Rev Paul Pediatria. 2012;30(4):553-61. https://doi.org/10.1590/S0103-05822012000400014
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. Nos poucos trabalhos brasileiros de base populacional, a prevalência variou entre 28 e 30% e foi mais elevada em meninas88. Pinheiro KAT, Horta BL, Pinheiro RT, Horta LL, Torres NG, Silva RA. Common mental disorders in adolescents: a population based cross-sectional study. Rev Bras Psiquiatria. 2007;29(3):241-5. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000040
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,99. Myer L, Stein DJ, Jackson PB, Herman AA, Seedat S, Williams DR. Impact of common mental disorders during childhood and adolescence on secondary school completion. S Afr Med J. 2009;99(5 Pt 2):354-6..

Especificamente abordando as questões socioeconômicas e TMC em jovens, estudos nacionais11. Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. https://doi.org/10.1590/0102-311X00158412
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,88. Pinheiro KAT, Horta BL, Pinheiro RT, Horta LL, Torres NG, Silva RA. Common mental disorders in adolescents: a population based cross-sectional study. Rev Bras Psiquiatria. 2007;29(3):241-5. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000040
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e internacionais99. Myer L, Stein DJ, Jackson PB, Herman AA, Seedat S, Williams DR. Impact of common mental disorders during childhood and adolescence on secondary school completion. S Afr Med J. 2009;99(5 Pt 2):354-6.1212. Patton GC, Coffey C, Romaniuk H, Mackinnon A, Carlin JB, Degenhardt L, et al. The prognosis o common metal disorders in adolescents: a 14-year prospective cohort study. Lancet. 2014;383(9926):1404-11. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)62116-9
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também o relacionam à baixa renda, baixa escolaridade da mãe e iniquidades de acesso à saúde, o que indica pior condição socioeconômica.

Um estudo de coorte inglês evidenciou que a baixa condição socioeconômica e consequente dificuldade material dos pais no nascimento dos filhos foi associada ao aumento da incidência precoce de sintomas depressivos na adolescência, e a presença de sintomas depressivos na infância e adolescência aumentaram em sete vezes a chance de depressão aos 18 anos1010. Joison C, Kounali D, Lewis G. Family socioeconomic position in early life and onset of depressive symptoms and depression: a prospective cohort study. Soc Psychiatry Psychiatric Epidemiol. 2017;52(1):95-103. https://doi.org/10.1007/s00127-016-1308-2
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.

Na Etiópia, 1.521 adolescentes de 17 a 21 anos foram avaliados quanto aos mecanismos pelos quais a insegurança alimentar associava-se aos TMC. Identificaram-se baixa posição socioeconômica, pais com poucos anos de estudo e famílias chefiadas por mulheres. Para os autores, piores condições de vida proporcionam exclusão social, estresse, diminuição do capital social e risco de violência para os jovens1111. Jebena MG, Lindstrom D, Belachew T, Hadley C, Lachat C, Verstraeten R, et al. Food insecurity and common mental disorders among Ethiopian youth: structural equation modeling. PloS One. 2016;11(11):e0165931. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0165931
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Em todo o mundo, cerca de 20% dos adolescentes têm problemas de saúde mental ou comportamentos disfuncionais, sendo a depressão o principal fator isolado que contribui para a carga mundial de doenças em indivíduos entre 15 e 19 anos. Destaca-se que há uma estreita relação entre depressão e ansiedade nessa fase da vida. Além disso, uma pior saúde mental em idades mais precoces pode predizer adoecimento mental na fase adulta, o que demostra a importância de conhecer o estado mental dos jovens, bem como sua relação com a situação econômica1212. Patton GC, Coffey C, Romaniuk H, Mackinnon A, Carlin JB, Degenhardt L, et al. The prognosis o common metal disorders in adolescents: a 14-year prospective cohort study. Lancet. 2014;383(9926):1404-11. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)62116-9
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.

Nessa premissa, este estudo objetiva investigar a relação entre transtorno mental comum e a condição socioeconômica de adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal utilizando dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), conduzido nos anos 2013 e 2014, que teve por objetivo conhecer a prevalência de síndrome metabólica, diabetes e fatores de risco cardiovascular em adolescentes de 12 a 17 anos devidamente matriculados em escolas públicas e privadas de municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.

Os dados foram coletados por pessoal treinado com o auxílio de questionário autopreenchível disponível em dispositivos eletrônicos, no qual os adolescentes respondiam aproximadamente 100 questões que compreendiam aspectos sociodemográficos, ocupação, atividade física, alimentação, uso de tabaco e bebidas alcoólicas, sono, morbidades, saúde reprodutiva, saúde bucal e saúde mental.. Informações referentes à escola foram coletadas diretamente pelos pesquisadores, sendo também enviado aos pais ou responsáveis o questionário com o intuito de obter maiores informações sobre escolaridade materna e histórico familiar de doenças cardiovasculares e metabólicas, assim como questões relativas às condições de nascimento e amamentação. Medidas antropométricas, aferição de pressão arterial e exames bioquímicos também foram colhidos1313. Bloch KV, Szklo M, Kuschnir MC, Abreu GA, Barufaldi LA, Klein CH, et al. The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents – ERICA: rationale, design and sample characteristics of a national survey examining cardiovascular risk factor profile in Brazilian adolescents. BMC Public Health. 2015;15(1):94. https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-x
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.

Neste estudo a variável desfecho foi o transtorno mental comum, avaliado pelo Questionário Geral de Saúde (GHQ) de Goldberg1414. Goldberg DP. The detection of psychiatric illness by questionnaire: a technique for the identification and assessment of non-psychotic psychiatric illness. London (UK): Oxford University Press; 1972. validado para a população brasileira, um índice unidimensional para mensurar a morbidade psicológica. A avaliação da análise fatorial do GHQ-12 em jovens de 16 a 24 anos residentes em Porto Alegre (RS) mostrou que a escala tem três fatores, autoestima, depressão e autoeficácia percebida, com capacidade para explicar 52,7% da variância total das respostas ao GHQ1515. Sarriera J, Schwarcz C, Câmara S. Bem-estar psicológico: análise fatorial da escala de Goldberg (GHQ-12) numa amostra de jovens. Psicol Reflex Crit. 1996;9(2):293-306.. Em pesquisa com australianos de 11 a 15 anos, foi evidenciado que os adolescentes interpretaram o GHQ-12 de maneira semelhante aos adultos1616. French DJ, Tait RJ. Measurement invariance in the General Health Questionnaire-12 in young Australian adolescents. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2004;13(1):1-7. https://doi.org/10.1007/s00787-004-0345-7
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Há várias maneiras de pontuar o GHQ. Foi utilizado o sistema binário com o ponto de corte 5, ou seja, considerou-se presença de TMC quando pelo menos 5 dos 12 itens foram respondidos com uma das duas últimas opções (“um pouco mais que de costume” ou “muito mais que de costume”). Há autores que optam por um escore que privilegie uma ótima relação entre sensibilidade e especificidade, utilizando 12 ou mais pontos em um sistema Likert de 0 a 3 pontos, ou seja, quatro ou mais questões com respostas positivas1717. Sithey G, Li M, Wen LM, Kelly PJ, Clarke K. Socioeconomic, religious, spiritual and health factors associated with symptoms of common mental disorders: a cross- sectional secondary analysis of data from Bhutan's Gross National Happiness Study, 2015. BMJ Open. 2018;8(2):e018202. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018202
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. Já outro estudo com dados do Erica1818. Moehlecke M, Blume CA, Cureau FV, Kielingc C, Schaan BD. Self-perceived body image, dissatisfaction with bodyweight and nutritional status of Brazilian adolescents: a nationwide study. J Pediatr (Rio J). 2018. No prelo. https://doi.org/10.1016/j.jped.2018.07.006
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utilizou um ponto de corte menor, de 3 pontos, privilegiando a sensibilidade do instrumento em vez da especificidade. Neste estudo optou-se pelo critério de 5 pontos devido a sua menor taxa de erro de classificação do TMC e ótima validade, com 73% de sensibilidade, 90% de especificidade e 61,2% de valor preditivo positivo1919. Patel V, Araya R, Chowdhary N, King M, Kirkwood B, Nayak S, et al. Detecting common mental disorders in primary care in India: a comparison of five screening questionnaires. Psychol Med. 2008;38(2):221-8. https://doi.org/10.1017/S0033291707002334
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. O próprio autor do GHQ demonstrou que o ponto de corte elevado proporciona maior sensibilidade (86,7%), especificidade (88,9%), valor preditivo positivo (71,2%) e área de curva ROC (0,94)2121. Erwling F, Barros ADJ. Como as mudanças na posse de bens afetam o indicador econômico nacional em 10 anos? Rev Saude Publica. 2017;51:10. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006517
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. O escore 5 foi utilizado também em jovens entre 16 e 24 anos de um estudo da Índia para avaliar os fatores associados ao TMC2020. Goldberg DP, Gatern R, Sartorius N, Ustun TB, Piccinelli M, Gureje O, et al. The validity of two versions of the GHQ in the WHO study of mental illness in general health care. Psychol Med. 1997;27(1):191-7. https://doi.org/10.1017/S0033291796004242
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.

Variáveis sociodemográficas constituíram a exposição: idade, raça/cor, escolaridade da mãe, relação morador/cômodo, quantidade de banheiros, presença de empregada doméstica, tipo de escola (pública ou privada), região da escola (urbana ou rural) e trabalho com ou sem remuneração. Devido ao grande percentual de perda de informação sobre classe econômica (em torno de 31%), essa variável não foi considerada nas análises; por isso, variáveis proxy da condição econômica, como presença de empregada doméstica e quantidade de banheiros, foram ponderadas2121. Erwling F, Barros ADJ. Como as mudanças na posse de bens afetam o indicador econômico nacional em 10 anos? Rev Saude Publica. 2017;51:10. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006517
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Para as análises, foi considerada uma amostra de 74.589 escolares, que preencheram as informações relativas a saúde mental, de um total de 102.327 elegíveis na faixa etária de 12 a 17 anos. Resultados de estudos prévios, inclusive utilizando a população do Erica, têm apontado de forma consistente prevalências de transtornos mentais comuns mais elevadas entre meninas quando comparadas aos meninos, justificando assim a apresentação dos resultados estratificados por sexo.

Para avaliação da associação entre as variáveis explicativas e TMC foi utilizado o teste do χ22. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017. de Pearson, com significância de 0,05 e o odds ratio com IC95% mediante regressão logística multinominal. As variáveis que foram associadas a TMC com p ≤ 0,20 entraram na análise multivariável. Foi realizado o ajuste das variáveis e mantida aquelas com significância estatística de 0,05. As análises foram corrigidas pelo delineamento complexo da amostra, utilizando-se o conjunto de comandos SVY do Stata versão 13.0.

O estudo foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa (CEP) da instituição da coordenação central do estudo (IESC/UFRJ – processo 45/2008) e das vinte e sete instituições de pesquisa participantes representantes dos estados. Para participação do estudo o adolescente assinava o termo de assentimento e, quando exigido pelo CEP local, os pais ou responsáveis assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido

RESULTADOS

Participaram deste estudo de base escolar 74.589 adolescentes de 12 a 17 anos dos 102.327 participantes elegíveis ao estudo maior. As 27.738 perdas, representando 27,1% da população total estudada, advieram da falta de informações sobre a variável TMC.

A prevalência geral de TMC, utilizando o escore de 5 ou mais, foi de 17,2% (IC95% 16,5–17,8), com diferença estatisticamente significante entre os sexos. A maior prevalência foi observada nas meninas, com 23,3% (IC95% 22,3–24,4), enquanto no sexo masculino o índice foi 11,1% (IC95% 10,2–11,9).

A distribuição da prevalência dos TMC, segundo sexo, por variáveis sociodemográficas, está apresentada na Tabela 1. As associações significativas na análise bivariada foram: estar na faixa etária de 15 a 17 anos (p < 0,001), ser da raça/cor asiática ou indígena para o grupo do sexo masculino (p = 0,045), ter empregada doméstica mensalista (p = 0,029 para o sexo feminino e p = 0,036 para o masculino), estar trabalhando atualmente de forma remunerada ou não remunerada para as adolescentes do sexo feminino (p < 0,001), estar trabalhando de forma não remunerada para adolescentes do sexo masculino (p = 0,001) e estudar em região urbana para as meninas (p = 0,021).

Tabela 1
Distribuição da presença e ausência de TMC segundo variáveis sociodemográficas em adolescentes. Erica, 2013–2014.

Na Tabela 2, pode-se observar a associação entre as variáveis independentes investigadas em relação ao desfecho. Todas com p < 0,20 foram consideradas possíveis fatores de confusão. Nota-se que, na análise multivariada ajustada, a associação entre TMC e as variáveis analisadas permanece mesmo com controle para possíveis fatores de confusão, exceto para as variáveis trabalho remunerado e região da escola, ambas para o sexo feminino. Observa-se que as meninas tiveram maior chance de TMC na faixa etária mais alta (OR = 1,34; IC95% 1,17–1,51), com presença de empregada doméstica mensalista no domicílio (OR = 1,15; IC95% 1,00–1,34) e educação em escola privada (OR = 1,13; IC95% 1,01–1,27), enquanto trabalhar de forma não remunerada reduziu essa chance em 36% (OR = 0,64; IC% 0,55–0,75). Para os meninos, os resultados foram semelhantes aos encontrados nas meninas, exceto para estudar em escola privada.

Tabela 2
Análise bruta e ajustada dos transtornos mentais comuns, segundo variáveis sociodemográficas. Erica, 2013–2014

DISCUSSÃO

Este estudo forneceu uma estimativa da prevalência de TMC, utilizando o GHQ com ponto de corte 5 e sua associação com exposições relacionadas à condição socioeconômica de adolescentes brasileiros. A prevalência geral e por sexo foi menor do que aquelas apresentadas em pesquisas nacionais com adolescentes em ambiente escolar77. Marques FA, Legal EJ, Hofelmann DA. Insatisfação corporal e transtornos mentais comuns em adolescentes. Rev Paul Pediatria. 2012;30(4):553-61. https://doi.org/10.1590/S0103-05822012000400014
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,88. Pinheiro KAT, Horta BL, Pinheiro RT, Horta LL, Torres NG, Silva RA. Common mental disorders in adolescents: a population based cross-sectional study. Rev Bras Psiquiatria. 2007;29(3):241-5. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000040
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,2222. Lopes CS, Abreu GA, Santos FD, Menezes RP, Carvalho KMB, Cunha CF, al. ERICA: prevalência de transtornos mentais comuns em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50 Supl 1:14s. https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016050006690
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. Todavia, diferentes instrumentos avaliativos têm sido utilizados, bem como formas de pontuar o GHQ, o que dificulta a comparação das prevalências.

O estudo de Lopes2222. Lopes CS, Abreu GA, Santos FD, Menezes RP, Carvalho KMB, Cunha CF, al. ERICA: prevalência de transtornos mentais comuns em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50 Supl 1:14s. https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016050006690
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, realizado também com os dados do Erica, mostrou prevalências mais elevadas, pois utilizou como ponto de corte o valor de 3 pontos, o que corresponde à sensibilidade do instrumento, enquanto este trabalho considerou o valor de 5, compatível com a especificidade do GHQ2020. Goldberg DP, Gatern R, Sartorius N, Ustun TB, Piccinelli M, Gureje O, et al. The validity of two versions of the GHQ in the WHO study of mental illness in general health care. Psychol Med. 1997;27(1):191-7. https://doi.org/10.1017/S0033291796004242
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. Portanto, esperava-se que a prevalência de TMC fosse menor neste estudo. Em trabalhos nacionais nos quais os adolescentes apresentavam alguma condição específica, as prevalências de TMC também se mostraram mais elevadas em relação a este estudo, evidenciando que adolescentes advindos dos serviços de saúde em tratamento de doenças crônicas apresentavam pior saúde mental55. Nogueira KT, Lopes CS. Associação entre transtornos mentais comuns e qualidade de vida em adolescentes asmáticos. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(3):476-86. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000300011
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,66. Rodrigues SMS, Almeida SS, Ramos EMLS. Suporte familiar e transtornos mentais comuns em adolescentes grávidas. Psicol Argumento. 2011;29(64):91-100..

Aqueles com idade entre 15 e 17 anos apresentaram maior prevalência de TMC que os mais jovens, por ser uma fase de maior carga de ansiedade devido à busca pela identidade, escolha profissional e inserção no mundo adulto2323. Carrano PCR, Marinho AC, Oliveira VNM. Trajetórias truncadas, trabalho e futuro: jovens fora de série na escola pública de ensino médio. Educ Pesq. 2015;41 nº espec:439-54. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201508143413
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. Como em outros estudos77. Marques FA, Legal EJ, Hofelmann DA. Insatisfação corporal e transtornos mentais comuns em adolescentes. Rev Paul Pediatria. 2012;30(4):553-61. https://doi.org/10.1590/S0103-05822012000400014
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,88. Pinheiro KAT, Horta BL, Pinheiro RT, Horta LL, Torres NG, Silva RA. Common mental disorders in adolescents: a population based cross-sectional study. Rev Bras Psiquiatria. 2007;29(3):241-5. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000040
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, as meninas apresentaram maior prevalência de TMC. A literatura relata que elas têm duas a três vezes mais ansiedade e depressão do que os meninos e uma melhor autopercepção de si e de sua saúde, expressam mais facilmente seus sintomas e apresentam com mais frequência o comportamento de busca por serviços de saúde11. Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica. 2014;30(3):623-32. https://doi.org/10.1590/0102-311X00158412
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. Em meninas, a existência de empregada doméstica mensalista no domicílio e o estudo em escola privada foram condições de risco para pior saúde mental, enquanto o trabalho não remunerado foi fator de proteção. Os resultados dos meninos foram semelhantes, exceto para estudar em escola privada.

Um levantamento realizado no Rio de Janeiro com adolescentes do ensino médio em escolas públicas mostrou que, mesmo sendo difícil para o jovem conciliar o trabalho com a escola, a experiência laboral possibilita mais independência, conquista da autonomia e delineamento de projetos de vida2323. Carrano PCR, Marinho AC, Oliveira VNM. Trajetórias truncadas, trabalho e futuro: jovens fora de série na escola pública de ensino médio. Educ Pesq. 2015;41 nº espec:439-54. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201508143413
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.

O trabalho não remunerado mais relatado pelos adolescentes do Erica foi a atividade doméstica. Em um estudo realizado em Portugal, os jovens que colaboraram com esse tipo de atividade apresentaram melhor rendimento escolar2424. Pestana L, Duarte J, Coutinho E, Chaves C, Nelas P, Amaral O. Repercussões das atividades domésticas e de lazer no rendimento escolar dos adolescentes. Rev INFAD Psicol. 2016;1(2):347-58. https://doi.org/10.17060/ijodaep.2016.n2.v1.581
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.

Estudos também evidenciaram que atividades extracurriculares têm sido associadas a efeitos benéficos no desenvolvimento dos adolescentes, no que diz respeito ao desempenho acadêmico, à autoestima e aos aspectos motivacionais e cognitivos, em contraste com o tempo livre não estruturado. Verificou-se efeito negativo para a adaptação emocional dos adolescentes quando a maior parte do seu tempo livre não é estruturado. Os que participam de atividades extracurriculares apresentam efeito protetor em relação a depressão, delinquência e comportamentos de risco como álcool, fumo e drogas2424. Pestana L, Duarte J, Coutinho E, Chaves C, Nelas P, Amaral O. Repercussões das atividades domésticas e de lazer no rendimento escolar dos adolescentes. Rev INFAD Psicol. 2016;1(2):347-58. https://doi.org/10.17060/ijodaep.2016.n2.v1.581
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,2525. Kort-Butler LA, Hagewen KJ. School-based extracurricular activity involvement and adolescent self-esteem: a growth-curve analysis. J Youth Adolesc. 2011;40(5):568-81. https://doi.org/10.1007/s10964-010-9551-4
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. Autores têm defendido que, quando não há exploração, a atividade laboral pode ser positiva para os adolescentes por possibilitar a expressão de habilidades, criatividade e favorecimento do desenvolvimento profissional do jovem2525. Kort-Butler LA, Hagewen KJ. School-based extracurricular activity involvement and adolescent self-esteem: a growth-curve analysis. J Youth Adolesc. 2011;40(5):568-81. https://doi.org/10.1007/s10964-010-9551-4
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.

Outra variável que esteve associada ao TMC neste estudo, sugerindo que a melhor condição de vida favorece uma pior saúde mental, foi estudar em instituição privada. Já foi observado um maior nível de estresse nos alunos de escola privada (77% deles) em relação aos alunos de escola pública (51%), com sintomas da fase mais grave sendo mais frequentes nos estudantes de classes mais elevadas; os autores do trabalho argumentam que esses jovens são mais cobrados por familiares e professores para obter um melhor desempenho acadêmico, de forma que consigam uma boa inserção futura em cursos de graduação2626. Faria RR, Weber LDN, Ton CT. O estresse entre vestibulandos e suas relações com a família e a escolha professional. Psicol Argumento. 2012;30(68):43-52..

A adolescência é um período de fragilidade para alguns jovens e pode potencializar o surgimento de eventos estressores e crises decorrentes de mudanças físicas, psicológicas, sociais e culturais. É característica dessa fase a demanda pela escolha de uma profissão, e com isso advém um período com mais atividades escolares e expectativa dos familiares ou própria quanto a resultados que viabilizem a concretização de um determinado futuro profissional.

Há trabalhos com a população de adolescentes que avaliaram TMC e encontraram associação com uma pior condição socioeconômica. Um deles, com adolescentes da Etiópia, observou que a probabilidade aumentava quando eles apresentavam insegurança alimentar, viviam em famílias de baixa escolaridade e chefiadas por mulheres e residiam em centros urbanos. Mediante um índex de riqueza, foi constatada redução de TMC nos jovens à medida que a riqueza do agregado familiar aumentava, evidenciando que a iniquidade social contribui para uma pior saúde mental1111. Jebena MG, Lindstrom D, Belachew T, Hadley C, Lachat C, Verstraeten R, et al. Food insecurity and common mental disorders among Ethiopian youth: structural equation modeling. PloS One. 2016;11(11):e0165931. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0165931
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. Um estudo de coorte acompanhou jovens dos 10 aos 18 anos quanto ao início dos sintomas depressivos e sua relação com a posição socioeconômica prévia da família, avaliada pela ocupação dos pais, anos de estudo da mãe e padrão de vida (dificuldades materiais, casa própria e acesso a carro). Houve associação entre depressão aos 18 anos e exposição a problemas financeiros e dificuldades materiais1010. Joison C, Kounali D, Lewis G. Family socioeconomic position in early life and onset of depressive symptoms and depression: a prospective cohort study. Soc Psychiatry Psychiatric Epidemiol. 2017;52(1):95-103. https://doi.org/10.1007/s00127-016-1308-2
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. Uma avaliação da população geral a partir de 15 anos encontrou associação entre TMC e baixa renda e analfabetismo, entendendo que fatores socioeconômicos impactam a saúde mental em todas as fases da vida1717. Sithey G, Li M, Wen LM, Kelly PJ, Clarke K. Socioeconomic, religious, spiritual and health factors associated with symptoms of common mental disorders: a cross- sectional secondary analysis of data from Bhutan's Gross National Happiness Study, 2015. BMJ Open. 2018;8(2):e018202. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018202
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. No Brasil, adolescentes com mães de menor escolaridade tiveram maior prevalência de TMC que os filhos de mães com mais de oito anos de estudo77. Marques FA, Legal EJ, Hofelmann DA. Insatisfação corporal e transtornos mentais comuns em adolescentes. Rev Paul Pediatria. 2012;30(4):553-61. https://doi.org/10.1590/S0103-05822012000400014
https://doi.org/10.1590/S0103-0582201200...
,88. Pinheiro KAT, Horta BL, Pinheiro RT, Horta LL, Torres NG, Silva RA. Common mental disorders in adolescents: a population based cross-sectional study. Rev Bras Psiquiatria. 2007;29(3):241-5. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000040
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.

Os estudos com adolescentes têm trabalhado mais com a escolaridade materna enquanto posição socioeconômica. Neste estudo, essa informação foi dada pelo próprio adolescente, em instrumento autopreenchido, e evidenciou-se incompletude dos dados referentes à escolaridade do chefe de família, condição que inviabilizou a classificação econômica. Nesse sentido, postula-se que possa ter havido um viés de informação quanto à escolaridade da mãe, e que o uso de outras variáveis proxy possa ter proporcionado uma maior compreensão das perguntas.

As variáveis utilizadas para avaliar a condição de vida e a socioeconômica neste estudo foram um proxy, como raça/cor, anos de estudo da mãe, número de moradores por cômodo, número de banheiros, presença de empregada doméstica mensalista, tipo de escola, localidade da escola e atividade ocupacional do jovem. Diante dos resultados, temos que questionar se essas medidas expressam a condição socioeconômica dos adolescentes.

Ewerling et al.2121. Erwling F, Barros ADJ. Como as mudanças na posse de bens afetam o indicador econômico nacional em 10 anos? Rev Saude Publica. 2017;51:10. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006517
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avaliaram a posse de bens pelo indicador econômico nacional, também comum ao Critério Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, ambos foram criados como um proxy que expressasse a riqueza das residências. O estudo trabalhou com dados de inquéritos bianuais realizados em Pelotas (RS) nos anos entre 2002 e 2014, e somente em 2012 havia adolescentes. Neste estudo, foram utilizadas de forma isolada três dessas variáveis: empregada mensalista, banheiro e relação morador/cômodo – marcadores de domicílios ricos2121. Erwling F, Barros ADJ. Como as mudanças na posse de bens afetam o indicador econômico nacional em 10 anos? Rev Saude Publica. 2017;51:10. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006517
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.

A avaliação da relação entre pobreza e saúde mental em países de baixa e média renda tem mostrado resultados distoantes, possivelmente pelo tipo de variáveis selecionadas para avaliar a condição socioeconômica, não alicerçadas por uma definição de pobreza. Em estudos com variáveis socioeconômicas como educação, renda e outras, é comum ver uma associação positiva na análise bivariada que enfraquece, desaparece ou fica negativa na análise ajustada2727. Cooper S, Lund C, Kakuma R. The measurement of poverty in psychiatric epidemiology in LMICs: critical review and recommendations. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2012;47(9):1499-516. https://doi.org/10.1007/s00127-011-0457-6
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. Isso ocorreu também neste estudo, pois a escolaridade materna só mostrou diferença na análise bruta, que não se manteve na análise ajustada.

Os problemas de medição utilizando instrumentos de triagem como o GHQ, a maneira de medir a variável pobreza e os fatores populacionais podem explicar a variabilidade da associação encontrada nos estudos também pelos fatores de mediação da relação entre pobreza e TMC. Por outro lado, saber que a pobreza causa TMC não exclui o inverso, e estudos de coorte são necessários. Há dimensões específicas da pobreza que levam ao TMC, e os caminhos a serem percorridos são complexos, pois a posição socioeconômica é uma construção social e multidimensional1010. Joison C, Kounali D, Lewis G. Family socioeconomic position in early life and onset of depressive symptoms and depression: a prospective cohort study. Soc Psychiatry Psychiatric Epidemiol. 2017;52(1):95-103. https://doi.org/10.1007/s00127-016-1308-2
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.

Como limitações do estudo, destaca-se que todos os instrumentos utilizados com crianças e adolescentes são passíveis de vieses de informação. O GHQ-12 é um instrumento amplamente validado em adultos, mas ainda carece de mais estudos em adolescentes. Todavia, encontraram-se estudos da análise fatorial do GHQ-12 aplicado em jovens brasileiros1414. Goldberg DP. The detection of psychiatric illness by questionnaire: a technique for the identification and assessment of non-psychotic psychiatric illness. London (UK): Oxford University Press; 1972. e australianos1616. French DJ, Tait RJ. Measurement invariance in the General Health Questionnaire-12 in young Australian adolescents. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2004;13(1):1-7. https://doi.org/10.1007/s00787-004-0345-7
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, e um estudo longitudinal que avaliou a sensibilidade cultural do instrumento evidenciou que ele é culturalmente sensível para diversos grupos étnicos na Inglaterra2828. Bowe A. The cultural fairness of the 12-item General Health Questionnaire among diverse adolecents. Psychol Assess. 2017;29(1):87-97. https://doi.org/10.1037/pas0000323
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. Ainda há diferentes formas de pontuação, o que dificulta sobremaneira a comparação dos resultados com outros estudos. No entanto, ele tem sido o instrumento de escolha em estudos epidemiológicos sobre o tema, seja com adultos ou jovens.

As variáveis socioeconômicas que estiveram associadas positivamente a TMC nos adolescentes, como ter empregada e estudar em escola privada, são sugestivas de pertencimento a classes econômicas mais elevadas e sugerem que isso pode proporcionar um ambiente gerador de alterações do humor. O trabalho não remunerado favoreceu a saúde mental dos adolescentes e representa um tipo de atividade que limita a ociosidade e a exposição a ambientes de risco. Os resultados foram distintos da literatura sobre condição socioeconômica e TMC; recomenda-se a realização de outros estudos com adolescentes brasileiros para averiguar a validação externa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2018
  • Aceito
    03 Maio 2019
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br