Perfil dos hospitais gerais do Sistema Único de Saúde

Laura de Almeida Botega Mônica Viegas Andrade Gilvan Ramalho Guedes Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Caracterizar a organização dos hospitais gerais brasileiros que prestam serviço ao Sistema Único de Saúde por meio de indicadores que descrevem as principais dimensões do cuidado hospitalar.

MÉTODOS

Estudo observacional transversal para o ano de 2015, compreendendo o universo dos hospitais gerais que atendem o Sistema Único de Saúde. Os indicadores hospitalares foram construídos a partir de duas bases de dados administrativos nacionais: o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. Os indicadores contemplam as principais dimensões associadas ao cuidado hospitalar: mix público-privado, produção, fatores de produção, desempenho, qualidade, case-mix e abrangência geográfica. A análise de classes latentes dos indicadores com implementação do bootstrapping foi utilizada para a identificação dos perfis hospitalares.

RESULTADOS

Foram identificados três perfis, sendo porte hospitalar a variável com grau de pertencimento mais elevado. Os hospitais pequenos apresentam baixas taxas de ocupação (21,36%) e elevada participação de internações que poderiam ter sido solucionadas com cuidado ambulatorial, além de atenderem somente a média complexidade. Recebem poucos não residentes, indicando que estão dedicados praticamente à população local. Os hospitais de médio porte se assemelham mais aos de pequeno porte: cerca de 100% dos atendimentos são de média complexidade, baixa taxa de ocupação (45,81%), elevada taxa de internações por condições sensíveis à atenção primária (17,10%) e relativa importância no atendimento de não residentes (26%). Os hospitais grandes realizam os atendimentos de alta complexidade, têm taxa de ocupação média de 64,73% e apresentam maior abrangência geográfica.

CONCLUSÕES

Os indicadores apontam três perfis de hospitais, caracterizados principalmente pela escala de produção. Os hospitais de pequeno porte apresentam baixa performance, sugerindo a necessidade de reorganização da oferta do cuidado hospitalar, principalmente no nível municipal. O conjunto dos indicadores propostos inclui as principais dimensões do cuidado hospitalar, fornecendo uma ferramenta que pode ser utilizada no planejamento e monitoramento contínuo da rede hospitalar do Sistema Único de Saúde.

Hospitais Gerais, organização & administração, indicadores; Assistência à Saúde, classificação; Administração Hospitalar; Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

No Brasil, assim como em quase todos os países, o gasto hospitalar é um componente importante nas despesas totais com saúde. No período de 2010 a 2014, representou em média 36%, próximo ao observado para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 38%11. Ministério da Saúde (BR), Fundação Oswaldo Cruz. Contas do SUS na perspectiva da contabilidade internacional: Brasil, 2010-2014. Brasília, DF; 2018.,22. Organisation for Economic Co-operation and Development. Health at a glance 2015: OECD indicators. Paris: OECD; 2015. https://doi.org/10.1787/health_glance-2015-en
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. A elevada participação do setor hospitalar no gasto total com saúde se deve principalmente à natureza dos serviços prestados. Diferentemente da maior parte das unidades produtivas, os hospitais são caracterizados como unidades multiprodutoras de serviços de diagnóstico e tratamento que exigem uma infraestrutura especializada e uso intensivo de tecnologias e recursos humanos. Além disso, a introdução de novas tecnologias no cuidado hospitalar é dinâmica, verificando-se a geração contínua de novos equipamentos, medicamentos e processos. Essas novas tecnologias, além de mais dispendiosas, em geral não são substitutivas, determinando elevação dos gastos.

Os gastos hospitalares podem também estar associados à natureza do prestador e à forma de gestão do hospital, aos sistemas de contratação e de pagamento dos prestadores e à presença de indução de demanda33. Rosenthal MB, Frank RG. What is the empirical basis for paying for quality in health care? Med Care Res Rev. 2006;63(2):135-57. https://doi.org/10.1177/1077558705285291
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. O tipo de gestão hospitalar determina o nível de autonomia administrativa, impactando diretamente nas decisões de compra de insumos (sistemas de controle de estoque), capacidade de introdução de protocolos de cuidado e existência de sistemas de gerenciamento de custos e organização do cuidado88. Andrade EO, Andrade EN, Gallo JH. Estudo de caso de oferta induzindo a demanda: o caso da oferta de exames de imagem (tomografia axial computadorizada e ressonância magnética) na Unimed-Manaus. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(2):138-143. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000200009
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. Hospitais privados apresentam em geral maior autonomia de gestão, o que acaba resultando na presença de sistemas de gerenciamento de risco, segurança e custos mais informatizados e integrados, além de apresentarem maior chance de modernização1010. Vecina Neto G, Malik AM. Tendências na assistência hospitalar. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(4):825-39. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000400002
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. As formas de contratação e de pagamento definem a estrutura de incentivos sob as quais os prestadores irão realizar o cuidado77. Santos MAB, Servo LMS. A provisão dos serviços e ações do SUS: participação de agentes públicos e privados e formas de produção/remuneração dos serviços. In: Marques RM, Piola SF, Roa AC, organizadores. Sistema de Saúde no Brasil: organização e financiamento. Rio de Janeiro: ABrES; Brasília, DF: Ministério da Saúde, OPAS; 2016. p. 205-46.,99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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. Em sistemas com predominância do pagamento por procedimento, por exemplo, há claramente incentivos à ampliação da produção66. Santos TT. Evidências de indução de demanda por parto cesáreo no Brasil [dissertação]. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais; 2011.,88. Andrade EO, Andrade EN, Gallo JH. Estudo de caso de oferta induzindo a demanda: o caso da oferta de exames de imagem (tomografia axial computadorizada e ressonância magnética) na Unimed-Manaus. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(2):138-143. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000200009
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. No Brasil, principalmente no setor privado, predomina o pagamento por procedimento, enquanto nos hospitais públicos há maior diversidade de estruturas de remuneração77. Santos MAB, Servo LMS. A provisão dos serviços e ações do SUS: participação de agentes públicos e privados e formas de produção/remuneração dos serviços. In: Marques RM, Piola SF, Roa AC, organizadores. Sistema de Saúde no Brasil: organização e financiamento. Rio de Janeiro: ABrES; Brasília, DF: Ministério da Saúde, OPAS; 2016. p. 205-46.. No Sistema Único de Saúde (SUS), existe nos hospitais a contratação direta de médicos e profissionais. Neste caso, a remuneração é por salário. Há também o pagamento por meio de autorização de internações hospitalares (AIH) e o pagamento por procedimentos, como na alta complexidade e atenção ambulatorial77. Santos MAB, Servo LMS. A provisão dos serviços e ações do SUS: participação de agentes públicos e privados e formas de produção/remuneração dos serviços. In: Marques RM, Piola SF, Roa AC, organizadores. Sistema de Saúde no Brasil: organização e financiamento. Rio de Janeiro: ABrES; Brasília, DF: Ministério da Saúde, OPAS; 2016. p. 205-46..

Por fim, a presença de indução de demanda é um dos elementos mais importantes na explicação dos gastos crescentes com saúde em quase todos os países. Ela está relacionada principalmente aos incentivos financeiros e às preferências dos prestadores que detêm o poder de decisão, sobretudo, do cuidado hospitalar33. Rosenthal MB, Frank RG. What is the empirical basis for paying for quality in health care? Med Care Res Rev. 2006;63(2):135-57. https://doi.org/10.1177/1077558705285291
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, sendo ainda intensificada com o dinamismo do mercado na criação de novas tecnologias88. Andrade EO, Andrade EN, Gallo JH. Estudo de caso de oferta induzindo a demanda: o caso da oferta de exames de imagem (tomografia axial computadorizada e ressonância magnética) na Unimed-Manaus. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(2):138-143. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000200009
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. Para a maior parte dos cuidados com a saúde, especialmente curativos, o princípio da soberania do consumidor não é válido, passando a ser de responsabilidade do prestador a escolha do serviço de saúde a ser consumido, o que determina uma oportunidade para a prática da indução de demanda.

Outro elemento importante que impacta a performance do setor hospitalar é a organização do sistema de saúde e consequentemente a forma de entrega dos serviços de saúde. No SUS, a organização do cuidado é realizada de forma descentralizada, o que exige uma coordenação dos entes federativos na alocação dos recursos hospitalares. Para garantir a eficiência do gasto hospitalar, a organização do sistema deveria considerar a presença de economias de escala e escopo no provimento desses serviços1111. Malachias I, Leles FAG, Pinto MAS, Andrade LCF, Alencar FB, Silva AE et al. Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais (PDR-MG). Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2011.,1212. Azevedo H, Mateus C. Economias de escala e de diversificação: uma análise da bibliografia no contexto das fusões hospitalares. Rev Port Saude Publica. 2014;32(1):106-17.. Esse é um desafio para o Brasil, cuja configuração geopolítica é marcada por municípios de pequeno porte, que, além de baixa escala populacional, apresentam reduzida capacidade técnica de gestão e escassez de recursos humanos e equipamentos1313. Gragnolati M, Lindelow M, Couttolenc B. Twenty years of health system reform in Brazil: an assessment of the Sistema Único de Saúde. Washington, DC: The World Bank; 2013..

Nesse contexto, a gestão hospitalar no SUS é complexa. Ela combina arranjos institucionais muito diversificados que incluem uma interação múltipla de prestadores públicos e privados, assim como é regida por diferentes níveis administrativos e que guardam grande heterogeneidade regional e socioeconômica. Na ausência de um planejamento do cuidado hospitalar, uma forma de analisar a sua performance e aferir controle sobre seu financiamento é pelo acompanhamento de indicadores. A análise de benchmarking possibilita observar o desempenho do setor com base nas melhores práticas, sendo o monitoramento de indicadores hospitalares uma forma de garantir o uso mais eficiente dos recursos. Nos países da OCDE há um acompanhamento periódico de indicadores hospitalares22. Organisation for Economic Co-operation and Development. Health at a glance 2015: OECD indicators. Paris: OECD; 2015. https://doi.org/10.1787/health_glance-2015-en
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É comum haver perspectivas distintas sobre análises de performance, desempenho e eficiência hospitalar. Esses termos podem ser pensados de forma diferente segundo os princípios da economia, saúde pública ou pesquisa operacional. A influência e interdependência em diferentes contextos do cuidado hospitalar, no entanto, torna difícil pensar nesses conceitos separadamente. Neste trabalho, os termos desempenho e performance referem-se aos estudos que se dedicam à construção e análise de indicadores hospitalares, enquanto o conceito de eficiência refere-se aos estudos direcionados à análise de envoltória de dados (DEA).

Para o Brasil, alguns trabalhos já mensuraram indicadores hospitalares considerando conjuntos específicos de hospitais99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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,1414. Ramos MCA, Cruz, LP, Kishima VC, Pollara WM, Lira ACO, Couttolenc BF. Performance evaluation of hospitals that provide care in the public health system, Brazil. Rev Saude Publica. 2015;49:43.https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005748
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. Segundo esses estudos, a performance hospitalar varia principalmente entre os diferentes portes e formas de governança. Para o país como um todo, há apenas um estudo não muito recente sobre o ano de 2002, utilizando os dados da pesquisa de assistência médico-sanitária (AMS)99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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. A escassez de estudos para o país como um todo se deve em parte à ausência de dados confiáveis no nível nacional1919. Rocha TAH, Silva NC, Barbosa ACQ, Amaral PV, Thumé ER, Rocha JV, et al. National Registry of Health Facilities: data reliability evidence. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(1):229-40. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.16672015
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,2020. Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde -CNES. Brasília, DF; 2015 [cited 2019 Jan 30]. Available from: https://wiki.saude.gov.br/cnes/index.php/P%C3%A1gina_principal
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. Os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) só passaram a ser mais ampla e periodicamente alimentados nos últimos anos, após regulamentação estabelecida pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)1919. Rocha TAH, Silva NC, Barbosa ACQ, Amaral PV, Thumé ER, Rocha JV, et al. National Registry of Health Facilities: data reliability evidence. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(1):229-40. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.16672015
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,2020. Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde -CNES. Brasília, DF; 2015 [cited 2019 Jan 30]. Available from: https://wiki.saude.gov.br/cnes/index.php/P%C3%A1gina_principal
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. A existência do CNES e a possibilidade de cruzamento com as informações de produção do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) abrem uma janela de oportunidade para a definição de um conjunto de indicadores que podem ser acompanhados de forma sistemática pelos gestores. Esse trabalho explora as possibilidades de construção de indicadores para o universo dos hospitais gerais brasileiros a partir das informações oficiais disponíveis. São propostos indicadores que contemplam as principais dimensões que devem ser consideradas na análise da organização do cuidado hospitalar: produção e fatores de produção, mix público-privado, desempenho, qualidade, case-mix e abrangência geográfica.

MÉTODOS

Dois bancos de dados oficiais foram utilizados para a construção dos indicadores: o CNES e o SIH/SUS2121. Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde. Brasília, DF; 2015 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/servicos2/transferencia-de-arquivos
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,2222. Ministério da Saúde (BR), DATASUS. Sistema de Informações Hospitalares. Brasília, DF; 2015 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/servicos2/transferencia-de-arquivos
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. O primeiro é um registro nacional de preenchimento obrigatório com informações de capacidade instalada e recursos humanos de todos os estabelecimentos de saúde. Como a infraestrutura hospitalar é praticamente constante ao longo do ano, selecionamos o mês de julho como referência temporal. Já o SIH/SUS possui informações de todas as internações financiadas pelo SUS. Foram consideradas apenas as AIH tipo 1, denominadas normais, pois as internações de longa duração (AIH tipo 5) consistem em cuidados de saúde muito diferenciados, como tratamentos psiquiátricos. Essas bases foram integradas utilizando-se o código CNES como um identificador único. Os indicadores foram construídos para o ano de 2015, período em que os dados do CNES já apresentam maior confiabilidade1919. Rocha TAH, Silva NC, Barbosa ACQ, Amaral PV, Thumé ER, Rocha JV, et al. National Registry of Health Facilities: data reliability evidence. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(1):229-40. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.16672015
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.

De um total de 6.154 hospitais, 5.120 eram hospitais gerais. Para caracterizar os hospitais que prestam serviços ao SUS, foram incluídos somente os que registraram pelo menos 50% dos leitos alocados para o sistema público. Os hospitais praticamente inoperantes, com menos de 50 internações ao longo do ano, foram desconsiderados. Além disso, três hospitais não foram analisados, pois não havia registros para médicos em seus cadastros. Dessa forma, 1.616 hospitais foram excluídos da análise. No total, o estudo considerou 3.504 hospitais gerais que atenderam pacientes do SUS.

Inicialmente foram definidas sete dimensões a serem analisadas, considerando aspectos importantes do processo hospitalar, assim como a disponibilidade de informações oficiais, conforme descrito no Quadro: (i) mix público-privado; (ii) produção; (iii) case-mix; (iv) fatores de produção; (v) desempenho; (vi) qualidade; (vii) abrangência geográfica.

Quadro
Dimensões hospitalares analisadas, indicadores e método de cálculo.

A dimensão mix público-privado informa o quanto o hospital está dedicado ao atendimento de pacientes do SUS; quanto maior o percentual de leitos SUS, maior sua dependência ao financiamento do sistema público. Essa dimensão impacta diretamente a variável de resultado de produção, mensurada pelo volume mensal de atendimentos prestados ao SUS (número de AIH).

Diferenças na composição da produção (case-mix) podem ser a principal fonte de variação nos custos hospitalares, pois refletem a complexidade e severidade dos tratamentos88. Andrade EO, Andrade EN, Gallo JH. Estudo de caso de oferta induzindo a demanda: o caso da oferta de exames de imagem (tomografia axial computadorizada e ressonância magnética) na Unimed-Manaus. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(2):138-143. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000200009
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. No presente trabalho, o case-mix foi classificado segundo os níveis de complexidade (médio e alto) e a proporção de internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP), que correspondem aos procedimentos de menor complexidade que poderiam ter sido resolvidos no âmbito da atenção primária2323. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 221, de 17 de abril de 2008. Brasília, DF; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/prt0221_17_04_2008.html
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. A maior frequência de ICSAP, além de refletir baixa resolutividade da atenção primária, também aponta para inadequação da gestão hospitalar2323. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 221, de 17 de abril de 2008. Brasília, DF; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/prt0221_17_04_2008.html
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. Hospitais com baixa taxa de ocupação, por exemplo, tendem a apresentar proporção elevada desse tipo de atendimento2525. Souza LL, Costa JSD. Hospitalization for primary care-sensitive conditions in regional health districts in Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(4):765-72. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400017
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. Segundo a lei de Roemer, um sistema de saúde tem a habilidade de determinar sua própria demanda, mesmo em mercados saturados2525. Souza LL, Costa JSD. Hospitalization for primary care-sensitive conditions in regional health districts in Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(4):765-72. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400017
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. Embora de difícil identificação e mensuração, sabe-se que esse tipo de internação tende a ocorrer com maior frequência quando o hospital ainda tem quotas de AIH2424. Alfradique ME, Bonolo PDF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, Turci MA. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP - Brasil). Cad Saude Publica. 2009;25(6):1337-49. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600016
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,2525. Souza LL, Costa JSD. Hospitalization for primary care-sensitive conditions in regional health districts in Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(4):765-72. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400017
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A dimensão dos fatores de produção contempla a eficiência técnica dos insumos, isto é, a capacidade do hospital de combinar otimamente o uso de profissionais médicos e não médicos com o de equipamentos (tecnologia). A dimensão dos recursos financeiros se refere ao valor total dos procedimentos hospitalares remunerados pelo pagamento das AIH, que se constitui na informação de despesa disponível no âmbito hospitalar nacionalmente.

Os indicadores na dimensão desempenho constituem aqueles comumente utilizados pela literatura para analisar a performance hospitalar99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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. O índice de rotatividade reflete a eficiência dos recursos físicos disponíveis e é medido pela razão do número de atendimentos que resultaram em alta (ou em óbito) pelo número de leitos do hospital. A taxa de ocupação informa o grau de utilização dos recursos físicos (leitos) disponíveis. Altas taxas de ocupação em geral estão associadas a uma melhor performance, mas dependem diretamente do tempo médio de permanência, que, por sua vez, reflete a qualidade do atendimento prestado, a eficiência da gestão clínica ou o case-mix do atendimento prestado99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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. Dessa forma, é importante analisar os indicadores de desempenho em conjunto.

A dimensão da qualidade reflete os resultados positivos no atendimento aos pacientes. Altos percentuais de transferências entre hospitais apontam para uma baixa resolutividade dos serviços prestados. A taxa de mortalidade hospitalar pode refletir a qualidade do cuidado médico, mas está condicionada ao tipo de case-mix do hospital.

A dimensão abrangência geográfica indica o grau de referência de um hospital. O elevado influxo de não residentes pode indicar a baixa resolutividade dos serviços prestados nas localidades de origem. Para calcular o indicador da distância média percorrida pelos pacientes do SUS, foi utilizada a informação do município de residência do paciente e do município de localização do hospital, presentes nas bases de dados do SIH/SUS e do CNES, e o menor caminho a ser percorrido entre os municípios considerando transporte multimodal2121. Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde. Brasília, DF; 2015 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/servicos2/transferencia-de-arquivos
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,2222. Ministério da Saúde (BR), DATASUS. Sistema de Informações Hospitalares. Brasília, DF; 2015 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/servicos2/transferencia-de-arquivos
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,2626. Carvalho LR, Betarelli Junior AAB, Amaral PVM, Domingues EP. Matrizes de distâncias entre os distritos municipais no Brasil: um procedimento metodológico. Belo Horizonte, MG: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG; 2016. (Cedeplar -Texto para Discussão, 532).. Os indicadores hospitalares foram construídos utilizando-se o software Stata 14.0.

As variáveis de profissionais da saúde, gastos e mortalidade foram padronizadas para possibilitar a comparação desses indicadores entre os hospitais. Os profissionais de saúde foram padronizados de acordo com a carga horária trabalhada. Os gastos e a taxa de mortalidade foram padronizados segundo os capítulos agregados da 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

Para identificar hospitais similares em termos dos indicadores e, como consequência, definir o recorte mais apropriado para a análise do perfil dos hospitais, foi utilizada neste estudo a análise de classes latentes para clusters2727. Vermunt JK, Magidson J. Latent class cluster analysis. In: Hagenaars JA, McCutcheon AL, editors. Applied latent class analysis. Cambridge (UK): Cambridge University Press; 2002. p. 89-106.. O modelo de classes latentes para clusters (MCL) assume que existe uma variável latente, x, de natureza multinomial, com cada categoria representando um perfil específico. O modelo utiliza T indicadores yit dos i elementos amostrais e R covariáveis zircov, as quais condicionam a ocorrência de x. Os indicadores yit e as covariáveis zircov podem assumir qualquer natureza (contínua, nominal, ordinal ou de contagem). A estrutura probabilística do MCL descrita a seguir assume a presença de covariáveis e a possibilidade de uso de efeitos diretos. Os efeitos diretos modelam a covariância residual entre indicadores e entre indicadores e covariáveis, mesmo condicionados em x. Sob essas premissas, a densidade de yi pode ser descrita como:

f(yi|zi cov) = x=1K P(x|zicov) Πh=1H f(yih|x,zicov)

em que P(x|zicov) corresponde à probabilidade de observar a variável latente (ou cada uma de suas categorias), a qual depende diretamente dos níveis das covariáveis. Para incluir efeitos diretos de indicadores e entre indicadores e covariáveis, agrupam-se os T indicadores em H grupos. Assim, os indicadores que pertencem ao mesmo conjunto H continuam correlacionados após a condicionalidade em x e zicov, mas os que pertencem a H distintos serão condicionalmente independentes. As distribuições condicionais, específicas por classe, fyih|x,zicov, podem ter formas exatas distintas dependendo da escala das variáveis em cada subconjunto h.

A identificação das probabilidades de ocorrência de cada classe é dada por:

Px|zicov =exp ηx|zcovx'=1K exp ηx'|zcov, onde x=1, ..., K,

em que ηx|zcov =zcov γ, onde γ representa os efeitos de cada covariável sobre a transformação linear da probabilidade de ocorrência de cada cluster. Os parâmetros do modelo são obtidos por máxima verossimilhança. No artigo foram considerados os indicadores das dimensões propostas, e como covariáveis foram incluídos o porte hospitalar (pequeno: até 50 leitos, médio: 51 a 150 leitos e grande: acima de 150 leitos), o tipo de prestador (público municipal, público estadual, público federal, privado e filantrópico) e a finalidade de ensino e pesquisa.

Por fim, para definir o número ideal de perfis, utilizou-se um p-valor estimado por bootstrap, pˆboot. A estatística –2LL(difference) estimada por bootstrap é sugerida para modelos com indicadores contínuos2828. Langeheine R, Pannekoek J, Van de Pol F. Bootstrapping goodness-of-fit measures in categorical data analysis. Sociol Methods Res. 1996;24(4):492-516. https://doi.org/10.1177/0049124196024004004
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. Define-se a estatística -2LLdifference = -2*LLH0 - LLH1, ou seja, compara-se um modelo com K perfis (sob H0) com um modelo com K+1 perfis (sob H1). Nesse caso, o boot é estimado como a proporção das estatísticas de bootstrap maiores que a –2LL(difference) da amostra original. Para gerar o intervalo de confiança para o boot, utiliza-se o erro-padrão sp^boot = p^boot 1 - p^boot/B, em que B representa o número de replicações. Valores de boot > 0.05 sugerem um modelo com menos perfis. Todas as estimativas foram realizadas utilizando-se o software Latent Gold 5.1.

Foi estimada uma série de modelos de cluster latentes, com k = 1, ..., 10. Com o objetivo de selecionar o número ideal de clusters, foram observados tanto o critério de informação bayesiano (BIC) como o erro de classificação. Se a diminuição no BIC for seguida de um aumento significativo na classificação do erro após a inclusão de um cluster adicional, opta-se pelo modelo mais parcimonioso. Com base nesses dois critérios, optou-se pelo modelo de três clusters com um erro de classificação inicial de 0,0079. Uma vez que todos os indicadores são contínuos (ou de contagem) e utilizou-se o método de teste de bootstrap, comparou-se um modelo de três clusters com outro de quatro clusters. O teste da razão de verossimilhança não foi significativo para os 49 parâmetros adicionais, reforçando a escolha da solução de três clusters.

Após a estimação do modelo, analisou-se a matriz de resíduos bivariados condicionais e foram identificados resíduos elevados (acima de 1) para os seguintes pares: 1) porte hospitalar com leitos SUS, taxa de ocupação, volume de atendimentos prestados no mês, taxa bruta de mortalidade padronizada, profissionais de alta gestão/leito, atendimento de não residentes, taxa de ICSAP e gasto por internação padronizado; 2) tipo de prestador com leitos SUS, médicos/leito padronizado; 3) hospital de ensino com atendimento de não residentes. Esse resultado é indicativo de violação do pressuposto de independência local. Para relaxar esse pressuposto e garantir ainda a interpretabilidade do modelo com mínima perda de parcimônia, foram incluídos efeitos diretos para todos esses pares com resíduos elevados e feito um teste –2LL(difference) por bootstrap com 5.000 replicações entre esse modelo e o modelo original.

O modelo de três clusters com efeitos diretos apresentou maior aderência aos dados, com o erro de classificação abaixo de 0,01 (0,0089). O teste de verossimilhança do bootstrap comparando o modelo de três clusters com efeitos diretos e o modelo de três clusters original foi significativo, sugerindo que a inclusão de parâmetros foi importante para replicar os padrões nos dados. Todos os efeitos diretos apresentaram significância a 1%, e os resíduos bivariados condicionais após a inclusão dos efeitos diretos foram reduzidos para todos os pares de indicadores-indicadores e indicadores-covariáveis (abaixo de 1), de modo a garantir a interpretabilidade tradicional do modelo de cluster latente.

RESULTADOS

A Figura apresenta a participação de cada tipo de hospital, descrito pelas covariáveis, em cada um dos clusters. A variável porte mostra padrões bem distintos para os três clusters identificados. A maior parte dos hospitais de pequeno porte (75,16%) apresenta as características do cluster 1, denominado Classe 1, enquanto os hospitais de médio porte estão em sua maioria (60,97%) representados pela Classe 2, e os hospitais de grande porte (66,08%) pela Classe 3. Em relação ao tipo de prestador, a participação nos clusters não é tão definida como a observada para a covariável porte. O tipo de prestador da Classe 1 é predominantemente público municipal (49,48%), seguido dos filantrópicos (28,27%) e privados (16,56%). Na Classe 2 estão predominantemente os filantrópicos (36,02%), seguidos dos públicos municipais (30,30%). Os hospitais da Classe 3 são predominantemente filantrópicos (41,12%), seguidos dos públicos estaduais (28,03%). Os hospitais de ensino e pesquisa estão concentrados na Classe 3, representando 26,29% do total de hospitais dessa classe.

Figura
Grau de pertencimento (%) das covariáveis do modelo nos clusters estimados, hospitais gerais brasileiros, 2015.

A Tabela 1 apresenta os testes de significância para os parâmetros dos indicadores e covariáveis estimados. Os testes de Wald e dos p-valores mostram que todos os indicadores são estatisticamente significativos a 1% entre as classes latentes. Na tabela também são apresentados os coeficientes de determinação (R2) de cada indicador do modelo de classes latentes. A medida do R2indica o grau no qual a variância de um indicador é explicada pela variável latente. Os indicadores analisados que mais explicam a composição dos clusters são volume de atendimentos prestados no mês (R2 = 0,4876), percentual de procedimentos de média e alta complexidade (R2 = 0,3560), gasto por internação padronizado (R2 = 0,5103) e taxa de ocupação (R2 = 0,4892). Além desses indicadores, atendimentos de não residentes, taxas brutas de mortalidade, ICSAP, tempo médio de permanência e auxiliares e técnicos de enfermagem por leito também se destacam na definição dos clusters, mas com um grau de explicação menor, com R2 variando de 0,22 a 0,25.

Tabela 1
Estimativas dos parâmetros sobre a forma de projeção linear, hospitais gerais brasileiros, 2015.

A Tabela 2 apresenta os indicadores hospitalares segundo os clusters estimados. A maior parte dos hospitais gerais brasileiros está na Classe 1 (59,77%), sob a gestão pública municipal (49.48%), a qual realiza reduzido volume médio mensal de atendimentos (82,74 internações) e apresenta taxa média de ocupação muito baixa (21,36%). Nesse cluster, estão hospitais que registraram apenas procedimentos de média complexidade e operam com uma intensidade de capital humano inferior aos demais clusters. A taxa bruta de mortalidade hospitalar padronizada (1,98%), abaixo dos demais clusters, reflete o baixo grau de complexidade dos atendimentos prestados, assim como a resolutividade dos serviços prestados. Além disso, os resultados mostram que muitos dos procedimentos realizados nesses hospitais deveriam ter sido resolvidos no âmbito da atenção primária (27,95%). Esses hospitais são praticamente utilizados pela população local, pois atendem apenas 11,01% de pacientes não residentes, cuja distância média de deslocamento é de 183,37 km (Tabela 2).

Tabela 2
Estimativa de médias condicionais dos indicadores hospitalares, hospitais gerais brasileiros, 2015.

Os hospitais da Classe 3, embora representem 16,34% dos hospitais do país, são responsáveis por elevado volume de atendimentos: 685,25 internações por mês, sendo 88,31% de média complexidade e 11,69% de alta complexidade. E é nesses hospitais que os procedimentos de alta complexidade são realizados. Os hospitais do cluster em que os hospitais de grande porte e de ensino e pesquisa têm maior probabilidade de ocorrência são mais intensivos em capital humano da área da saúde e em alta tecnologia. A maior complexidade dos atendimentos prestados é também refletida no gasto médio por internação (473,88 US$/internação), no tempo médio de permanência (6,45 dias) e na taxa bruta de mortalidade padronizada (6,89%). Já em termos de profissionais da alta gestão, não se diferenciam muito. Esses hospitais operam com uma taxa média de ocupação, de 64,73%, situando-se próximos dos níveis preconizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de 75% a 85%3030. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Saúde Suplementar. Fichas Técnicas dos Indicadores Hospitalares Essenciais – 2013. Rio de Janeiro: ANS; 2013 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://www.ans.gov.br/texto_lei_pdf.php?id=1575
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. São também referência no atendimento, recebendo 36,17% de pacientes não residentes, que precisam se deslocar em média 315,86 km. Vale observar que 10,59% das internações realizadas nesses hospitais deveriam ter ocorrido no âmbito da atenção primária (Tabela 2).

Os hospitais da Classe 2 situam-se em uma posição intermediária, o que se reflete nos indicadores apresentados (Tabela 2). Em relação ao case-mix, praticamente não realizam procedimentos de alta complexidade, ainda que possuam equipamentos desse nível. Das internações realizadas, 17,10% são ICSAP, e as instituições operam com taxa de ocupação (45,81%) abaixo do recomendado pela ANS. Chama a atenção o importante papel no atendimento de pacientes não residentes (25,85%).

DISCUSSÃO

Este estudo faz uma análise do perfil dos hospitais gerais brasileiros, apresentando resultados relevantes quanto a seu funcionamento e grau de importância na rede hospitalar pública. A análise multidimensional apontou para diferentes perfis vocacionais dos hospitais, que variam segundo porte, tipo de prestador e finalidade de ensino e pesquisa.

Os hospitais pequenos são predominantemente público-municipais e, embora operem com taxas de ocupação muito abaixo do recomendado pela ANS3030. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Saúde Suplementar. Fichas Técnicas dos Indicadores Hospitalares Essenciais – 2013. Rio de Janeiro: ANS; 2013 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://www.ans.gov.br/texto_lei_pdf.php?id=1575
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, resultado que também foi observado em outros estudos99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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,1414. Ramos MCA, Cruz, LP, Kishima VC, Pollara WM, Lira ACO, Couttolenc BF. Performance evaluation of hospitals that provide care in the public health system, Brazil. Rev Saude Publica. 2015;49:43.https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005748
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, possuem um importante papel no atendimento à população local. Além disso, realizam altas taxas de internações que deveriam ter sido atendidas na atenção primária (ICSAP). Os hospitais de maior porte são em sua maioria público-estaduais e filantrópicos, possuem elevada abrangência geográfica e realizam um elevado volume de atendimentos mensal, sendo neles realizados praticamente todos os procedimentos de alta complexidade dos pacientes do SUS. Esses hospitais apresentaram taxas de ocupação mais próximas do recomendado pela ANS3030. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Saúde Suplementar. Fichas Técnicas dos Indicadores Hospitalares Essenciais – 2013. Rio de Janeiro: ANS; 2013 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://www.ans.gov.br/texto_lei_pdf.php?id=1575
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, o que também foi verificado em outros trabalhos sobre o Brasil99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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,1414. Ramos MCA, Cruz, LP, Kishima VC, Pollara WM, Lira ACO, Couttolenc BF. Performance evaluation of hospitals that provide care in the public health system, Brazil. Rev Saude Publica. 2015;49:43.https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005748
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e países da OCDE em 20173131. Organisation for Economic Co-operation and Development. Health at a Glance 2017: OECD indicators. Paris: OECD Publishing: 2017. https://doi.org/10.1787/health_glance-2017-en
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. Embora muitos estudos tenham sido feitos com os hospitais de ensino e pesquisa brasileiros, sugerindo que suas peculiaridades os colocam em um grupo separado99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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,1414. Ramos MCA, Cruz, LP, Kishima VC, Pollara WM, Lira ACO, Couttolenc BF. Performance evaluation of hospitals that provide care in the public health system, Brazil. Rev Saude Publica. 2015;49:43.https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005748
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,3232. Lobo MSC, Lins MPE, Silva ACM, Fiszman R. Avaliação de desempenho e integração docente-assistencial nos hospitais universitários. Rev Saude Publica. 2010;44(4):581-90. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000400001
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, a análise multidimensional mostrou que seus indicadores se assemelham aos dos hospitais de grande porte.

Apesar do predomínio de determinados tipos de hospitais em cada um dos clusters identificados, alguns hospitais se encontram deslocados, como hospitais grandes no cluster de hospitais menores. Esses hospitais parecem, portanto, não desempenhar seus papéis vocacionais, isto é, hospitais pequenos e público-municipais mais voltados aos problemas da população circunjacente e hospitais maiores como referência em atendimentos de alta complexidade, atendendo, portanto, uma maior proporção de não residentes. Seria importante em um futuro trabalho identificar e estudar esses hospitais deslocados.

Os hospitais maiores possuem capacidade instalada disponível para atender pacientes adicionais, apontando para oportunidades importantes de reorganização do sistema hospitalar brasileiro. Essa reorganização, no entanto, precisa considerar não apenas o desempenho hospitalar, mas também o aspecto de equidade no acesso aos serviços hospitalares. Os hospitais de pequeno porte caracterizados por apresentar baixo desempenho podem ter sua existência associada à necessidade de garantir acesso aos serviços hospitalares, principalmente em áreas remotas. A maioria dos municípios brasileiros não possui escala populacional ou capacidade financeira para ofertar cuidados de saúde mais complexos3333. Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Negri Filho A, Medina MG. Regionalização e redes de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(6):1791-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05502018
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,3434. Machado JA, Guim ALS. Descentralização e igualdade no acesso aos serviços de saúde: o caso do Brasil. Rev Serv Publico. 2017;68(1):37-64.. Nesse sentido, hospitais municipais em cidades de pequeno porte populacional apresentam em geral um limitado papel na rede de cuidados. O princípio da descentralização do SUS gera incentivos para que os gestores locais invistam na instalação de pequenos hospitais de baixa resolutividade, que operam mais como porta de entrada para o sistema e são referência para a população local. É necessária uma estratégia de coordenação na definição e planejamento da localização dos hospitais. Algumas tentativas para reorganizar a oferta têm sido realizadas no âmbito do SUS, como a regionalização e a formação de consórcios intermunicipais3535. Mello L, Lago-Peñas S. Local government cooperation for joint provision: the experiences of Brazil and Spain with inter-municipal consortia. In: Lago-Penãs S, Martinez-Vasquez J, editors. The challenge of local government size. theoretical perspectives, international experience, and policy reform. Cheltenham (UK): Edward Elgar; 2013. p. 221-41.. Nenhuma dessas duas tentativas, no entanto, foi suficiente para reorganizar a oferta e limitar os incentivos dos gestores locais à manutenção e instalação de hospitais de pequeno porte municipais. Além disso, a atenção primária ainda não é ordenadora do cuidado no SUS, onde ainda impera a lógica do cuidado agudo, o qual é ofertado sobretudo no ambiente hospitalar3434. Machado JA, Guim ALS. Descentralização e igualdade no acesso aos serviços de saúde: o caso do Brasil. Rev Serv Publico. 2017;68(1):37-64..

Nos últimos anos, as críticas em relação ao hospitalocentrismo fizeram com que a atenção hospitalar fosse marginalizada em termos de análises estratégicas do SUS3333. Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Negri Filho A, Medina MG. Regionalização e redes de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(6):1791-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05502018
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. O sistema hospitalar funciona de forma desarticulada do restante da rede assistencial3333. Viana ALA, Bousquat A, Melo GA, Negri Filho A, Medina MG. Regionalização e redes de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(6):1791-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05502018
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,3434. Machado JA, Guim ALS. Descentralização e igualdade no acesso aos serviços de saúde: o caso do Brasil. Rev Serv Publico. 2017;68(1):37-64.. De 2002 a 2015, não houve avanços significativos na utilização dos recursos disponíveis nos hospitais de pequeno porte99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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, que historicamente têm se caracterizado por apresentar baixas taxas de ocupação, além de realizar elevado percentual de ICSAP2525. Souza LL, Costa JSD. Hospitalization for primary care-sensitive conditions in regional health districts in Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45(4):765-72. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400017
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. No contexto atual de forte contenção dos gastos públicos, uma melhoria na gestão dos recursos hospitalares favoreceria a continuidade do provimento dos serviços.

Alguns países da União Europeia buscaram contornar a questão do baixo desempenho dos hospitais de pequeno porte por meio de reformas hospitalares, cujas estratégias variaram de centralização da provisão dos serviços hospitalares com fechamento de hospitais (departamentos), passando por fusões hospitalares, até conversão de leitos hospitalares em leitos domiciliares3636. Nunes AM. Análise da produtividade da política de fusão de unidades hospitalares em Portugal integradas no Serviço Nacional de Saúde. J Bras Econ Saude. 2017:9(1):93-9.,3737. Clemens T, Michelsen K, Commers M, Garel P, Dowdeswell B, Brand H. European hospital reforms in times of crisis: aligning cost containment needs with plans for structural redesign? Health Policy. 2014;117(1):6-14. https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2014.03.008
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. A reforma hospitalar em Portugal, por exemplo, buscou contornar a crise orçamentária do governo com práticas de gestão que tinham como objetivo promover maior eficiência, acesso e qualidade para os pacientes3636. Nunes AM. Análise da produtividade da política de fusão de unidades hospitalares em Portugal integradas no Serviço Nacional de Saúde. J Bras Econ Saude. 2017:9(1):93-9.; entretanto, uma limitação dessa reforma foi que alguns hospitais se fundiram, mas seus serviços continuaram a ser realizados em unidades separadas, sem ganhos significativos de eficiência3636. Nunes AM. Análise da produtividade da política de fusão de unidades hospitalares em Portugal integradas no Serviço Nacional de Saúde. J Bras Econ Saude. 2017:9(1):93-9..

A principal contribuição deste trabalho foi propor um conjunto de indicadores que permitem analisar o perfil dos hospitais segundo diferentes dimensões e que podem ser construídos a partir das informações públicas disponíveis. Esses indicadores foram suficientes para caracterizar os hospitais em diferentes perfis. Este estudo é inédito, sobretudo por analisar a totalidade dos hospitais gerais no Brasil, uma vez que os estudos que o precedem se concentraram em grupos específicos de hospitais brasileiros99. La Forgia GM, Couttolenc BF. Hospital performance in Brazil: the search for excellence (English). Washington, DC: World Bank; 2008 [cited 2019 Jan 30]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/815061468015870054/Hospital-performance-in-Brazil-the-search-for-excellence
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,1414. Ramos MCA, Cruz, LP, Kishima VC, Pollara WM, Lira ACO, Couttolenc BF. Performance evaluation of hospitals that provide care in the public health system, Brazil. Rev Saude Publica. 2015;49:43.https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005748
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.

Este trabalho apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, dada a complexidade do cuidado médico, os indicadores não conseguem incorporar todas as particularidades do processo, por exemplo, expertise dos médicos, nível tecnológico dos equipamentos e condições de saúde dos pacientes. Em segundo lugar, o estudo analisa apenas as internações financiadas pelo SUS, embora os tipos de prestadores sejam públicos, privados e filantrópicos. Além disso, os valores apresentados correspondem ao gasto apurado pelas AIH, não considerando os recursos complementares repassados aos hospitais. Apesar da possibilidade de ocorrência de erros de registros na base de dados do CNES, essa base é considerada de boa confiabilidade1919. Rocha TAH, Silva NC, Barbosa ACQ, Amaral PV, Thumé ER, Rocha JV, et al. National Registry of Health Facilities: data reliability evidence. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(1):229-40. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.16672015
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.

Os resultados encontrados neste trabalho fornecem um panorama do setor hospitalar brasileiro, apontando para distintos perfis de funcionamento em termos de porte hospitalar, tipo de prestador e finalidade de ensino e pesquisa. O conjunto de indicadores proposto fornece parâmetros que podem contribuir para o monitoramento contínuo do setor e sua construção pode ser automatizada pela alimentação das bases administrativas já existentes. A análise desses indicadores não exclui outros tipos de abordagem, como análises de eficiência técnica e de escala, que fornecem uma análise comparativa do desempenho desses hospitais.

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  • Financiamento
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Processos 305592/2017-3 PQ2017; 431872/2016-3 e 314392/2018-1). Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG – Processos PPM-00273-16 e CSA-APQ-01553-16). Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa de doutorado para LAB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    4 Ago 2019
  • Aceito
    30 Out 2019
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br