Uso de preservativo masculino e dupla proteção por homens adolescentes no Brasil

Ana Luiza Vilela Borges Luciane Simões Duarte Cristiane da Silva Cabral Alejandra Andrea Roman Lay Osmara Alves Viana Elizabeth Fujimori Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO:

Analisar o uso de preservativo masculino e de dupla proteção por homens adolescentes brasileiros, bem como os aspectos associados.

MÉTODOS:

Utilizou-se banco de dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) para este estudo transversal nacional de base escolar. A amostra incluiu adolescentes de ambos os sexos, com idades entre 12 e 17 anos de idade, selecionados por meio de amostragem por conglomerados, em 2014 (n = 75.060). O presente estudo analisou informações dos homens adolescentes que relataram já ter tido relação sexual (n = 12.215), tendo como variáveis dependentes o uso de preservativo masculino e o uso de dupla proteção (uso simultâneo de preservativo masculino e contraceptivo hormonal oral) na última relação sexual. Os dados foram analisados por meio de regressão logística univariada e múltipla.

RESULTADOS:

A maior parte dos adolescentes usou preservativo masculino na última relação sexual, enquanto o uso de dupla proteção foi bastante baixo. O uso de preservativo masculino, referido por 71% (IC95% 68,7–73,1), associou-se positivamente à idade, a coabitar com ambos os pais e a ter usado álcool nos 30 dias anteriores. O uso de dupla proteção, referido por 3,6% (IC95% 2,8–4,5) associou-se positivamente à idade e a estudar em escola privada e negativamente ao uso de tabaco nos 30 dias anteriores.

CONCLUSÕES:

A larga diferença apresentada na proporção de uso de preservativo ou de dupla proteção na última relação sexual chama atenção para as distintas lógicas que presidem as relações sexuais juvenis. A baixa proporção aqui encontrada de uso da dupla proteção pode ser reflexo do desconhecimento masculino sobre uma função que tem sido historicamente atribuída às mulheres, que é a contracepção. Dessa forma, é necessário desconstruir a dicotomia de que a esfera da sexualidade é de domínio/interesse dos homens enquanto a da reprodução concerne apenas às mulheres.

DESCRITORES:
Adolescente; Homens; Anticoncepção; Anticoncepcionais Orais; Preservativos; Saúde Sexual e Reprodutiva

INTRODUÇÃO

As práticas contraceptivas entre adolescentes têm se mostrado bastante heterogêneas entre os países de alta, média e baixa renda, mas têm em comum o fato de se limitarem ao uso de métodos de curta duração, como o preservativo masculino e, em menor proporção, o contraceptivo hormonal oral11. Kothari MT, Wang S, Head SK, Abderrahim N. Trends in adolescent reproductive and sexual behaviors. Calverton, MD: ICF International; 2012 [cited 2020 Oct 26]. DHS Comparative Reports, nº 29. Available from: https://www.dhsprogram.com/pubs/pdf/CR29/CR29.pdf
https://www.dhsprogram.com/pubs/pdf/CR29...
44. Looze M, Madkour AS, Huijts T, Moreau N, Currie C. Country-level gender equality and adolescents’ contraceptive use in Europe, Canada and Israel: findings from 33 countries. Persp Sex Reprod Health. 2019;51(1):43-53. https://doi.org/10.1363/psrh.12090
https://doi.org/10.1363/psrh.12090...
. O conhecimento sobre o comportamento contraceptivo na adolescência advém majoritariamente de estudos que consideram apenas mulheres55. Garbers S, Scheinmann R, Gold MA, Catallozzi M, House L, Koumans EH et al. Males’ ability to report their partner’s contraceptive use at last sex in a nationally representative sample: implications for unintended pregnancy prevention evaluations. Am J Mens Health. 2017;11(3):711-8. https://doi.org/10.1177/1557988316681667
https://doi.org/10.1177/1557988316681667...
. Isso ocorre por diversas razões: em geral, inquéritos populacionais são realizados predominantemente com mulheres; as estatísticas vitais de nascimentos trazem apenas dados das mulheres que são mães, mas não dos pais; os métodos contraceptivos amplamente disponíveis são basicamente de uso feminino; as taxas de gestação na adolescência são estimadas considerando em seu denominador apenas mulheres na faixa etária adolescente. Em resumo, a principal razão de os estudos considerarem apenas as mulheres ao pesquisarem comportamento contraceptivo na adolescência é que as mulheres continuam sendo responsabilizadas pelo planejamento reprodutivo e o cuidado com os filhos66. Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis. 2017;27(1):41-60. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000100003
https://doi.org/10.1590/s0103-7331201700...
,77. Saewyc EM. What about the boys? The importance of including boys and young men in sexual and reproductive health research. J Adolesc Health. 2012;51(1):1-2. https://doi.org/doi:10.1016/j.jadohealth.2012.05.002
https://doi.org/doi:10.1016/j.jadohealth...
em nossa sociedade. A diminuta presença dos homens no universo das pesquisas sobre contracepção reflete a invisibilidade masculina em políticas públicas e programas de saúde77. Saewyc EM. What about the boys? The importance of including boys and young men in sexual and reproductive health research. J Adolesc Health. 2012;51(1):1-2. https://doi.org/doi:10.1016/j.jadohealth.2012.05.002
https://doi.org/doi:10.1016/j.jadohealth...
.

O método contraceptivo mais utilizado por adolescentes homens é o preservativo masculino11. Kothari MT, Wang S, Head SK, Abderrahim N. Trends in adolescent reproductive and sexual behaviors. Calverton, MD: ICF International; 2012 [cited 2020 Oct 26]. DHS Comparative Reports, nº 29. Available from: https://www.dhsprogram.com/pubs/pdf/CR29/CR29.pdf
https://www.dhsprogram.com/pubs/pdf/CR29...
,33. Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr1...
,44. Looze M, Madkour AS, Huijts T, Moreau N, Currie C. Country-level gender equality and adolescents’ contraceptive use in Europe, Canada and Israel: findings from 33 countries. Persp Sex Reprod Health. 2019;51(1):43-53. https://doi.org/10.1363/psrh.12090
https://doi.org/10.1363/psrh.12090...
. Além da prevenção de gravidez, o preservativo masculino é altamente recomendado para adolescentes visando à prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e HIV/AIDS, tanto por ser de baixo custo como por ser amplamente disponível. Dados do estudo Health Behavior in School-aged Children (HBSC), que envolveu 42 países, principalmente europeus, mostraram que 65% dos adolescentes de 15 anos, de ambos os sexos, tinham usado o preservativo masculino na última relação sexual88. World Health Organization Regional Office for Europe. Growing up unequal: gender and socioeconomic differences in young people’s health and well-being. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) Study: International Report from the 2013/2014 Survey. Copenhagen (DK): WHO Regional Office for Europe; 2016 [cited 2020 May 6]. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/303438/HSBC-No.7-Growing-up-unequal-Full-Report.pdf?ua=1
http://www.euro.who.int/__data/assets/pd...
. Resultado próximo foi registrado entre adolescentes norte-americanos (54%)99. Centers for Disease Control and Prevention, Division of Adolescent and School Health. Youth Risk Behavior Survey: data summary & trends report 2007–2017. Atlanta, GA: CDC; 2018 [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://www.cdc.gov/healthyyouth/data/yrbs/pdf/trendsreport.pdf
https://www.cdc.gov/healthyyouth/data/yr...
. No Brasil, os dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada com adolescentes de 13 a 17 anos, destacam patamares elevados do uso de preservativo na última relação sexual, apesar de significativa queda no intervalo de tempo entre dois momentos da pesquisa (era 76% em 2009 e caiu para 66% em 2015)1010. Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Análise dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva de adolescentes brasileiros, 2009, 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018;21 Supl 1:E180013.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720180013.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972018001...
.

O recurso à dupla proteção (uso do preservativo masculino associado a outro método contraceptivo para prevenir a gravidez) é pouco conhecido entre homens adolescentes33. Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr1...
,1111. Raidoo S, Tschann M, Elia J, Kaneshiro B, Soon R. Dual-method contraception among adolescents and young people: are long-acting reversible contraception users different? A qualitative study. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2020;33(1):45-52. https://doi.org/10.1016/j.jpag.2019.09.008
https://doi.org/10.1016/j.jpag.2019.09.0...
. No Brasil, apesar de não haver informações específicas sobre a prática entre adolescentes homens, dados da PeNSE 2015 constataram prevalência de 29,7% de uso de dupla proteção entre adolescentes que haviam iniciado a vida sexual1010. Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Análise dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva de adolescentes brasileiros, 2009, 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018;21 Supl 1:E180013.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720180013.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972018001...
.

Este artigo analisa o uso de preservativo masculino e de dupla proteção entre adolescentes homens brasileiros, bem como seus aspectos associados. Pretende-se contribuir para elucidação de lacunas na literatura sobre as práticas contraceptivas de homens, incluindo os adolescentes. Prover cuidados baseados em evidências aos homens adolescentes é importante para contemplar suas necessidades de saúde sexual e reprodutiva, incluindo a prevenção de IST, a contracepção e a paternidade1212. Marcell AV, Ellen JM. Core sexual/reproductive health care to deliver to male adolescents: perceptions of clinicians focused on male health. J Adolesc Health. 2012;51(1):38-44. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2011.10.013
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.201...
. Indubitavelmente, a prática de sexo seguro entre adolescentes permanece como um grande desafio para a área da saúde sexual e reprodutiva, frente às evidências de aumento nas taxas de HIV/Aids e IST88. World Health Organization Regional Office for Europe. Growing up unequal: gender and socioeconomic differences in young people’s health and well-being. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) Study: International Report from the 2013/2014 Survey. Copenhagen (DK): WHO Regional Office for Europe; 2016 [cited 2020 May 6]. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/303438/HSBC-No.7-Growing-up-unequal-Full-Report.pdf?ua=1
http://www.euro.who.int/__data/assets/pd...
,1313. Grubb LK, Committee on Adolescence. Barrier protection use by adolescents during sexual activity. Pediatrics. 2020;146(2):e2020007245. https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245
https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245...
e das altas taxas de fecundidade adolescente no Brasil e América Latina1414. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Fertility 2019: early and later childbearing among adolescent women. New York: UN; 2020. [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/fertility/World_Fertility_2019.pdf
https://www.un.org/en/development/desa/p...
.

MÉTODOS

Este é um estudo transversal de base escolar nacional, que utilizou o banco de dados do Estudo dos Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA). O ERICA entrevistou 75.060 adolescentes de ambos os sexos, que frequentavam escolas de cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, a fim de avaliar a prevalência de condições de risco cardiovascular1515. Bloch KV, Szklo M, Kuschnir MCC, Abreu GA, Barufaldi LA, Klein CH, et al. The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents – ERICA: rationale, design and sample characteristics of a national survey examining cardiovascular risk factor profile in Brazilian adolescents. BMC Public Health. 2015;15:94. https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-x
https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-...
.

Os adolescentes foram selecionados, em 2014, por meio de amostragem por conglomerados, considerando escola, turno, ano e turma de instituições públicas e privadas. A amostra incluiu adolescentes com idades entre 12 e 17 anos, do ensino fundamental (7º ao 9º ano) e do ensino médio (1º ao 3º ano). Os procedimentos de cálculo e plano amostral encontram-se publicados1616. Vasconcellos MTL, Silva PLN, Szklo M, Kuschnir MCC, Klein CH, Abreu GA, et al. Sampling design for the Study of Cardiovascular Risks in Adolescents (ERICA). Cad Saude Publica. 2015;31(5):921-30. https://doi.org/10.1590/0102-311X00043214
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004321...
. O presente estudo analisou informações referentes aos homens adolescentes que relataram já ter tido relação sexual (n = 12.215), o que representa 16,3% da amostra.

Dados sociodemográficos e comportamentais foram coletados por meio de Personnal Digital Assistant e o questionário foi autopreenchido pelos adolescentes nas salas de aula, sob supervisão da equipe1515. Bloch KV, Szklo M, Kuschnir MCC, Abreu GA, Barufaldi LA, Klein CH, et al. The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents – ERICA: rationale, design and sample characteristics of a national survey examining cardiovascular risk factor profile in Brazilian adolescents. BMC Public Health. 2015;15:94. https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-x
https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-...
.

As variáveis dependentes foram o uso de preservativo masculino e o uso de dupla proteção na última relação sexual, dados obtidos por meio da questão “Da última vez que você teve relação sexual, você ou seu(sua) parceiro(a) utilizaram (pode marcar mais de uma opção): nunca tive relação sexual; camisinha; pílula anticoncepcional; pílula do dia seguinte; outro”. Dupla proteção foi entendida como uso simultâneo de preservativo masculino (camisinha) e contraceptivo hormonal oral (pílula anticoncepcional), ou seja, quando as duas opções foram assinaladas. Não se considerou a contracepção de emergência (pílula do dia seguinte) por não se tratar de método de uso regular.

As variáveis independentes reunindo as informações sobre as características sociodemográficas e comportamentais foram: idade (em anos), cor da pele (branca ou não branca, que incluiu preta, parda, amarela e indígena), residência (capital ou interior), região do Brasil (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul ou Centro-Oeste), coabitação (nem com a mãe e nem pai, somente com mãe, somente com pai ou ambos), rede de escola (pública ou privada), trabalho remunerado (não ou sim), grupo econômico (baixo, médio ou alto) e uso de álcool/tabaco nos 30 dias anteriores (não, apenas tabaco, apenas álcool ou ambos). Os grupos econômicos foram construídos com base nos bens de consumo que os adolescentes possuíam em casa, de acordo com os procedimentos descritos para se calcular o Wealth Index nas pesquisas do tipo Demographic and Health Survey1717. World Food Programme. VAM Guidance Paper: Creation of a Wealth Index. Roma (IT): WFP; 2017 [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://docs.wfp.org/api/documents/WFP-0000022418/download/
https://docs.wfp.org/api/documents/WFP-0...
, considerando os bens de consumo televisão, rádio, máquina de lavar, DVD, geladeira, freezer, motocicleta, carro e computador. Também foi considerada a contratação de empregada doméstica trabalhando no domicílio.

Os dados foram descritos por meio de proporções e intervalos de confiança de 95% (IC95%). Aspectos associados ao uso de preservativo masculino e de dupla proteção na última relação sexual foram, primeiramente, analisados por meio de regressão logística univariada e, posteriormente, múltipla, com entrada simultânea das variáveis no modelo. Uma vez que se trata de amostra complexa, os pesos amostrais foram considerados em todas as análises. Foi considerado nível de significância de 5%. Todas as análises foram conduzidas no Stata 15.0.

O ERICA foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Processo n. 45/2008) e de cada um dos 26 estados e do Distrito Federal.

RESULTADOS

Dentre os 12.215 homens adolescentes com idades entre 12 e 17 anos que relataram já ter tido relação sexual, a maior parte tinha entre 15 e 17 anos (70,5%), e autoclassificou a cor de sua pele como não branca (66,2%), frequentava escolas públicas (86,9%), residia no interior (56,2%) e não exercia qualquer trabalho remunerado (56,9%). Pouco mais da metade morava com ambos os pais (51,4%) e informou não ter usado tabaco nem álcool nos 30 dias anteriores à entrevista (52,4%). Quase metade residia na região Sudeste (49,4%) e estava incluído no grupo econômico médio (49,0%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e comportamentais de adolescentes homens no Brasil. ERICA, Brasil, 2013–2014.

A maior parte dos adolescentes usou preservativo masculino na última relação sexual (71,7%; IC95% 68,7–73,1). O uso de dupla proteção foi baixo (3,6%; IC95% 2,8–4,5).

A associação de características dos homens adolescentes com o uso de preservativo masculino na última relação sexual é apresentada na Tabela 2. A idade dos adolescentes associou-se ao uso de preservativo masculino (ORaj = 1,23; IC95% 1,16–1,31). Adolescentes que moravam com ambos os pais tiveram mais chance de usar o preservativo masculino contrastando àqueles que não moravam com nenhum deles (ORaj = 1,61; IC95% 1,04–2,49), assim como aqueles que usaram álcool nos 30 dias anteriores, quando comparados aos que não usaram nem tabaco nem álcool (ORaj = 1,29; IC95% 1,00–1,65).

Tabela 2
Associação entre características sociodemográficas e comportamentais de adolescentes homens no Brasil e uso do preservativo masculino na última relação sexual. ERICA, Brasil, 2013–2014.

A Tabela 3 apresenta os fatores associados ao uso de dupla proteção na última relação sexual entre homens adolescentes. Os resultados mostraram que a idade também se associou ao uso de dupla proteção, assim como estudar em escola privada. O uso de tabaco/álcool nos 30 dias anteriores foi inversamente associado ao uso da dupla proteção (ORaj = 0,27; IC95% 0,10–0,69). Embora as variáveis sobre região de residência, coabitação e grupo econômico constassem como associadas ao uso de dupla proteção na análise univariada, elas perderam a significância no modelo múltiplo.

Tabela 3
Associação entre características sociodemográficas e comportamentais de adolescentes homens no Brasil e uso de dupla proteção na última relação sexual. ERICA, Brasil, 2013–2014.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo, que analisou dados do ERICA, contribuem para o avanço do conhecimento sobre o uso de preservativo masculino e da dupla proteção entre homens adolescentes. Observou-se que o uso desses métodos aumenta com a idade e sofre influência da coabitação com os pais, do uso de álcool e/ou tabaco e da rede escolar em que o adolescente estuda.

Observando os dados obtidos sobre o uso do preservativo masculino, os resultados mostraram-se mais elevados que os verificados na PeNSE 20151010. Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Análise dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva de adolescentes brasileiros, 2009, 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018;21 Supl 1:E180013.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720180013.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972018001...
, que foi de 66%, e no Youth Risk Behavior Survey de 2017, que avaliou estudantes de 14 a 17 anos de idade nos Estados Unidos, que foi 61%1818. Kann L, McManus T, Harris WA, Shanklin SL, Flint KH, Queen B, et al. Youth Risk Behavior Surveillance – United States, 2017. MMWR Surveill Summ. 2018;67(8):1-114. https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6708a1
https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6708a1...
. Por outro lado, o uso foi menor do que observado em países europeus, que obtiveram resultados próximos aos 80%1919. Ramiro L, Windlin B, Reis M, Gabhainn SN, Jovic S, Matos MG, et al. Gendered trends in early and very early sex and condom use in 20 European countries from 2002 to 2010. Eur J Public Health. 2015;25 Suppl 2:65-8. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv030
https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv030...
. Do total de adolescentes homens selecionados nesta pesquisa, 71,7% usaram preservativo masculino em sua última relação sexual.

Contudo, o uso de dupla proteção na última relação sexual foi baixo, quando comparado a outros estudos. Em escolas públicas de Cuiabá, no Mato Grosso, por exemplo, 9% dos adolescentes homens do ensino médio referiram combinação de métodos contraceptivos2020. Molina MCC, Stoppiglia PGS, Martins CBG, Alencastro LCS. Conhecimento de adolescentes do ensino médio quanto aos métodos contraceptivos. Mundo Saude. 2015 [cited 2020 Oct 26];39(1):22-31. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/mundo_saude_artigos/Conhecimento_adolescentes_ensino.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodico...
. Segundo a National Survey of Family Growth, essa proporção chegou a 19% entre os homens adolescentes norte-americanos33. Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr1...
, porém dados do Youth Risk Behavior Survey mostraram que somente 9% usavam métodos duplos de proteção, proporção que tem se mantido constante desde 201399. Centers for Disease Control and Prevention, Division of Adolescent and School Health. Youth Risk Behavior Survey: data summary & trends report 2007–2017. Atlanta, GA: CDC; 2018 [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://www.cdc.gov/healthyyouth/data/yrbs/pdf/trendsreport.pdf
https://www.cdc.gov/healthyyouth/data/yr...
. Diversos estudos analisam o uso de dupla proteção, considerando o uso de outros métodos além do preservativo masculino, como o preservativo feminino, dispositivo intrauterino, injetáveis e implantes, ao passo que nosso estudo considerou apenas o preservativo masculino e o contraceptivo hormonal oral, o que torna a comparação dos resultados delicada. De toda forma, o uso desses outros métodos não considerados aqui entre adolescentes tem sido pouco frequente no país1010. Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Análise dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva de adolescentes brasileiros, 2009, 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018;21 Supl 1:E180013.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720180013.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972018001...
.

A idade foi o único aspecto que se associou tanto ao uso do preservativo masculino quanto de dupla proteção, confirmando que adolescentes mais velhos tendem a usar mais os métodos contraceptivos, o que já foi observado anteriormente em outras pesquisas22. Borges ALV, Fujimori E, Kuschnir MCC, Chofakian CBN, Moraes AJP, Azevedo GD, et al. ERICA: início da vida sexual e contracepção em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50 Supl 1:15s. https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016050006686
https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016...
,33. Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr1...
,1313. Grubb LK, Committee on Adolescence. Barrier protection use by adolescents during sexual activity. Pediatrics. 2020;146(2):e2020007245. https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245
https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245...
. Isso também evidencia que os adolescentes mais jovens podem ser os mais vulneráveis às consequências do não uso de métodos contraceptivos, como gestação não intencional, IST e HIV/Aids33. Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr1...
,2121. Vázquez-Rodríguez CF, Vazquez-Nava F, Vazquez-Rodriguez EM, Castillo-Ruiz O, Vargas Correa JB, Ortega Betancourt NV. Family, personal, and social factors associated with the non-use of contraceptive methods during the first sexual experience in adolescent women. J Public Health Policy. 2018;39(1):100-10. https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-8
https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-...
. Um aspecto que pode ter contribuído para esses resultados seriam as barreiras na obtenção dos métodos contraceptivos, seja por dificuldade de acessar os serviços de saúde que os ofertam, seja por terem menos recursos financeiros para obtê-los em farmácias, além de dúvidas sobre como obter e usar os métodos contraceptivos2121. Vázquez-Rodríguez CF, Vazquez-Nava F, Vazquez-Rodriguez EM, Castillo-Ruiz O, Vargas Correa JB, Ortega Betancourt NV. Family, personal, and social factors associated with the non-use of contraceptive methods during the first sexual experience in adolescent women. J Public Health Policy. 2018;39(1):100-10. https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-8
https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-...
.

Considerando que o diálogo entre os parceiros sobre as consequências de uma relação sexual desprotegida, bem como explicitar o desejo de usar um método, são pré-requisitos essenciais para aumentar o uso do preservativo masculino entre homens adolescentes2222. Tschann JM, Flores E, Groat CL, Deardorff J, Wibbelsman CJ. Condom negotiation strategies and actual condom use among Latino youth. J Adolesc Health. 2010;47(3):254-62. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.018
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.201...
, porém os mais jovens podem ter maior dificuldade e inexperiência para lidar com essas questões. Por essa razão, é importante reconhecer que ações de educação para sexualidade devem ser implementadas ainda no início da adolescência, antes mesmo do início da vida sexual, com acesso à informação e insumos para que homens adolescentes possam vivenciar sua sexualidade de forma segura.

Outro aspecto associado ao uso do preservativo masculino foi a coabitação. A influência de morar com ambos os pais já foi observada também em relação a outros comportamentos na adolescência, como o início da vida sexual33. Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr1...
e parece estar atrelada à boa comunicação dos pais com seus filhos adolescentes sobre saúde em geral, mas também à saúde sexual e contracepção1313. Grubb LK, Committee on Adolescence. Barrier protection use by adolescents during sexual activity. Pediatrics. 2020;146(2):e2020007245. https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245
https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245...
.

Por sua vez, estudar em escola privada – o que no Brasil pode ser considerado indicador de melhor inserção social e econômica – mostrou associação com o uso da dupla proteção na última relação sexual. Apesar disso, a variável grupo econômico não mostrou qualquer influência sobre o uso de métodos entre os homens adolescentes, seja preservativo masculino, seja dupla proteção. Isso nos leva a crer que haja algo nas escolas privadas que influencie o uso de métodos contraceptivos e não apenas o poder aquisitivo. Compreende-se a escola como cenário singular para inclusão da educação para a sexualidade como atividade curricular transversal, de forma a avançar nas discussões sobre a vida e a experiência de ser adolescente, incluindo o exercício da sexualidade2323. Sfair SC, Bittar M, Lopes RE. Educação sexual para adolescentes e jovens: mapeando proposições oficiais. Saude Soc. 2015;24(2):620-32. https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200018
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201500...
. As instituições privadas de ensino parecem ser mais permeáveis a esse tipo de abordagem e de preparação dos adolescentes para o exercício da vida sexual.

A relação entre consumo de álcool, práticas sexuais e uso de métodos contraceptivos entre os adolescentes é controversa. Estudos apontam que o álcool pode ter efeito negativo sobre o uso de preservativo masculino entre adolescentes: em Felson et al.2424. Felson RB, Savolainen J, Schwartz JA. The influence of alcohol intoxication on adolescent sexual intercourse and contraception use. Youth Soc. 2018;52(8):1-19. https://doi.org/10.1177/0044118X18808116
https://doi.org/10.1177/0044118X18808116...
, homens adolescentes que relataram maior frequência de uso de álcool tinham 50% menos chance de usar preservativo masculino, quando eram comparados aos jovens que não indicaram o uso recorrente de álcool. Da mesma forma, para adolescentes brasileiros de uma cidade do Sul do País, o uso de preservativo masculino foi estatisticamente menor entre os adolescentes que relataram uso de álcool em comparação com os que não usaram álcool2525. Dallo L, Martins RA. Association between the risk of alcohol use and unprotected sex in adolescents in a city in the southern region of Brazil. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(1):303-14. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.14282015
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
. Adolescentes sob o efeito do álcool focam mais o próprio desejo e menos os riscos de gravidez e IST, diminuindo a possibilidade de usar métodos contraceptivos e tornando-se sexualmente vulneráveis2424. Felson RB, Savolainen J, Schwartz JA. The influence of alcohol intoxication on adolescent sexual intercourse and contraception use. Youth Soc. 2018;52(8):1-19. https://doi.org/10.1177/0044118X18808116
https://doi.org/10.1177/0044118X18808116...
.

Entretanto, neste estudo, verificou-se que o consumo de álcool nos 30 dias anteriores foi associado ao uso do preservativo masculino, provavelmente, por causa da forma como a ingestão de álcool foi mensurada. Uma meta-análise sobre o efeito do álcool em experiências sexuais casuais entre jovens apontou inconsistência nas associações, em parte, porque se avaliou o uso de álcool como consumo ou frequência no último mês anterior à pesquisa ou no momento anterior à relação sexual2626. Claxton SE, DeLuca HK, Dulmen MHM. The association between alcohol use and engagement in casual sexual relationships and experiences: a meta-analytic review of non-experimental studies. Arch Sex Behav. 2015;44(4):837-56. https://doi.org/10.1007/s10508-014-0392-1
https://doi.org/10.1007/s10508-014-0392-...
. Não termos como averiguar o real consumo de álcool antes da última relação é uma limitação apresentada por esta pesquisa. Pode ser que o uso de álcool ou tabaco tenha ocorrido depois do evento investigado; porém, como o delineamento do estudo é transversal, não há como estabelecer qualquer relação de causalidade.

O uso de álcool e tabaco, inclusive na adolescência, tende a ocorrer de forma simultânea, pois possuem determinantes semelhantes2727. Hale DR, Viner RM. The correlates and course of multiple health risk behaviour in adolescence. BMC Public Health. 2016;16:458. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3120-z
https://doi.org/10.1186/s12889-016-3120-...
. Avaliação dessa simultaneidade de comportamentos constatou uma relação com o não uso de preservativo, mais frequente em meninos mais novos, não brancos e que não moravam com os pais2828. Neves RG, Wendt A, Flores TR, Costa CS, Costa FS, Tovo-Rodrigues L et al. Simultaneidade de comportamentos de risco para infecções sexualmente transmissíveis em adolescentes brasileiros, 2012. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):443-54. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300003
https://doi.org/10.5123/s1679-4974201700...
. Neste estudo, não se observou associação com a simultaneidade de consumo de álcool e tabaco, mas o tabagismo isolado teve efeito inverso no uso da dupla proteção, resultado similar ao encontrado no México, mas entre adolescentes mulheres2121. Vázquez-Rodríguez CF, Vazquez-Nava F, Vazquez-Rodriguez EM, Castillo-Ruiz O, Vargas Correa JB, Ortega Betancourt NV. Family, personal, and social factors associated with the non-use of contraceptive methods during the first sexual experience in adolescent women. J Public Health Policy. 2018;39(1):100-10. https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-8
https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-...
.

Os resultados aqui apresentados podem ser compreendidos como expressão de distintas lógicas que atravessam os intercursos sexuais, uma lógica sanitária e outra contraceptiva. A epidemia do HIV/Aids introduziu uma nova lógica de proteção nas relações sexuais, dimensão inescapável para as gerações mais jovens, sobretudo em função das políticas públicas de prevenção que os diversos países adotaram, desde o final da década de 1980. Eclode também com força no cenário nacional e internacional o tema do exercício da sexualidade de forma segura e saudável enquanto um direito de homens e mulheres, incluindo a população juvenil. Nesse contexto, políticas públicas, sobretudo no campo da educação e da saúde, passaram a ser fomentadas para que o preservativo, tradicionalmente invocado por seu poder preventivo de “doenças venéreas”, fosse introduzido nas relações sexuais de modo geral. Sucessivas campanhas e/ou ações governamentais são postas em curso desde então, bem como o acompanhamento dos níveis de uso do preservativo masculino (principalmente na primeira e na última relação sexual) são mensurados em diferentes tipos de estudos. Contudo, a ênfase na sua especificidade como um dispositivo de prevenção às IST sempre foi o enfoque principal de tais ações, ficando à margem sua potencialidade em desempenhar a dupla função de recurso anticonceptivo e preventivo.

Embora nossos resultados ampliem o conhecimento que se tem sobre o uso de métodos contraceptivos em homens adolescentes, uma das principais limitações deste estudo é não poder averiguar a consistência do uso do preservativo masculino, se ocorreu em relacionamentos homoafetivos ou heteroafetivos, e se o uso foi com objetivo de se prevenir IST, gravidez ou ambos, ou seja, se foi usado como recurso anticonceptivo, preventivo ou ambos. Evidências apontam que o uso do preservativo masculino está mais relacionado à prevenção contra IST e, por isso, ocorre mais frequentemente no início de relacionamentos afetivo-sexuais ou em relacionamentos não estáveis2929. Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, Zucchi EM, Díaz-Bermúdez XP. The effect of prevention methods on reducing sexual risk for HIV and their potential impact on a large-scale: a literature review. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 1:43-62. https://doi.org/10.1590/1809-4503201500050005
https://doi.org/10.1590/1809-45032015000...
.

Além disso, não se sabe o quanto o relato do uso do contraceptivo hormonal oral, no caso da dupla proteção, foi fidedigno ou subestimado, já que, por se tratar de método de uso feminino, estaria sujeito ao relato de uso pela parceira. Não nos parece casual que a proporção de dupla proteção (uso combinado do preservativo com outro método contraceptivo) seja tão baixa entre os jovens participantes do presente estudo. A dicotomia entre uma lógica sanitária e uma contraceptiva mantém (e até mesmo, reforça) a concepção de que os encargos da contracepção são femininos. A baixa proporção de declaração de uso da dupla proteção na última relação sexual pode ser reflexo desse desconhecimento masculino sobre uma função que tem sido historicamente atribuída às mulheres.

Apesar dessas limitações, o estudo possui pontos fortes. Trata-se de uma amostra robusta de adolescentes brasileiros contemplando todas as regiões do país e refere-se a uma análise pioneira de uso de dupla proteção por homens adolescentes, grupo pouco estudado. Nossos dados permitem comparabilidade com estudos nacionais e internacionais, pois o uso de método contraceptivo na última relação sexual é o evento frequentemente considerado para se mensurar as práticas correntes. Os resultados adicionam evidências à literatura nacional e à dos países de média renda sobre o uso de dupla proteção e aspectos associados entre homens adolescentes.

Estudos futuros se beneficiarão e aportarão ainda mais elementos elucidativos do comportamento masculino, caso considerem, desde seu ponto de partida/em suas premissas, o atravessamento de lógicas distintas nas relações sexuais. Sugere-se ainda que a interrogação sobre uso de método, seja na primeira ou na última relação sexual, deva ser acompanhada do questionamento sobre o tipo de parceria existente no momento do ato sexual3030. Cabral CS. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saude Soc. 2017;26(4):1093-104. https://doi.org/10.1590/s0104-12902017000001
https://doi.org/10.1590/s0104-1290201700...
, dando maior inteligibilidade às declarações sobre dupla proteção ou de outros métodos.

CONCLUSÃO

O uso de preservativo masculino e dupla proteção entre homens adolescentes brasileiros mostrou-se bastante diverso. Indicamos a necessidade de compreender os resultados do presente estudo a partir de lógicas distintas que presidem as relações sexuais. É necessário desconstruir a clássica dicotomia presente nas formulações de políticas públicas (e em algumas investigações) de que a esfera da sexualidade é de domínio/interesse dos homens, enquanto a da reprodução concerne quase exclusivamente às mulheres.

O contexto sociopolítico nacional e internacional, em especial uma guinada conservadora, especialmente na última década, gera apreensão em especialistas dedicados ao campo de estudos sobre sexualidade juvenil. No Brasil, esse giro conservador tem promovido uma contínua supressão ou desmonte de iniciativas outrora vigentes de educação em sexualidade e de programas de prevenção de IST/HIV/AIDS e de gestação nas escolas, o que implicará em menos oportunidades para o exercício seguro e saudável da sexualidade.

  • Financiamento: Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde – Decit/SCTIE/MS (FINEP – Processo 01090421). Fundo Setorial de Saúde – CT-Saúde (CNPq – Processos 565037/2010-2 e 405.009/2012-7).

Referências bibliográficas

  • 1
    Kothari MT, Wang S, Head SK, Abderrahim N. Trends in adolescent reproductive and sexual behaviors. Calverton, MD: ICF International; 2012 [cited 2020 Oct 26]. DHS Comparative Reports, nº 29. Available from: https://www.dhsprogram.com/pubs/pdf/CR29/CR29.pdf
    » https://www.dhsprogram.com/pubs/pdf/CR29/CR29.pdf
  • 2
    Borges ALV, Fujimori E, Kuschnir MCC, Chofakian CBN, Moraes AJP, Azevedo GD, et al. ERICA: início da vida sexual e contracepção em adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2016;50 Supl 1:15s. https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016050006686
    » https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016050006686
  • 3
    Abma JC, Martinez GM. Sexual activity and contraceptive use among teenagers in the United States, 2011–2015. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics; 2017 [cited 2020 Oct 26]. National Health Statistics Reports, nº 104. Available from: https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
    » https://www.cdc.gov/nchs/data/nhsr/nhsr104.pdf
  • 4
    Looze M, Madkour AS, Huijts T, Moreau N, Currie C. Country-level gender equality and adolescents’ contraceptive use in Europe, Canada and Israel: findings from 33 countries. Persp Sex Reprod Health. 2019;51(1):43-53. https://doi.org/10.1363/psrh.12090
    » https://doi.org/10.1363/psrh.12090
  • 5
    Garbers S, Scheinmann R, Gold MA, Catallozzi M, House L, Koumans EH et al. Males’ ability to report their partner’s contraceptive use at last sex in a nationally representative sample: implications for unintended pregnancy prevention evaluations. Am J Mens Health. 2017;11(3):711-8. https://doi.org/10.1177/1557988316681667
    » https://doi.org/10.1177/1557988316681667
  • 6
    Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis. 2017;27(1):41-60. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000100003
    » https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000100003
  • 7
    Saewyc EM. What about the boys? The importance of including boys and young men in sexual and reproductive health research. J Adolesc Health. 2012;51(1):1-2. https://doi.org/doi:10.1016/j.jadohealth.2012.05.002
    » https://doi.org/doi:10.1016/j.jadohealth.2012.05.002
  • 8
    World Health Organization Regional Office for Europe. Growing up unequal: gender and socioeconomic differences in young people’s health and well-being. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) Study: International Report from the 2013/2014 Survey. Copenhagen (DK): WHO Regional Office for Europe; 2016 [cited 2020 May 6]. Available from: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/303438/HSBC-No.7-Growing-up-unequal-Full-Report.pdf?ua=1
    » http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0003/303438/HSBC-No.7-Growing-up-unequal-Full-Report.pdf?ua=1
  • 9
    Centers for Disease Control and Prevention, Division of Adolescent and School Health. Youth Risk Behavior Survey: data summary & trends report 2007–2017. Atlanta, GA: CDC; 2018 [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://www.cdc.gov/healthyyouth/data/yrbs/pdf/trendsreport.pdf
    » https://www.cdc.gov/healthyyouth/data/yrbs/pdf/trendsreport.pdf
  • 10
    Felisbino-Mendes MS, Paula TF, Machado IE, Oliveira-Campos M, Malta DC. Análise dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva de adolescentes brasileiros, 2009, 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018;21 Supl 1:E180013.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720180013.supl.1
    » https://doi.org/10.1590/1980-549720180013.supl.1
  • 11
    Raidoo S, Tschann M, Elia J, Kaneshiro B, Soon R. Dual-method contraception among adolescents and young people: are long-acting reversible contraception users different? A qualitative study. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2020;33(1):45-52. https://doi.org/10.1016/j.jpag.2019.09.008
    » https://doi.org/10.1016/j.jpag.2019.09.008
  • 12
    Marcell AV, Ellen JM. Core sexual/reproductive health care to deliver to male adolescents: perceptions of clinicians focused on male health. J Adolesc Health. 2012;51(1):38-44. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2011.10.013
    » https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2011.10.013
  • 13
    Grubb LK, Committee on Adolescence. Barrier protection use by adolescents during sexual activity. Pediatrics. 2020;146(2):e2020007245. https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245
    » https://doi.org/10.1542/peds.2020-007245
  • 14
    United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Fertility 2019: early and later childbearing among adolescent women. New York: UN; 2020. [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/fertility/World_Fertility_2019.pdf
    » https://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/fertility/World_Fertility_2019.pdf
  • 15
    Bloch KV, Szklo M, Kuschnir MCC, Abreu GA, Barufaldi LA, Klein CH, et al. The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents – ERICA: rationale, design and sample characteristics of a national survey examining cardiovascular risk factor profile in Brazilian adolescents. BMC Public Health. 2015;15:94. https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-x
    » https://doi.org/10.1186/s12889-015-1442-x
  • 16
    Vasconcellos MTL, Silva PLN, Szklo M, Kuschnir MCC, Klein CH, Abreu GA, et al. Sampling design for the Study of Cardiovascular Risks in Adolescents (ERICA). Cad Saude Publica. 2015;31(5):921-30. https://doi.org/10.1590/0102-311X00043214
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00043214
  • 17
    World Food Programme. VAM Guidance Paper: Creation of a Wealth Index. Roma (IT): WFP; 2017 [cited 2020 Oct 26]. Available from: https://docs.wfp.org/api/documents/WFP-0000022418/download/
    » https://docs.wfp.org/api/documents/WFP-0000022418/download/
  • 18
    Kann L, McManus T, Harris WA, Shanklin SL, Flint KH, Queen B, et al. Youth Risk Behavior Surveillance – United States, 2017. MMWR Surveill Summ. 2018;67(8):1-114. https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6708a1
    » https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6708a1
  • 19
    Ramiro L, Windlin B, Reis M, Gabhainn SN, Jovic S, Matos MG, et al. Gendered trends in early and very early sex and condom use in 20 European countries from 2002 to 2010. Eur J Public Health. 2015;25 Suppl 2:65-8. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv030
    » https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv030
  • 20
    Molina MCC, Stoppiglia PGS, Martins CBG, Alencastro LCS. Conhecimento de adolescentes do ensino médio quanto aos métodos contraceptivos. Mundo Saude. 2015 [cited 2020 Oct 26];39(1):22-31. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/mundo_saude_artigos/Conhecimento_adolescentes_ensino.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/mundo_saude_artigos/Conhecimento_adolescentes_ensino.pdf
  • 21
    Vázquez-Rodríguez CF, Vazquez-Nava F, Vazquez-Rodriguez EM, Castillo-Ruiz O, Vargas Correa JB, Ortega Betancourt NV. Family, personal, and social factors associated with the non-use of contraceptive methods during the first sexual experience in adolescent women. J Public Health Policy. 2018;39(1):100-10. https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-8
    » https://doi.org/10.1057/s41271-017-0094-8
  • 22
    Tschann JM, Flores E, Groat CL, Deardorff J, Wibbelsman CJ. Condom negotiation strategies and actual condom use among Latino youth. J Adolesc Health. 2010;47(3):254-62. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.018
    » https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2010.01.018
  • 23
    Sfair SC, Bittar M, Lopes RE. Educação sexual para adolescentes e jovens: mapeando proposições oficiais. Saude Soc. 2015;24(2):620-32. https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200018
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200018
  • 24
    Felson RB, Savolainen J, Schwartz JA. The influence of alcohol intoxication on adolescent sexual intercourse and contraception use. Youth Soc. 2018;52(8):1-19. https://doi.org/10.1177/0044118X18808116
    » https://doi.org/10.1177/0044118X18808116
  • 25
    Dallo L, Martins RA. Association between the risk of alcohol use and unprotected sex in adolescents in a city in the southern region of Brazil. Cienc Saude Coletiva. 2018;23(1):303-14. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.14282015
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.14282015
  • 26
    Claxton SE, DeLuca HK, Dulmen MHM. The association between alcohol use and engagement in casual sexual relationships and experiences: a meta-analytic review of non-experimental studies. Arch Sex Behav. 2015;44(4):837-56. https://doi.org/10.1007/s10508-014-0392-1
    » https://doi.org/10.1007/s10508-014-0392-1
  • 27
    Hale DR, Viner RM. The correlates and course of multiple health risk behaviour in adolescence. BMC Public Health. 2016;16:458. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3120-z
    » https://doi.org/10.1186/s12889-016-3120-z
  • 28
    Neves RG, Wendt A, Flores TR, Costa CS, Costa FS, Tovo-Rodrigues L et al. Simultaneidade de comportamentos de risco para infecções sexualmente transmissíveis em adolescentes brasileiros, 2012. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):443-54. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300003
    » https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300003
  • 29
    Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, Zucchi EM, Díaz-Bermúdez XP. The effect of prevention methods on reducing sexual risk for HIV and their potential impact on a large-scale: a literature review. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 1:43-62. https://doi.org/10.1590/1809-4503201500050005
    » https://doi.org/10.1590/1809-4503201500050005
  • 30
    Cabral CS. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saude Soc. 2017;26(4):1093-104. https://doi.org/10.1590/s0104-12902017000001
    » https://doi.org/10.1590/s0104-12902017000001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2020
  • Aceito
    13 Jan 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br