Características associadas a padrões alimentares em crianças brasileiras menores de dois anos

Rumão Batista Nunes de Carvalho Maria Laura da Costa Louzada Fernanda Rauber Renata Bertazzi Levy Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar padrões alimentares de crianças brasileiras menores de dois anos e verificar a sua associação com características sociodemográficas e de utilização de serviços de saúde.

MÉTODOS

Estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013. A identificação dos padrões foi realizada em dois grupos etários por meio da análise fatorial por componentes principais e a correlação às características de interesse, testada por meio de modelos de regressão linear.

RESULTADOS

Em ambos os grupos foram identificados dois padrões alimentares: o primeiro foi caracterizado pelo consumo de alimentos in natura ou minimamente processado e o segundo marcado somente pelo consumo de alimentos ultraprocessados. A maior adesão das crianças entre seis e 11 meses ao primeiro padrão foi associada à maior renda familiar per capita, residência em área urbana e nas regiões mais desenvolvidas do país. Com 12 meses ou mais, a adesão foi relacionada com a raça/cor branca, maior renda familiar per capita, residência nas regiões mais desenvolvidas e realizar consultas de puericultura em serviços privados. No segundo padrão, a aderência entre os menores de um ano foi inversamente associada com raça/cor amarela ou indígena, residência na região Nordeste e realização de puericultura nos serviços públicos especializados ou nos privados. A partir dos 12 meses, a adesão foi diretamente associada com raça/cor preta ou parda e residência nas regiões mais desenvolvidas, e inversamente associada com residência na região Nordeste.

CONCLUSÃO

O estudo identificou dois padrões alimentares opostos em crianças brasileiras menores de dois anos, sendo que diferentes determinantes sociais modificam a chance de adesão a esses padrões.

Nutrição do Lactente; Alimentos, Dieta e Nutrição; Fatores Socioeconômicos; Serviços de Saúde da Criança

INTRODUÇÃO

Os dois primeiros anos de vida são cruciais para o crescimento e desenvolvimento da criança, e nesta fase a alimentação adequada e saudável desempenha um papel fundamental para que esses processos ocorram de forma satisfatória11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019.. Desde que seja ofertada em quantidade e qualidade apropriada, a alimentação associa-se às melhores condições de saúde na infância, assim como pode atuar na prevenção de diversas doenças desenvolvidas na fase adulta11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019..

Por outro lado, a alimentação inadequada é o mais importante fator de risco para anos de vida perdidos e está associada a inúmeras doenças crônicas não transmissíveis altamente prevalentes, como obesidade, diabetes tipo II, hipertensão e alguns tipos de câncer22. GBD 2015 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016;388(10053):1659-724. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31679-8
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. Além disso, é um dos principais determinantes da sindemia global de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas, que afeta a maioria das pessoas em todos os países e regiões do mundo33. Swinburn B, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Bogard JR, et al. The Global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the Lancet Commission report. Lancet. 2019;393(10173):791-846. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32822-8
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. Essas consequências são particularmente relevantes para crianças, já que comportamentos e agravos de saúde adquiridos em fases iniciais da vida tendem a repercutir em idades posteriores44. Turer CB, Brady TM, Ferranti SD. Obesity, hypertension, and dyslipidemia in childhood are key modifiable antecedents of adult cardiovascular disease. a call to action. Circulation. 2018;137(12):1256-9. https://doi.org/10.1161%2FCIRCULATIONAHA.118.032531
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.

Estudos prévios evidenciam que um dos principais determinantes da piora da qualidade da alimentação decorre, principalmente, da substituição do consumo de refeições saudáveis, baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados, por alimentos prontos ou semiprontos para consumo, identificados como ultraprocessados55. Rauber F, Costa Louzada ML, Steele EM, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and chronic non-communicable diseases-related nutrient profile in the UK (2008-2014). Nutrients. 2018;10(5):587. https://doi.org/10.3390/nu10050587
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,66. Costa Louzada ML, Ricardo CZ, Steele EM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. The share of ultra-processed foods determines the overall nutritional quality of diets in Brazil. Public Health Nutr. 2018;21:94-102. https://doi.org/10.1017/s1368980017001434
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. Na população infantil, o consumo de alimentos não saudáveis além de estar aumentando, parece estar associado ao maior risco de desenvolver obesidade77. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):177-84. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11.003
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e dislipidemia88. Rauber F, Campagnolo P, Hoffman D, Vitolo M. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2015;25(1):116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
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, sendo que a primeira é o fator metabólico mais comum no desenvolvimento de outros agravos crônicos entre as crianças, como diabetes e pressão arterial elevada44. Turer CB, Brady TM, Ferranti SD. Obesity, hypertension, and dyslipidemia in childhood are key modifiable antecedents of adult cardiovascular disease. a call to action. Circulation. 2018;137(12):1256-9. https://doi.org/10.1161%2FCIRCULATIONAHA.118.032531
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,99. Bhupathiraju SN, Hu FB. Epidemiology of obesity and diabetes and their cardiovascular complications. Circ Res. 2016;118:1723-35. https://doi.org/10.1161/circresaha.115.306825
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.

Esses achados são especialmente importantes, já que nos primeiros anos de vida, além da introdução de alimentos complementares, essencial para atender às necessidades nutricionais e de desenvolvimento de uma criança, também é uma época em que práticas parentais, preferências e hábitos alimentares, saudáveis ou não , poderão ser estabelecidos1010. Silva GAP, Costa KAO, Giugliani ERJ. Infant feeding: beyond the nutritional aspects. J Pediatr (Rio J). 2016;923(3 Suppl 1):S2-7. https://doi.org/10.1016/j.jped.2016.02.006
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, o que, ainda, demanda a necessidade da avaliação contínua de marcadores de consumo nessa faixa etária.

Além disso, até o momento são poucos os estudos que avaliam a influência da utilização de serviços de saúde na alimentação infantil. Em geral, as pesquisas que avaliaram mães usuárias desse suporte têm se concentrado em identificar os aspectos relacionados ao monitoramento e desempenho de indicadores, especialmente os de amamentação1111. Fernandes RC, Höfelmann DA. Intenção de amamentar entre gestantes: associação com trabalho, fumo e experiência prévia de amamentação. Cienc Saude Colet. 2020;25(3):1061-1072. https://doi.org/10.1590/1413-81232020253.27922017
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,1212. Venancio SI, Giugliani ERJ, Silva OLO, Stefanello J, Benicio MHDA, Reis MCG, et al. Associação entre o grau de implantação da Rede Amamenta Brasil e indicadores de amamentação. Cad Saude Publica. 2016;32(3):e00010315. https://doi.org/10.1590/0102-311X00010315
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, assim como a existência de vínculo entre as usuárias e o profissional do serviço1313. Reichert APS, Rodrigues PF, Albuquerque TM, Collet N, Minayo MCS. Vínculo entre enfermeiros e mães de crianças menores de dois anos: percepção de enfermeiros. Cienc Saude Colet. 2016;21(8):2375-82. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.07662016
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. Ainda, discute-se a ideia de que a prática de introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida se associa à falta de orientações nutricionais eficazes aos responsáveis, por parte dos profissionais de saúde, como também à baixa aderência às ações de prevenção e educação nutricional implementadas, especialmente em serviços de atenção básica1414. Dallazen C, Silva SA, Gonçalves VSS, Nilson EAF, Crispim SP, Lang RMF, et al. Introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida e fatores associados em crianças de baixo nível socioeconômico. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00202816. https://doi.org/10.1590/0102-311x00202816
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. Esse cenário também leva a realizar investigações mais aprofundadas.

Considerando que o consumo alimentar tende a ser mais bem representado pela análise do efeito simultâneo de diferentes grupos de alimentos1515. Hu FB. Dietary pattern analysis: a new direction in nutritional epidemiology. Curr Opin Lipidol. 2002;13(1):3-9. https://doi.org/10.1097/00041433-200202000-00002
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, estudos anteriores, realizados em escolares ou em residentes de determinadas regiões do país, avaliaram a alimentação por meio da identificação de padrões alimentares e observaram que características maternas tendem a influenciar a adesão a esses padrões1616. Bogea EG, Martins MLB, Carvalho WRC, Arruda SPM, França AKTC, Silva AAM. Padrões alimentares de crianças de 13 a 35 meses de idade e associação com características maternas. Cad Saude Publica. 2019;35(4):e00072618. https://doi.org/10.1590/0102-311x00072618
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,1717. Sotero AM, Cabral PC, Silva GAP. Socioeconomic, cultural and demographic maternal factors associated with dietary patterns of infants. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):445-52. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.03.006
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. No entanto, esses achados não permitem generalizar os padrões alimentares e os fatores sociodemográficos associados a todo o território nacional, e para todas as faixas de idade da população infantil, assim como ainda não foram observadas evidências de padrões alimentares que, nessa fase, podem estar associados à utilização de serviços de saúde. Essa lacuna permite realizar novos estudos que analisem informações em uma amostra nacionalmente representativa de crianças brasileiras, como em menores de dois anos de idade.

Assim, a partir dos dados de amostra populacional relacionados à alimentação infantil, disponibilizados pela Pesquisa Nacional de Saúde em 20131818. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014., e dos métodos robustos de análise exploratória, que permitem identificar e explicar as combinações mais frequentes do consumo alimentar, este estudo se propõe a analisar padrões alimentares de crianças brasileiras menores de dois anos e verificar a sua associação com características sociodemográficas e de utilização de serviços de saúde.

MÉTODOS

Delineamento, População de Estudo e Coleta de Dados

Estudo transversal, de base populacional domiciliar, que utiliza dados secundários da Pesquisa Nacional de Saúde, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde. A coleta de dados foi realizada por entrevistadores treinados e ocorreu no período de agosto de 2013 a fevereiro de 2014.

A PNS utilizou amostragem probabilística em três estágios: no primeiro, os setores censitários constituíram as unidades primárias de amostragem; o segundo estágio referiu-se ao sorteio dos domicílios; e o terceiro, ao sorteio de um morador de 18 anos ou mais de idade. Em cada estágio, foi realizado sorteio por amostragem aleatória simples. Os setores censitários ou conjuntos utilizados na PNS foram sorteados com base no Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE, usando Amostra Mestra, com maior espalhamento geográfico e ganho de precisão das estimativas. Desta forma, a amostra da PNS é representativa do Brasil, macrorregiões, unidades da federação, regiões metropolitanas, capitais e o restante das unidades da federação.

Foram obtidos registros de entrevistas em 60.202 domicílios (taxa de resposta de 86,1%). As crianças menores de dois anos de idade foram identificadas no segundo estágio, quando um número fixo de domicílios particulares permanentes em cada unidade primária de amostragem foi selecionado1919. Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003
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. As mães ou responsáveis responderam às questões referentes às crianças nos domicílios sorteados. Neste estudo, apenas as 3.646 crianças entre seis e 23 meses de idade foram incluídas na amostra final.

Definiram-se pesos amostrais para as unidades primárias de amostragem, domicílios e todos os seus moradores. Detalhes adicionais sobre o processo de amostragem, fatores de ponderação, coleta e outras informações podem ser encontrados em publicação anterior1919. Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003
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.

Variáveis de Estudo

Dados relacionados ao consumo alimentar, às características sociodemográficas e de utilização de serviços de saúde foram analisados.

Consumo Alimentar

O consumo alimentar foi obtido por meio de resposta a um questionário aplicado ao responsável pelo domicílio da criança que avaliou o consumo dos seguintes alimentos nas 24 horas que antecederam o dia da entrevista: leite não materno ou derivados; frutas ou suco natural; verduras/legumes; feijão ou outras leguminosas (lentilha, ervilha etc.); carnes ou ovos; batata e outros tubérculos e raízes (batata doce, mandioca); cereais e derivados (arroz, pão, cereal, macarrão, farinha etc.); sucos artificiais; biscoitos, bolachas ou bolo; doces, balas ou outros alimentos com açúcar; e refrigerantes. Todas essas variáveis foram categorizadas em indicadores dicotômicos (0 = não consumiu; 1 = consumiu).

Características Sociodemográficas

Consideraram-se as seguintes variáveis sociodemográficas: sexo (masculino; feminino); idade (seis a 11 meses e 29 dias; 12 a 23 meses e 29 dias); raça/cor da pele referida (branca; preta ou parda; outras – amarela ou indígena); renda familiar per capita (distribuída em quintos); área de residência (rural; urbana); e região do país (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste).

Características de Utilização de Serviços de Saúde

As variáveis de utilização de serviços de saúde incluíam: cobertura de plano de saúde (sim; não); e local de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento (puericultura) (não faz acompanhamento; unidade básica de saúde; serviço público especializado – centro de especialidades, policlínica pública ou posto de assistência médica, hospital público/ambulatório; consultório particular ou clínica privada; e outros).

Análise dos Dados

A distribuição sociodemográfica e de utilização de serviços de saúde e a prevalência dos alimentos consumidos foram apresentadas em percentuais e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para a amostra total.

Os padrões de comportamento alimentar foram definidos utilizando análise fatorial por componentes principais1515. Hu FB. Dietary pattern analysis: a new direction in nutritional epidemiology. Curr Opin Lipidol. 2002;13(1):3-9. https://doi.org/10.1097/00041433-200202000-00002
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, método indicado quando os dados não apresentam distribuição normal2020. Costello AB, Osborne J. Best practices in exploratory factor analysis: four recommendations for getting the most from your analysis. Pract Assess Res Eval. 2005;10:173-8. https://doi.org/10.7275/jyj1-4868
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. Em seguida, os fatores obtidos foram rotacionados por meio de rotação ortogonal varimax. Os testes de esfericidade de Bartllet e Kayser-Meyer-Olkin (KMO) foram aplicados para verificar a adequação dos dados para realização da análise fatorial2121. Gleason PM, Boushey CJ, Harris JE, Zoellner J. Publishing nutrition research: a review of multivariate techniques – part 3: data reduction methods. J Acad Nutr Diet. 2015;115:1072-82. https://doi.org/10.1016/j.jand.2015.03.011
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. Os fatores retidos atenderam os critérios de autovalor (eigenvalue) > 1 e análise gráfica scree plot. A melhor interpretabilidade dos fatores foi utilizada para composição final dos componentes, e os alimentos com cargas fatoriais maiores ou igual a 0,3 foram considerados importantes para a identificação do padrão alimentar. Alimentos que apresentaram cargas cruzadas (cross-loadings) – carregamentos de itens maior ou igual aos valores de carga especificados (0,3) em dois ou mais fatores – foram retirados da análise para identificação e discriminação do melhor ajuste aos dados na estrutura fatorial2020. Costello AB, Osborne J. Best practices in exploratory factor analysis: four recommendations for getting the most from your analysis. Pract Assess Res Eval. 2005;10:173-8. https://doi.org/10.7275/jyj1-4868
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. Em seguida, os escores fatoriais foram preditos para cada criança avaliada.

A associação entre os escores preditos (variável dependente) e as variáveis sociodemográficas e de utilização de serviços de saúde (independentes) foi avaliada mediante modelos de regressão linear. No modelo ajustado, foram incluídas variáveis com p < 0,20 nas análises bivariadas e mantidas apenas as significativas (p < 0,05). O ajuste do modelo foi verificado pela análise de distribuição de resíduos, que apresentou normalidade.

Realizou-se a análise de dados no software Stata versão 14.0, por meio do módulo survey, considerando o delineamento amostral. A análise fatorial e a regressão linear foram realizadas na amostra total e na estratificada pela idade em meses.

A PNS foi aprovada na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Protocolo 328.159, de 26 de junho de 2013). Todos os entrevistados foram consultados e esclarecidos, e aqueles que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram avaliadas 3.646 crianças brasileiras entre seis e 23 meses (1.249 de seis a 11 meses; 2.397 de 12 a 23 meses). A maioria era do sexo masculino (53,3%), tinha entre 12 e 23 meses (68,3%), foi declarada preta ou parda (51,9%) e pertencia ao primeiro e segundo quintos da distribuição de renda familiar per capita (52,6%). Crianças que residiam na área urbana (83,8%), nas regiões Nordeste (29,4%) e Sudeste (37,2%), sem cobertura de plano de saúde (73,6%), atendidas nas unidades básicas de saúde (55,4%) e em serviços privados (27,9%) apresentaram as maiores frequências na distribuição (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição das características da amostra de crianças de seis meses a menores de dois anos de idade. Pesquisa Nacional de saúde (PNS), 2013 (n = 3.646).

A descrição dos alimentos consumidos pelas crianças está apresentada na Tabela 2. Os maiores percentuais de consumo de alimentos considerados in natura ou minimamente processados foram observados para cereais e derivados (83,1%), frutas ou suco natural de frutas (81,5%) e leite não materno ou derivados (80,5%). Entre os alimentos ultraprocessados, o maior percentual de consumo foi de biscoitos/bolachas/bolo (76,6%); mais da metade das crianças menores de dois anos (52,4%) tinha consumido sucos artificiais e refrigerantes nas últimas 24 horas.

Tabela 2
Percentual de consumo nas 24 horas anteriores à entrevista de alimentos na amostra de crianças de seis meses a menores de dois anos de idade. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 2013 (n = 3.646).

No geral, a verificação da adequação dos dados obteve valor de KMO 0,80 e teste de Bartlett com p < 0,001, indicando adequação dos dados para realização da análise fatorial.

Pela análise foi possível identificar dois fatores, tanto em toda a amostra quanto naquela estratificada segundo a faixa etária. Os dois fatores explicaram 46% da variância compartilhada nas crianças entre seis e 11 meses e 41% nas crianças mais velhas. Na Tabela 3 são apresentadas as cargas fatoriais rotacionadas em cada um dos dois componentes, para a amostra total e para a estratificada. O consumo de “biscoitos, bolachas ou bolo” apresentou cross-loading e foi retirado da análise para melhor validade de discriminação entre os fatores.

Tabela 3
Cargas fatoriais rotacionadas para os dois componentes da análise fatorial por componentes principais, estratificados por idade. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 2013.

Em ambos os grupos etários e para o total da população estudada, o primeiro componente denominado “padrão minimamente processado”, foi caracterizado pelo consumo de alimentos in natura ou minimamente processado (leite não materno ou derivados, frutas ou suco natural, verduras/legumes, feijão ou outras leguminosas, carnes ou ovos, batata e outros tubérculos e raízes, e cereais e derivados). Já o segundo, intitulado “padrão ultraprocessado”, foi caracterizado pelos alimentos ultraprocessados (sucos artificiais, doces, balas ou outros alimentos com açúcar e refrigerantes).

Nos modelos brutos, a aderência ao padrão minimamente processado, nas duas faixas de idade, foi maior entre as crianças brancas, de maior renda, residentes das zonas urbanas e das regiões mais desenvolvidas do país, com planos de saúde e atendidas em serviços de saúde privados. Nos modelos ajustados para as crianças de seis a 11 meses, esse padrão manteve-se significantemente associado com famílias de maior renda, residentes das zonas urbanas e das regiões mais desenvolvidas do país. No modelo para crianças de 12 a 24 meses, a maior aderência ao padrão minimamente processado se associou significativamente com as crianças brancas, com maior renda, residentes das regiões mais desenvolvidas do país, e atendidas em serviços de saúde privados (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4
Associação bruta e ajustada entre os padrões de consumo alimentar em crianças de seis a 11 meses e 29 dias e características sociodemográficas e de acesso a serviços de saúde. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 2013 (n = 1.249).
Tabela 5
Associação bruta e ajustada entre os padrões de consumo alimentar em crianças de 12–23 meses e 29 dias e características sociodemográficas e de acesso a serviços de saúde. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 2013 (n = 2.397).

Quanto ao padrão ultraprocessado, entre as crianças de seis a 11 meses, a maior adesão foi diretamente associada às crianças com planos de saúde e inversamente associada às crianças declaradas amarela ou indígena, com menor renda, residentes na região Nordeste e atendidas em serviços de saúde privados. A partir de um ano, a maior aderência ao padrão ultraprocessado foi diretamente associada às crianças de cor preta ou pardas e residentes da região Sul, e inversamente associada às mais ricas, residentes no Nordeste e atendidas em serviços de saúde particulares. Após os ajustes, entre as crianças de seis a 11 meses, as associações se mantiveram significativas, exceto para menor renda e plano de saúde. A partir de um ano, a associação perdeu significância para menor renda e os serviços de saúde privados, mas foram identificadas outras associações com a região Sudeste e Centro-Oeste (Tabelas 4 e 5).

DISCUSSÃO

Dados representativos de crianças brasileiras menores de dois anos possibilitaram identificar dois padrões de consumo alimentar, classificados como padrão minimamente processado e padrão ultraprocessado. Nas crianças entre seis e 11 meses, a maior aderência ao padrão minimamente processado estava relacionada à maior renda familiar per capita, residir em área urbana e pertencer às regiões mais desenvolvidas do país (Sul, Sudeste e Centro-Oeste). A partir dos 12 meses, a maior adesão foi mantida entre as crianças com maior renda familiar per capita e que pertenciam às regiões mais desenvolvidas, também observada entre aquelas que eram brancas e realizavam consultas de puericultura em serviços privados. Quanto ao padrão ultraprocessado, na faixa etária de seis a 11 meses, a maior adesão estava inversamente associada às crianças declaradas amarela ou indígena, residentes na região Nordeste e atendidas em serviços de saúde privados. Com 12 meses ou mais, a maior aderência foi diretamente associada às crianças de cor preta ou parda e residência nas regiões mais desenvolvidas, e inversamente associada àquelas residentes da região Nordeste.

O padrão minimamente processado, identificado neste estudo, explicou a maior proporção da variância total e foi o que melhor representou o consumo alimentar da população brasileira infantil menor de dois anos. Nesse padrão, foram identificados os alimentos ou derivados relacionados ao leite não materno, frutas e hortaliças em geral, e carnes ou ovos. Nossos achados acrescentam informações ao que foi, até então, observado em alguns estudos regionais realizados no Brasil e de população em outros países, com diferentes faixas etárias da população infantil. Esses estudos também identificaram um tipo de padrão alimentar, composto, em sua maioria, por grupos de alimentos recomendados1616. Bogea EG, Martins MLB, Carvalho WRC, Arruda SPM, França AKTC, Silva AAM. Padrões alimentares de crianças de 13 a 35 meses de idade e associação com características maternas. Cad Saude Publica. 2019;35(4):e00072618. https://doi.org/10.1590/0102-311x00072618
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,2222. Mais LA, Warkentin S, Vega JB, Latorre MRDO, Carnell S, Taddei JAAC. Sociodemographic, anthropometric and behavioural risk factors for ultra-processed food consumption in a sample of 2–9-year-olds in Brazil. Public Health Nutr. 2018;21(1):77-86. https://doi.org/10.1017/s1368980017002452
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. Um exemplo, foi o “padrão saudável” encontrado em crianças de 13 a 35 meses de idade em uma capital da região Nordeste, que continha itens como, hortaliças, tubérculos, carnes e vísceras, arroz e macarrão, frutas e sucos de fruta1616. Bogea EG, Martins MLB, Carvalho WRC, Arruda SPM, França AKTC, Silva AAM. Padrões alimentares de crianças de 13 a 35 meses de idade e associação com características maternas. Cad Saude Publica. 2019;35(4):e00072618. https://doi.org/10.1590/0102-311x00072618
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. Outro padrão alimentar semelhante, denominado “comida tradicional”, foi observado em estudo com escolares de dois a nove anos na região Sudeste do país, e consistia em seis grupos de alimentos consumidos: carne, grãos, feijão, leite e laticínios, legumes e frutas2222. Mais LA, Warkentin S, Vega JB, Latorre MRDO, Carnell S, Taddei JAAC. Sociodemographic, anthropometric and behavioural risk factors for ultra-processed food consumption in a sample of 2–9-year-olds in Brazil. Public Health Nutr. 2018;21(1):77-86. https://doi.org/10.1017/s1368980017002452
https://doi.org/10.1017/s136898001700245...
. Além disso, pesquisas conduzidas com crianças australianas menores de dois anos2323. Bell LK, Schammer C, Devenish G, Ha D, Thomson MW, Spencer JA, et al. Dietary patterns and risk of obesity and early childhood caries in Australian toddlers: findings from an Australian cohort study. Nutrients. 2019;11(11):2828. https://doi.org/10.3390/nu11112828
https://doi.org/10.3390/nu11112828...
e com crianças europeias entre dois e nove anos2424. González-Gil EM, Tognon G, Lissner L, Intemann T, Pala V, Galli C, et al. Prospective associations between dietary patterns and high sensitivity C-reactive protein in European children: the IDEFICS study. Eur J Nutr. 2018;57:1397-407. https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-x
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, também encontraram padrões formados por grupos de alimentos semelhantes ao padrão minimamente processado.

É possível observar que a população infantil do Brasil tende a apresentar um padrão alimentar saudável, alinhado às recomendações do Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019.. Este mesmo Guia recomenda que, a partir dos seis meses, além do leite materno, a introdução de uma alimentação complementar adequada e saudável deverá ser baseada em alimentos in natura ou minimamente processados, obtidos diretamente de plantas e animais, tais como as frutas, legumes, verduras, ovos, carnes, tubérculos, grãos e cereais11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019.. O incentivo e a adoção de práticas alimentares saudáveis e a prevenção de doenças crônicas em fases posteriores da vida devem iniciar já nos primeiros dois anos de idade, uma vez que as práticas alimentares adquiridas na infância tendem a se manter na vida adulta2525. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2. ed. Brasília, DF; 2015..

Quanto ao consumo do leite não materno ou de seus derivados, identificado no padrão alimentar minimamente processado, é importante mencionar que a oferta do leite não materno às crianças menores de um ano não é uma prática recomendada quando a criança estiver sendo amamentada11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019.. Em situações especiais, a oferta do leite não materno deverá ser orientada por um profissional de saúde capacitado11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019.. No entanto, como não foi possível avaliar se o consumo desse grupo de alimentos seguiu as recomendações do Ministério da Saúde11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019., a intepretação do padrão alimentar minimamente processado deverá ser realizada com cautela.

O segundo padrão identificado neste estudo foi denominado “padrão ultraprocessado”, caracterizado pelos seguintes grupos de alimentos: sucos artificiais, doces, balas ou outros alimentos com açúcar, e refrigerantes. De forma semelhante, o estudo com crianças de 13 a 35 meses, realizado em uma região urbana do Nordeste, encontrou um padrão alimentar que chamou de “não saudável”, caracterizado pelo consumo de sucos artificiais, refrigerantes, biscoitos ou bolos simples e lanches não saudáveis1616. Bogea EG, Martins MLB, Carvalho WRC, Arruda SPM, França AKTC, Silva AAM. Padrões alimentares de crianças de 13 a 35 meses de idade e associação com características maternas. Cad Saude Publica. 2019;35(4):e00072618. https://doi.org/10.1590/0102-311x00072618
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. Estudo realizado com escolares da região Sudeste identificou um padrão denominado “alimentos ultraprocessados”, formado pelo consumo de fast food, suco artificial, salgadinhos, lanches açucarados, bolachas/biscoitos/bolos com recheio e legumes (carregados negativamente)2222. Mais LA, Warkentin S, Vega JB, Latorre MRDO, Carnell S, Taddei JAAC. Sociodemographic, anthropometric and behavioural risk factors for ultra-processed food consumption in a sample of 2–9-year-olds in Brazil. Public Health Nutr. 2018;21(1):77-86. https://doi.org/10.1017/s1368980017002452
https://doi.org/10.1017/s136898001700245...
. Destaca-se que algumas diferenças observadas na composição dos padrões alimentares entre esses estudos podem decorrer dos diferentes instrumentos disponíveis para obtenção dos dados de consumo alimentar das crianças, da faixa de idade avaliada e da região onde foram realizados os estudos, o que ainda aumenta a relevância da realização deste trabalho em uma amostra nacionalmente representativa de crianças menores de dois anos.

Dadas as altas prevalências observadas no consumo isolado de alimentos ultraprocessados neste estudo, ressalta-se a importância que esses achados podem representar na saúde de crianças menores de dois anos. Nossos resultados apontam que mais de três quartos dessas crianças tinham consumido biscoitos, bolachas ou bolo, dados superiores ao encontrado em estudo anterior1414. Dallazen C, Silva SA, Gonçalves VSS, Nilson EAF, Crispim SP, Lang RMF, et al. Introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida e fatores associados em crianças de baixo nível socioeconômico. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00202816. https://doi.org/10.1590/0102-311x00202816
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. Também, mais da metade das crianças avaliadas aqui consumiu bebidas açucaradas, o que está de acordo com os resultados verificados em estudo realizado na Região Sudeste do país2626. Longo-Silva G, Toloni MHA, Menezes RCE, Asakura L, Oliveira MAA, Taddei JAAC. Introdução de refrigerantes e sucos industrializados na dieta de lactentes que frequentam creches públicas. Rev Paul Pediatr. 2015;33(1):34-41. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.06.009
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. Além disso, observamos que cerca de 40% da população infantil brasileira menor de dois anos consumiu doces, balas ou outros alimentos com açúcar, sendo que o consumo desses tipos de alimentos vem sendo verificado em crianças antes dos quatro meses de idade1414. Dallazen C, Silva SA, Gonçalves VSS, Nilson EAF, Crispim SP, Lang RMF, et al. Introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida e fatores associados em crianças de baixo nível socioeconômico. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00202816. https://doi.org/10.1590/0102-311x00202816
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. O consumo de alimentos ultraprocessados está associado a desfechos desfavoráveis à saúde infantil, como obesidade e dislipidemias77. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):177-84. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11.003
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,88. Rauber F, Campagnolo P, Hoffman D, Vitolo M. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2015;25(1):116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08...
,2424. González-Gil EM, Tognon G, Lissner L, Intemann T, Pala V, Galli C, et al. Prospective associations between dietary patterns and high sensitivity C-reactive protein in European children: the IDEFICS study. Eur J Nutr. 2018;57:1397-407. https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-x
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.

Conforme descrito no Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019., o padrão alimentar ultraprocessado que identificamos não é o recomendado para as crianças menores de dois anos. Embora os danos associados ao consumo de alimentos ultraprocessados estejam relatados na literatura77. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):177-84. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11.003
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11...
,2424. González-Gil EM, Tognon G, Lissner L, Intemann T, Pala V, Galli C, et al. Prospective associations between dietary patterns and high sensitivity C-reactive protein in European children: the IDEFICS study. Eur J Nutr. 2018;57:1397-407. https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-x
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,2727. Bigornia SJ, LaValley MP, Noel SE, Moore LL, Ness AR, Newby PK. Sugar-sweetened beverage consumption and central and total adiposity in older children: a prospective study accounting for dietary reporting errors. Public Health Nutr. 2015;18(7):1155-63. https://doi.org/10.1017/s1368980014001700
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, no Brasil e no resto do mundo, os achados indicam um aumento no consumo desse grupo de alimentos, especialmente entre crianças, em diferentes regiões geográficas e cenários socioeconômicos2626. Longo-Silva G, Toloni MHA, Menezes RCE, Asakura L, Oliveira MAA, Taddei JAAC. Introdução de refrigerantes e sucos industrializados na dieta de lactentes que frequentam creches públicas. Rev Paul Pediatr. 2015;33(1):34-41. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.06.009
https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.06....
,2828. Pan L, Li R, Park S, Galuska DA, Sherry B, Freedman DS. A longitudinal analysis of sugar-sweetened beverage intake in infancy and obesity at 6 years. Pediatrics. 2014;134 Suppl 1:S29-35. https://doi.org/10.1542/peds.2014-0646F
https://doi.org/10.1542/peds.2014-0646F...
. O consumo de alimentos ultraprocessados está associado à má qualidade da dieta infantil, sobretudo com dietas ricas em açúcar2929. Cornwell B, Villamor E, Mora-Plazas M, Marin C, Monteiro CA, Baylin A. Processed and ultra-processed foods are associated with lower-quality nutrient profiles in children from Colombia. Public Health Nutr. 2018;21(1):142-7. https://doi.org/10.1017/S1368980017000891
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, sódio2929. Cornwell B, Villamor E, Mora-Plazas M, Marin C, Monteiro CA, Baylin A. Processed and ultra-processed foods are associated with lower-quality nutrient profiles in children from Colombia. Public Health Nutr. 2018;21(1):142-7. https://doi.org/10.1017/S1368980017000891
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,3030. Vandevijvere S, De Ridder K, Fiolet T, Sarah B, Tafforeau J. Consumption of ultra-processed food products and diet quality among children, adolescents and adults in Belgium. Eur J Nutr. 2019;58(8):3267-78. https://doi.org/10.1007/s00394-018-1870-3
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e gordura saturada3030. Vandevijvere S, De Ridder K, Fiolet T, Sarah B, Tafforeau J. Consumption of ultra-processed food products and diet quality among children, adolescents and adults in Belgium. Eur J Nutr. 2019;58(8):3267-78. https://doi.org/10.1007/s00394-018-1870-3
https://doi.org/10.1007/s00394-018-1870-...
, e com dietas pobres em vitaminas2626. Longo-Silva G, Toloni MHA, Menezes RCE, Asakura L, Oliveira MAA, Taddei JAAC. Introdução de refrigerantes e sucos industrializados na dieta de lactentes que frequentam creches públicas. Rev Paul Pediatr. 2015;33(1):34-41. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.06.009
https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.06....
,3030. Vandevijvere S, De Ridder K, Fiolet T, Sarah B, Tafforeau J. Consumption of ultra-processed food products and diet quality among children, adolescents and adults in Belgium. Eur J Nutr. 2019;58(8):3267-78. https://doi.org/10.1007/s00394-018-1870-3
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, fibras, proteínas e potássio55. Rauber F, Costa Louzada ML, Steele EM, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-processed food consumption and chronic non-communicable diseases-related nutrient profile in the UK (2008-2014). Nutrients. 2018;10(5):587. https://doi.org/10.3390/nu10050587
https://doi.org/10.3390/nu10050587...
.

Além disso, evidências encontradas em estudos longitudinais, com verificação no Brasil e em outros países, apontam que o consumo de alimentos ultraprocessados entre pré-escolares77. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):177-84. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11.003
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11...
,88. Rauber F, Campagnolo P, Hoffman D, Vitolo M. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2015;25(1):116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08...
,2424. González-Gil EM, Tognon G, Lissner L, Intemann T, Pala V, Galli C, et al. Prospective associations between dietary patterns and high sensitivity C-reactive protein in European children: the IDEFICS study. Eur J Nutr. 2018;57:1397-407. https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-x
https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-...
, e adolescentes2727. Bigornia SJ, LaValley MP, Noel SE, Moore LL, Ness AR, Newby PK. Sugar-sweetened beverage consumption and central and total adiposity in older children: a prospective study accounting for dietary reporting errors. Public Health Nutr. 2015;18(7):1155-63. https://doi.org/10.1017/s1368980014001700
https://doi.org/10.1017/s136898001400170...
está associado ao aumento da adiposidade central77. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):177-84. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11.003
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11...
,2727. Bigornia SJ, LaValley MP, Noel SE, Moore LL, Ness AR, Newby PK. Sugar-sweetened beverage consumption and central and total adiposity in older children: a prospective study accounting for dietary reporting errors. Public Health Nutr. 2015;18(7):1155-63. https://doi.org/10.1017/s1368980014001700
https://doi.org/10.1017/s136898001400170...
, à alteração do perfil lipídico88. Rauber F, Campagnolo P, Hoffman D, Vitolo M. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2015;25(1):116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
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e aos níveis aumentados de proteína C reativa, biomarcador comumente associado à adiposidade e fatores de risco cardiovasculares2424. González-Gil EM, Tognon G, Lissner L, Intemann T, Pala V, Galli C, et al. Prospective associations between dietary patterns and high sensitivity C-reactive protein in European children: the IDEFICS study. Eur J Nutr. 2018;57:1397-407. https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-x
https://doi.org/10.1007/s00394-017-1419-...
. Também, a introdução precoce dos alimentos ultraprocessados pode ainda prejudicar o aleitamento materno exclusivo, pois a oferta desse tipo de alimento começa antes do quarto mês de vida da criança1414. Dallazen C, Silva SA, Gonçalves VSS, Nilson EAF, Crispim SP, Lang RMF, et al. Introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida e fatores associados em crianças de baixo nível socioeconômico. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00202816. https://doi.org/10.1590/0102-311x00202816
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. Os resultados reforçam a necessidade de ações mais eficazes no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças brasileiras, especialmente no que se refere a orientações direcionadas a introdução alimentar complementar realizadas em serviços de assistência à saúde, públicos ou privados.

Em relação às análises realizadas para as duas faixas etárias (seis a 12 meses e 12 a 24 meses) não se observou diferenças na composição dos padrões alimentares, mas evidenciou-se que a população infantil brasileira teve acesso ao consumo de alimentos ultraprocessados já a partir de um ano de idade. Resultado semelhante ao que foi encontrado em um estudo multicêntrico realizado com crianças residentes na Região Sul do Brasil1414. Dallazen C, Silva SA, Gonçalves VSS, Nilson EAF, Crispim SP, Lang RMF, et al. Introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida e fatores associados em crianças de baixo nível socioeconômico. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00202816. https://doi.org/10.1590/0102-311x00202816
https://doi.org/10.1590/0102-311x0020281...
, onde se verificou que o consumo de alimentos não recomendados se inicia antes mesmo do primeiro ano de vida.

Quanto à aderência entre o padrão minimamente processado de crianças menores de dois anos e a maior renda domiciliar observada neste trabalho, observou-se similaridade aos resultados encontrados em um estudo realizado numa capital brasileira da região Nordeste1717. Sotero AM, Cabral PC, Silva GAP. Socioeconomic, cultural and demographic maternal factors associated with dietary patterns of infants. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):445-52. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.03.006
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. No entanto, a adesão das crianças brancas, que residiam em área urbana e que pertenciam às regiões mais desenvolvidas do país não foi identificada ou avaliada em outros estudos que utilizaram métodos comparáveis.

O padrão ultraprocessado identificado neste estudo teve a maior aderência das crianças maiores de um ano não brancas, estando semelhante aos resultados de um estudo com crianças norte americanas nessa faixa etária3131. Hamner HC, Perrine CG, Gupta PM, Herrick KA, Cogswell ME. Food consumption patterns among U.S. children from birth to 23 months of age, 2009-2014. Nutrients. 2017;9(9):942. https://doi.org/10.3390/nu9090942
https://doi.org/10.3390/nu9090942...
. Quanto à associação inversa entre o padrão ultraprocessado e as crianças residentes da região Nordeste, evidências comparáveis foram observadas em análise anterior que avaliou a prevalência de consumo de bebidas açucaradas em menores de dois anos, utilizando também dados da PNS 20133232. Jaime PC, Prado RR, Malta DC. Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 1:13s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000038
https://doi.org/10.1590/s1518-8787.20170...
. No entanto, o padrão alimentar ultraprocessado, além de estar inversamente associado às crianças residentes da região Nordeste, como observado no estudo anterior3232. Jaime PC, Prado RR, Malta DC. Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 1:13s. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000038
https://doi.org/10.1590/s1518-8787.20170...
, também foi diretamente relacionado às crianças residentes em regiões mais desenvolvidas, sinalizando que diferenças regionais na composição dos padrões alimentares podem existir. Diferente de achado anterior1414. Dallazen C, Silva SA, Gonçalves VSS, Nilson EAF, Crispim SP, Lang RMF, et al. Introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida e fatores associados em crianças de baixo nível socioeconômico. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00202816. https://doi.org/10.1590/0102-311x00202816
https://doi.org/10.1590/0102-311x0020281...
, a associação entre o padrão ultraprocessado e a renda per capita familiar não foi observada neste trabalho.

De modo geral, sabe-se que alguns fatores, como saúde, nutrição e socioeconômicos, têm dificultado que crianças de países pobres alcancem um desenvolvimento esperado3333. Freitas LG, Cortés MAP, Stein C, Cousin E, Faustino-Silva DD, Hilgert JB. Qualidade do consumo alimentar e fatores associados em crianças de um ano de vida na Atenção Primária à Saúde. Cienc Saude Colet. 2020;25(7):2561-70. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.14592018
https://doi.org/10.1590/1413-81232020257...
. Particularmente, tem-se observado que o nível de escolaridade materno e a renda podem interferir no processo de melhoria da qualidade alimentar, sendo que o nível de escolaridade materna pode influenciar tanto na adesão às práticas alimentares recomendadas quanto àquelas não recomendas para as crianças3333. Freitas LG, Cortés MAP, Stein C, Cousin E, Faustino-Silva DD, Hilgert JB. Qualidade do consumo alimentar e fatores associados em crianças de um ano de vida na Atenção Primária à Saúde. Cienc Saude Colet. 2020;25(7):2561-70. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.14592018
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.

Até o momento, não encontramos nenhuma publicação que tenha avaliado padrões alimentares de crianças e a utilização de serviços de saúde em uma amostra com representatividade nacional. Nossos resultados apontam que as maiores adesões aos padrões alimentares adequados e saudáveis foram associadas às crianças que realizavam consultas de puericultura em serviços privados. E isso está de acordo com o que foi observado em estudo regional brasileiro realizado no Nordeste1717. Sotero AM, Cabral PC, Silva GAP. Socioeconomic, cultural and demographic maternal factors associated with dietary patterns of infants. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):445-52. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.03.006
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.

No geral, o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento da criança pelos serviços de saúde, como na puericultura, pode contribuir para desfechos positivos em diversos aspectos, desde a promoção e a recuperação da saúde infantil, até a prevenção de doenças na infância e na vida adulta1717. Sotero AM, Cabral PC, Silva GAP. Socioeconomic, cultural and demographic maternal factors associated with dietary patterns of infants. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):445-52. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.03.006
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. E neste contexto, a promoção da orientação alimentar e nutricional inserida nos serviços de puericultura traduz-se em uma ação essencial, principalmente considerando que os danos à saúde e que são associados à adesão aos padrões alimentares inadequados na infância já foram demostrados77. Costa CS, Rauber F, Leffa PS, Sangalli CN, Campagnolo PDB, Vitolo MR. Ultra-processed food consumption and its effects on anthropometric and glucose profile: a longitudinal study during childhood. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2019;29(2):177-84. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11.003
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2018.11...
,88. Rauber F, Campagnolo P, Hoffman D, Vitolo M. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: a longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2015;25(1):116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08...
.

Estudos anteriores apontam que a integralidade da atenção à criança é um processo em construção na atenção primária à saúde brasileira, especialmente nos serviços oferecidos pela Estratégia Saúde da Família3434. Damasceno SS, Nóbrega VM, Coutinho SED, Reichert APS, Toso BRGO, Collet N. Saúde da criança no Brasil: orientação da rede básica à Atenção Primária à Saúde. Cienc Saude Colet. 2016;21(9):2961-73. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.25002015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
. Além disso, ainda são necessárias mudanças significativas na estrutura do serviço e no perfil dos profissionais para a efetividade da Estratégia Saúde da Família como um modelo de atenção3434. Damasceno SS, Nóbrega VM, Coutinho SED, Reichert APS, Toso BRGO, Collet N. Saúde da criança no Brasil: orientação da rede básica à Atenção Primária à Saúde. Cienc Saude Colet. 2016;21(9):2961-73. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.25002015
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,3535. Pedraza DF, Santos IS. Avaliação da vigilância do crescimento nas consultas de puericultura na Estratégia Saúde da Família em dois municípios do estado da Paraíba, Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(4):847-55. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000400015
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.

Entre as limitações deste estudo, algumas estão relacionadas ao adulto tomado como referência familiar para responder ao questionário sobre o consumo alimentar. O adulto foi selecionado aleatoriamente, e, para alguns domicílios, esse adulto pode não ser o responsável direto pela criança. Ainda, a utilização de apenas um questionário sobre o consumo alimentar das últimas 24 horas pode não representar o consumo habitual da criança. No entanto, como se trata da utilização de uma grande amostra com dados da PNS, o efeito da variabilidade do consumo alimentar pode ter sido minimizado. Outras limitações são tocantes ao uso da análise fatorial, incluindo as seguintes opções arbitrárias: número de componentes a serem extraído, método de rotação e nomeação dos componentes3636. Martinez ME, Marshall JR, Sochrost L. Invited commentary: factor analysis and the search for objectivity. Am J Epidemiol. 1998;148(1):17-9. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a009552
https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.a...
. Os padrões observados, porém, apresentam coerência aos principais comportamentos para doenças crônicas não transmissíveis identificadas no país e em outras regiões do mundo.

Apesar das limitações, este estudo possui importantes pontos fortes. Nossos achados reforçam a literatura científica atual, pois permitiram identificar dois padrões de comportamento alimentar de crianças brasileiras com recomendações opostas verificadas no Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019. e que esses padrões podem sofrer influência de fatores demográficos e econômicos, aos quais as crianças estão expostas. Nenhum estudo de base populacional nacional com amostragem complexa probabilística e rigor metodológico foi publicado avaliando desfechos com métodos semelhantes, tornando nossos resultados extrapoláveis para toda população infantil menor de dois anos do país.

Considerando os achados deste estudo, a prevalência de consumo de alguns alimentos ultraprocessados foi alta para a população infantil brasileira menor de dois anos. Nessa população, foram observados dois padrões alimentares de diferentes composições que podem estar distribuídos segundo diferentes características sociodemográficos e de utilização de alguns serviços de saúde. Além disso, esses dois padrões parecem traduzir recomendações opostas às do Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos11. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília, DF; 2019., um como base da alimentação e o outro com alimentos que deveriam ser evitados. Isso pode orientar a implementação de ações de promoção de saúde, incluindo aquelas já utilizadas na infância, a fim de que alcancem resultados com maior equidade.

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  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes - bolsa de doutorado para RBNC).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2021
  • Aceito
    13 Jan 2022
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br