ArboAlvo: método de estratificação da receptividade territorial às arboviroses urbanas

Alexandre San Pedro Siqueira Heitor Levy Ferreira Praça Jefferson Pereira Caldas dos Santos Hermano Gomes Albuquerque Leandro Vouga Pereira Taynãna Cesar Simões Eduardo Viana Vieira Gusmão Aline Aparecida Thomaz Pereira Fabiano Geraldo Pimenta Júnior Aline Araújo Nobre Mariane Branco Alves Christovam Barcellos Marilia Sá Carvalho Paulo Chagastelles Sabroza Nildimar Alves Honório Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Apresentar a metodologia de estratificação das arboviroses urbanas (dengue, zika e chikungunya) pelo índice de receptividade territorial, instrumento de vigilância e controle dessas doenças que considera a heterogeneidade territorial intramunicipal.

MÉTODOS

Estudo ecológico que utiliza como unidade de análise as áreas de abrangência dos centros de saúde de Belo Horizonte (MG). Para a construção do índice de receptividade territorial foram selecionados indicadores de determinação socioambiental das arboviroses urbanas a fim de integrar à análise de componentes principais. As componentes resultantes foram ponderadas por análise de processos hierárquicos e agregadas por meio de álgebra de mapas.

RESULTADOS

O índice de receptividade territorial evidenciou grande heterogeneidade das condições de infraestrutura urbana. As áreas classificadas como alta e muito alta receptividade correspondem a aproximadamente 33% da área ocupada e se concentram sobretudo nas regiões de planejamento administrativo Leste, Nordeste, Norte, Oeste e Barreiro, principalmente em áreas limítrofes do município. Quando sobrepostas à densidade de casos de dengue e de ovos de Aedes em 2016, a estratificação pelo índice de receptividade territorial às arboviroses urbanas demonstra que áreas de muito alta receptividade apresentam uma densidade de casos, bem como de ovos de Aedes superior àquela observada nas demais áreas da cidade, o que corresponde a um percentual bastante reduzido do território municipal (13,5%).

CONCLUSÕES

As análises indicam a necessidade do desenvolvimento de ações de vigilância e controle adequadas para cada contexto, superando, assim, a lógica de alocação homogênea em todo o território.

Infecções por Arbovirus, epidemiologia; Fatores de Risco; Zona de Risco, classificação; Monitoramento Epidemiológico; Estudos Ecológicos

INTRODUÇÃO

A emergência do zika vírus e do chikungunya em áreas de alta endemicidade para a dengue tem se revelado um grande desafio para os serviços de vigilância e controle em diversos países. A expansão dessas arboviroses, cujos agentes etiológicos são transmitidos por mosquitos do gênero Aedes, principalmente o Aedes aegypti , em áreas urbanas é uma importante questão para a saúde pública que, com aproximadamente 390 milhões de casos anuais no mundo, resulta em perdas econômicas e sociais, de caráter individual e coletivo, além de gerar gastos crescentes com a assistência clínica11 Honório NA, Câmara DCP, Calvet GA, Brasil P. Chikungunya: uma arbovirose em estabelecimento e expansão no Brasil Cad Saude Publica. 2015;31(5):906-8. https://doi.org/10.1590/0102-311XPE020515
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A ocorrência simultânea das três arboviroses no Brasil é um importante desafio para o Sistema Único de Saúde (SUS), tanto pela magnitude e gravidade dos casos, quanto pelas dificuldades de diagnóstico diferencial, além da ampla distribuição geográfica, que alcança a maioria dos municípios nas cinco macrorregiões do país55 Ministério da Saúde (BR). Boletins Epidemiológicos. Brasília, DF; 2016 [cited 2020 Sep 9]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/boletins-epidemiologicos
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A reprodução dessas arboviroses em ambientes urbanos é condicionada por fatores relacionados às características socioambientais, à dinâmica demográfica, aos elevados níveis de infestação do Aedes aegypti e à circulação viral de diferentes sorotipos de dengue, zika e chikungunya em cada território66 Carvalho MS, Honório NA, Garcia LMT, Carvalho LCS. Aedes ægypti control in urban areas: a systemic approach to a complex dynamic. PLoS Negl Trop Dis. 2017;11(7):e0005632. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005632
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, 77 Donnelly MAP, Kluh S, Snyder RE, Barker CM. Quantifying sociodemographic heterogeneities in the distribution of Aedes aegypti among California households. PLoS Negl Trop Dis. 2020;14(7):e0008408. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0008408
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Historicamente, as ações de vigilância e controle entomológico são baseadas no levantamento de índices de infestação do Aedes aegypti , que, de maneira isolada, sem considerar outros indicadores e os seus respectivos contextos, possuem baixa capacidade preditora de risco de transmissão para as arboviroses urbanas88 MacCormack-Gelles B, Lima Neto AS, Sousa GS, Nascimento OJ, Castro MC. Evaluation of the usefulness of Aedes aegypti rapid larval surveys to anticipate seasonal dengue transmission between 2012-2015 in Fortaleza, Brazil. Acta Trop. 2020;205:105391. https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2020.105391
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. A maioria das medidas de controle têm demonstrado certo grau de efetividade somente quando as ações são padronizadas, aplicadas de forma intensiva, com ampla cobertura territorial e sustentadas no tempo99 Bowman LR, Donegan S, Mccall PJ. Is dengue vector control deficient in effectiveness or evidence: systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(3):e0004551. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0004551
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. Sob as condições da rotina dos serviços municipais de controle, nenhuma das medidas tem demonstrado, até o momento, potencial para impedir a transmissão em longo prazo, o que sugere a necessidade de abordagens integradas e permanentes, capazes de incorporar a complexidade socioambiental do território33 Bhatt S, Gething PW, Brady OJ, Messina JP, Farlow AW, Moyes CL, et al. The global distribution and burden of dengue. Nature. 2013;496(7446):504-7. https://doi.org/10.1038/nature12060
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, 1010 Cattand P, Dejeux P, Guzmán MG, Janin J, Kroeger A, Medici A, et al. Tropical diseases lacking adequate control measures: Dengue, Leishmaniasis, and African Trypanosomiasis. In: Jamilson DT, Beman JG, Meashsam AR, Alleyne G, Claeson M, Evans DBV, et al, editors. Disease control priorities in developing countries. 2. ed. Washington, DC: The International Bank for Reconstruction and Development; New York: World Bank Publications; 2006 [cited 2020 Sep 9]. Chapter 25; p. 451-66. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK11753/
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Diante das limitações operacionais para a execução de ações de controle vetorial em toda extensão de um determinado território, as estratégias vigentes devem ser repensadas, considerando a heterogeneidade das condições socioambientais e as suas especificidades, fundamentais para o desenvolvimento de ações específicas para cada contexto. Assim, o novo paradigma no controle das arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti sustenta que o risco de transmissão se distribui de forma heterogênea pelo território, o que ressalta a necessidade de abordagens que busquem estratificar e qualificar unidades territoriais intramunicipais (bairros, distritos, áreas administrativas) em termos das condições socioambientais, visando à proposição de ações de vigilância e controle diferenciadas88 MacCormack-Gelles B, Lima Neto AS, Sousa GS, Nascimento OJ, Castro MC. Evaluation of the usefulness of Aedes aegypti rapid larval surveys to anticipate seasonal dengue transmission between 2012-2015 in Fortaleza, Brazil. Acta Trop. 2020;205:105391. https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2020.105391
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. Essa abordagem de vigilância e controle é apontada por diferentes instituições como a mais adequada para a identificação de espaços com diferentes níveis de risco de transmissão1111 Pan American Health Organization. Technical document for the implementation of interventions based on generic operational scenarios for Aedes aegypti control. Washington, DC: PAHO; 2019 [cited 2020 Sep 9]. Available from: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51652
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, 1212 World Health Organization. Handbook for integrated vector management. Geneva (CH); WHO; 2012 [cited 2020 Sep 9]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44768/9789241502801_eng.pdf;jsessionid=6B69CE295A4ABE22DE977675414E596D?sequence=1
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No Brasil, ela é desenvolvida por meio de um projeto de pesquisa financiado pelo Ministério da Saúde e executado pelo Instituto Oswaldo Fiocruz/Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), conhecido como ArboAlvo, que busca desenvolver metodologias de estratificação de risco para as arboviroses urbanas em escala intramunicipal, e, nesse processo, elaborou o método para a receptividade territorial às arboviroses urbanas.

O termo receptividade vem sendo utilizado como parte do arcabouço teórico dos estudos sobre a malária e como dimensão dos determinantes socioambientais relacionados à doença. Esse conceito, que se ampliou no campo dos estudos das doenças associadas à artrópodes vetores no final da década de 1970 a partir de trabalhos elaborados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1313 World Health Organization, Regional Office for Europe. Receptivity to malaria and other parasitic diseases: report on a WHO working group, Izmir, 11-15 september 1978. Copenhagen (DK); WHO Regional Office for Europe; 1978 [cited 2020 Aug 12]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/204466
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, é utilizado até os dias atuais1414 World Health Organization, Regional Office for the Eastern Mediterranean. Guidelines on prevention of the reintroduction of malaria. Cairo (EG): EMRO; 2007 [cited 2020 Aug 12]. (EMRO Technical Publications Series; nº 34). Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/119851
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, 1515 World Health Organization. Global malaria Programme: WHO malaria terminology. Geneva (CH): WHO; 2016 [cited 2020 Aug 12]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/208815/WHO_HTM_GMP_2016.6_eng.pdf
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. Neste contexto, ele se refere a uma característica de áreas onde há “presença abundante de mosquitos do gênero Anopheles , bem como existência de fatores ecológicos e climáticos que favoreçam a transmissão da malária”1414 World Health Organization, Regional Office for the Eastern Mediterranean. Guidelines on prevention of the reintroduction of malaria. Cairo (EG): EMRO; 2007 [cited 2020 Aug 12]. (EMRO Technical Publications Series; nº 34). Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/119851
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. Sob este aspecto, os fatores ecológicos envolvidos no conceito de receptividade à malária pressuporiam a existência de relações com territórios rurais ou florestais1616 Tauil PL. Malária no Brasil: epidemiologia e controle. In: Ministério da Saúde (BR); Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2009: uma análise da situação de saúde e da agenda nacional e internacional de prioridades em saúde. Brasília, DF: MS; 2010. p. 223-40. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). .

Ao considerarmos o marco teórico desenvolvido inicialmente para a malária e ao analisarmos o processo de produção das arboviroses de transmissão vetorial em ambientes urbanos, tais como dengue, zika e chikungunya, compreendemos o conceito de receptividade de acordo com características socioambientais distintas, relacionadas com as condições infraestruturais que propiciam a reprodução do Aedes aegypti . Nesse sentido, os aspectos territoriais relacionados ao modo de ocupação do espaço urbano são relevantes para a caracterização das condições de receptividade. Consequentemente, por estarem voltados para doenças com determinantes sociais e ambientais bem demarcados, a vigilância e o controle das arboviroses urbanas devem articular um componente técnico que conceba o território como a base para a organização dos serviços e das ações de saúde, suporte da vida da população e contexto que explica a produção dos problemas de saúde. Ou seja, como campo de responsabilidades e atuações compartilhadas, que compreende, além de suas características morfológicas, uma área de exercício de saberes e poderes1717 Monken M, Barcellos C. Vigilância em saúde e território utilizado: possibilidades teóricas e metodológicas. Cad Saude Publica. 2005;21(3):898-906. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000300024
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Este artigo apresenta a metodologia de estratificação pelo índice de receptividade territorial (IRT) às arboviroses urbanas como uma ferramenta para a vigilância e controle de dengue, zika e chikungunya. Para tanto, considera a heterogeneidade territorial intramunicipal correspondente ao município de Belo Horizonte (MG).

MÉTODOS

O processo de construção do índice de receptividade territorial às arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti foi realizado a partir de um delineamento ecológico que utilizou como unidade de análise as áreas de abrangência dos centros de saúde1818 Souza RCF, Oliveira VB, Pereira DB, Costa HSM, Caiaffa WT. Viver próximo à saúde em Belo Horizonte. Cad Metropole. 2016;18(36):325-44. https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3601
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de Belo Horizonte. Uma série de indicadores foi sintetizada em dimensões (por análise multivariada), ponderada por análise de processos hierárquicos (AHP)1919 Albuquerque HG, Peiter PC, Toledo LM, Alencar JAF, Sabroza PC, Dias CG, et al. Geographical information system (GIS) modeling territory receptivity to strengthen entomological surveillance: Anopheles (Nyssorhynchus) case study in Rio de Janeiro state, Brazil. Parasit Vect. 2018;11(1):256-62. https://doi.org/10.1186/s13071-018-2844-2
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e, novamente sintetizada, o que resultou no referido índice. Este estudo foi realizado no âmbito do ArboAlvo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz (CEP-IOC), sob o protocolo nº 51057015.5.0000.5537.

Área de Estudo

Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, possui aproximadamente 331,401 km2e, em 2019, população urbana estimada em 2.510.072 habitantes, com densidade demográfica de aproximadamente 7.167 hab./km2. O município está localizado a uma altitude média de 852 metros acima do nível do mar, apresenta clima classificado como tropical de altitude, caracterizado por verões moderadamente quentes e úmidos e invernos secos com baixas temperaturas. A média anual de precipitação é de cerca de 1.400 mm2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades: Belo Horizonte. Rio de Janeiro: IBGE; c2017 [cited 2020 Aug 12]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/belo-horizonte/panorama
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, 2121 Assis WL. Os climas naturais do município de Belo Horizonte. Acta Geogr. 2012; Ed Espec:115-35. https://doi.org/10.5654/actageo2012.0002.0008
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Em termos sociais, Belo Horizonte apresenta alto índice de desenvolvimento humano (0,81), uma moderada desigualdade de distribuição de renda (coeficiente de Gini de 0,6) e percentual de população pobre de aproximadamente 4% (100.402 habitantes)2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades: Belo Horizonte. Rio de Janeiro: IBGE; c2017 [cited 2020 Aug 12]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/belo-horizonte/panorama
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. A cidade é endêmica para dengue e apresenta casos notificados de zika e chikungunya2222 Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. A experiência de Belo Horizonte no enfrentamento às arboviroses: dengue, zika e chikungunya. Bol Vigil Saude. 2016 [cited 2020 Aug 12];(7):1-26. Available from: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/2018/documentos/boletim-gvsiI-arboviroses-13-1-2017.pdf
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O município é dividido em nove regiões administrativas e 485 bairros ( Tabela 1 ). Além das regiões de planejamento administrativo (RPA) e dos bairros, o município de Belo Horizonte tem outra unidade territorial, delimitada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), denominada Área de Abrangência dos Centros de Saúde (152 áreas). No estudo que originou este artigo, as áreas de abrangência foram utilizadas como unidades espaciais de análise, pois a estratificação da receptividade em nível intramunicipal deve ser capaz de dialogar com a territorialização das ações de vigilância e controle das arboviroses urbanas da SMS de Belo Horizonte2323 Barcellos C, Santos SM. Colocando dados no mapa: a escolha da unidade espacial de agregação e integração de bases de dados em saúde e ambiente através do geoprocessamento. Inf Epidemiol SUS. 1997;6(1):21-9. https://doi.org/10.5123/S0104-16731997000100003
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Tabela 1
Características geográficas e demográficas das regiões administrativas (RA) do município de Belo Horizonte, MG.

Composição do IRT às Arboviroses Urbanas Associadas ao Aedes aegypti

A partir da concepção teórica sobre a receptividade territorial adotada, foram construídos 30 indicadores com base em revisão de literatura2424 Flauzino RF, Souza-Santos R, Oliveira RM. Dengue, geoprocessamento e indicadores socioeconômicos e ambientais: um estudo de revisão. Rev Panam Salud Publica. 2009;25(5):456-61. e na expertise dos autores, capazes de caracterizar fatores do território relacionados à ocorrência das arboviroses urbanas. Foram elaborados indicadores referentes ao crescimento da mancha urbana do município, à densidade populacional por área edificada, ao percentual de área com aglomerados subnormais, à altimetria, à edificação, à caracterização da área com vegetação, às condições do entorno das moradias e às características sociossanitárias dos domicílios.

Para a construção do indicador crescimento da mancha urbana de Belo Horizonte foram realizados mapeamentos de uso e ocupação do solo de um período de três anos (1984, 2000 e 2017) por meio de imagens Landsat 5 e 8 (resolução espacial de 30 m) adquiridas via Google Engine (https://earthengine.google.com) e analisadas por classificação supervisionada, com a utilização das seguintes classes de uso do solo: área urbana, vegetação, solo exposto, corpos hídricos e vias. Por fim, foi calculado o percentual de crescimento de área urbana em dois períodos (1984–2000; 2000–2017) para cada área de abrangência do município.

Na caracterização da área vegetada, foi realizado mapeamento adicional de uso e ocupação do solo. Utilizou-se imagens de 2016 da constelação dos satélites Plêiades (resolução espacial de 0,5 m), analisadas por interpretação visual para identificação de cinco classes (corpos hídricos, área edificada, solo exposto, vegetação arbórea e herbácea). Optou-se por imagens de 2016 porque o índice foi avaliado em sua relação com os dados de ocorrência de dengue referente àquele ano epidêmico.

Para construção do indicador densidade populacional por área edificada (hab./km2) foi realizado o mapeamento das áreas edificadas para o cálculo do denominador por meio da interpretação visual de imagens de 2016 dos satélites Plêiades. Diferentemente da identificação do uso do solo, em que a área urbana foi definida sem considerar o uso efetivo pela população, neste mapeamento foram delimitadas todas as áreas com construções antrópicas de moradia, uso público ou industrial, excluindo-se as áreas verdes e de loteamento incipientes. Deste processo resultaram dois indicadores: percentual de área ocupada e densidade populacional real.

O percentual de áreas com aglomerados subnormais foi obtido a partir da base cartográfica do Censo 2010. Os aglomerados subnormais se caracterizam pela presença de dificuldades de acesso, alta densidade de construções, habitações precárias e insuficiente oferta de serviços públicos, como abastecimento de água e coleta de lixo, muitas vezes classificados como favelas ou outras denominações locais2525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Aglomerados subnormais. O que é? Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [cited 2021 Jan 11]. Available from: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/tipologias-do-territorio/15788-aglomerados-subnormais.html?=&t=o-que-e
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. Essa base foi complementada pelo georreferenciamento de informações sobre favelas em Belo Horizonte e pela busca ativa por interpretação visual de imagens de satélite. Após essa coleta de informação foi construída uma base de aglomerados subnormais (vetorização). O mapeamento dessas áreas por unidade espacial de análise resultou no percentual da área com aglomerados subnormais.

Os indicadores de condições do entorno das moradias (presença de esgoto a céu aberto, lixo acumulado, ausência de iluminação pública, pavimentação e bueiros), bem como das condições dos domicílios (abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, média de pessoas por domicílios, fonte de energia elétrica, renda e composição populacional), foram construídos com base nos dados censitários de 2010. As informações foram agregadas para as unidades espaciais adotadas (áreas de abrangência) por meio de relacionamento entre planos de informação em um Sistema de Informações Geográficas (SIG).

O indicador altitude média foi construído pela transformação das curvas de nível (5 m) em uma superfície suavizada pela interpolação feita pelo método Inverse Distance Weighted (IDW) e posterior extração da média para cada área de abrangência por meio de ferramentas de geoprocessamento. Já a verticalização média foi construída pelo cálculo da média das altimetrias de todas as edificações por área de abrangência. Os dados de altimetria, oriundos de mapeamento a laser via LIDAR ( Light Detection and Ranging ), e as curvas de nível foram obtidos junto à prefeitura de Belo Horizonte (https://prefeitura.pbh.gov.br/prodabel).

Posteriormente, foi realizada análise exploratória estatística para seleção dos indicadores para análise de componentes principais ( Quadro ), meio pelo qual foram avaliados três critérios: 1) coeficiente de variação mínimo de 25%; 2) não apresentar alta correlação positiva (redundância); e 3) apresentar plausibilidade epidemiológica. As variáveis altamente correlacionadas negativamente foram mantidas pelo alto poder de discriminação entre as unidades territoriais de análise.

Quadro
Indicadores territoriais selecionados para compor a análise de componentes principais da construção do índice de receptividade territorial (IRT) das arboviroses urbanas.

Análise Multivariada e Cálculo do Índice de Receptividade

Dimensões da receptividade às arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti foram criadas a partir da análise de componentes principais (ACP), com o uso dos 21 indicadores descritos no Quadro . A ACP é uma técnica de análise multivariada que tem como finalidade transformar as variáveis originais em componentes (combinações lineares ortogonais) pelos quais se obtém uma síntese com menor perda possível da informação2626 Jolliffe IT. Principal component analysis. 2. ed. New York: Springer International Publishing; 2002. (Springer Series in Statistics). . Os indicadores foram padronizados por meio do critério de Kaiser (autovalores > 1) e a visualização de decaimento da variância entre componentes (scree plot) para identificar aqueles a serem selecionados. A importância de cada componente principal (peso) é avaliada por meio da proporção da variância total explicada por ele. As cargas de cada indicador foram utilizadas para determinar sua importância na construção do componente.

O IRT foi construído com base em uma análise de multicritérios2727 Santos JPC, Caldas VISP, Silva AS, Santos JPC. Suscetibilidade à erosão dos solos da bacia hidrográfica lagos – São João, no Estado do Rio de Janeiro – Brasil, a partir do método AHP e análise multicritério. Rev Bras Geogr Fis. 2019;12(4):1415-30. https://doi.org/10.26848/rbgf.v12.4p1415-1430
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. Esse procedimento envolve a álgebra de mapas, meio pelo qual os diferentes planos de informação são cruzados com seus pesos e notas, tendo como resultado o mapa síntese. Para fazer essa integração é necessário que os critérios sejam padronizados com a uniformização das unidades de todos os mapas2828 Jiang H, Eastman JR. Application of fuzzy measures in multi-criteria evaluation in GIS. Int J Geogr Inform Sci. 2000;14():173-84. https://doi.org/10.1080/136588100240903
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. No estudo que realizamos foram utilizadas as componentes resultantes da ACP, como os planos de informação, para gerar o mapa de receptividade a partir da análise multicritério, por meio do método de combinação linear ponderada, no qual as componentes são normalizadas e associadas a pesos obtidos com a análise de processos hierárquicos (AHP). Esse método pondera os pesos de cada componente resultante da ACP com a comparação par a par por especialistas em relação ao desfecho e, então, por meio de álgebra matricial, se obtém o peso de cada componente. Posteriormente, o IRT foi dividido em quintis, de modo que o mapa resultante apresenta cinco classes (muito alta, alta, média, baixa e muito baixa).

Como forma de avaliar a relação do IRT e a ocorrência de arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti , foram realizadas as sobreposições ao plano de informação, que incluem a densidade de casos de dengue e de ovos de Aedes (estimador de Kernel) referente ao ano epidêmico de 2016. A correlação estatística entre essas variáveis foi estimada por meio do coeficiente de Spearman (não paramétrica), mantendo-se como unidade de análise as 152 áreas de abrangência dos centros de saúde. As duas sobreposições desses planos de informação também permitiram calcular alguns indicadores, como o número de áreas de abrangência e densidade média de casos de dengue e ovos de Aedes segundo níveis de IRT, com o objetivo de apontar áreas prioritárias para o controle.

Os dados referentes às suspeitas de casos de dengue notificados em Belo Horizonte em 2016, georreferenciados segundo o endereço de residência, e os dados referentes ao número de ovos de Aedes por ovitrampas, foram fornecidos pela SMS do município. A utilização apenas dos casos de dengue e não do conjunto das arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti para essa avaliação se justifica pela existência de informação georreferenciada somente para eles, o que permite a estimativa da densidade de casos, o que não seria possível para as demais arboviroses. Adicionalmente, a frequência de casos de dengue em 2016 foi predominante entre todas as arboviroses (154.143 casos ou 99%) em relação à zika (1.495 casos ou 0,1%) e à chikungunya (95 casos ou 0,01%), de modo que a não inclusão dos casos dessas duas arboviroses não afeta a avaliação da relação do índice com a ocorrência de casos de dengue2222 Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. A experiência de Belo Horizonte no enfrentamento às arboviroses: dengue, zika e chikungunya. Bol Vigil Saude. 2016 [cited 2020 Aug 12];(7):1-26. Available from: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/2018/documentos/boletim-gvsiI-arboviroses-13-1-2017.pdf
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RESULTADOS

A análise exploratória espacial dos indicadores selecionados aponta para um processo recente de expansão urbana direcionado para as porções nordeste e noroeste da cidade, bem como para a ocorrência de uma heterogeneidade territorial das condições socioeconômicas, de infraestrutura habitacional e do entorno das moradias. Dentre os indicadores pré-selecionados, aqueles com maior plausibilidade epidemiológica no processo de determinação socioambiental e variabilidade territorial são apresentados na Figura 1 .

Figura 1
Distribuição espacial dos indicadores territoriais segundo as áreas de abrangência. Belo Horizonte, MG.

A partir do resultado da ACP optou-se por trabalhar com os quatro primeiros componentes gerados pela análise que, em conjunto, explicam aproximadamente 61% da variância observada. Esses componentes foram espacializados e interpretados à luz do conhecimento do território municipal ( Figura 2 ).

Figura 2
Componentes de condições socioambientais resultantes da análise de componentes principais. Belo Horizonte, MG.

O primeiro componente resultante, que explica aproximadamente 29% da variabilidade do conjunto de dados, foi definido como áreas periféricas de concentração populacional e de pobreza com deficiência de infraestrutura urbana e baixo percentual de pessoas brancas. Assim, áreas com alto valor desse componente apresentam alto percentual de domicílios com renda mensal per capita de até um salário-mínimo, sem pavimentação no entorno e com abastecimento por poço, chuva armazenada em cisterna e/ou outra forma de abastecimento.

O segundo componente, designada pobreza concentrada em área urbana consolidada, explica aproximadamente 15% da variabilidade. Nas unidades espaciais de análise em que o valor desse componente é alto, observa-se: maior densidade populacional e de pessoas pobres, maior percentual de domicílios em situação de ocupação irregular, e maior percentual de áreas favelizadas, isto é, em aglomerados subnormais.

O terceiro componente explica aproximadamente 10% da variabilidade do conjunto de dados e designa áreas com altitudes elevadas e alta verticalização com heterogeneidade de infraestrutura urbana. O quarto componente apresenta percentual de explicação de aproximadamente 7% e designa área adensada com precariedade urbana. Nas áreas com alto valor para esse último componente existe alta densidade populacional, alto percentual de domicílios em situação de ocupação irregular, alto percentual de domicílios com lixo acumulado no entorno e alto percentual de domicílios com esgoto a céu aberto no entorno.

O processo de ponderação desses componentes para a elaboração do índice por meio da AHP resultou nos seguintes pesos: 17,4% para o primeiro; 34% para o segundo; 7,2% para o terceiro; e 41,4% para o quarto. Com base nesses pesos e por meio da técnica de álgebra de mapas, obtivemos o IRT para cada uma das unidades de análise. O índice foi espacializado com as áreas de abrangência das unidades básicas de saúde, classificadas em cinco categorias de receptividade: muito baixa; baixa; média; alta; e muito alta ( Figura 3 ).

Figura 3
(A) Índice de receptividade territorial às arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti ; (B) densidade de casos de dengue; (C) densidade de ovos de Aedes . Belo Horizonte, MG, 2016.

As áreas classificadas como de alta e muito alta receptividade, correspondentes a aproximadamente 33% da área ocupada do município ( Tabela 2 ), se concentram sobretudo nas RPA Leste, Nordeste, Norte, Oeste e Barreiro, principalmente em áreas limítrofes a outros municípios que compõem a região metropolitana. Observa-se, no entanto, a presença de áreas assim classificadas em todas as RPA da cidade. As áreas classificadas como de baixa ou muito baixa receptividade, por outro lado, se concentram nas RPA Centro-Sul e Pampulha, caracterizadas pela ocupação de pessoas com renda média e alta e por uma boa rede de serviços e infraestrutura urbana. Essas áreas correspondem a cerca de 52% da área ocupada do município ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Caracterização das áreas de abrangência segundo classes do índice de receptividade, área total e ocupada, densidade de casos de dengue notificados e densidade de ovos de Aedes . Belo Horizonte, MG, 2016.

Quando sobrepostas a densidade de casos de dengue e de ovos de Aedes de 2016 à estratificação pelas classes do IRT às arboviroses urbanas, verifica-se que áreas de muito alta receptividade apresentam uma densidade de casos, bem como de ovos de Aedes superior àquela observada nas demais áreas da cidade, que correspondem a um percentual bastante reduzido do território municipal (13,5%) ( Figura 3 , Tabela 2 ). O coeficiente de correlação de Spearman entre o IRT e a densidade de casos de dengue foi de 0,45 (p-valor < 0,05; IC95% 0,27–0,53). Para a correlação entre a receptividade e a densidade de ovos de Aedes , o valor foi de 0,06 (p-valor = 0,43). Embora no último caso a correlação de Spearman não seja significativa, ressaltamos que essa análise observa a existência de uma relação linear entre o IRT e a densidade de ovos de Aedes para cada unidade espacial. Quanto observada a relação segundo as classes do IRT podemos verificar maior densidade de ovos de Aedes na classe de maior receptividade.

DISCUSSÃO

A proposição e elaboração de um IRT às arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti foi capaz de evidenciar heterogeneidade intramunicipal quanto às condições de infraestrutura de Belo Horizonte. As análises ressaltam a necessidade do desenvolvimento de ações de vigilância e controle particulares para cada contexto, de modo a superar a lógica de alocação homogênea de ações em todo o território.

Os resultados aqui apresentados evidenciam as características territoriais na escala de área de abrangência (unidade espacial utilizada). Essa perspectiva torna visível alguns padrões da distribuição das condições de vida e infraestrutura dos territórios, mas não abrange totalmente a complexidade do fenômeno. Caso fosse realizada em outra escala, essa análise apresentaria, naturalmente, outros resultados, o que enriqueceria a compreensão do contexto territorial em que ocorrem as arboviroses urbanas2929 Machado JP, Oliveira RM, Souza-Santos R. Análise espacial da ocorrência de dengue e condições de vida na cidade de Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2009;25(5):1025-34. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000500009
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Por indicar áreas mais receptivas às arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti em função da organização e do uso do território, o IRT não é direcionado primordialmente para o enfrentamento de emergências epidêmicas, ainda que na ausência de informações mais qualificadas em um cenário como esse, uma maior receptividade possa servir como parâmetro para a alocação de ações de vigilância e controle no território.

Considerando situações de epidemias explosivas, indicativo de alta susceptibilidade na população, como a que ocorreu em Belo Horizonte em 2016, com circulação expressiva do sorotipo DENV1, subida abrupta da curva de notificação de casos com manutenção em patamares elevados ao longo de várias semanas epidemiológicas2222 Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. A experiência de Belo Horizonte no enfrentamento às arboviroses: dengue, zika e chikungunya. Bol Vigil Saude. 2016 [cited 2020 Aug 12];(7):1-26. Available from: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/2018/documentos/boletim-gvsiI-arboviroses-13-1-2017.pdf
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, foi observada, no presente estudo, uma maior densidade de casos de dengue nas unidades espaciais classificadas como de alta ou muito alta receptividade, o que sugere a utilidade desse índice como preditor de áreas de risco para essas situações. Ademais, a sobreposição da densidade de ovos de Aedes observada naquele ano epidêmico à estratificação pelo IRT apontou resultado similar ao observado para a densidade de casos. No entanto, ressaltamos a necessidade da análise do IRT em outras cidades e outros anos epidêmicos.

Portanto, essa ferramenta visa contribuir para fortalecer o SUS, na medida em que auxilia o planejamento estruturante dos programas locais de vigilância e controle de arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti, com a indicação das porções da cidade em que, de uma maneira geral e sistemática, as suas ações precisam ocorrer de modo intensificado88 MacCormack-Gelles B, Lima Neto AS, Sousa GS, Nascimento OJ, Castro MC. Evaluation of the usefulness of Aedes aegypti rapid larval surveys to anticipate seasonal dengue transmission between 2012-2015 in Fortaleza, Brazil. Acta Trop. 2020;205:105391. https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2020.105391
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, 1111 Pan American Health Organization. Technical document for the implementation of interventions based on generic operational scenarios for Aedes aegypti control. Washington, DC: PAHO; 2019 [cited 2020 Sep 9]. Available from: https://iris.paho.org/handle/10665.2/51652
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. Nesse sentido, considerando um contexto de escassez de recursos humanos, uma das aplicações possíveis do IRT por parte dos gestores locais seria subsidiar a organização das ações de controle priorizando áreas com maior receptividade.

Além disso, acreditamos que o IRT é uma ferramenta estratégica para o diálogo intersetorial no âmbito da administração pública, uma vez que expressa a heterogeneidade da ocupação do território e da qualidade da infraestrutura e dos serviços urbanos nas suas relações com a potencial ocorrência de casos de arboviroses, e evidencia a necessidade de alterações nessas infraestruturas sociotécnicas, cujas competências vão além das individuais, inseridas no setor da saúde3030 World Health Organization. The 8. Global Conference on Health Promotion; 10-14 June 2013; Helsinki, Finland. Geneva (CH): WHO; 2013 [cited 2020 Aug 18]. Available from: https://www.who.int/healthpromotion/conferences/8gchp/8gchp_helsinki_statement.pdf
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Em relação a seu processo de elaboração, destacam-se como pontos fortes a disponibilidade de obtenção dos dados sociodemográficos e ambientais disponíveis em bases de dados gratuitas e acessíveis pela internet, além da possibilidade de ser aplicado em outras cidades. Nesse sentido, ainda é importante ressaltar que os procedimentos técnicos aos quais esses dados são submetidos podem ser realizados em programas de computação gratuitos, de fácil obtenção e instalação. Como recursos necessários à sua elaboração, demonstra-se a necessidade de profissionais para a realização da análise territorial em saúde, bem como da análise de dados secundários e das análises espaciais. Ressaltamos, nesse sentido, a importância da realização regular de processos formativos para o aprimoramento das capacidades técnicas dos profissionais da vigilância de arboviroses urbanas.

Em relação ao índice IRT observamos como uma grande vantagem o fato de ele conseguir sintetizar o complexo de determinantes socioambientais da ocorrência dessas arboviroses urbanas (como demonstrado pela sobreposição da densidade de casos de dengue e de ovos de Aedes à estratificação por esse índice) em um valor numérico facilmente compreensível e comunicável. Esse índice responde com sucesso à questão colocada por Machado et al.2828 Jiang H, Eastman JR. Application of fuzzy measures in multi-criteria evaluation in GIS. Int J Geogr Inform Sci. 2000;14():173-84. https://doi.org/10.1080/136588100240903
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sobre a importância da construção de indicadores compostos capazes de conjugar diferentes dimensões do território e, assim, abarcar o conjunto de características socioambientais que determinam a produção e reprodução das arboviroses urbanas. Neste sentido, a prefeitura municipal de Belo Horizonte já havia desenvolvido o índice de vulnerabilidade da saúde (IVS-BH), indicador composto que sintetiza variáveis socioeconômicas para diferenciação de áreas com condições desfavoráveis no espaço intraurbano3131 Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Índice de vulnerabilidade da saúde. Belo Horizonte, MG; 2012 [cited 2020 Aug 12]. Available from: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/2018/publicacaoes-da-vigilancia-em-saude/indice_vulnerabilidade2012.pdf
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. Embora o IVS-BH seja uma importante ferramenta para nortear políticas públicas de saúde e priorizar alocação de recursos, observamos a necessidade de um indicador composto relacionado especificamente aos determinantes socioambientais das arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti . Assim, o IRT utiliza indicadores censitários mais específicos, além de informações climáticas e territoriais provenientes de sensoriamento remoto.

Por fim, como perspectiva de desenvolvimento na caracterização da receptividade territorial às arboviroses urbanas associadas ao Aedes aegypti, destacamos a importância da incorporação de indicadores que reflitam as dinâmicas e conjunturas dos territórios, nas perspectivas espaciais e temporais, visto que o território está em constante mudança devido às dinâmicas que refletem os fluxos modeladores do espaço geográfico3232 Santos M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2006. (Coleção Milton Santos; nº 1). .

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    2 Fev 2021
  • Aceito
    24 Jun 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br