Tradução e adaptação transcultural da Composite Abuse Scale para o português brasileiro

Raiza Wallace Guimaraes da Rocha Daniel Canavese de Oliveira Vitor Adriano Liebel Patricia Helena Rubens Pallu Kelsey Lee Hegarty Marcos Claudio Signorelli Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Realizar a tradução e adaptação transcultural do inglês para o português brasileiro da Composite Abuse Scale, instrumento que identifica e quantifica a violência por parceiro íntimo.

MÉTODOS

Este estudo baseia-se na execução rigorosa de seu protocolo, previamente publicado, e que consiste em dez etapas: (a) análise conceitual; (b) tradução duplo-cega; (c) comparação e primeira versão reconciliada das duas traduções; (d) retrotradução; (e) revisão da retrotradução feita pela desenvolvedora e segunda versão reconciliada; (f) revisão por comitê de especialistas (n = 6); (g) comparação das revisões por especialistas e terceira versão reconciliada; (h) entrevistas cognitivas com mulheres da Casa da Mulher Brasileira de Curitiba (n = 15); (i) avaliações das percepções das usuárias e reconciliação final; e (j) apresentação da versão final do questionário à desenvolvedora.

RESULTADOS

A execução das 10 etapas do protocolo permitiu as equivalências idiomática, semântica, conceitual e experiencial da Composite Abuse Scale, incorporando sugestões e críticas dos diferentes participantes do processo, que incluíram desde a desenvolvedora, tradutores profissionais, pesquisadores especializados no tema, mulheres em situação de violência por parceiro íntimo e profissionais que as atendem. Especialistas e entrevistas cognitivas com mulheres foram fundamentais para garantir equivalências e facilitar a compreensão, incluindo: (1) adaptação do termo “relacionamento íntimo” para “relacionamento afetivo ou conjugal”; (2) substituição de ênclises por próclises em 20 itens; (3) adoção de linguagem de gênero neutro, permitindo sua utilização em relacionamentos hetero, bi e homoafetivos; (4) materialização de um instrumento de rigor científico e autoaplicável, que pode auxiliar as mulheres a visibilizarem as situações de abuso em seus relacionamentos.

CONCLUSÕES

O processo de tradução e adaptação transcultural da Composite Abuse Scale resultou na Composite Abuse Scale Versão Português brasileiro, instrumento autoaplicável com 30 itens, capaz de identificar e quantificar a violência por parceiro íntimo, sua frequência, severidade e tipologias (violências física, emocional, assédio e grave combinada).

DESCRITORES
Violência contra a Mulher; Violência por Parceiro Íntimo; Inquéritos e Questionários; Tradução; Comparação Transcultural

INTRODUÇÃO

A violência por parceiro íntimo (VPI) é um problema global de saúde pública11 World Health Organization. Intimate Partner Violence. Understanding and addressing violence against women. Geneva (CH): WHO; 2012 [cited 2022 Jun 3]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/77432/WHO_RHR_12.36_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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,22 World Health Organization. Health care for women subjected to intimate partner violence or sexual violence: a clinical handbook. Geneva (CH): WHO; 2014 [cited 2022 Jun 3]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/136101
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. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 23% das mulheres brasileiras já sofreram VPI33 World Health Organization. Violence against women prevalence estimates, 2018. Global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women. Geneva (CH): WHO; 2021 [cited 2022 Jun 3]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240022256
https://www.who.int/publications/i/item/...
. Entre 2011 e 2017, a maioria das notificações de violência de gênero no Sistema Único de Saúde (SUS) foi por violência por parceiro íntimo44 Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23 Suppl 1:E200007.SUPL.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720200007.supl.1
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66 Silva MMA, Mascarenhas MDM, Lima CM, Malta DC, Monteiro RA, Freitas MG, et al. Perfil do Inquérito de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela de Urgência e Emergência. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(1):183-94. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000100019
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.

A eliminação da VPI é um dos objetivos do desenvolvimento sustentável para 203077 United Nations. Transforming Our World: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York: UN; 2015 [cited 2022 Jun 3]. Available from: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld/publication
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, do qual o Brasil é signatário. O país tem envidado esforços88 Brasil. Lei N° 11.340/2006, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasilia, DF;2006 [cited 2022 Jun 3]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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,99 Brasil. Lei N° 13.104 de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1° da Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília, DF; 2015 [cited 2022 Jun 3] Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm
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para prevenir esse tipo de violência, contudo, desafios persistem1010 Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet. 2011;377(9781):1962-75. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
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. Em 2021 foi aprovada legislação específica para tipificar a violência psicológica contra as mulheres1111 Brasil. Lei N° 14.188, de 28 de julho de 2021. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Diário Oficial da União. 29 set 2021 [cited 2022 Jun 3]; Seção 1:1. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.188-de-28-de-julho-de-2021-334902612
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, estimado como o subtipo mais prevalente de violência por parceiro íntimo1212 Dokkedahl S, Kok RN, Murphy S, Kristensen TR, Bech-Hansen D, Elklit A. The psychological subtype of intimate partner violence and its effect on mental health: protocol for a systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2019;8:198. https://doi.org/10.1186/s13643-019-1118-1
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, porém é a violência mais difícil de se identificar quando comparada aos outros subtipos de VPI (física ou sexual) e é descrita como a mais impactante para a saúde das mulheres1212 Dokkedahl S, Kok RN, Murphy S, Kristensen TR, Bech-Hansen D, Elklit A. The psychological subtype of intimate partner violence and its effect on mental health: protocol for a systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2019;8:198. https://doi.org/10.1186/s13643-019-1118-1
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,1313 Heise L, Pallitto C, García-Moreno C, Clark CJ. Measuring psychological abuse by intimate partners: constructing a cross-cultural indicator for the Sustainable Development Goals. SSM Popul Health. 2019;9:100377. https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2019.100377
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. Portanto, é necessário que existam instrumentos de confiabilidade1414 Ware JE Jr, Gandek B. Methods for testing data quality, scaling assumptions, and reliability: the IQOLA Project approach. J Clin Epidemiol. 1998;51(11):945-52. https://doi.org/10.1016/S0895-4356(98)00085-7
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,1515 Nunnally JC, Bernstein IR. Psychometric theory. 3. ed. New York: McGraw-Hill; 1994. para identificação e mensuração desse tipo de problema (violência psicológica), sem desconsiderar os demais subtipos de VPI.

Identificar e quantificar a VPI e seus subtipos, utilizando-se métodos comparáveis e cientificamente rigorosos contribui para o monitoramento e o subsídio à tomada de decisões1616 Bott S, Guedes A, Ruiz-Celis AP, Mendoza JA. Intimate partner violence in the Americas: a systematic review and reanalysis of national prevalence estimates. Rev Panam Salud Publica. 2019;43:e26. https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26
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. Nessa direção, a Composite Abuse Scale (CAS) é uma escala desenvolvida na Austrália, validada internacionalmente com o intuito de identificar a violência por parceiro íntimo, estimar frequência e severidade, além de classificar subtipos de VPI1717 Hegarty K, Sheehan M, Schonfeld C. A multidimensional definition of partner abuse: development and preliminary validation of the Composite Abuse Scale. J Fam Violence. 1999;14:399-415. https://doi.org/10.1023/A:1022834215681
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,1818 Hegarty K, Bush R, Sheehan M. The Composite Abuse Scale: further development and assessment of reliability and validity of a multidimensional partner abuse measure in clinical settings. Violence Vict. 2005;20(5):529-47 https://doi.org/10.1891/0886-6708.2005.20.5.529
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. É autopreenchida pelas mulheres, contemplando quatro dimensões: abuso emocional, abuso físico, abuso combinado grave e assédio1919 Hegarty K, Valpied J. Composite Abuse Scale Manual. Melbourne (AU): The University of Melbourne; 2013.. O instrumento permite quantificar a violência por meio de uma escala do tipo Likert, em que a mulher responde com que frequência situações abusivas ocorreram nos últimos doze meses (“nunca”, “uma vez”, “algumas vezes”, “uma vez por mês”, “uma vez por semana” ou “diariamente/quase diariamente”), gerando ao final, um escore de até 150 pontos1717 Hegarty K, Sheehan M, Schonfeld C. A multidimensional definition of partner abuse: development and preliminary validation of the Composite Abuse Scale. J Fam Violence. 1999;14:399-415. https://doi.org/10.1023/A:1022834215681
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1919 Hegarty K, Valpied J. Composite Abuse Scale Manual. Melbourne (AU): The University of Melbourne; 2013.. No instrumento original, a confiabilidade da consistência interna foi de 0,85 ou acima, para a maioria das subescalas maior que 0,90 e as correlações item-total corrigidas foram geralmente altas (mais de 0,5)1818 Hegarty K, Bush R, Sheehan M. The Composite Abuse Scale: further development and assessment of reliability and validity of a multidimensional partner abuse measure in clinical settings. Violence Vict. 2005;20(5):529-47 https://doi.org/10.1891/0886-6708.2005.20.5.529
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A CAS tem sido utilizada para mensurar a VPI em diferentes contextos, inclusive para rastreamento/triagem de casos em serviços de saúde, surveys e intervenções online2020 MacMillan HL, Wathen CN, Jamieson E, Boyle M, McNutt LA, Worster A, et al. Approaches to screening for intimate partner violence in health care settings: a randomized trial. JAMA. 2006;296(5):530-6. https://doi.org/10.1001/jama.296.5.530
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2525 Signorelli M, Taft A, Gartland D, Hooker L, McKee C, MacMillan H, et al. How valid is the question of fear of a partner in identifying intimate partner abuse? A cross-sectional analysis of four studies. J Interpers Violence. 2020 Jul 10:10:886260520934439 https://doi.org/10.1177/0886260520934439. Epub ahead of print.
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. É considerada padrão ouro para mensurar violência por parceiro íntimo2626 Ford-Gilboe M, Wathen CN, Varcoe C, MacMillan HL, Scott-Storey K, Mantler T, et al. Development of a brief measure of intimate partner violence experiences: The Composite Abuse Scale (Revised)-Short Form (CASR-SF). BMJ Open. 2016;6(12):e012824. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2016-012824
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, com validade de conteúdo, construto, critério e fator1818 Hegarty K, Bush R, Sheehan M. The Composite Abuse Scale: further development and assessment of reliability and validity of a multidimensional partner abuse measure in clinical settings. Violence Vict. 2005;20(5):529-47 https://doi.org/10.1891/0886-6708.2005.20.5.529
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, traduzida do inglês para nove idiomas (árabe, alemão, espanhol, vietnamita, holandês, bengali, russo, japonês e malaio)1919 Hegarty K, Valpied J. Composite Abuse Scale Manual. Melbourne (AU): The University of Melbourne; 2013.,2727 Alhabib S, Feder G, Horwood J. English to Arabic translation of the Composite Abuse Scale (CAS): a multi-method approach. PLoS One. 2013;8(9):e75244. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0075244
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, mas, até então, não fora traduzida para o português.

Instrumentos padronizados de VPI permitem comparabilidade entre diferentes culturas, perfis e magnitudes do problema. Outras escalas2828 Reichenheim ME, Moraes CL, Hasselmann MH. Equivalência semântica da versão em português do instrumento Abuse Assessment Screen para rastrear a violência contra a mulher grávida. Rev Saude Publica. 2000;34(6):610-6. https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000600008
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3131 Manders O, Xavier Hall C, Vertamatti M, Evans D, Campbell J. “We need to use words that we'd use in Brazil, right?” A community-based content validation of a translated femicide risk assessment instrument. Violence Against Women. 2021. https://doi.org/10.1177/10778012211051397. Epub ahead of print.
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disponíveis em português brasileiro não contemplam todas as tipologias de violência por parceiro íntimo encontradas na CAS, nem geram escore para dimensionar frequência e severidade do problema. Portanto, identificou-se a lacuna da CAS em português e a necessidade de adaptá-la ao contexto cultural brasileiro, objetivando mensuração de VPI, suas tipologias, frequência e severidade. A questão norteadora foi: como disponibilizar uma versão da CAS que atenda às especificidades idiomáticas e culturais do Brasil e ao mesmo tempo fiel à sua versão original em inglês? O presente artigo discorre sobre a tradução e adaptação transcultural da CAS para o português brasileiro.

MÉTODOS

O protocolo com a metodologia detalhada da tradução e adaptação transcultural da CAS foi publicado previamente3232 Rocha RWG, Oliveira DC, Liebel VA, Pallu PHR, Hegarty K, Signorelli MC. Translation and Cross-Cultural Adaptation Protocol of Abuse Questionnaires: The Brazilian Portuguese Version of the Composite Abuse Scale (CAS). Violence Against Women. 2021 Jun1:10778012211013901. https://doi.org/10.1177/10778012211013901. Epub ahead of print.
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, rigorosamente seguido e os resultados finais são descritos neste artigo. Resumidamente, o protocolo contém dez etapas (Figura): (a) análise conceitual; (b) tradução duplo-cega; (c) comparação e primeira versão reconciliada das duas traduções (VR1); (d) retrotradução; (e) revisão da retrotradução pela desenvolvedora e segunda versão reconciliada (VR2); (f) revisão por comitê de especialistas; (g) comparação das revisões por especialistas e terceira versão reconciliada (VR3); (h) entrevistas cognitivas com usuárias; (i) avaliações das percepções das usuárias e reconciliação final (VRF); e (j) apresentação da versão final à criadora do instrumento original, em inglês3232 Rocha RWG, Oliveira DC, Liebel VA, Pallu PHR, Hegarty K, Signorelli MC. Translation and Cross-Cultural Adaptation Protocol of Abuse Questionnaires: The Brazilian Portuguese Version of the Composite Abuse Scale (CAS). Violence Against Women. 2021 Jun1:10778012211013901. https://doi.org/10.1177/10778012211013901. Epub ahead of print.
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.

Figura
Fluxograma das etapas de tradução e adaptação transcultural da Composite Abuse Scale (CAS), do inglês para o português brasileiro.

Este trabalho é parte do mestrado em Saúde Coletiva da primeira autora. A desenvolvedora do instrumento original participou ativamente do processo e é coautora. Três tradutores com fluência em português e inglês (também coautores) participaram das etapas (b) e (d), sendo: um doutor, especialista em violência de gênero; um bacharel em tradução, especialista em tradução e validação de questionários de saúde; e uma linguista tradutora juramentada.

Para garantir o rigor da tradução e adaptação transcultural foram enviados convites a 12 especialistas em violência por parceiro íntimo e/ou gênero. Os critérios de inclusão de especialistas foram: pesquisadores e pesquisadoras brasileiros maiores de 18 anos, com titulação mínima de doutorado, vinculados a universidades ou centros de pesquisa, com pesquisas e publicações científicas na área de violência contra mulheres e/ou estudos de gênero e violência. Dos 12 convidados, seis aceitaram participar para apoiar as equivalências3333 Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-n
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,3434 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00
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: 1) semântico-idiomática (a tradução do item mantém o sentido da expressão na versão original); 2) experiencial (as situações evidenciadas nos itens correspondem às situações vivenciadas no contexto cultural brasileiro); e 3) conceitual (as situações apresentadas nos itens são de fácil compreensão pelo que se entende, em diferentes populações do país, sobre o conceito abordado). A análise de equivalências por especialistas (jan/2019-fev/2019) ocorreu: quantitativamente, comparando a versão em inglês com a VR2 e atribuindo um escore numérico (0–100% de equivalência); e qualitativamente, por meio de comentários e sugestões para cada item. A média dos escores numéricos e sugestões constam no Quadro 1. O número de especialistas foi condizente com outros estudos de tradução e adaptação transcultural de instrumentos de VPI3535 Vives Cases C, Torrubiano Domínguez J, Carrasco Portiño M, Espinar-Ruiz E, Gil-González D, Goicolea I. Validación de la versión española del cuestionario Physician Readiness to Manage Intimate Partner Violence Survey PREMIS. Rev Esp Salud Publica. 2015;89(2):173-90. https://doi.org/10.4321/S1135-57272015000200006
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3737 Kita S, Haruna M, Hikita N, Matsuzaki M, Kamibeppu K. Development of the Japanese version of the Woman Abuse Screening Tool-Short. Nurs Health Sci. 2017;19(1):35-43. https://doi.org/10.1111/nhs.12298
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.

Entre junho e setembro 2019 foram conduzidas 15 entrevistas cognitivas com mulheres (usuárias e profissionais) da Casa da Mulher Brasileira (CMB) de Curitiba, instituição especializada no atendimento às mulheres experienciando violência, integrando em único local todos os serviços da rede3838 Almeida J, Rocha R, Signorelli M, Silva V, Prado S, Evans D. The House of the Brazilian Woman: impacts of a cross-sectoral public health policy for abused women. Eur J Public Health. 2020;30 Suppl 5:ckaa166.945. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckaa166.945
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. Os critérios de inclusão para essa etapa foram: i) profissionais: maiores de 18 anos, e que trabalhassem na CMB, diretamente no atendimento às mulheres em situação de VPI há pelo menos um ano; ii) mulheres: maiores de 18 anos, em situação de VPI e atendidas pela CMB, que não estivessem em crise (conforme avaliação prévia feita pelas profissionais da CMB). Além de investigar o que entendiam sobre cada item, também foram perguntados aspectos relativos à aceitabilidade/aplicabilidade da CAS às brasileiras. Foi entregue uma versão impressa (VR3) para que avaliassem o layout/design do instrumento. As entrevistas tiveram duração de 11 a 25 minutos, conduzidas em sala privativa da CMB, por entrevistadora mestranda, terapeuta ocupacional, com residência em saúde da mulher. As entrevistas foram conduzidas até atingir a saturação. Após gravadas, foram transcritas e analisadas tematicamente de acordo com cada item do instrumento, seguindo princípios da análise de dados qualitativos3939 Liamputtong P. Qualitative research methods. 5. ed. South Melbourne, Vic: Oxford University Press; 2019.,4040 Willis GB. Analysis of the cognitive interview in questionnaire design. New York: Oxford University Press; 2015..

Ao final, a versão brasileira da CAS foi apresentada à desenvolvedora e às profissionais da CMB, sendo disponibilizada como instrumento auxiliar na avaliação de VPI das mulheres lá atendidas.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de ética em esquisas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Prefeitura de Curitiba, CAAE 89411818.4.000.0102. As participantes assinaram o termo de consentimento e foram identificadas por códigos, denominadas “E” (especialistas) e “P” (entrevistadas). O estudo seguiu as diretrizes da OMS4141 Ellsberg M, Heise L. Researching violence against women: a practical guide for researchers and activists. Washington, DC: World Health Organization; PATH; 2005 [cited 2022 Jun 3]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42966/9241546476_eng.pdf?sequence=1
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4343 World Health Organization. Ethical and safety recommendations for intervention research on violence against women: building on lessons from the WHO publication ‘Putting women first: ethical and safety recommendations for research on domestic violence against women’ Geneva (CH): WHO; 2016 [cited 2022 Jun 3]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/251759/9789241510189-eng.pdf
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para pesquisas com mulheres em violência. Somente participaram usuárias da CMB que não estavam em crise, previamente avaliadas pelo departamento psicossocial.

RESULTADOS

O Quadro 1 sintetiza o processo de tradução e adaptação transcultural. Na primeira etapa – análise conceitual – a desenvolvedora forneceu materiais adicionais do desenvolvimento da CAS, incluindo sua tese4444 Hegarty K. Measuring a multidimensional definition of domestic violence: prevalence of partner abuse in women attending general practice [tese]. Brisbane (AU): The University of Queensland;1998. e manual da CAS1919 Hegarty K, Valpied J. Composite Abuse Scale Manual. Melbourne (AU): The University of Melbourne; 2013.. Também explicou diferenças culturais encontradas em traduções para outros idiomas, como exemplo a tradução para o árabe, em que um dos itens (Item 25 – “Put foreign objects in my vagina”) não condizia aos padrões daquela cultura, o que causaria constrangimentos às respondentes2727 Alhabib S, Feder G, Horwood J. English to Arabic translation of the Composite Abuse Scale (CAS): a multi-method approach. PLoS One. 2013;8(9):e75244. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0075244
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.

Quadro 1
Etapas da tradução e adaptação transcultural da Composite Abuse Scale para o português brasileiro.

Na etapa (b), algumas divergências entre os dois tradutores (T1 e T2), foram discutidas entre a equipe de pesquisa (mestranda e orientadores) em reuniões para comparação, análise e síntese entre as duas versões traduzidas e o instrumento original. Ainda houve contribuição dos tradutores para dirimir dúvidas, obtendo-se assim a VR1 (c), apresentada no Quadro 1.

Na etapa (d) a VR1 foi retrotraduzida de maneira cega, sem que o retrotradutor conhecesse o instrumento original, nem tampouco se comunicasse com os tradutores. O retrotradutor enviou alguns questionamentos para a equipe coordenadora da pesquisa sobre palavras que não tinham tradução literal em português, mas que tinham uma conotação de intensidade diferente em língua inglesa (ex. item 17 – “Pushed, grabbed or shoved me”) ou neutralidade de gênero no instrumento em inglês (p. ex. “partner”), que implica em flexão de gênero em português (“parceiro”/”parceira”).

A versão retrotraduzida foi enviada à desenvolvedora para análise (etapa e). Dúvidas que surgiram nas etapas anteriores também foram apontadas à desenvolvedora, em reunião para buscar consensos. A opinião da desenvolvedora foi fundamental para manter a fidedignidade ao instrumento original, mas ao mesmo tempo mantendo-se linguagem atualizada e contextualizada ao cenário brasileiro. Um dos ajustes nessa etapa incluiu a adaptação do item 7, “Raped me” por “Obrigou-me a ter relações sexuais contra a minha vontade”, visto que muitas mulheres casadas (ou em um relacionamento) não percebem relações sexuais forçadas dentro do casamento/relacionamento como estupro. Outra adaptação foi no item 25 (“Put foreign objects in my vagina”) que ficou “Colocou objetos estranhos na minha vagina contra a minha vontade”, para diferenciar de relações consensuais. A desenvolvedora também sugeriu atualização de alguns itens a partir de uma revisão recente da CAS2626 Ford-Gilboe M, Wathen CN, Varcoe C, MacMillan HL, Scott-Storey K, Mantler T, et al. Development of a brief measure of intimate partner violence experiences: The Composite Abuse Scale (Revised)-Short Form (CASR-SF). BMJ Open. 2016;6(12):e012824. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2016-012824
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, como no item 13, “Harassed me over the telephone”, que passou a incluir também Internet e redes sociais. Ao final dessa etapa (e), chegou-se à VR2, detalhada no Quadro 1.

Na etapa (f) participaram seis especialistas (E), docentes em universidades de diferentes regiões do país, cujos perfis constam no Quadro 2. As áreas de formação foram bastante diversas, incluindo Saúde, Psicologia, Ciências Humanas e Exatas, possibilitando olhares multidisciplinares sobre a tradução e adaptação transcultural da CAS.

Quadro 2
Perfil de especialistas (E) participantes da etapa de análise por especialistas (etapa f).

Quatro de seis especialistas problematizaram o termo “relações íntimas adultas” e o motivo de não termos utilizado “relações sexuais” ou “relações afetivo-sexuais”. Sobre o termo “relações íntimas adultas”, o próprio instrumento explica seu significado, conforme pode ser observado no Quadro 1 (VR2): “Por relações íntimas adultas, nos referimos a esposo/esposa, parceiro/parceira ou namorado/namorada por um período maior que um mês.” O comitê chamou atenção para que no Brasil, diferentemente de outros países, mulheres de 16 anos não são consideradas adultas, visto que o instrumento pode ser preenchido por pessoas a partir dos 16 anos. Desse modo, retiramos a palavra “adultas”, mas mantivemos o termo “relações íntimas por conta da explicação desse termo, que vem logo a seguir no próprio instrumento.

Especialistas também demonstraram preocupação com a compreensão dos itens e comandos para preenchimento adequado, reforçando que a linguagem deveria ser mais coloquial que acadêmica. Sinalizaram a necessidade da troca de ênclises por próclises (Ex: “derrubou-me” por “me derrubou”); e necessidade de flexão de gênero, como no item 24 – “Did not want me to socialise with my female friends” por “Não quis que eu me encontrasse com minhas amigas/amigos”, uma vez que é comum na sociedade brasileira mulheres também terem amigos homens.

A partir das considerações de especialistas e reuniões de conciliação entre a equipe, chegou-se à VR3, submetida então às entrevistas cognitivas com mulheres da CMB, com o intuito de avaliar se os itens foram compreendidos como esperado. Das 15 participantes dessa etapa, sete se identificaram como brancas, quatro como negras e quatro não souberam responder; 11 se identificaram como heterossexuais, duas como bissexuais e duas como lésbicas, todas elas mulheres cis. Quanto à renda, foram três participantes com renda familiar de até um salário mínimo (SM), duas entre um e dois SM, uma entre dois e três SM, e nove de três ou mais SM. Oito participantes eram as principais responsáveis pela renda familiar. Quanto à escolaridade, duas possuíam ensino médio, quatro ensino superior e nove com pós-graduação.

Após disponibilizar uma via impressa (VR3), perguntou-se o que entendiam por cada item. Algumas dúvidas emergiram, representadas no Quadro 1 (coluna “Entrevistas cognitivas”). O termo mais problemático foi “relação íntima”, que já havia sido problematizado na etapa de especialistas. A compreensão das mulheres sobre relação íntima, geralmente discordava do conceito original, afirmando que “relação íntima” era entendido como “relação sexual”. A entrevistadora percebeu que mesmo após a leitura do trecho explicativo da CAS que descreve o que é considerado como uma relação íntima, as participantes permaneceram associando a expressão ao ato sexual. Até mesmo as participantes que, após a leitura do conceito, entenderam que se refere a uma relação de namoro, casamento ou de parceria íntima, ao longo da entrevista associavam novamente a relação íntima ao ato sexual. Essa interpretação ocorreu em todas as perguntas que continham esse termo. A participante P3, quando solicitada que respondesse qual era a sua compreensão sobre a pergunta “Você teve alguma relação íntima nos últimos doze meses?”, respondeu imediatamente: “Quer saber se eu fiz sexo nos últimos 12 meses?”.

As críticas das participantes convergiam com os apontamentos dos especialistas e, considerando as sugestões deles, a entrevistadora indagou se a pergunta fosse reformulada para “Você teve algum relacionamento afetivo ou conjugal…?” As participantes então interpretaram que, portanto, sim, a pergunta estaria relacionada a namoro, casamento ou parceria afetiva. Também concordaram unanimemente que a nova formulação melhorava o entendimento, como exemplifica P4: “Nessa pergunta é num tom, assim, diferente, sabe, eu não consigo ver o lado sexual como nas outras. Eu consigo ver como algo tipo, há um namoro.”

Outro questionamento levantado pelas participantes foi sobre a linguagem do instrumento e sua equivalência experiencial. A maioria recomendou uma linguagem mais coloquial, sem o recurso da ênclise, como já apontado pelos especialistas. P4 exemplifica: “Me deu um tapa, é linguagem popular… é a linguagem que mais as pessoas usam…” Quando perguntado à P15 se seria mais inteligível “Me jogou e me derrubou” ao invés de “Jogou-me e derrubou-me”, a participante respondeu: “Se você estiver falando de uma agressão é… me jogou e me derrubou.” Com base nisso, foram substituídas todas as ênclises por próclises, conforme consta na versão final do instrumento, cientes de que não correspondem à ortografia correta da língua portuguesa, mas atentando-se às necessidades de compreensão e interpretação da população geral.

Algumas participantes também questionaram o item 3 (“Seguiu-me”), pois consideraram que não passava a ideia de violência ou poderia gerar duplo sentido, pensando no contexto das redes sociais (“me seguiu no facebook”). Algumas sugeriram que “Me perseguiu” seria mais adequado. Mesmo as que não sugeriram a modificação do termo, ao explicar o que compreendiam sobre ele utilizavam a palavra “perseguir”: “O parceiro me perseguiu” (P10); “Alguém está me perseguindo” (P11). O item foi então alterado para “Me perseguiu”.

No item 14 (“Chacoalhou-me”), 11 das 15 participantes consideraram que seria melhor substituir por “Me sacudiu”. Ainda que elas compreendessem o significado do termo “Chacoalhou-me”, a palavra “Sacudir” soaria melhor, como exemplifica (P6): “Eu acho que me sacudiu fica melhor…”. P14 adiciona que: “me sacudiu, acho que qualquer pessoa consegue pegar”. Ela considera, portanto, mais acessível à compreensão de pessoas de diferentes escolaridades.

Nos demais itens não houve apontamentos discordantes, havendo compreensão consensual. Algumas participantes destacaram a relevância do instrumento para mulheres brasileiras, verbalizando que a CAS está compatível com o cenário brasileiro, é prática, útil e pode ser inclusive necessária. Uma das profissionais comenta nesse sentido:

“Quando elas chegam aqui [CMB], isso aqui tudo, bem dizer, já ocorreu. Muitas delas, já ocorreram. E ela, realmente, ela não se vê. E a partir do momento em que ela responder isso aqui, ela vai dizer assim: Meu Deus! É isso o que acontece comigo”. (P8)

Ela, então corrobora a compatibilidade da CAS com a realidade das mulheres que procuram a CMB e que o instrumento pode, inclusive, ajuda-las a visibilizar e compreender as situações de violências a que estão submetidas em suas relações.

Alguns itens chamaram atenção dos pesquisadores, como “2 – Impediu-me de obter tratamento médico”, segundo revelou P5, “Isso é muito frequente, os parceiros não permitem que elas frequentem ou façam acompanhamento”. Isso sinaliza desafios para o campo da saúde no cuidado dessas mulheres diante de comentários de profissionais que trabalham diariamente com mulheres em situação de violências. Assim, a equipe de pesquisa considera um achado relevante para a compatibilidade do instrumento com o contexto cultural brasileiro, ainda que tenha sido criado em outro país.

Quanto ao design do instrumento e preenchimento dos itens, algumas participantes elogiaram pela objetividade e facilidade de compreensão, como P6: “Eu acho que está ótimo assim. Bem melhor do que aquelas avaliações, escalas, que eu acho terrível, do escolhe parcialmente, concorda parcialmente. Aqui está bem claro e objetivo”. A participante se refere a alguns instrumentos que utilizam escalas do tipo Likert4545 Sullivan GM, Artino AR Jr. Analyzing and interpreting data from Likert-Type Scales. J Grad Med Educ. 2013;5(4):541-2. https://doi.org/10.4300/JGME-5-4-18
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como método para o preenchimento. Por outro lado, duas participantes fizeram críticas ao design do instrumento, cujo destaque foi importante para incorporar na versão final. Trata-se da necessidade do maior espaçamento entre os itens para facilitar a visualização, assim como o uso de linhas ou diferentes tons de sombreamento para separar uma pergunta da outra.

DISCUSSÃO

A implementação do protocolo3232 Rocha RWG, Oliveira DC, Liebel VA, Pallu PHR, Hegarty K, Signorelli MC. Translation and Cross-Cultural Adaptation Protocol of Abuse Questionnaires: The Brazilian Portuguese Version of the Composite Abuse Scale (CAS). Violence Against Women. 2021 Jun1:10778012211013901. https://doi.org/10.1177/10778012211013901. Epub ahead of print.
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de tradução e adaptação transcultural da CAS resultou na “CAS Versão Português Brasileiro”, adaptada ao contexto das mulheres brasileiras e com equivalência idiomática, semântica, conceitual e experiencial3333 Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-n
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,3434 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00
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. O instrumento pode ser autoaplicável, gerando um escore que permite classificar a mulher como vivendo em situação de violência por parceiro íntimo (escore ≥ 7 pontos), numa faixa de escore que varia de 0 a 150 pontos1818 Hegarty K, Bush R, Sheehan M. The Composite Abuse Scale: further development and assessment of reliability and validity of a multidimensional partner abuse measure in clinical settings. Violence Vict. 2005;20(5):529-47 https://doi.org/10.1891/0886-6708.2005.20.5.529
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,1919 Hegarty K, Valpied J. Composite Abuse Scale Manual. Melbourne (AU): The University of Melbourne; 2013.. A pesquisa de campo destacou que a escala pode ajudar as mulheres a visualizarem situações de abuso vivenciadas em seus relacionamentos, auxiliando-as a perceberem a VPI.

As principais adaptações realizadas ao longo do processo consistiram na modificação de alguns termos, como substituição de “relações íntimas” por “relações afetivas ou conjugais” pois têm equivalência melhor ao construto original, que se refere a relacionamentos afetivos com cônjuges com no mínimo um mês de duração, e não somente relações sexuais. Uma significativa adaptação foi a troca de ênclises por próclises em 20 itens, cientes de que tal mudança não contempla a ortografia segundo as normas da língua portuguesa, mas atende a uma demanda das potenciais usuárias, facilitando sua compreensão. Outra adaptação significativa foi a incorporação de linguagem neutra, como por exemplo parceiro/parceira, permitindo que o instrumento seja usado por mulheres em relacionamentos hetero, bi ou homoafetivos.

Outro aspecto foi a substituição do termo “Rape me”, do original em inglês, por “Me obrigou a ter relações sexuais contra a minha vontade”, levando em consideração achados na literatura demonstrando que mulheres não acreditam que possam ser estupradas dentro de relacionamentos afetivos/conjugais e, portanto, não associam esse tipo de relação sexual à violência por parceiro íntimo4646 Dantas-Berger SM, Giffin K. A violência nas relações de conjugalidade: invisibilidade e banalização da violência sexual? Cad Saude Publica. 2005;21(2):417-25. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000200008
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4848 Acosta DF, Gomes VLO, Fonseca AD, Gomes GC. Violence against women commited by intimate partners: (in)visibility of the problem. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):121-7. https://doi.org/10.1590/0104-07072015001770013
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. Da mesma forma, adaptou-se também o item 15 “Tried to rape me” para “Tentou me forçar a ter relações sexuais contra a minha vontade”.

Questões adicionais problematizadas pelo comitê de especialistas se relacionaram aos tipos de relacionamentos, sugerindo incluir outros vínculos e práticas íntimas (como poliamor, por exemplo), assim como relações de amizade. Todavia, preocupados em manter a fidedignidade ao instrumento original, a equipe de pesquisa reflete que a CAS apresenta essa limitação por não incluir esses outros tipos de vínculos. No entanto, essa é uma lacuna que não será possível resolver neste estudo, sendo necessário um outro tipo de pesquisa ou criação de novo instrumento que aborde especificamente essas questões. Mesmo considerando importante a reflexão sobre os diversos tipos de vínculos existentes em relações íntimas, um dos propósitos da tradução e adaptação transcultural de uma escala para outro idioma/cultura é a possibilidade de comparar os resultados obtidos a partir de sua aplicação em outros países/idiomas/culturas. Portanto, o instrumento não pode sofrer alterações substanciais, que não permitam a comparabilidade das respostas entre os idiomas. No caso da CAS, as instruções são explícitas no que se refere ao preenchimento do instrumento, que deve ser feito pensando na pessoa que perpetrou a violência e que está há pelo menos um mês em uma relação (afetivo ou conjugal) com quem está preenchendo a escala.

A etapa de entrevistas cognitivas foi fundamental no processo de tradução e adaptação transcultural para investigar a compreensão das mulheres que serão as potenciais usuárias da CAS. Collins4949 Collins D. Pretesting survey instruments: an overview of cognitive methods. Qual Life Res. 2003;12(3):229-38. https://doi.org/10.1023/A:1023254226592
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explica que as perguntas dessa etapa, particularmente quando aplicadas no contexto do instrumento, permitem determinar se os entrevistados podem compreender o conceito ou tarefa da pergunta e se fazem isso de maneira consistente e da maneira pretendida pelo pesquisador. Assim, a condução dessa etapa na CMB, que atende exclusivamente mulheres em situação de violência, demonstrou ser uma estratégia efetiva para adaptação da CAS às necessidades das mulheres brasileiras. Tanto conteúdo quanto significados e formato de apresentação do instrumento foram avaliados por potenciais usuárias ou por profissionais que as atendem diariamente.

Em relação ao layout, ainda que somente duas dentre as 15 participantes dessa etapa tenham criticado o design, percebe-se em suas falas a importância de absorver as críticas a fim de tornar o preenchimento do instrumento o mais intuitivo e fácil possível, já que a CAS foi idealizada para ser autopreenchida pelas mulheres.

O estudo teve como principais limitações o fato de as entrevistas cognitivas terem sido conduzidas em apenas um único local, na Região Sul do país e sem participação de mulheres com baixa escolaridade. É possível que mulheres com menor grau de instrução tenham alguma dificuldade no preenchimento e que nuances idiomáticas regionais de outras áreas do país possam não ter sido suficientemente incorporadas ao instrumento. Portanto, recomenda-se em estudos futuros que a CAS brasileira seja aplicada a um número maior de mulheres, com escolaridade mais diversificada. Por outro lado, a etapa com especialistas incluiu pesquisadoras de diferentes regiões do país, que foram convidadas a exercer sua análise pensando no público diverso de mulheres brasileiras (regionalismos, graus de escolaridade, faixa etária etc.). E de fato foram feitos apontamentos nessa direção, como a simplificação da linguagem para facilitar a compreensão das respondentes.

Em síntese, as participantes deram veredito de pertinência para a CAS Versão Português Brasileiro. Além da avaliação positiva quanto à compreensão linguística, para elas o instrumento incorporou aspectos sobre a violência por parceiro íntimo que também dizem respeito à realidade brasileira e, portanto, precisam ser monitorados. Assim, o processo de tradução e adaptação transcultural foi concluído com êxito, sendo disponibilizada a CAS Versão Português Brasileiro para utilização da comunidade acadêmica brasileira. Cabe apontar a necessidade de o instrumento ter suas propriedades psicométricas avaliadas em estudos futuros. Desse modo, poderá ser disponibilizada de acordo com os mais altos padrões metodológicos e de rigor científico para ampla utilização no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2021
  • Aceito
    29 Nov 2021
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br