Resumos
Embasamento:
A sexualidade humana é frequentemente tratada de forma limitada na formação acadêmica, prejudicando a construção do conhecimento. A análise da produção científica facilita a compreensão da identidade da área de pesquisa e aponta perspectivas futuras.
Objetivo:
analisar a produção científica da área da saúde sobre sexualidade humana e discutir focos de atenção e lacunas de conhecimento.
Método:
três bases de dados eletrônicas foram consultadas: LILACS, SCIELO e PUBMED, utilizando-se os descritores “conhecimento/knowledge”, “atitude/attitude”, “conforto/confort” e “formação acadêmica/curriculum”. Todos esses foram combinados com o termo “sexualidade humana”. Incluíram-se artigos científicos publicados em inglês e português no período entre 2000 e 2010.
Resultados :
Selecionaram-se 20 artigos dos 2.022 analisados. Do total, 50% foram escritos na área da enfermagem, 45% eram da área de medicina e 5% da Terapia Ocupacional. Dentre os artigos analisados, 65% foram publicados em inglês e 35% em português.
Conclusão :
Enfermagem e medicina produzem maior número de artigos relacionados à sexualidade humana. Apesar de maior parte dos artigos analisados terem sido produzidos fora do Brasil, o País vem aumentando sua produção, demonstrando crescente preocupação por uma área que cada vez mais evidencia sua importância na prática clínica do profissional da área da saúde.
Publicações de divulgação científica; Conhecimento; Conforto; Atitude
Background:
Human sexuality is often treated in a limited way during academic formation, harming knowledge building. The analysis of scientific production facilitates the understanding of the identity of the research field and points the way forward.
Objective:
To analyze health scientific production on human sexuality and discuss foci of attention and knowledge gaps.
Method:
Three electronic databases were consulted: LILACS, PUBMED, SCIELO; and using the keywords “knowledge”, “attitude”, “comfort” and “curriculum” in Portuguese and english. All these were combined with the term “human sexuality”. It included papers published in English and Portuguese in the period between 2000 and 2010.
Results:
We selected 20 articles from 2022 analyzed. Of the total 50% came from nursing, 45% from medicine and 5% from occupational therapy. 65% of the analyzed articles were published in English and 35% in Portuguese.
Conclusion :
nursing and medicine produce the largest number of articles related to human sexuality. Although most of the articles analyzed were produced outside of Brazil, the country is increasing its production, showing a growing concern over an area that more and more reveals its importance in health professionals clinical practice.
Scientific Publications; Knowledge; Comfort; Attitude
Introdução
A sexualidade humana é considerada um processo contínuo influenciado por fatores biológicos, fisiológicos, emocionais, sociais e culturais que repercute na vida e na saúde dos indivíduos (Gir e col., 2000GIR, E.; NOGUEIRA, M. S.; PELÁ, N. T. R. Sexualidade humana na formação do enfermeiro. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 8, n. 2, p. 33-40, 2000.). Conforme Ressel (2003)RESSEL, L. B. Vivenciando a sexualidade na assistência de enfermagem: um estudo na perspectiva cultural. São Paulo, 2003. Tese. (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003., a sexualidade é instituída por grupos sociais específicos e se manifesta no comportamento de cada pessoa.
Questões sobre sexualidade e formação superior já foram abordadas anteriormente, em outros estudos, no entanto, observou-se que parte dos estudantes da área da saúde sente-se constrangida, despreparada e embaraçada ao lidar com crenças, mitos ou tabus que envolvem a sexualidade dos seus pacientes (Barrett e McKay, 1998BARRETT, M.; MCKAY, A. Training in sexual health and STD prevention in Canadian medical schools. The Canadian Journal of Human Sexuality, Toronto, v. 7, n. 4, p. 305-320, 1998.; Pupulim e Sawada, 2002PUPULIM, J. S. L.; SAWADA, N. O. O cuidado de enfermagem e a invasão da privacidade do doente: uma questão ético-moral. Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 433-438, 2002.). Constata-se que este tema é frequentemente tratado na formação acadêmica de forma restrita e até mesmo superficial (Santos e Campos, 2008SANTOS, L. V.; CAMPOS, M. P. A. Abordagem da sexualidade humana durante a graduação em enfermagem. Revista Nursing, Barueri, v. 10, n. 117, p. 81-88, 2008.; Jones e col., 2005JONES, M. K.; WEERAKOON, P.; PYNOR, R. A. Survey of occupational therapy student’s attitudes towards sexual issues in clinical practice. Occupational Therapy International, Malden, v. 12, n. 2, p. 95-106, 2005.), comprometendo a compreensão adequada e profunda do tema e, em consequência, a construção do conhecimento do futuro profissional da saúde (Brêtas e col., 2008BRÊTAS, J. R. S.; OHARA, C. V. S.; QUERINO, I. D. Orientação sobre sexualidade para estudantes de enfermagem. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 548-574, 2008.; Alencar e col., 2010ALENCAR, R. A.; CIOSAK, S. I.; BUENO, S. M. V. Formação do acadêmico enfermeiro: necessidade da inserção curricular da disciplina de sexualidade humana. Online Brazilian Journal of Nursing, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 90-96, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-81452013000100013&script=sci_arttext >. Acesso em: 28 ago. 2011.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141... ; Gir e col., 2000GIR, E.; NOGUEIRA, M. S.; PELÁ, N. T. R. Sexualidade humana na formação do enfermeiro. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 8, n. 2, p. 33-40, 2000.).
Por outro lado, com foco no estudo da produção de conhecimento, a análise de periódicos científicos tem sido uma modalidade de investigação, com presença significativa e frequente na literatura (Rummler e Silva, 2005RUMMLER, G.; SILVA, V. R. Longevidade e dispersão física de periódicos nacionais sobre pesquisa, ensino e educação. Educação Temática Digital, Campinas, v. 6, n. 2, p. 1-13, 2005. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/1653>. Acesso em: 19 ago. 2011.
http://www.fae.unicamp.br/revista/index.... ). Conhecer a produção de uma área pode facilitar a compreensão de sua identidade, bem como indicar perspectivas futuras. No Brasil, a ampliação da produção científica tem levado diferentes áreas a realizar balanços dos estudos e das pesquisas desenvolvidas, considerando o processo de construção e aperfeiçoamento deste tema (Virtuoso e col., 2011VIRTUOSO, J. F. et al. A produção de conhecimento em fisioterapia: análise de periódicos nacionais (1996 a 2009). Fisioterapia em Movimento, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 173-180, 2011.).
Tal empreendimento ganha dimensão à medida que busca conhecer a constituição da produção científica referente à temática elencada em um momento especial em que se repensa a formação do profissional da saúde. Entende-se que a produção do conhecimento perpassa necessariamente por esse processo, uma vez que possibilita o conhecimento, tanto do que vem sendo produzido como daqueles espaços que ainda não se constituíram foco de estudo.
Este processo justifica-se pela necessidade de informações específicas sobre as fontes disponíveis para o domínio da literatura e dos meios existentes para difusão de suas próprias pesquisas (Bezerra e Neves, 2010BEZERRA, M. L. S.; NEVES, E. B. Perfil da produção científica em saúde do trabalhador. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 384-394, 2010.).
Além disso, a publicação científica tornou-se, em seu processo histórico, um instrumento indispensável, não apenas como meio de promoção individual, mas também como forma de fortalecimento do ciclo criação, organização e difusão do conhecimento. Como consequência, esse fenômeno apresenta grande contribuição social, visto que constitui um dos fatores que podem influenciar e acelerar o ritmo dessas produções (Freitas, 2005FREITAS, C. M. A produção científica sobre o ambiente na saúde coletiva. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 679-701, 2005.).
A publicação de resultados de pesquisas científicas tem sido o recurso mais utilizado para legitimar e registrar o avanço do conhecimento, sendo, atualmente, o periódico presente em mídia eletrônica o principal veículo de divulgação (Bufrem e col., 2007BUFREM, L. S. et al. Produção científica em ciência da informação: análise temática em artigos de revistas brasileiras. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 12, n. 1, p. 38-49, 2007.).
O conhecimento científico é a tentativa de união entre a teoria e a realidade empírica, sendo o método científico considerado o intermédio dessa articulação (Minayo e Sanches, 1993TURATO, E. R. Métodos quantitativos e qualitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 507-514, 2005.). A investigação quantitativa atua em níveis de realidade e tem como objetivo trazer à luz dados, indicadores e tendências observáveis, procurando-se evidenciar a evolução das ideias associadas a esta abordagem na descrição e interpretação de fenômenos biológicos de um modo geral (Turato, 2005TURATO, E. R. Métodos quantitativos e qualitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 507-514, 2005.).
Em face do exposto, entende-se que seja oportuno buscar informações sobre focos de atenção da produção científica em sexualidade humana, tendo-se como limite de análise os últimos 10 anos. Desse modo, em específico, o objetivo deste estudo foi analisar quantitativamente a produção científica da área da saúde acerca da sexualidade humana na formação do profissional da saúde, por meio da pesquisa conjunta dos termos conhecimento, atitude, conforto e formação acadêmica para, posteriormente, discutir lacunas de conhecimento.
Material e método
O estudo realizado é do tipo exploratório-documental, por meio de análise de conteúdo do tipo categorial. Em revisões dessa natureza, os documentos estudados são selecionados adotando-se um método sistemático a partir da separação por temáticas e eixos de pesquisa (Minayo, 2010MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.).
As três bases de dados eletrônicas consultadas foram LILACS, SciELO e Medline/Pubmed, selecionadas por apresentarem produções científicas vinculadas à área da saúde. Para a obtenção dos estudos, utilizou-se a pesquisa avançada com base nos seguintes descritores: “conhecimento/knowledge”, “atitude/attitude”, “conforto/confort” e “formação acadêmica/curriculum”. Todos esses descritores foram combinados com o termo “sexualidade humana”.
Incluíram-se artigos científicos publicados na língua inglesa e portuguesa durante o período entre 2000 e 2010. Trabalhos classificados como teses, capítulos de livros, livros, anais de congressos, guias médicos, comentários, resenhas, informativos governamentais, cartas ao editor, assim como artigos e resumos indisponíveis ou que não se enquadraram nos objetivos do presente estudo foram excluídos.
Para preencher os critérios de elegibilidade, dois avaliadores independentes decidiram sobre a inclusão ou exclusão de tais documentos. Na primeira etapa de análise, as pesquisadoras excluíram os artigos cujo título e resumo não se enquadraram no objetivo do estudo. De posse dos artigos selecionados, procedeu-se à leitura analítica e integral de cada documento. Na segunda etapa, mediante análise descritiva e qualitativa dos trabalhos que constituíram o corpus desta revisão, fez-se a análise e a discussão do material.
Os dados foram tabulados no programa Excel e, posteriormente, realizou-se análise descritiva dos dados por meio da estatística simples e a formatação em tabelas e gráficos.
Resultados
Foram encontrados 2.022 artigos classificados conforme os descritores. De acordo com os critérios do estudo, foram excluídos 2.002 artigos (Figura 1).
Fluxograma com a distribuição dos artigos de acordo com os descritores e os critérios de seleção e exclusão
Ao ressaltar a distribuição dos estudos na área da saúde, observou-se que apenas a Enfermagem (50%), a Medicina (45%) e a Terapia Ocupacional (5%) apresentam estudos publicados na área da sexualidade humana na formação do profissional da saúde.
Quanto à abordagem de pesquisa, 59% dos autores utilizaram-se da abordagem qualitativa, 23% usaram a quali-quantitativa e 18% dos trabalhos foram realizados empregando a qualitativa.
Quando analisada a origem dos estudos, pode-se observar que, dos artigos internacionais, 69% foram produzidos nos Estados Unidos, 15% na Inglaterra e 8% na China. A maior parte dos artigos nacionais foi escrita na região Sudeste (70%), seguida pela região Nordeste (14%) e Sul (14%). Estes dados podem ser observados no Quadro 1.
Dos artigos analisados, 65% foram escritos em inglês e 35% em português, sendo que o número de publicações na língua portuguesa cresceu nos últimos anos, ao passo que o número de estudos escritos em inglês decaiu, como se pode observar no Gráfico 1. Nota-se a ausência de publicações nos anos de 2001, 2004 e 2009.
Distribuição do número de artigos escritos no idioma inglês e português no período de 2000 a 2010, em três bases de dados (Lilacs, Scielo e Pubmed)
Discussão
De maneira geral, os periódicos científicos possuem três funções: registro do conhecimento, função social e função de disseminação da informação. Desse modo, um periódico científico cumpre uma função de registro oficial público mediante um sistema de editor-avaliador, sendo uma fonte para o saber científico (Barata, 2007BARATA, R. B. Scielo Saúde Pública: o desempenho dos cadernos de saúde pública e da Revista de Saúde Publica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 12, p. 3031-3040, 2007.). A fim de facilitar as etapas de uma pesquisa e o acesso a um maior número de periódicos, foram desenvolvidas bases bibliográficas ou de dados nacionais e internacionais.
A base de dados MEDLINE/PubMed foi a principal fonte de dados para o presente estudo, sendo encontrados 1.616 artigos, dos quais selecionaram-se apenas 14. O MEDLINE/PubMed é um organismo governamental vinculado à National Library of Medicine dos Estados Unidos da América e que, embora privilegie periódicos norte-americanos, constitui-se na maior base bibliográfica em saúde disponível e com abrangência global (Barreto, 2006BARRETO, M. L. Crescimento e tendência da produção científica em epidemiologia no Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, p. 79-85, 2006. Número especial.). Este fato pode justificar o significativo número de artigos escritos em inglês e selecionados para o presente estudo (65%).
Segundo Costa e Nascimento (2008)COSTA, D.; NASCIMENTO, J. V. Mudanças no sistema de avaliação dos programas de pós-graduação. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 12, n. 4, p. 5-6, 2008., ao longo da última década, a pós-graduação desempenhou importante papel na melhoria da produção intelectual brasileira, tanto quantitativa quanto qualitativamente. O aumento de publicações nacionais, ao longo dos anos, pode encontrar justificativa no crescente número de pesquisadores doutores que são graduados na área da saúde.
Além disso, dados de 2004 apontam para um crescimento de 5,6% ao ano do número de programas de Pós-Graduação stricto sensu recomendados pela CAPES, sendo a maior concentração deles na região Sudeste (Bianco e col., 2010BIANCO, A. C. L. et al. A internacionalização dos programas de pós-graduação em psicologia: perfil e metas de qualificação. Psicologia Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 23, p. 1-10, 2010. Suplemento 1.; Geocapes, 2009GEOCAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Brasília, DF, 2009. Disponível em <http://www.capes.gov.br/estatisticas>. Acesso em: 15 jun. 2010.
http://www.capes.gov.br/estatisticas... ). Isto vem corroborar os resultados encontrados no presente estudo, de que 70% da produção nacional em sexualidade humana voltada à formação profissional foram desenvolvidos por pesquisadores em universidades sediadas, majoritariamente, nessa região do Brasil.
Quanto à abordagem dos artigos analisados, 59% utilizaram-se da abordagem quantitativa, enquanto 23% utilizaram-se da quali-quantitativa e apenas 18% dos trabalhos foram escritos com base na abordagem qualitativa. A abordagem quantitativa também predomina em outras áreas de conhecimento, tais como as ciências exatas (Hocayen-Da-Silva e col., 2008HOCAYEN-DA-SILVA, A. J.; ROSSONI, L.; FERREIRA JUNIOR, I. Administração pública e gestão social: a produção científica brasileira entre 2000 e 2005. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 4, p. 655-668, 2008.; Cardoso e col., 2007CARDOSO, R. L.; PEREIRA, C. A.; GUERREIRO, R. Perfil das pesquisas em contabilidade de custos apresentadas no EnANPAD no período de 1998 a 2003. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 177-198, 2007.). A pesquisa qualitativa vem ascendendo em sua utilização por profissionais de saúde nas mais diversas áreas, principalmente, nas últimas décadas (Bassora e Campos, 2010BASSORA, J. B.; CAMPOS, C. J. G. Metodologia clínico-qualitativa na produção científica no campo da saúde e ciências humanas: uma revisão integrativa. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 12, n. 4, p. 753-760, 2010. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/article/view/5804/8499>. Acesso em: 19 nov. 2011.
http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen... ). Tal observação se deve ao número de artigos que na atualidade são submetidos e aceitos em periódicos científicos (Turato, 2005TURATO, E. R. Métodos quantitativos e qualitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 507-514, 2005.). Essas abordagens são os instrumentos que o pesquisador utiliza para se aproximar da realidade observada. Nenhuma das duas, porém, é suficiente para a compreensão definitiva dessa realidade. Um bom método será sempre aquele que permita uma construção correta dos dados, ajude a refletir sobre a dinâmica das relações existentes e consiga reproduzir tais dados na teoria. Portanto, além de apropriado ao objeto da investigação e de oferecer elementos teóricos para a análise, o método tem que ser operacionalmente exequível (Minayo e Sanches, 1993MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitative and qualitative methods: opposition or complementarity? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, 1993.).
Quando avaliado o número de publicações das diferentes áreas da saúde, pode-se observar que a enfermagem recebeu destaque, com 50% do total de artigos analisados.
Quanto a sua gênese, especificamente, a enfermagem era exercida por pessoas que prestavam serviço a Deus e por isso, durante muito tempo, a sexualidade foi reprimida e negada pelos profissionais (Santos e col., 2007SANTOS, L. V. et al. Sexualidade humana: nível de conhecimento dos acadêmicos de enfermagem. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 303-306, 2007.). Mesmo assim, sabe-se que esta é uma profissão tradicional e que o conhecimento por ela produzido pode refletir no resultado quantitativo de estudos publicados.
Sabe-se igualmente que a sexualidade é inseparável dos demais aspectos da vida por ser necessidade básica do ser humano e, portanto, deve receber a devida atenção dos profissionais da saúde (Santos e col., 2007SANTOS, L. V. et al. Sexualidade humana: nível de conhecimento dos acadêmicos de enfermagem. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 303-306, 2007.). Dentre as profissões da área da saúde, a enfermagem apresentou grande número de publicações e acredita-se que tal fato também seja fruto do próprio fazer do enfermeiro, uma vez que este profissional tem a permissão social de tocar o corpo do paciente para atender às suas necessidades humanas básicas e prestar cuidados diferenciados (Santos e col., 2007SANTOS, L. V.; CAMPOS, M. P. A. Abordagem da sexualidade humana durante a graduação em enfermagem. Revista Nursing, Barueri, v. 10, n. 117, p. 81-88, 2008.).
Além disso, o enfermeiro é considerado o profissional mais indicado para desempenhar a função de orientador sexual no ensino (Tavares, 1985TAVARES, C. A. Orientação sexual para crianças e adolescentes: proposta para a formação de enfermeiros como educadores sexuais. Revista Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 8-11, 1985.). Isso faz com que ele desenvolva habilidades e tenha constante vigilância diante do tema. No entanto, em pesquisa realizada previamente por Pelá e colaboradores (1995), os autores encontraram que a maior parte dos participantes (57,7%) não teve informações sobre sexualidade em sua formação acadêmica. Somado a isso, 97,99% dos pesquisados declararam ser necessária a aquisição de conhecimentos sobre sexualidade humana para a máxima eficiência e o mínimo constrangimento.
Outra área em que foi encontrado número considerável de artigos foi a da medicina, abrangendo 45% dos estudos avaliados. Isso se dá principalmente porque os médicos ocupam papel fundamental no que diz respeito à sexualidade dos pacientes, não apenas pela questão do diagnóstico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, mas também porque, em geral, são os primeiros profissionais procurados para consultas sobre sexualidade, uma vez que seu saber é respeitado e atestado pela população (Dixon-Woods e col., 2002DIXON-WOODS, M. et al. Teaching and learning about human sexuality in undergraduate medical education. Medical Education, Malden, v. 36, n. 5, p. 432-440, 2002.).
É ainda no contexto dessa assistência que muitos pacientes trarão, explicitamente ou não, suas dúvidas, seus mitos e temores relacionados à sexualidade (Lima e Cerqueira, 2008LIMA, M. C. P.; CERQUEIRA, A.T. A. R. Crenças sobre sexualidade entre estudantes de medicina: uma comparação entre gêneros. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 32, n. 1, p. 49-55, 2008.). Contudo, nem sempre os profissionais estarão aptos para investigar as queixas relacionadas à sexualidade e para fornecer informações.
Analisando uma amostra de médicos e de estudantes de Medicina, Ramini (1992)RAMINI, J. A. F. Insuficiente educación sexual em medicina. Acta Psiquiatrica y Psicologica de America Latina, Buenos Aires, v. 38, n, 2, p. 123-130, 1992. encontrou falhas importantes na obtenção de histórias clínicas no que se refere à sexualidade. A experiência pessoal daqueles profissionais foi o principal norteador da abordagem na prática clínica. Fayes e colaboradores (2003)FAYES, T. et al. Medical students awareness of sexual health is porro. International Journal STD & AIDS, Colchester, v. 14, n. 6, p. 386-389, 2003. também observaram lacunas na formação dos futuros médicos em saúde sexual.
Findando a análise, a Terapia Ocupacional representou 5% do total de artigos verificados. Junto com a Fisioterapia, é uma profissão que foi regulamentada como de nível superior no Brasil, em 1969, um fato recente se comparado à enfermagem e à medicina, citadas anteriormente (Brasil, 1969BRASIL. Decreto-Lei n. 938, 13 de outubro de 1969. Prevê sobre as profissões de fisioterapeuta e terapeuta ocupacional, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 out. 1969. Seção 1, p. 3.658.). Os profissionais dessas áreas devem assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua, objetivando uma melhor qualidade de vida ao paciente (Brasil, 1969BRASIL. Ministério da Educação. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 12 dez. 2011.
http://emec.mec.gov.br/... ). Por ser exigida essa visão global, é natural que fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais lidem diretamente com a sexualidade dos indivíduos e, desta forma, é necessário que detenham um bom conhecimento a respeito do tema (Santos e col., 2007SANTOS, L. V. et al. Sexualidade humana: nível de conhecimento dos acadêmicos de enfermagem. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 303-306, 2007.). Entretanto, destaca-se que não se encontrou nenhuma produção científica realizada por fisioterapeuta nas fontes e no período pesquisado.
Dentre os vários recursos empregados para o exercício da fisioterapia, tem-se a massoterapia e a terapia manual (Veronese, 2009VERONESE, L. A prática da massagem terapêutica sobre a ótica da psicologia corporal. In: ENCONTRO PARANAENSE 14., CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS, 9., 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: Centro Reichiano, 2009. p. 1-5.), técnicas que se utilizam do toque terapêutico, que é objeto do fazer do profissional fisioterapeuta. No entanto, para tocar no paciente são necessários conhecimentos que algumas vezes não são modulados na formação acadêmica nem na prática profissional, em especial no que se refere à questão da sexualidade humana (Narcizo, 2009NARCIZO, A. L. G. Corpos em evidência: reflexões sobre a exposição corporal no curso de fisioterapia. Quaestio: Revista de Estudos em Educação, Sorocaba, v. 11, n. 1, p. 181-186, 2009.).
Atualmente, no Brasil, há 547 cursos de Fisioterapia e 71 de Terapia Ocupacional regulamentados pelo Ministério da Educação (Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Educação. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 12 dez. 2011.
http://emec.mec.gov.br/... ), sendo possível perceber o aumento na quantidade das instituições formadoras, refletindo o crescimento dessas duas profissões. Apesar desse fato, não se observa, nessa área, um número estimado de publicações a respeito do conhecimento em sexualidade humana no Brasil. Em outros países, encontrou-se um número maior de artigos a respeito, embora ainda represente uma quantidade significativamente pequena.
Neste contexto, Jones e colaboradores (2005)JONES, M. K.; WEERAKOON, P.; PYNOR, R. A. Survey of occupational therapy student’s attitudes towards sexual issues in clinical practice. Occupational Therapy International, Malden, v. 12, n. 2, p. 95-106, 2005. investigaram o nível de conforto de 340 estudantes de terapia ocupacional de uma universidade da Austrália diante da sexualidade e observaram que mais da metade deles não recebeu informações adequadas durante a formação acadêmica. Resultado semelhante foi constatado por Pynor e colaboradores (2005)PYNOR, R.; WEERABOON, P.; JONES, M. K. A preliminary investigation of physiotherapy student’s attitude towards issues of sexuality in clinical practice. Physiotherapy, Sydney, v. 91, n. 1, p. 42-48, 2005. com 333 estudantes de fisioterapia, também de uma universidade da Austrália. Os autores ainda concluíram que o desconforto perante as questões sexuais dos pacientes prejudica o manejo da prática clínica deste profissional.
Os estudos realizados já demonstraram que a sexualidade está diretamente interligada aos aspectos socioculturais da pessoa e que a discussão dessa temática envolve fatores tanto biológicos quanto cognitivos e emocionais. Por isso, acredita-se que a educação superior consiste em momento oportuno para o conhecimento, a orientação, a discussão dos princípios acerca da sexualidade humana, uma vez que a maneira como cada pessoa relaciona-se consigo mesma pode traduzir suas concepções e influenciar seu fazer profissional.
Assim, lacunas na formação da sexualidade retratam o constrangimento, as incertezas, o embaraço e até mesmo a fuga na assunção da temática diante do paciente.
Compreendendo que o profissional da saúde possui como força motriz a condução do processo terapêutico e a sua integralidade de abordagem, é mister considerar como está ou como foi a sua formação no que tange à sexualidade humana.
A falta desse conhecimento é fator-chave que explica o desconforto de profissionais e acadêmicos na abordagem da saúde sexual dos pacientes (Mandú, 2004MANDÚ, E. N. T. Consulta de enfermagem na promoção da saúde sexual. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 57, n. 6 p. 729-732, 2004.). Para solucionar este problema, todos da área da saúde precisam ter informações, devem estar livres de preconceitos e sentirem-se confiantes para desenvolver atitudes e comportamentos eficientes durante a prática clínica (Shindel e col., 2010SHINDEL, A.W. et al. Medical student sexuality: how sexual experience and sexuality training impact U.S. and Canadian medical students’ comfort in dealing with patients’ sexuality in clinical practice. Academic Medicine, Washington, DC, v. 85, n. 8, p. 1321-1330, 2010.; Santos e col., 2007SANTOS, L. V. et al. Sexualidade humana: nível de conhecimento dos acadêmicos de enfermagem. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 303-306, 2007.).
Considerações finais
Conforme resultados da presente pesquisa, ficou evidente que enfermagem e medicina produzem maior número de artigos relacionados à sexualidade humana. Da mesma maneira, a pesquisa mostra lacunas na formação diante dessa temática nas demais profissões da área da saúde. Outra constatação a partir deste estudo é a de que, apesar de a maior parte dos artigos analisados terem sido produzidos fora do Brasil, a produção brasileira vem crescendo, seguindo tendência de outras áreas.
Produzir conhecimento em sexualidade humana possibilita contribuir para o preenchimento das lacunas existentes, consolidando uma área que cada vez mais evidencia sua importância na prática clínica do profissional da área da saúde.
Limitação do estudo: Embora todos os artigos encontrados sobre conhecimento, conforto e atitude perante a sexualidade humana na área da saúde tenham sido revisados de forma exaustiva, acredita-se que este trabalho tenha algumas limitações. Os estudos selecionados para essa revisão procedem de bases de dados eletrônicas, sendo que nem todos os artigos publicados foram incluídos. Além disso, estudos que não eram do idioma português ou inglês também não foram analisados. Mesmo com as limitações descritas acima, acredita-se ter encontrado os principais estudos sobre o tema.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2014
Histórico
- Recebido
16 Jul 2012 - Revisado
22 Jul 2013 - Aceito
22 Set 2013