A inserção do Brasil no mercado mundial de alumínio: incorporando contribuições da Ecologia Política para a Saúde Coletiva

The insertion of Brazil in the global aluminum market: incorporating contributions from Political Ecology for Public Health

Resumos

O presente artigo discute a inserção do Brasil no mercado mundial de alumínio a partir dos referenciais teóricos da ecologia política, da economia política do território e da saúde coletiva. A conjuntura contemporânea da economia mundial tem sido pautada pela desregulamentação e liberalização, característicos do ideário neoliberal propalado pelas nações centrais. A maior participação do Brasil nesse mercado tem sido realizada a partir do aumento da produção e exportação de commodities agrárias e metálicas, como o alumínio. Nesse sentido, a partir dos paradigmas da ecologia política, o texto propõe uma análise das consequências socioambientais, assim como sobre novas territorialidades que se produzem e reproduzem dentro de uma lógica econômica que privilegia as nações centrais. Do mesmo modo, procura-se compreender os dilemas da saúde coletiva sob uma perspectiva holística e integradora na qual se articula aos modelos de desenvolvimento econômico. Percebe-se que a produção e exportação de alumínio primário, apesar de apresentar um valor agregado maior, esconde um conjunto difuso de impactos que afetam o ambiente e a saúde coletiva.

Ecologia Política; Território; Produção de Commodities; Saúde Coletiva


Introdução

Este artigo pretende, a partir da discussão conceitual centrada nas contribuições da ecologia política, do conceito de território e dos movimentos por justiça social, lançar luz para uma melhor compreensão sobre a relação entre os modelos econômicos, caracterizados pela produção de commodities, os conflitos ambientais e a saúde coletiva de populações que vivem nos territórios impactados pelos processos produtivos. A inserção do Brasil na economia mundial, a reboque do processo de globalização, tem se caracterizado pelo incremento do processo de vulnerabilização dos territórios e de suas populações. A competitividade no mercado externo é garantida a partir da externalização de danos ambientais que colocam em risco a saúde de trabalhadores e de populações. Ao longo do texto, utilizaremos o caso da inserção brasileira no mercado do alumínio como exemplar dessa lógica. Para isso, o artigo encontra-se estruturado em cinco partes: na primeira e segunda é discutida a articulação entre território, saúde coletiva com o atual processo de globalização e os resultados deletérios ao meio ambiente desse processo, para economia de países periféricos como o Brasil; em seguida são apresentados os conceitos da economia ecológica e do metabolismo social; finalmente, são expostos e discutidos os aspectos relacionados à produção de alumínio primário no Brasil e os impactos socioambientais como o de produção de cenários de injustiça ambiental.

Nos últimos anos tem havido um significativo incremento da chamada crise ambiental global, fator que tem contribuído para o acirramento das preocupações com o tema e estimulado novas formas de se pensar o ambiente. Agendas internacionais e nacionais sobre a temática ambiental em torno de temas como a destruição de ecossistemas, a perda de biodiversidade, o incremento da poluição e as mudanças climáticas globais, têm sido construídas em diversos campos do conhecimento, e a saúde coletiva não é exceção. Compreendendo a saúde coletiva enquanto campo interdisciplinar fundado numa compreensão ampliada e crítica de saúde e dos processos saúde-doença comprometido com a transformação social e o enfrentamento das desigualdades (Nunes, 1994NUNES, E. D. Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 5-21, 1994.; Paim e Almeida Filho, 1998PAIM, S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 32, n. 4, p. 299-316, 1998.), consideramos importante a articulação com novos paradigmas e campos de conhecimento que atuem de forma crítica e engajada, tal como a ecologia política e os movimentos por justiça ambiental. Sua importância reside na compreensão dos problemas ambientais a partir dos conflitos produzidos pelo funcionamento da economia capitalista globalizada que intensifica o fluxo de energias e materiais, degrada ecossistemas e sistemas de suporte à vida, aumenta as desigualdades socioespaciais e torna mais visível as disputas tanto por recursos naturais como por valores e sentidos do desenvolvimento econômico nos territórios. O diálogo da saúde coletiva com a ecologia política permite, acreditamos, uma compreensão ampliada da temática ambiental em sua relação com a saúde, a ecologia, a economia, a cultura, o desenvolvimento humano, a democracia e os direitos humanos.

Em um início de século marcado pela intensificação do processo de globalização, o meio ambiente, mais do que nunca, é encarado como um repositório aparentemente infinito de recursos, ainda que os discursos da ecoeficiência, da sustentabilidade e da economia verde estejam a se difundir (Miranda e Porto, 2012MIRANDA, A. C.;  PORTO, M. F. S. Reflexões sobre a RIO + 20, a Cúpula dos Povos e a Saúde Coletiva. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, p. 201-209, 2012. Número especial.). Para além de um ambientalismo que considera serem as causas e os impactos dos problemas ambientais igualmente distribuídos por todo o planeta, visões críticas suportadas pela ecologia política e os movimentos por justiça ambiental indicam que a exploração dos recursos naturais e os conflitos ambientais se distribuem de forma desigual entre países, territórios e populações, em função de dimensões étnicas, raciais, de classe e gênero (Acselrad, 2008ACSELRAD, H. Sustentabilidade, território e justiça ambiental no Brasil. In: Miranda, A. C. et al. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 101-116.; Acselrad e col., 2009). A conjuntura contemporânea da economia mundial tem forjado uma (re)configuração da divisão internacional do trabalho e dos ricos: países ricos em recursos naturais, como o Brasil e o conjunto da América Latina, reforçam sua posição no comércio internacional como fornecedores de commodities rurais ou metálicas (Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, M. F. S.; MARTINEZ-ALIER, J. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, p. 503-512, 2007. Suplemento 4.). A produção dessas commodities em cadeias produtivas como a do agronegócio, do ferro-aço e da bauxita-alumínio, ao mesmo tempo em que são responsáveis pela manutenção de superávits na balança comercial, deixa a montante pesados impactos ambientais que afetam os ecossistemas, as formas de economia tradicional, a qualidade de vida e a saúde das populações dos territórios envolvidos nos processos produtivos (Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, M. F. S.; MARTINEZ-ALIER, J. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, p. 503-512, 2007. Suplemento 4.). Tais impactos, sistematicamente, são desconsiderados na formação dos preços dessas commodities, sendo por isso chamado de externalidades negativas. Isso significa que por detrás de cada tonelada de soja, ferro, aço ou alumínio exportado existe um rastro de destruição em termos dos ecossistemas e populações afetados, inclusive os povos dos campos e florestas da fronteira agrícola e exploração mineral.

A posição dos países periféricos e emergentes, enquanto fornecedores de produtos primários e de semiacabados, revela uma lógica global de acumulação assimétrica no sentido Sul-Norte, com extrema vantagem para os últimos. Conforme Sousa Santos (2010)SOUSA SANTOS, B. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010., o Sul deve ser compreendido num sentido metafórico, do qual fazem parte também nações asiáticas que, embora localizadas no hemisfério Norte, de acordo com a lógica atual do capitalismo globalizado, podem ser categorizadas como periféricas. Os territórios envolvidos nos processos produtivos sofrem metamorfoses determinadas e orientadas de acordo com interesses externos, o que caracteriza sua desterritorialização. No Brasil, a produção agropecuária, os grandes empreendimentos hidrelétricos, projetos de mineração e complexos industriais e portuários vêm transformando diferentes territórios a partir de modelos estranhos de desenvolvimento. Todos têm em comum o fato de estar associado aos interesses do mercado global, cuja função é a de atender principalmente as demandas e padrões de consumo das nações centrais e classes sociais mais ricas. Essa lógica produtiva e comercial gera conflitos que colocam em campos distintos grandes grupos empresariais nacionais e/ou internacionais, agricultores familiares, trabalhadores, moradores de bairros periféricos, bem como populações tradicionais como pescadores, quilombolas ou povos indígenas. Os conflitos ambientais nos territórios potencializam situações que envolvem a queda da qualidade de vida e das formas tradicionais de desenvolvimento gerando riscos à saúde das populações envolvidas.

Território e Saúde Coletiva em tempos de globalização

A articulação entre território, ambiente e saúde é antiga e já estava presente na distante obra “Água, ares e lugares” de Hipócrates, do século V a.C., assim como em trabalhos mais recentes de autores que ajudaram a dar caráter científico à Geografia, como os desenvolvidos por Maximiliano Sorre, no século XX. Em relação ao Brasil, dois paradigmas foram responsáveis pela problematização entre a saúde e o ambiente: o biomédico e o do saneamento (Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, M. F. S.; MARTINEZ-ALIER, J. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, p. 503-512, 2007. Suplemento 4.).

O paradigma biomédico tem sua origem na parasitologia clássica a partir do modelo ecológico das doenças infectocontagiosas. Essa abordagem evoluiu, nos últimos anos, a partir do desenvolvimento da epidemiologia e da toxicologia ambiental, que passou então a incorporar questões ambientais que se articulam às doenças crônicas — como as neoplasias e cardiopatias —, constituindo a base teórica de uma abordagem mais técnica da saúde ambiental (Freitas, 2003FREITAS, C. M. Problemas ambientais, saúde coletiva e ciências sociais. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 137-150, 2003.). Este paradigma caracteriza-se pela avaliação dos riscos ambientais e sua conexão com os efeitos à saúde, sendo, todavia, limitado na proposição de soluções e intervenções. Em relação ao modelo do saneamento, esse se distingue por uma visão técnica na qual os modelos de engenharia são as principais soluções de certos problemas ambientais, como obras estruturais de saneamento (água, lixo e esgoto) e sistemas de gestão. Os dois paradigmas vêm evoluindo com referenciais teóricos mais amplos das ciências do risco sem, contudo, incorporar uma visão histórica e dialética dos conflitos ambientais, bem como o enfrentamento destes através de uma participação mais efetiva das populações envolvidas, como trabalhadores e residentes em áreas contaminadas.

Um modelo alternativo para a compreensão das relações entre saúde e ambiente, privilegia o entendimento dos processos sociais e econômicos de desenvolvimento. Esse modelo tem sua origem nos movimentos ambientalistas e da medicina social que marcaram o nascimento da saúde coletiva no Brasil (Freitas, 2003FREITAS, C. M. Problemas ambientais, saúde coletiva e ciências sociais. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 137-150, 2003.; Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, M. F. S.; MARTINEZ-ALIER, J. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, p. 503-512, 2007. Suplemento 4.) e vem redimensionando o olhar da saúde pública para além do paradigma biomédico. Através de uma perspectiva histórica e interdisciplinar, centrada nos determinantes sociais da saúde, busca-se incorporar outras dimensões como as políticas, econômicas, culturais e ecológicas que, em sua complexidade, permitem apreender os problemas de saúde das populações de forma mais ampla.

A articulação entre os movimentos sociais e ambientalistas na busca por processos de intervenção que privilegiem a promoção da saúde tem sido um importante contributo para a incorporação de novas abordagens na saúde coletiva. Por exemplo, o enfoque ecossistêmico em saúde procura concatenar, de forma integrada e interdisciplinar, os conhecimentos teóricos e práticos da saúde e do ambiente no entendimento dos processos saúde-doença e da sustentabilidade ambiental (Sabroza e Waltner-Toews, 2001; Minayo Gómez e Minayo, 2006; Habermann e Gouveia, 2008). Na saúde pública dos EUA, o trabalho de Levins e Lopez (1999) indica a necessidade de incorporação do pensamento complexo e crítico-dialético através de sua proposta de uma abordagem ecossocial, combinando uma ciência ativista com movimentos sociais e por justiça ambiental, além de paradigmas e propostas políticas como os determinantes sociais e saúde para todos.

Todavia, apesar dos avanços na construção desse novo paradigma na busca pela integração do social nas análises dos problemas de saúde e ambiente, existe ainda um vácuo em relação à procura pela melhor compreensão entre os modelos de desenvolvimento e as questões envolvendo o mercado e o comércio internacional (Porto, 2007PORTO, M. F. S. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.). Na procura por uma compreensão mais acurada das relações de desenvolvimento assimétricas entre os países, o paradigma da economia ecológica se apresenta como uma importante ferramenta. O processo de globalização em curso, sobretudo nas últimas duas décadas, tem acentuado o papel dos países periféricos de fornecedores mundiais de commodities. Dessa forma, uma nova Divisão Internacional do Trabalho tem sido forjada, levando a uma incorporação dos países periféricos na economia mundial numa relação antípoda à dos países centrais. Numa participação subalterna na economia do mundo que pode ser descrita naquilo que Sousa Santos (2007)SOUSA SANTOS, B. Para além do pensamento abissal. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 79, p. 71-94, 2007. denomina de globalismo localizado, que, para atender às demandas dos países do Norte, os territórios dos países do Sul especializam-se na produção de commodities agrícolas e minerais, à custa da eliminação do comércio tradicional e da economia de subsistência.

A produção e exportação de commodities nos países periféricos, ao mesmo tempo em que vem se tornando imprescindível para manter positiva a balança comercial de países como o Brasil, oculta um conjunto de externalidades que garantem a competitividade desses produtos no mercado internacional. Entre os anos de 2002 a 2010, a participação dos produtos primários nas exportações nacionais saltou de 24,8% para 47,6%, entre os meses de janeiro e junho de 2011, somando-se as exportações de semimanufaturados, o percentual chega a mais de 65% (Brasil, 2012). Dessa forma, por detrás das toneladas de minérios, aço ou alumínio exportado, ecossistemas e recursos naturais e, sobretudo, vidas humanas são afetadas. Nesse cenário, campos interdisciplinares como Saúde Coletiva e a Geografia se apresentam como foros privilegiados no sentido de fomentar uma discussão de aproximação entre as dimensões econômicas do comércio internacional desigual, daquelas de natureza ética, política, ecológica e sanitária, buscando reorientar os modelos de desenvolvimento (Porto, 2007PORTO, M. F. S. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.). Assim, para o entendimento e o enfrentamento colocado pelas novas conjunturas, a discussão sobre economia espacial e a ecologia política se apresentam como importantes ferramentas teóricas.

Globalização periférica: uma modernização alienígena e ambientalmente predatória

A abertura da economia brasileira, consentida a partir do ideário liberal sugerido pelo Consenso de Washington e levada a cabo no decorrer da década de 1990, redimensionou o caráter da dependência nacional às nações centrais (Brandão, 2009BRANDÃO, C. Território e desenvolvimento. Campinas: Unicamp, 2009., 2010BRANDÃO, C. Acumulação primitiva permanente e desenvolvimento capitalista no Brasil contemporâneo. In: ALMEIDA, A. W. B. et al. (Org.). Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010. p. 39-69.). A maior inserção na economia mundial significou para o Brasil uma nova espacialização de suas estruturas produtivas em que as exportações passaram a se concentrar “em commodities minerais, minero-metalúrgicas, siderúrgicas, agrícolas e agroindustriais”, setores que, por sua vez, se caracterizam por serem “sensíveis às economias de escala, energia, mão de obra e recursos naturais baratos” (Brandão, 2009BRANDÃO, C. Território e desenvolvimento. Campinas: Unicamp, 2009., p. 157). Desta feita, o País adentrou em um ciclo de dependência econômica, em que impera a necessidade de exportação de commodities de forma a manter positiva a balança nacional de pagamentos. Disputando mercados com países periféricos com níveis de desenvolvimento semelhantes, a produção de commodities, como o alumínio primário, além de redesenhar uma nova Divisão Internacional do Trabalho, deixa à jusante pesados impactos ambientais criando cenários de vulnerabilidades à saúde e de injustiça ambiental.

Além de garantir a competitividade no mercado externo pela não contabilização e/ou externalização dos danos ambientais, o modelo atual de desenvolvimento brasileiro é revelador do processo de submissão de porções do território aos interesses externos. Nesse modelo de desenvolvimento verticalizado, ocorre o que Acselrad (2008)ACSELRAD, H. Sustentabilidade, território e justiça ambiental no Brasil. In: Miranda, A. C. et al. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 101-116. denomina de dumping ambiental, em que parte dos custos de produção, como os danos ambientais e a produção de vulnerabilidades sociais que afetam a sustentabilidade de populações tradicionais, são negligenciados. O conceito de dumping ambiental é alimentado pela existência, no interior do Brasil, de uma “guerra socioambiental” entre os entes federados, em que os territórios são chantageados e a disputa para receber investimentos são acompanhadas pela flexibilização das legislações fiscal, social e ambiental (Acselrad, 2008ACSELRAD, H. Sustentabilidade, território e justiça ambiental no Brasil. In: Miranda, A. C. et al. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 101-116.).

O modelo de desenvolvimento brasileiro, levado a cabo por grupos hegemônicos e chancelado pela necessidade de produção de divisas a qualquer custo, pauta-se pela transformação dos territórios em mercados cujas características são o avanço da apropriação privada em processos ambientalmente deletérios e ávidos por recursos naturais.

Conforme propõe Martinez-Alier (2007MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007., p. 41), em nações industrializadas ou em vias de industrialização, “existem aqueles que dizem ser a expansão do ‘bolo’ da economia — isto é, o crescimento do PIB — o fator que melhor atenua os conflitos econômicos distributivos entre os grupos sociais”. Essa ideia é refutada pelo mesmo autor, segundo ele “o crescimento econômico pode se efetivar paralelamente a uma crescente desigualdade nacional ou internacional” (Martinez-Alier, 2007MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007., p. 42). Em nações periféricas como o Brasil, o processo de industrialização alavancado no século passado corrobora a ideia da concomitância entre crescimento econômico e aumento das desigualdades sociais. Assim, iniciativas externas, consideradas modernizantes, como empreendimentos ligados ao setor de mineração transformam os territórios sob a lógica do grande capital, desconsiderando os modelos tradicionais de desenvolvimento.

Se por um lado, os processos modernizantes contribuem para a expansão do Produto Interno Bruto dos territórios, por outro, tais indicadores que se manifestam nesse crescimento, podem não estar acompanhados, ou mesmo, obstado de um desenvolvimento social e econômico equitativo, uma vez que, na atual fase da divisão internacional do trabalho, a “industrialização nem sempre é capaz de criar um crescimento com desenvolvimento”, sobretudo, “devido à ausência de articulação local das atividades e da redistribuição regressiva da renda” (Santos, 2008SANTOS, M. O espaço dividido. São Paulo: EdUSP, 2008., p. 31). Nesse sentido, o aumento da produtividade decorrente da automação, a partir do desenvolvimento tecnológico, concede às empresas independência em relação ao seu ambiente imediato, o que lhe permite tirar proveito da diversidade daquilo que o espaço tem a oferecer (Becker, 2010BECKER, B. K. Novas territorialidades na Amazônia: desafio às políticas públicas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Humanas, Belém, v. 5, n. 1, p. 17-23, 2010.), ao mesmo tempo em que facilita o uso do que Acselrad (2004)ACSELRAD, H. Justiça ambiental: ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, H.; PÁDUA, J. A.; HERCULANO, S. (Org.). Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 13-35. denomina de chantagem locacional, ou seja, a ameaça do capital de relocalizar em outras regiões ou países setores produtivos quando pressões por melhores condições de produção e trabalho são realizadas por movimentos sociais e governos locais.

A ausência de um processo de desenvolvimento endógeno opera impedindo a produção de solidariedade e cidadania comunitária e também, no sentido “de conduzir de forma integrada e permanente a mudança qualitativa e a melhoria do bem-estar da população de uma localidade ou de uma região” (Pires, 2007PIRES, E. L. S. As lógicas territoriais do desenvolvimento: diversidade e regulação. Interações, Campo Grande, v. 8, n. 2, p. 155-163, 2007., p. 160). O desenvolvimento econômico, seja ele em escala nacional, regional seja local, deve aspirar ao alcance do bem-estar e não se restringir à provisão de condições materiais básicas. Neste sentido, os seres humanos deveriam ser os beneficiários e juízes do progresso e não apenas dos meios primários de produção, devendo a vida das pessoas ser o desígnio último da produção e da prosperidade (Sen, 1993SEN, A. O desenvolvimento como expansão das capacidades. Lua Nova, São Paulo, n. 28/29, p. 313-334, 1993., 2000SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2000.).

Economia ecológica e metabolismo social

De acordo com a visão econômica ortodoxa os impactos ambientais são vistos como fatores externos ou falhas do sistema, sendo desta forma, passíveis de serem corrigidos sob a lógica do mercado, a partir do uso de métodos adequados. Ou seja, as falhas, no caso os impactos, podem ser ajustadas através da internalização no sistema de preços promovidas pelo próprio mercado (Cavalcanti, 2010CAVALCANTI, C. Concepções da economia ecológica: suas relações com a economia dominante e a economia ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 53-67, 2010.). Para a economia tradicional, o meio ambiente é compreendido como um apêndice ou como objeto da própria mercantilização, como na recente criação dos mercados de carbono; o sistema econômico não encontra limites para sua expansão; não existem contingências para trocas ou crescimento, seja pela necessidade de mais recursos ou para os sumidouros de resíduos, sendo os problemas ambientais vistos como falhas de mercado a serem corrigidas pelo próprio mercado, como os mecanismos de internalização.

Contrária à visão econômica ortodoxa, a economia ecológica concebe as atividades econômicas como um sistema aberto dentro do ecossistema, sendo esse último o todo e a economia uma de suas partes. Nesse paradigma a energia e a matéria entram no sistema econômico e saem no final como lixo ou matéria e energia degradadas. O sistema é concebido como um organismo vivo, que assimila recursos que vêm do meio ambiente e, após ser metabolizado, é devolvido em forma de sujeira, no que pode ser compreendido como uma visão biofísica do processo econômico (Georgescu-Roegen, 1971GEORGESCU-ROEGEN, N. The entropy law and the economic process. Cambridge: Harvard University, 1971.).

O paradigma da economia ecológica tem sua origem no embate seminal entre economistas e ecologistas em uma busca por um referencial alternativo às necessidades impostas pela busca da sustentabilidade, diante dos limites da economia neoclássica (Porto, 2007PORTO, M. F. S. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.). Trabalhos precursores da economia ecológica são encontrados nas obras de Georgescu-Roegen (1971)GEORGESCU-ROEGEN, N. The entropy law and the economic process. Cambridge: Harvard University, 1971.. Esse autor foi um dos pioneiros a propor uma aproximação entre os processos econômicos e as formas como são distribuídos os recursos naturais e seus respectivos fluxos entre as regiões e os países. Ainda nessa linha, teóricos como Frank (1967FRANK, A. G. Capitalism and underdevelopment in Latin America. New York: Monthly Review, 1967., 1978FRANK, A. G. World accumulation. New York: Monthly Review, 1978.) e Wallerstein (1974)WALLERSTEIN, I. The rise and future demise of the world capitalist system: concepts for comparative analysis. Comparative Studies in Society and History, Cambridge, v. 16, n. 4, p. 387-415, 1974. também apontam as formas de intercâmbio desigual entre as nações como sendo o principal sustentáculo do imperialismo. O desafio da economia ecológica pautou-se em asseverar o caráter extremamente desigual e injusto, do chamado livre mercado mundial, em que os países do Sul se especializam na exportação de produtos primários enquanto os países do Norte exportam produtos industrializados. A lógica expressada pelos defensores do liberalismo deixa camuflado o fato de que os produtos primários vendidos são ainda intactos e são trocados por produtos já despendidos (Hornborg, 1998HORNBORG, A. Towards an ecological theory of unequal exchange: articulating world system theory and ecological economics. Ecological Economics, Amsterdam, v. 25, n. 1, p. 127-136, 1998.) ou, melhor dizendo, são transferidos pelos países do Sul produtos genericamente chamado de commodities, que possuem potencial de energia e material para os países do Norte. Essa troca desigual pode ser mais bem compreendida ao se analisar os fluxos de energia e materiais em direção aos países centrais. Em sentido contrário, existe uma “transferência de efeitos externos de países já desenvolvidos para sociedades menos desenvolvidas” (Altvater, 1995ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Unesp, 1995., p. 150). Os efeitos externos são altamente nocivos para os ecossistemas das nações subdesenvolvidas e, apesar de serem realizados a partir de compensações monetárias, estas nunca são suficientes para cobrir os danos causados pelas externalidades dos processos desenvolvimentistas das nações ricas (Altvater, 1995ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Unesp, 1995.).

Trabalhando com as ideias da termodinâmica elaboradas por Georgescu-Roegen, Altvater (1995)ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Unesp, 1995., chama as reservas de energia, como petróleo e carvão assim como de outros minerais, de ilhas de sintropia. A exploração dessas reservas, perfeitamente ordenadas (ilhas de sintropia) são potenciais causadores de processos de desordem (entropia). A ordem dos elementos minerais de uma jazida é eliminada no processo de exploração. Os minerais, na maior parte das vezes, são transferidos para regiões distantes, onde os mecanismos de produção são dependentes do fornecimento desses materiais. A desordem pode ser indireta, como por exemplo, na redução da biodiversidade nas áreas mineradas, mas também, direta como no aumento do nível tóxico do ambiente humano (Altvater, 1995ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Unesp, 1995.). A ordem, compreendida pelo paradigma da produção de riquezas, só é possível a partir da produção de relações caóticas, ou seja: a sociedade mundial convive com uma contradição, em que ocorre tanto a modernização fordista quanto o desenvolvimento do subdesenvolvimento (Frank, 1992FRANK, A. G. Economic ironies in Europe: a world economic interpretation of East-West European politics. International Social Science Journal, Paris, v. 44, n. 131, p. 41-56, 1992.), neste mesmo sentido, fazendo uso das palavras de Boaventura de Sousa Santos, “a humanidade moderna não se concebe sem uma subumanidade moderna” (Sousa Santos, 2007SOUSA SANTOS, B. Para além do pensamento abissal. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 79, p. 71-94, 2007., p. 76).

A maximização da exploração de recursos naturais tende a se intensificar quando a relação de intercâmbio se deteriora para as economias extrativas. Nestas economias, a base de sua fonte de divisas, utilizada no pagamento da dívida externa e no financiamento de importações necessárias, está assentada na extração mineral. Nos países exportadores desses recursos, existe uma tendência ao incremento das exportações que, em toneladas, crescem mais rápido do que seu valor econômico (Martinez-Alier, 2007MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.). Atualmente, quantidades extraordinárias de energia e, de forma crescente, fluxos de ferro, alumínio e cobre viajam milhares de quilômetros no sentido Sul-Norte (Martinez-Alier, 2007MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.). Parte desse fluxo, como os relacionados às atividades minerais, deixa para traz um rastro caracterizado pela degradação das florestas naturais e contaminação do solo e das águas (Martinez-Alier, 2007MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.; Martinez-Alier e O’Connor, 1996MARTINEZ-ALIER, J.; O’CONNOR, M. Ecological and economic distribution conflicts. In: COSTANZA, R.; SEGURA, O.; MARTINEZ-ALIER, J. (Ed.). Getting down to earth. Washington, DC: Island, 1996. p. 383-384.). Em um cenário de desregulação e expansão capitalista para as nações do Sul, a apropriação da mais-valia relativa não se reduz ao modelo fordista de produção, exigindo, com isso, uma complementação, via produção de commodities, assente na “desapropriação da substância econômica de outras pessoas, pela acumulação mediante a desapropriação” (Altvater, 2010ALTVATER, E. O fim do capitalismo como o conhecemos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010., p. 108). Esse modelo de acumulação, ao incorporar novas formas de acumulação, faz uso de práticas predatórias, da violência na extração de recursos, consubstanciadas em danos ambientais, aproveitando-se das desigualdades inter-regionais, para pilhar os recursos das nações mais frágeis (Harvey, 2005HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005.; Breilh, 2008BREILH, J. Pilhagens, ecossistemas e saúde. In: MIRANDA, A.; BARCELLOS, C.; MOREIRA, J. C. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p.159-180.).

A dinâmica territorial imposta, na maioria das vezes de forma discricionária e segundo interesses externos, produz externalidades ambientais que criam situações de vulnerabilidade colocando em risco as populações locais. Os riscos ambientais devem ser encarados como subprodutos do chamado desenvolvimento, ou conforme Santos e Silveira (2001)PORTO, M. F. S. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007., da incompletude da modernização, peculiar às nações industrializadas subdesenvolvidas como o Brasil.

Conjuntura atual da produção de alumínio no Brasil

O Brasil nas últimas décadas tem aumentado sua produção doméstica de alumínio primário, deixando para traz o histórico papel de exportador de bauxita. A importância do alumínio na economia brasileira atual pode ser mais bem compreendida e mensurada, pelo seu peso na composição do PIB. Em 2008, a indústria deste metal representou nada menos que 4,5% do produto interno nacional. Nas vendas externas, neste mesmo ano, o alumínio foi responsável por 3% das exportações nacionais (DNPM, 2009DNPM - DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL. Sumário mineral 2009. Brasília, DF, 2009.). Do total de alumínio primário produzido no Brasil, 1.534,9 mil ton. em 2009, 1.008,3 mil ton. foram consumidos pelo mercado doméstico (ABAL, 2010ABAL - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ALUMÍNIO. Anuário estatístico. São Paulo: 2010.). A importância das exportações desse metal pode ser mais bem compreendida pela sua participação na composição dos superávits obtidos pelo Brasil no mercado externo: em 2009, apesar da crise internacional que tem atingido os países centrais, as trocas envolvendo o alumínio ficaram positivas para o Brasil em U$2.560 milhões, ou, nada menos que, 10% de todo o saldo comercial calculado em U$25.536 milhões.

A importância do alumínio na composição dos superávits comerciais do Brasil são sinalizadores de uma transformação estrutural na indústria do alumínio. Se até recentemente o Brasil era um grande exportador de bauxita, essa condição foi alterada e, atualmente, o alumínio primário assumiu a condição de commodities até pouco tempo reservada apenas ao mineral. Foi tributária para essa transformação, além da escassez de recursos minerais nos países centrais, a emigração de indústrias altamente poluidoras e impactantes ao meio ambiente para nações subdesenvolvidas como o Brasil. A migração dessas empresas é corroborada por Freitas e colaboradores (2003)FREITAS, A. P. G.; MONTE-MÓR, R. L. M.; BRAGA, T. M. Desenvolvimento, meio ambiente e divisão internacional do trabalho: análise empírica para uma região de concentração de indústrias sujas e intensivas em recursos naturais no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, Cedeplar, 2003., que, segundo a qual, em nações subdesenvolvidas a pressão social pela qualidade ambiental é menor, na maioria das vezes a instalação de empreendimentos impactantes ao meio ambiente é enxergada de forma positiva por representar crescimento econômico e geração de empregos (Freitas e col., 2003FREITAS, A. P. G.; MONTE-MÓR, R. L. M.; BRAGA, T. M. Desenvolvimento, meio ambiente e divisão internacional do trabalho: análise empírica para uma região de concentração de indústrias sujas e intensivas em recursos naturais no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, Cedeplar, 2003.).

Questões socioambientais e de produção de injustiça ambiental

A cadeia produtiva do alumínio produz sérios impactos ambientais. Os impactos são difusos e produzidos em todas as etapas do processo produtivo.

Na extração de bauxita, fase inicial da produção, os principais impactos relacionam-se ao processo de retirada, transporte e beneficiamento. Material particulado, erosão e lixiviação de áreas mineradas, contaminação e assoreamento de recursos hídricos fazem parte dos problemas ambientais.

Para a exploração da bauxita, é retirada a vegetação superficial com uso de tratores. Em seguida a camada de solo fértil é removida e estocada em separado para ser usada durante o processo de recuperação. Na Amazônia brasileira, a bauxita é extraída de áreas de floresta preservada onde existe uma simbiose entre os habitantes locais e o ambiente preservado. Nessa região a mineração tem deixado para traz um rastro de impactos ambientais, de pobreza e subdesenvolvimento (Bunker, 1985BUNKER, S. Underdeveloping the Amazon. Chicago: University of Chicago, 1985.).

A indústria do alumínio é eletro-intensiva. Dessa forma, os grandes produtores mundiais de alumínio, necessariamente, são importantes produtores de energia elétrica. Souza e Jacobi (2007) sustentam a existência de uma relação entre os países, grandes detentores de parques hidrelétricos e os principais produtores de alumínio primário. O perfil de voracidade das indústrias de alumínio no consumo de energia pode ser mais bem abalizado ao relacioná-lo à energia produzida pelo Sistema Integrado Nacional — SIN (ONS, 2012ONS - OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO. O que é o SIN (Sistema Interligado Nacional). Rio de Janeiro: ONS, 2012. Disponível em: <http://www.ons.org.br/conheca_sistema/o_que_e_sin.aspx>. Acesso em: 10 abr. 2012.
http://www.ons.org.br/conheca_sistema/o_...
). Da energia elétrica gerada no Brasil durante o ano de 2009, 445.662,85Gwh, algo em torno de 5,8%, desse total, foi consumido pelas indústrias produtoras de alumínio. Em termos de comparação, vale mostrar que esse volume corresponde a quase à metade de toda a energia elétrica produzida na região Nordeste (47,6%) e a 62,50% da energia gerada na região Norte do País.

O caráter de insustentabilidade ambiental das grandes hidrelétricas podem ser constituídos a partir de parâmetros que identificam os problemas físico-químicos-biológicos originários da implantação dos empreendimentos, da operação das hidrelétricas e de sua interação com as características ambientais dos locais de sua implantação (Bermann, 2007BERMANN, C. Impasses e controvérsias da hidroeletricidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 21, n. 59, p.139-153, 2007.). As hidrelétricas ainda funcionam como “engrenagens formidáveis de acumulação de capital e de mobilização de forças de trabalho” (Sevá Filho, 2008SEVÁ FILHO, A. O. Estranhas catedrais: notas sobre o capital hidrelétrico, a natureza e a sociedade. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 60, n. 3, p. 44-50, 2008., p. 46). Existe uma ideologia dominante que impõe ao País a opção barrageira como sendo a única existente ou viável, dissimulando os verdadeiros interesses ou razões para os projetos hidrelétricos, como no caso de Tucuruí, que foi construída “para fundir alumínio e beneficiar minérios, com os consumidores brasileiros bancando os rombos de contratos lesivos da Eletronorte com as indústrias consumidoras de energia” (Sevá Filho, 2008SEVÁ FILHO, A. O. Estranhas catedrais: notas sobre o capital hidrelétrico, a natureza e a sociedade. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 60, n. 3, p. 44-50, 2008., p. 48).

Muitos dos empreendimentos hidrelétricos são marcados por impactos ambientais que muitas vezes se transformam em conflitos em que se posicionam de um lado grandes grupos empresariais, ou o próprio Estado e, do outro, grupos sociais que se organizam. Uma análise no sítio da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)11 Disponível em: <http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/>. Acesso em: 10 mar. 2012. manifesta a existência de 194 documentos de todo o Brasil, relacionados a conflitos envolvendo a construção de barragens hidrelétricas. Os conflitos são difusos e envolvem majoritariamente grupos sociais vulneráveis. Os conflitos envolvendo a construção de hidrelétricas e comunidades e pequenos produtores rurais são recorrentes em Estados como Minas Gerais que possui importante potencial hidroelétrico (Silva e Silva, 2011SILVA, R. G. S.; SILVA, V. P. Os atingidos por barragens: reflexões e discussões teóricas e do assentamento Olhos D’água em Uberlândia-MG. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 2, p. 397-408, 2011.; Penido, 2008PENIDO, M. A hidrelétrica de Candonga/MG e a produção capitalista do espaço: conflitos, resistências e re-existências do lugar. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS, 4., 2008, Brasília, DF. Anais... São Paulo: ANPPAS, 2008, p. 1-18.; Zhouri e Oliveira, 2007ZHOURI, A.; OLIVEIRA, R. Desenvolvimento, conflitos sociais e violência no Brasil rural: o caso das usinas hidrelétricas. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 10, n. 2, p. 119-135, 2007.; Zhouri e Gomes, 2007ZHOURI, A.; GOMES, L. A. Da invisibilidade à mobilização popular: atores e estratégias no licenciamento ambiental das hidrelétricas Capim Branco I e II. In: SEMINÁRIO NACIONAL MOVIMENTOS SOCIAIS, PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA, 2., Florianópolis, 2007. Anais... Florianópolis: NPMS, 2007, p. 104-119.; Zhouri e Zucarelli, 2010ZHOURI, A.; ZUCARELLI, M. C. Visões da resistência: conflitos ambientais no Vale do Jequitinhonha. In: SOUZA, J. V. A.; HENRIQUES, M. S. (Org.). Vale do Jequitinhonha: formação histórica, populações e movimentos. Belo Horizonte: UFMG, Proex, 2010. p. 209-236. v. 1.; Pinto e Pereira, 2005PINTO, V. F. S.; PEREIRA, D. B. Conflitos socioambientais e resistências no/do projeto hidrelétrico de Candonga. Geografias, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 70-85, 2005.; Sevá Filho e Pinheiro, 2006SEVÁ FILHO, A.; PINHEIRO, M. F. B. Conflitos sociais e institucionais na concretização recente de algumas concessões de aproveitamentos hidrelétricos assinadas entre 1997 e 2000. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 11., 2006, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: CBE, 2006, p. 1-15.), mas também em outras regiões do Brasil (Alves, 2010; Bermann, 2007BERMANN, C. Impasses e controvérsias da hidroeletricidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 21, n. 59, p.139-153, 2007.; Junk e Nunes de Mello, 1990JUNK, W. J.; NUNES DE MELLO, J. A. S. Impactos ecológicos das represas hidrelétricas na bacia amazônica brasileira. Estudos Avançados, São Paulo, v. 4, n. 8, p. 126-143, 1990.).

A associação dos insumos durante a produção de alumina e alumínio caracteriza-se pela emissão de gases altamente impactantes ao ambiente e à saúde como os perfluorcarbonos (PFCs). Alguns inventários produzidos recentemente por alguns Estados brasileiros mostram a participação das indústrias de alumínio na emissão de gases do efeito estufa: em Minas Gerais em 2005, a indústria do alumínio participou com 13% do total de emissão de gases, ficando atrás, apenas, das indústrias de cimento (43,9%) e cal (38,2%) (FEAM, 2010FEAM - FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE DE MINAS GERAIS. Inventário de emissões de gases do efeito estufa do estado de Minas Gerais: ano base 2005. Belo Horizonte, 2010.); Em São Paulo, no inventário de emissões de fontes fixas de CO2, elaborado pela CETESB, no ano de 2008, as indústrias de minerais não metálicos (nesta tipologia estavam incluídos além da produção de alumínio primário, fornos de cal, cimento e produção de vidro), ocupavam a segunda posição como emissores de CO2, contribuindo com 26,4% do total estadual. Já no ranking das empresas que mais emitiram CO2 em 2008, a Cia. Brasileira de Alumínio, atual Votorantim Metais, posicionou-se na sexta colocação; Outros inventários de outros Estados da federação também apontam o potencial emissor de CO2 das indústrias de alumínio primário: na Bahia a indústria de alumínio primário emitiu 6,5% do total de CO2, situando-se na sexta colocação, atrás das indústrias de Magnésio (24,7%), Cimento (20,6%), Ferro e aço (15,9%) e Ferroligas (13,7%) (SEMA, 2012SEMA - SECRETARIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE. Primeiro inventário de emissões antrópicas de gases de efeito estufa do Estado da Bahia, 2010. Salvador, 2012. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/mudancasclimaticas/geesp/file/docs/publicacao/inventario_estadual/bahia/1inventario-estadual_gee_bahia.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2010.
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); No Estado do Rio de Janeiro, a indústria do alumínio, ocupou o ranking na quinta colocação em volume de emissões totais de gases do efeito estufa em 2005 e em primeiro lugar, entre as indústrias, em emissões de metano e óxido nitroso (SEA, 2007SEA - SECRETARIA DE ESTADO DO AMBIENTE. Inventário de emissões de gases de efeito estufa do Estado do Rio de Janeiro, 2007. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/mudancasclimaticas/geesp/file/docs/publicacao/inventario_estadual/rio_de_janeiro/3-inventario-gee-RJ.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2010.
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). O incremento das emissões de gases em países periféricos como o Brasil parece estar associado à redução nos países centrais. A diminuição das emissões nos Estados Unidos tem sido considerada como sendo resultado do deslocamento das empresas para o exterior (Koehler e Spengler, 2007KOEHLER, D. A.; SPENGLER, J. D. The toxic release inventory: fact or fiction?: a case study of the primary aluminum industry. Journal of Environmental Management, Oxford, v. 85, n. 2, p. 296-307, 2007.).

Discussão

A produção brasileira de alumínio tem sido ascendente, o que, por sua vez, tem adicionado pressão sobre outros setores, como o de geração de energia elétrica. Conforme já mencionado, a geração de energia hidrelétrica esbarra em importantes questões socioambientais que são desconsideradas e externalizadas. As externalidades são produzidas na construção de grandes empreendimentos hidrelétricos que objetivam garantir energia a baixo custo para a produção e, em boa parte, exportação de alumínio a um preço competitivo. Desta forma, “em nome de uma concepção industrialista de progresso, desestruturam-se as condições materiais de existência de grupos socioculturais territorialmente referenciados” (Acselrad, e col., 2009ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N. O que é justiça ambiental? Rio de Janeiro: Garamond, 2009., p. 122-123). O paradigma de desenvolvimento, típico destes projetos, baliza-se pela noção de crescimento econômico distinta da noção de desenvolvimento que, conforme Sachs (2008SACHS, I. Desenvolvimento includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., p. 13-14) deveria significar “a expiação e reparação das desigualdades passadas” e, que teria de ter por objetivo maior “promover a igualdade e maximizar a vantagem daqueles que vivem em piores condições”. De acordo com Porto e Milanez (2009)PORTO, M. F. S.; MILANEZ, B. Eixos de desenvolvimento econômico e geração de conflitos socioambientais no Brasil: desafios para a sustentabilidade e a justiça ambiental. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 6, p. 1983-1994, 2009., o conceito de desenvolvimento atual, cunhado a partir da intensificação do processo de globalização, é produto de “critérios produtivistas e consumistas que desrespeitam a vida humana e dos ecossistemas, bem como a cultura e os valores dos povos nos territórios onde os investimentos e as cadeias produtivas se realizam” (p. 31). A esse modelo de desenvolvimento postulado por Harvey (2005)HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005., de acumulação por espoliação, as características são a expulsão de populações camponesas, o aumento de um proletariado sem terra, a privatização de recursos antes partilhados (muitas vezes sob os auspícios do Banco Mundial), em detrimento das formas autóctones e alternativas de produção.

A transformação do Brasil em importante exportador de alumínio primário também pode ser mais bem compreendida como sendo o resultado daquilo que Harvey (2005)HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005. chama de revolução tecnológica produtiva, em que o cerne da dominação social reside nos processos estruturais de um novo modelo de acumulação, batizado por esse autor de pilhagem. Atualmente, a lógica atual do capitalismo não faz uso apenas de seus mecanismos tradicionais de acumulação, mas também, “mediante práticas predatórias, a fraude e a extração violenta, que se aplicam aproveitando as desigualdades e assimetrias inter-regionais, para pilhar diretamente os recursos de países mais frágeis” (Breilh, 2008BREILH, J. Pilhagens, ecossistemas e saúde. In: MIRANDA, A.; BARCELLOS, C.; MOREIRA, J. C. (Org.). Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p.159-180., p. 162), como é o caso do Brasil e, especialmente, das regiões mais pobres onde se instalam as companhias mineradoras. Muito embora haja uma compensação financeira por parte das empresas como forma de mitigação, essas nunca são suficientes para cobrir os prejuízos provocados pela externalização, pois, conforme sugerido por Altvater (1995ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Unesp, 1995., p. 150), “se fosse exigida a compensação plena dos danos, a transferência jamais seria efetivada”.

O modelo exportador brasileiro de commodities, alimentado por produtos como o alumínio, oculta uma subvalorização da mão de obra e da saúde dos pobres, o que explica a deterioração do intercâmbio desigual especificada nos preços (Martinez-Alier, 2007MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007.). Compactuando com as ideias de Martinez-Alier (2007)MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007., a noção de intercâmbio comercial desigual deve ser redimensionada para que sejam consideradas as externalidades ambientais locais não contabilizadas. Martinez-Alier (2007HORNBORG, A. Towards an ecological theory of unequal exchange: articulating world system theory and ecological economics. Ecological Economics, Amsterdam, v. 25, n. 1, p. 127-136, 1998., p. 289) conceitua como “intercâmbio ecologicamente desigual” e “dumping ecológico” a exportação de produtos originários de países ou de regiões pobres desconsiderando as externalidades envolvidas em seus processos de produção e ao esgotamento dos recursos naturais. O cenário do atual comércio internacional é desta forma, gerador de circuitos de energia, materiais e distribuição de riquezas sintetizadas em um metabolismo social que intensifica as desigualdades sociais e a degradação ambiental (Porto, 2007PORTO, M. F. S. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.; Porto e Martinez-Alier, 2007PORTO, M. F. S.; MARTINEZ-ALIER, J. Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, p. 503-512, 2007. Suplemento 4.; Porto e Milanez, 2009). Assim, “quando um país rico importa matérias-primas baratas no mercado de commodities, também está importando recursos naturais como água e o solo, de outras regiões em territórios afastados onde ocorre a degradação ambiental e social” (Porto, 2007PORTO, M. F. S. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007., p. 61).

Por fim, conforme sublinhado por Franco (2010)FRANCO, T. Padrões de produção e consumo nas sociedades urbano-industriais e suas relações com a degradação da saúde e do meio ambiente. In: MINAYO, M. C. S.; MIRANDA, A. C. (Org.). Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. p. 209-231., o modelo econômico atual, traduzido pelo processo de globalização, tem feito ressurgir, como maior força a exclusão social e a cisão socioeconômica entre os países do Norte e do Sul, ricos e pobres e na cristalização dos problemas ambientais locais e globais.

Considerações finais

Procuramos apresentar neste artigo uma discussão teórica entre questões envolvendo territórios envolvidos na cadeia produtiva do alumínio e ecologia política. Pretendeu-se demonstrar que o referencial teórico da ecologia política é uma importante ferramenta no auxílio para melhor compreensão da produção de novas territorialidades. Do mesmo modo, tentou-se demonstrar o quão deletério tem sido para as populações que habitam esses territórios a produção de novas territorialidades articuladas à produção de commodities voltadas para a exportação. O que aparentemente pode ser visto como avanço, no caso das exportações de alumínio primário em detrimento da bauxita, esconde questões que envolvem danos socioambientais difusos. A extração da bauxita ou o caráter eletro-intensivo da produção escamoteia a ocorrência de conflitos envolvendo, muitas vezes, pequenos produtores, quilombolas e povos da floresta, que por diversas ocasiões têm seus territórios alagados para a geração de energia elétrica.

A partir das informações discutidas ao longo do texto, compreende-se que o Brasil tem aumentado sua participação no mercado internacional atendendo exatamente aos interesses das nações desenvolvidas. Desta forma, o Brasil enquanto nação periférica, inevitavelmente para aumentar e sustentar suas taxas de crescimento do PIB terá como efeitos colaterais a contribuição para a produção de cenários caracterizados por tragédias socioambientais locais e globais (Porto e Milanez, 2009PORTO, M. F. S.; MILANEZ, B. Eixos de desenvolvimento econômico e geração de conflitos socioambientais no Brasil: desafios para a sustentabilidade e a justiça ambiental. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 6, p. 1983-1994, 2009.).

O paradigma da ecologia política permite compreender os circuitos econômicos que privilegiam as nações centrais em relação às nações periféricas dentro de uma lógica perversa em que os territórios são moldados de acordo com interesses externos. Em nações como o Brasil, esse paradigma deveria se articular a outros, pautados pela sustentabilidade, no respeito ao ambiente e às populações tradicionais, redimensionado a ideia de desenvolvimento para um patamar que vá além do crescimento do PIB.

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  • 1
    Disponível em: <http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/>. Acesso em: 10 mar. 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    apr-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2013
  • Revisado
    24 Out 2013
  • Aceito
    05 Nov 2013
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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