A condição sénior no Sul da Europa e na Escandinávia

The senior condition in Southern Europe and Scandinavia

António Calha Sobre o autor

Resumos

O aumento da esperança média de vida associado a uma retração significativa da natalidade tem contribuído para um rápido envelhecimento das sociedades e uma profunda alteração da estrutura demográfica de muitos dos países europeus. Neste artigo, analisamos as especificidades da condição sénior nos países do Sul da Europa e da Escandinávia. Tratando-se de países com uma configuração de modelos de proteção social distintos, procuramos perceber se existem formas diferenciadas de viver a velhice nessas sociedades. Para tal, recorremos à análise dos resultados obtidos no European Social Survey (round 5 - 2010). A análise realizada revela que a existência de diferentes modelos que configuram a condição sénior nas sociedades em análise traduz-se em formas diferenciadas de lidar com o processo de envelhecimento. Concluímos que a condição de idoso não depende exclusivamente dos fatores biológicos relacionados com a limitação física, pois o contexto social em que se enquadra a vivência desse período da vida também influencia a condição sénior e a forma como os idosos a perspetivam.

Envelhecimento; Saúde; Bem-Estar


The extended increasing of life expectancy associated with a significant decline in the birth rate have contributed to a rapid aging of societies and a profound change in the demographic structure of many European countries. We analyze in this article the specific condition of the senior in the countries of Southern Europe and Scandinavia. In the case of countries with a configuration of different models of social protection, we realize that there are different ways of living old age in these societies. For this reason, our analysis uses the results obtained in the European Social Survey (round 5-2010). The analysis reveals the existence of different models that set the senior condition in the referred societies, which means different ways of dealing with the aging process. To conclude, the condition of the elderly does not depend solely on biological factors related to physical limitation, it is also influenced by social configuration that fits the experience of this period of individual life, as well as the way old people face it.

Aging; Health; Well-Being


Introdução

O envelhecimento da população constitui um dos principais desafios demográficos com que se deparam as sociedades europeias hoje. As consequências sociais desse fenómeno são agravadas pelo ritmo acelerado do processo de envelhecimento da população devido, não só, ao aumento da esperança média de vida, mas também à retração significativa da natalidade que compromete seriamente a renovação geracional. As consequências sociais do envelhecimento são várias, desde a profunda transformação da configuração demográfica das sociedades até aos desafios que coloca ao Estado Social. O surgimento de uma "sociedade grisalha" produz uma alteração do papel social dos idosos reconfigurando as relações sociais que se geram na família e na comunidade. Apesar dos atuais apelos ao envelhecimento ativo (WHO, 2002WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Active ageing: a policy framework. Genebra, 2002.), como forma de aumentar a qualidade de vida da população idosa, é reconhecida a existência de um conjunto de vulnerabilidades que atingem a condição sénior e que obstaculizam o envelhecimento ativo. Entre essas vulnerabilidades encontram-se o estado de saúde da pessoa idosa e o isolamento social, às quais deve ser prestada especial atenção dada a sua relevância na participação ativa, e plena, dos idosos na vida em sociedade.

As conceções do envelhecimento são fortemente marcadas por valores culturais, muitos deles sob a forma de estereótipos. Como refere (Vincent 2003VERMEULEN, J. et al. Predicting ADL disability in community-dwelling elderly people using physical frailty indicators: a systematic review. BMC Geriatrics, London, v. 11. n. 1, p. 33, 2011.), as consequências de tais apreciações culturais podem variar entre preconceitos e barreiras, de cariz institucional, que impedem a participação plena da vida em sociedade. Uma das imagens estereotipadas mais comum do envelhecimento é a da perda de controlo sobre muitos dos aspetos da vida. Trata-se de estereótipos que incorporam a conceção do idoso como um ser em processo de deterioração e de declínio inevitável e irreversível (Lachman; Neupert; Agrigoroaei, 2011LACHMAN, M.; NEUPERT, S.; AGRIGOROAEI, S. The relevance of control beliefs for health and aging. In: BIRREN, J., et al (Ed.). Handbook of the psychology of aging. New York: Academic Press, 2011. p. 175-190.). Nos últimos anos, os governos europeus têm desenvolvido políticas que promovam o envelhecimento ativo centradas, sobretudo, no prolongamento da idade ativa no mercado de trabalho. As condições proporcionadas nas sociedades contemporâneas para a vivência da velhice são contrastantes com as existentes no passado. Para além disso, verifica-se, hoje, um alargamento do espetro de opções de estilos de vida ao alcance dos idosos. No entanto, como refere (Walker 2005XAVIER, F. et al. Elderly people s definition of quality of life. Revista Brasileira de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 31-39, 2003.), escasseiam medidas especificamente direcionadas para as profundas alterações que vêm ocorrendo no significado e na experiência do processo de envelhecimento (Walker, 2005XAVIER, F. et al. Elderly people s definition of quality of life. Revista Brasileira de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 31-39, 2003.). Os desafios futuros passam, certamente, pela promoção de uma longevidade mais saudável e, simultaneamente, produtiva, redefinindo profundamente o papel dos idosos nas sociedades europeias do século XXI.

O acesso às oportunidades de um envelhecimento ativo é, contudo, marcado por fatores de diferente natureza, como o estado de saúde (De Groot et al., 2004DE GROOT, L. et al. Lifestyle, nutritional status, health, and mortality in elderly people across Europe: a review of the longitudinal results of the SENECA study. The Journals of Gerontology Series A: Biological Sciences and Medical Sciences, Washington, DC, v. 59, n. 12, p. 1277-1284, 2004.), fatores socioeconómicos (Huisman; Kunst; Mackenbach, 2003HUISMAN, M.; KUNST, A.; MACKENBACH, J. Socioeconomic inequalities in morbidity among the elderly: a European overview. Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 57, n. 5, p. 861-873, 2003.) ou o isolamento social (Stanley et al., 2011STANLEY, J. et al. Mobility, social exclusion and well-being: exploring the links. Transportation Research Part A: Policy and Practice, Oxford, v. 45, n. 8, p. 789-801, 2011.). Torna-se, assim, relevante perceber a forma como as sociedades asseguram a maximização das oportunidades e a minoração das desigualdades sociais no acesso às condições de envelhecimento.

Os debates teóricos centrais acerca do envelhecimento contemporâneo tendem a centrar-se entre as limitações impostas pelos processos de alterações físicas características do processo de envelhecimento e as potencialidades da emancipação relativamente a muitos dos constrangimentos sociais que marcam períodos anteriores da vida (Vincent, 2003VERMEULEN, J. et al. Predicting ADL disability in community-dwelling elderly people using physical frailty indicators: a systematic review. BMC Geriatrics, London, v. 11. n. 1, p. 33, 2011.). Por um lado, vários são os estudos empíricos que retratam os aspetos relacionados com o envelhecimento do corpo, destacando-se tanto os aspetos físicos associados à realização de atividades funcionais essenciais para uma vida independente ou para o autocuidado (Vita et al., 1998VINCENT, J. Old age. New York: Routledge, 2003.; Stuck et al., 1999STUCK, A. et al. Risk factors for functional status decline in community-living elderly people: a systematic literature review. Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 48, n. 4, p. 445-469, 1999.; Fried et al., 2004FRIED, L. et al. Untangling the concepts of disability, frailty, and comorbidity: implications for improved targeting and care. The Journals of Gerontology Series A: Biological Sciences and Medical Sciences, Washington, DC, v. 59, n. 3, p. M255-M263, 2004.; Vermeulen et al., 2011VAZ, S.; GASPAR, N. Depressão em idosos institucionalizados no distrito de Bragança. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, v. serIII, n. 4, p. 49-58, jul. 2011.), como os aspetos cognitivos (Gado et al., 1983GADO, M. et al. Aging, dementia, and brain atrophy: a longitudinal computed tomographic study. American Journal of Neuroradiology, Baltimore, v. 4, n. 3, p. 699-702, 1983.; Charchat-Fichman et al., 2005CHARCHAT-FICHMAN, H. et al. Declínio da capacidade cognitiva durante o envelhecimento. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 27, n. 12, p. 79-82, 2005.; Craik; Salthouse, 2011CRAIK, F.; SALTHOUSE, T. The handbook of aging and cognition. New York: Psychology Press, 2011.). Por outro lado, um segundo tipo de investigação tende a privilegiar a imagem do envelhecimento como um período de oportunidades marcado pela liberdade em relação aos muitos dos constrangimentos sociais típicos da idade ativa (Southerton, 2006SOUTHERTON, D. Analysing the temporal organization of daily life: social constraints, practices and their allocation. Sociology, London, v. 40, n. 3, p. 435-454, 2006.) e por novas possibilidades de autorrealização colocadas pela entrada na idade de reforma (Nimrod; Kleiber, 2007NIMROD, G.; KLEIBER, D. Reconsidering change and continuity in later life: toward an innovation theory of successful aging. The International Journal of Aging and Human Development, Kent, v. 65, n. 1, p. 1-22, 2007.).

O envelhecimento ativo assume um carácter socialmente diferenciado ao qual, como nota (Cabral et al. 2013CABRAL, M. V. et al. Processos de envelhecimento em Portugal: usos do tempo, redes sociais e condições de vida. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013.), associa-se o risco de introduzir um efeito perverso de iniquidade suplementar ante a saúde e a doença. Nesse sentido, vários determinantes sociais, geradores de desigualdades sociais em saúde, poder-se-ão repercutir, igualmente, no acesso pleno ao envelhecimento ativo. O combate a esse risco depende do papel preventivo das políticas públicas, nomeadamente as políticas sociais dirigidas à população idosa e que configuram, de forma estrutural, a condição sénior. Num cenário de crescente envelhecimento e de alteração do perfil dos idosos (mais ativos, saudáveis, escolarizados e produtivos), as próximas décadas serão previsivelmente mais exigentes em políticas que favoreçam o envelhecimento ativo e promovam a condição sénior.

Na Europa, os modelos de proteção social institucionalizada e organizada sob a égide do Estado-providência conferiram atenção particular à população idosa, nomeadamente na salvaguarda do acesso a condições mínimas de bem-estar. No entanto, a condição sénior não é alheia às diferentes formas institucionais de proteção e promoção social existentes nos diferentes países (Glaser; Tomassini; Grundy, 2004GLASER, K.; TOMASSINI, C.; GRUNDY, E. Revisiting convergence and divergence: support for older people in Europe. European Journal of Ageing, Heidelberg, v. 1, n. 1, p. 64-72, 2004.; Ploubidis; Dale; Grundy, 2012PLOUBIDIS, G.; DALE, C.; GRUNDY, E. Later life health in Europe: how important are country level influences? European Journal of Ageing, Heidelberg, v. 9, n. 1, p. 5-13, 2012.). São vários os modelos de proteção social que vigoram na Europa, baseados em princípios e formas de redistribuição variadas (Esping-Andersen, 1990ESPING-ANDERSEN, G. The three worlds of welfare capitalism. Cambridge: Polity Press, 1990.). O modelo escandinavo destaca-se pela sua especificidade na ênfase atribuída à intervenção do Estado. Nesse modelo a família é desresponsabilizada pela garantia do bem-estar, o que permite, por um lado, fortalecer as famílias (desonerando-as de obrigações) e, por outro lado, promover uma maior independência individual (Esping-Andersen et al., 2003ESPING-ANDERSEN, G. et al. Why we need a new welfare state. Oxford: Oxford University Press, 2003.). O modelo de proteção social típico dos países do Sul da Europa carateriza-se por uma intervenção estatal relativamente fraca e vulnerável. Trata-se de esquemas de proteção social baseados em modelos anteriores, criados pela Igreja Católica e por regimes autoritários. Nesse contexto de subdesenvolvimento das políticas de proteção social, a família, com a sua extensa rede de solidariedades e o seu fluxo de transferências intergeracionais, assume-se como um importante recurso de compensação para o bem-estar dos seus membros.

Este artigo pretende analisar as especificidades da condição sénior nos países do Sul da Europa e na Escandinávia. Tratando-se de países com uma configuração de modelos de proteção social distintos, procuramos perceber se existem formas diferenciadas de viver a velhice nessas sociedades.

Metodologia

Os dados que aqui se apresentam decorrem do tratamento e discussão dos resultados de um inquérito sobre comportamentos, valores e atitudes sociais realizado em 26 países europeus - European Social Survey (round 5 - 2010)11ESS Round 5: European Social Survey Round 5 Data. Data file edition 3.0. Norwegian Social Science Data Services, Norway - Data Archive and distributor of ESS data, 2010.. O instrumento de inquirição foi constituído por um questionário aplicado a amostras representativas das populações dos países participantes. Os dados do inquérito que apresentamos neste trabalho dizem, exclusivamente, respeito à população idosa, ou seja, inquiridos com mais de 64 anos de idade. Dados os objetivos da investigação foram considerados dois grupos de análise: 1) idosos de três países do Sul da Europa (Portugal, Espanha e Grécia); 2) idosos de quatro países escandinavos (Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia). Antes da análise, os dados foram previamente ponderados, seguindo as recomendações do European Social Survey, de modo a permitir uma aproximação das amostras à realidade demográfica dos diferentes países. Na análise dos dados recorreu-se à utilização de testes estatísticos diferenciados segundo os critérios de pertinência em função do objetivo da análise.

A Condição Sénior

O fenómeno do envelhecimento que se regista nas sociedades ocidentais tem levado a um interesse crescente pela questão da qualidade de vida dos idosos. Trata-se de um conceito multidimensional que engloba conceções objetivas e subjetivas, bem como condicionantes micro e macrossociais. Os fatores que explicam a qualidade de vida nos idosos não se reduzem ao rendimento, à educação ou às condições de habitação. A complexidade do conceito envolve, igualmente, fatores culturais e atitudes individuais. (Walker e Van Der Maesen 2004WHITBOURNE, S. The aging individual: physical and psychological perspectives. Dordrecht: Springer, 2002.), ao discutirem os diferentes modelos de aferição de qualidade de vida, constatam, em muitos deles, a ausência de fundamentação teórica aprofundada que se repercute em modelos de análise fracos e de orientação individualista. Os autores criticam, sobretudo, a existência de pressupostos no paradigma da qualidade de vida relacionados com as relações sociais e as estruturas existentes que impedem que sejam analisados criticamente. Ainda assim, como referem (Walker; Lowenstein, 2009WALKER, A.; VAN DER MAESEN, L. Social quality and quality of life. In GLATZER, W.; VON BELOW, S.; STOFFREGEN, M. Challenges for quality of life in the contemporary world: advances in quality-of-life studies, theory and research. Dordrecht: Springer, 2004.) a reconhecida complexidade do conceito não constituiu impedimento para a proliferação de estudos nessa área.

São vários os exemplos de investigações enquadrados em diferentes modelos de análise baseados em perspetivas diferenciadas. (Xavier et al. 2003VITA, A. et al. Aging, health risks, and cumulative disability. New England Journal of Medicine, Boston, v. 338, n. 15, p. 1035-1041, 1998.) identificam a saúde como único fator determinante de qualidade de vida negativa entre os idosos. Quanto a fatores determinantes da qualidade de vida positiva, identificam outros fatores para além da saúde, entre os quais se incluem as relações familiares e o rendimento. Os autores concluem que se, por um lado, o processo de envelhecimento com satisfação é um estado que varia de indivíduo para indivíduo, por outo lado, o envelhecimento com insatisfação é um estado determinado unicamente pelo estado de saúde. Na investigação realizada por (Tahan e Carvalho 2010TAHAN, J.; CARVALHO, A. Reflexões de idosos participantes de grupos de promoção de saúde acerca do envelhecimento e da qualidade de vida. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 878-888, 2010.) são identificadas várias dimensões na reflexão que os idosos fazem da qualidade de vida, entre as quais se incluem a satisfação com a saúde, a satisfação com a vida e a importância das atividades sociais e de lazer. A complexidade da noção de qualidade de vida nos idosos fica bem evidente na conceptualização adiantada por (Gabriel e Bowling 2004GABRIEL, Z.; BOWLING, A. Quality of life from the perspectives of older people. Ageing and Society, Cambridge, v. 24, n. 5, p. 675-691, 2004.), que a definem como: a conjugação de boas relações socais, de ajuda e de apoio; residir num bairro que lhe dá prazer e em que se sente seguro, com boa vizinhança e acesso a serviços locais e a sistema de transporte; o envolvimento em hobbies e atividades de lazer, bem como a manutenção de atividades sociais e de um papel ativo na vida em sociedade; ter uma atitude positiva de aceitação de circunstâncias que não podem ser alteradas; ter uma boa saúde e capacidade de mobilidade; e, finalmente, ter recursos financeiros suficientes para atender às necessidades básicas, mantendo a independência e o controlo sobre a vida.

Ainda que seja possível identificar fatores objetivos que, conceptualmente, constituem condições favoráveis à promoção da qualidade de vida na população idosa, são várias as investigações que revelam o aparente paradoxo da manifestação de avaliações subjetivas positivas da qualidade de vida expressas por idosos que vivem em condições objetivamente adversas. Tais situações ocorrem devido ao que (Fernandes e Garcia 2010FERNANDES, M.; GARCIA, L. O sentido da velhice para homens e mulheres idosos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 771-783, 2010.) definem como "bricolagem" de diferentes modelos de vivência do fenómeno de envelhecimento, ou seja, é a interposição de variáveis como o sexo, as características hereditárias, o grau de educação, o status, a cultura e a profissão marcam a individualidade da pessoa idosa. Fica, dessa forma, afastada a possibilidade de se estabelecer um modelo padrão para a experiência da velhice. Ainda assim, o conceito de qualidade de vida tem-se revelado como um resultado, uma expressão e uma circunstância das vidas individuais nos contextos sociais, culturais e históricos. É, sobretudo, com base no conceito de qualidade de vida que as diferentes investigações se têm debruçado, analisando as repercussões nos indivíduos em relação às alterações dos modos de vida associadas ao processo de envelhecimento.

Neste artigo pretendemos caracterizar a "condição sénior" recorrendo à combinação de critérios de apreciação subjetiva, relacionados com a autoavaliação da condição da velhice, com critérios objetivos de caracterização da situação do idoso. Interessa-nos perceber como a condição sénior se configura em contextos macrossociais diferentes, onde prevalecem diferentes conceções do papel da família e do Estado na prestação de apoio ao idoso. A conceção de "condição sénior" que utilizamos neste artigo remete, sobretudo, ao estado de saúde, ao nível de bem-estar e ao estado de espírito dos idosos.

A Tabela 1 permite constatar a predominância, ainda que ligeira, do sexo feminino no total da amostra. No entanto, verifica-se uma tendência para a preponderância feminina nos escalões etários mais elevados. Nos países do Sul da Europa, as mulheres representam 61% dos idosos do grupo etário com idades compreendida entre os 80 e 85 anos, sendo que, no mesmo grupo etário, nos países escandinavos as mulheres representam 62,9%. Esses valores encontram-se em consonância com a tendência demográfica de feminização das populações envelhecidas em consequência da desigual esperança média de vida registada a favor das mulheres.

Tabela 1
Distribuição proporcional (%) dos idosos segundo características demográficas e sociais e país de residência, 2010

As implicações sociais da feminização da velhice são várias. Desde logo, a maior vulnerabilidade da mulher à situação de viuvez, quer no Sul da Europa, onde 42,4% das idosas se encontram nessa situação, quer nos países escandinavos, onde os valores se situam em 32,3%. A situação de viuvez repercute-se no número de idosos a residir sozinhos, fenómeno que assume maiores proporção na Escandinávia, onde 49% das idosas se encontram nessa situação (sendo que 61,5% são viúvas), contrastando com a situação no Sul da Europa, onde 28,5% das mulheres residem sozinhas (sendo 89,4% viúvas). Os dados revelam que, ainda que na Escandinávia seja superior a proporção da população idosa a residir sozinha, é no Sul da Europa que a condição de viuvez apresenta maior tendência para se traduzir em situações de famílias unipessoais. O risco associado à situação de viuvez é agravado nas situações em que a mulher não realizou qualquer trabalho remunerado ao longo da vida. É nos países do Sul da Europa que se verifica, com particular incidência, essa tendência, onde 40,3% das mulheres nunca teve um trabalho remunerado, contrastando com 3,1% das mulheres dos países da Escandinávia. O facto de o montante das pensões de reforma estar sujeito, entre outros condicionalismos, à condição de duração das quotizações torna particularmente vulnerável a situação das mulheres viúvas no Sul da Europa. Não é, assim, surpreendente que 44% das idosas do Sul da Europa afirmem ter dificuldades em viver com o rendimento atual quando na Escandinávia apenas 9,3% das mulheres se encontram nessa situação.

A situação dos idosos do sexo masculino é diferente. A maioria inclui-se no estado civil de casado, quer no Sul da Europa (79,4%) quer nos países da Escandinávia (71,8%), tendência que se repercute na menor vulnerabilidade em situação de viver sozinho, quando comparada com as mulheres idosas na mesma circunstância. De facto, a percentagem de idosos a residir sozinhos, no Sul da Europa, cifra-se em 28,5% e nos países escandinavos em 22,8%.

A análise do quadro permite constatar a dimensão do agregado familiar como um dos fatores distintivos da condição sénior nas regiões em análise. Se no Sul da Europa 23,2% dos idosos coabita com pelo menos mais duas pessoas, na Escandinávia a mesma situação verifica-se em apenas 3,1% dos casos. Tal discrepância verifica-se igualmente na proporção de idosos que vivem com os filhos (41,6% no Sul da Europa e 6,3% na Escandinávia). Esses valores são coerentes com a centralidade e especificidade da instituição familiar nas sociedades do Sul da Europa e a coresponsabilização pelo bem-estar de seus membros. De um modo geral, a configuração do modelo familiar tradicional do Sul da Europa baseia- se na família nuclear, destacando-se uma elevada solidariedade da família extensa e da comunidade e uma rígida divisão do trabalho doméstico (Esping-Andersen, 1999ESPING-ANDERSEN, G. Social foundations of postindustrial economies. Oxford: Oxford University Press, 1999.; Oinonen, 2004OINONEN, E. Finnish and Spanish families in converging Europe. Tampere: Tampere University Press, 2004.). Os cuidados individuais são, primeiramente, uma responsabilidade da família, ainda que se teçam espectativas relativamente à intervenção do Estado. Nas designadas sociedades individualistas (como as escandinavas) onde o Estado-providência e o bem-estar individual se baseia na relação entre os indivíduos e a sociedade, são mais evidentes os sistemas de suporte nas diferentes situações de vida. (Andreotti et al. 2001ANDREOTTI, A. et al. Does a southern european model exist? Journal of European Area Studies, Oxfordshire, v. 9, n. 1, p. 43-62, 2001.) argumentam que a existência de fortes redes de suporte familiar nas sociedades do Sul da Europa teve como resultado prático o subdesenvolvimento de serviços de cuidado.

Os dados revelam que o isolamento constitui um importante fator de risco de vulnerabilidade social, sendo o seu impacto particularmente expressivo nos países do Sul da Europa, onde o apoio social institucional é mais escasso. A Tabela 2 permite observar que, entre os idosos que residem sós, 45,9% revelam ter dificuldades em viver com o rendimento atual nos países do Sul da Europa. Esse valor contrasta com os 13,2% de idosos na mesma situação que residem nos países da Escandinávia.

Tabela 2
Distribuição proporcional (%) de idosos que residem sós segundo nível de autoapreciação do ren dimento e local de residência, 2010

O isolamento revela igualmente repercussões em relação à solidão percecionada pelos idosos. Como constatado na Tabela 3, a condição de viver sozinho potencia expressivamente o sentimento de solidão entre os idosos, nas duas amostras analisadas. O impacto manifesta-se com relevância particular entre os idosos que residem no Sul da Europa. A análise realizada revelou a existência de correlação entre a dimensão do agregado familiar e a frequência com que os idosos se sentem sós, quer no Sul da Europa (P= -0,392; p<0,000), quer nos países escandinavos (P= -0,262; p<0,000). Isso significa que a maior dimensão do agregado traduz-se numa menor frequência do sentimento de solidão.

Tabela 3
Distribuição proporcional (%) de idosos que residem sozinhos e que não residem sozinhos segundo a frequência com que se sentiu só na última semana e local de residência, 2010

Saúde, bem-estar e estado de espírito

A análise da Tabela 4 permite constatar a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os níveis de felicidade e de autoavaliação do estado de saúde entre os idosos dos países do Sul da Europa, que apresentam valores mais baixos em ambas as dimensões, e os idosos dos países escandinavos. O conceito de autoavaliação do estado de saúde, ainda que reconhecidamente envolva processos ilógicos e irracionais no procedimento de aferição introspetiva de sua avaliação, constitui hoje um preditor consistente de mortalidade utilizado por várias instituições internacionais, como a OCDE. De acordo com (Jylhä 2009JYLHÄ, M. What is self-rated health and why does it predict mortality?: towards a unified conceptual model. Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 69, n. 3, p. 307-316, 2009.), esse indicador é uma medida holística da saúde percebida que engloba uma síntese das perceções físicas, mentais e emocionais da saúde e capta a intuição do inquirido sobre o quão bem está. A mesma autora conclui que a utilização da autoavaliação do estado de saúde para comparar o estado de saúde de diferentes grupos beneficia sua natureza compreensiva e inclusiva.

Tabela 4
Grau médio de felicidade e respectivo desvio padrão e distribuição proporcional (%) de idosos segundo variáveis caracterizadoras dos níveis de felicidade, saúde e bem-estar e local de residência, 2010

Ainda que exista muita informação empírica, a compreensão integral do significado do conceito de autoavaliação do estado de saúde é dificultada pela sua imprecisão teórica e conceptual (Jylhä, 2009JYLHÄ, M. What is self-rated health and why does it predict mortality?: towards a unified conceptual model. Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 69, n. 3, p. 307-316, 2009.). Parece-nos que, mais do que uma medida exata do estado de saúde, o conceito deve ser interpretado como uma perceção individual da saúde. O posicionamento de cada indivíduo fica, assim, dependente da informação relevante sobre saúde que cada um adquire ao longo da vida e varia continuamente em função dessa informação (Huisman; Deeg, 2010HUISMAN, M.; DEEG, D. A commentary on Marja Jylhä's "what is self-rated health and why does it predict mortality?: towards a unified conceptual model". Social Science & Medicine, Amsterdam, v. 70, n. 5, p. 652-654, 2010.).

Os resultados obtidos estão em concordância com os verificados em outras investigações que identificam um melhor desempenho do modelo de Estado-providência escandinavo em termos de indicadores de mortalidade e morbilidade, quando comparado com outros modelos de proteção social europeus (Eikemo et al., 2008aEIKEMO, T., et al. Health inequalities according to educational level in different welfare regimes: a comparison of 23 European countries. Sociology of Health & Illness, Oxford, v. 30, n. 4, p. 565-582, 2008b.). As explicações para essa tendência compreendem a desmercantilização (Esping-Andersen, 1990ESPING-ANDERSEN, G. The three worlds of welfare capitalism. Cambridge: Polity Press, 1990.) das políticas sociais nos sistemas escandinavos o que confere um elevado grau de autonomia e independência dos indivíduos em relação ao mercado. A maior distribuição de benefícios sociais nos países escandinavos traduz-se num efeito protetor dos indivíduos em termos de benefícios de saúde (Eikemo et al., 2008bEIKEMO, T., et al. Health inequalities according to educational level in different welfare regimes: a comparison of 23 European countries. Sociology of Health & Illness, Oxford, v. 30, n. 4, p. 565-582, 2008b.).

Relativamente ao grau de felicidade sentida pelos idosos, observa-se um valor relativamente alto na população dos países escandinavos, ao passo que nos países do Sul da Europa o resultado obtido, sendo igualmente positivo, aproxima-se do ponto médio da escala utilizada. A felicidade constitui uma dimensão importante do conceito de qualidade de vida, sendo um fenómeno complexo e mal conhecido. O debate científico em torno da felicidade e dos seus fatores preditores encontra-se, ainda, longe de consensos. Vários estudos, em particular na área da psicologia, sobre a influência da idade no nível de felicidade argumentam que a satisfação com a vida revela pouca ou nenhuma alteração ao longo do ciclo de vida. O argumento assenta na existência de uma predisposição inata para um certo nível de felicidade, baseada na genética e na personalidade (Ulloa; Moller; Sousa-Poza, 2013ULLOA, B.; MOLLER, V.; SOUSA-POZA, A. How does subjective well-being evolve with age?: a literature review. FZID Discussion Papers, Bonn, v. 72, 2013. Disponível em: <http://opus.ub.uni-hohenheim.de/volltexte/2013/841/pdf/fzid_dp_2013_72_Sousa_Poza.pdf>. Acesso em: 10 set. 2013.
http://opus.ub.uni-hohenheim.de/volltext...
). Nessa perspectiva, os acontecimentos da vida têm um efeito temporário na satisfação com a vida que, com o passar do tempo, tenderá a regressar ao original. Na investigação de (Lucas et al. 2003LUCAS, R. et al. Reexamining adaptation and the set point model of happiness: reactions to changes in marital status. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, DC, v. 84, n. 3, p. 527-539, 2003.), os autores concluem que os indivíduos reagem inicialmente de forma vincada a acontecimentos positivos e negativos, mas a reação tende a esmorecer posteriormente. Concluem também que os indivíduos tendem a regressar a uma situação tendencialmente positiva de felicidade influenciada pela personalidade individual. Conclusões diferentes são identificadas no trabalho de (Mroczek e Spiro 2005MROCZEK, D.; SPIRO, A. Change in life satisfaction during adulthood: findings from the veterans affairs normative aging study. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, DC, v. 88, n. 1, p. 189-202, 2005.), em os que autores identificam a existência de uma relação curvilínea entre a idade e a felicidade. O pico da satisfação é atingido aos 65 anos, iniciando, a partir daí, um declínio progressivo. A relação entre as variáveis configura-se, assim, numa curva em forma de "U" invertido. Um terceiro tipo de investigações chega a conclusões contrárias às identificadas por (Mroczek e Spiro 2005MROCZEK, D.; SPIRO, A. Change in life satisfaction during adulthood: findings from the veterans affairs normative aging study. Journal of Personality and Social Psychology, Washington, DC, v. 88, n. 1, p. 189-202, 2005.). São, igualmente, identificadas relações entre a idade e a felicidade, contudo a relação configura-se numa curva em forma de "U". Nessas análises o nível mais baixo de felicidade é atingido entre os 30 e os 50 anos (Blanchflower; Oswald, 2008BLANCHFLOWER, D.; OSWALD, A. Is well-being U-shaped over the life cycle? Science & Medicine, Oxford, v. 66, n. 8, p. 1733-1749, 2008.; Van Landeghem, 2012VAN LANDEGHEM, B. A test for the convexity of human well-being over the life cycle: longitudinal evidence from a 20-year panel. Journal of Economic Behavior & Organization, Amsterdam, v. 81, n. 2, p. 571-582, 2012.). Uma das explicações para o aumento da felicidade associada ao aumento da idade é adiantada pela teoria da seletividade socio-emocional (Carstensen, 1992; Carstensen; Fung; Charles, 2003CARSTENSEN, L.; FUNG, H.; CHARLES, S. Socioemotional selectivity theory and the regulation of emotion in the second half of life. Motivation and Emotion, New York, v. 27, n. 2, p. 103-123, 2003.; Löckenhoff; Carstensen, 2004LÖCKENHOFF, C.; CARSTENSEN, L. Socioemotional selectivity theory, aging, and health: the increasingly delicate balance between regulating emotions and making tough choices. Journal of Personality, Malden, v. 72, n. 6, p. 1395-1424, 2004.), cujo argumento se centra na capacidade atribuída aos indivíduos para ajustar os seus objetivos e as suas formas de interação às características dos contextos em que estão inseridos. Assim, com o avançar da idade, a crescente consciencialização da mortalidade leva à focalização em aspetos que contribuem para a felicidade imediata, tornando-se mais seletivos na forma e com quem despendem o seu tempo.

O conceito de bem-estar, utilizado nesta investigação para caracterizar a condição sénior, foi aferido com base em três dimensões: estado de espírito (alegria e boa disposição), tranquilidade (calma e relaxamento) e vitalidade (atividade e energia). Em cada uma das três dimensões consideradas verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre o nível de bem-estar dos idosos do Sul da Europa, com níveis mais baixos, e os idosos dos países escandinavos, com níveis mais elevados. A dimensão tranquilidade é aquela em que os idosos revelam melhor resultado, contrapondo com a dimensão vitalidade em que os resultados obtidos, ainda que positivos, se revelam mais baixos em relação às restantes dimensões.

Com base nas respostas obtidas às três questões sobre o bem-estar, foi construído um índice com o intuito de aferir o nível geral de bem-estar dos idosos inquiridos. O coeficiente de fiabilidade da escala, aferido por meio do alfa de Cronbach [α=0,843] sustentou a legitimidade do procedimento. Assim, o índice de bem-estar criado varia entre 1, que corresponde à "ausência de bem-estar" e 6 que corresponde ao "nível máximo" de bem-estar.

Os valores obtidos (Gráfico 1) permitem constatar um menor nível de bem-estar entre a população idosa dos países do Sul da Europa (M=3,92; dp=1,20) quando comparada com o mesmo grupo populacional nos países escandinavos (M=4,54; dp=1,00). As diferenças verificadas são estatisticamente significativas (t(1023)= 10,7; p < 0,000). O nível médio de bem-estar revela-se mais elevado entre os homens do que entre as mulheres nas duas regiões em análise, sendo no Sul da Europa a diferença do nível médio de bem-estar mais acentuada entre os idosos de sexo masculino e de sexo feminino.

Gráfico 1
Índice médio de bem-estar dos idosos se gundo sexo e região,2010

Os valores apresentados na Tabela 5, relativos aos coeficientes de correlação entre as variáveis caracterizadoras dos níveis de felicidade, saúde e bem-estar, permitem identificar correlações entre a maioria das variáveis consideradas. A idade apresenta valores mais baixos na relação linear com as outras variáveis, sendo que na subamostra constituída por idosos dos países escandinavos, a maioria das correlações dessa variável não são estatisticamente significativas. Os resultados dos coeficientes de correlações indicam a relação entre o nível de felicidade e o índice de bem-estar como a mais forte, de entre todas as relações consideradas, especialmente na subamostra dos idosos do Sul da Europa.

Tabela 5
Coeficientes de correlação entre as variáveis caracterizadoras dos níveis de felicidade, saúde e bem -estar nos paises da Escandinávia e do sul da Europa, 2010

A comparação entre a forma como se correlacionam as variáveis nas diferentes subamostras revela, na Escandinávia, a importância da autoapreciação do estado de saúde na forma como se relaciona com o bem-estar (r=0,439) e com o nível de felicidade (r=0,307). As correlações, de sentido positivo, indiciam a associação entre os diversos aspetos da saúde dos idosos, contemplando, sobretudo, os aspetos da dimensão do bem-estar psíquico subjetivo, sendo que a melhoria numa das dimensões tem repercussões nas outras. No Sul da Europa, destaca-se a importância relativa das condições materiais do bem-estar aferida pela forma como a dificuldade de gestão do orçamento relaciona-se com o nível de felicidade (-0,327) e o índice de bem-estar (-0,321).

Os resultados apresentados revelam diferenças na condição sénior entre os idosos do Sul da Europa e os da Escandinávia, aferida com base no nível de felicidade, na autoapreciação do estado de saúde e nas diferentes dimensões do bem-estar. Ainda assim, a comparação da proporção de população idosa que evidencia limitações na realização de atividades de vida diária (AVD) não revela diferenças estatisticamente significativas (Tabela 6).

Tabela 6
Distribuição de idosos segundo limitação nas atividades de vida diária devido a uma doença prolongada, uma deficiência ou um problema de saúde do foro psicológico e local de residência, 2010

Os resultados evidenciam a prevalência de limitações nas atividades de vida diária da população idosa em ambos os grupos de países em análise. Resultados que se encontram em consonância com os observados em outras investigações revelam a existência de relação do processo de envelhecimento com alterações físicas associadas a perda de capacidade funcional (Whitbourne, 2002WALKER, A.; VAN DER MAESEN, L. Social quality and quality of life. In GLATZER, W.; VON BELOW, S.; STOFFREGEN, M. Challenges for quality of life in the contemporary world: advances in quality-of-life studies, theory and research. Dordrecht: Springer, 2004.; Maciel; Guerra, 2007MACIEL, Á.; GUERRA, R. Influence of biopsychosocial factors on the functional capacity of the elderly living in Brazil's Northeast. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 178-189, 2007.; Holstein et al., 2007HOLSTEIN, B. et al. Eight-year change in functional ability among 70- to 95-year-olds. Scandinavian Journal of Public Health, London, v. 35, n. 3, p. 243-249, 2007.). Na análise da relação entre a idade e as limitações na realização de atividades de vida diária, o coeficiente de correlação Eta obtido foi η = 0,28, indicando a existência de relação entre as variáveis. Foi, igualmente, possível observar na análise dos dados que 72,8% idosos com idade compreendida entre os 65 e 69 anos referem não ter qualquer limitação nas atividades de vida diária. Por outro lado, no grupo etário situado entre os 85 e 89 anos apenas 38,8% dos idosos refere não sentir qualquer limitação na realização de atividades da vida diária.

Uma das repercussões da perda de capacidade funcional mais referida na literatura é a consequente perda de autonomia. De facto, a dependência põe em causa a autodeterminação e a independência plena do indivíduo, condicionando a sua capacidade em lidar com o ambiente em que se insere. A perda de competências funcionais e do controlo sobre o ambiente pode ser, em muitas situações, agravado pela complexificação do processo de realização das atividades que anteriormente eram simples para o idoso. Vários estudos têm revelado que as limitações e dependência da população idosa se relacionam com a manifestação de sintomas de depressão, quer em idosos institucionalizados (Silva et al., 2012SILVA, E. et al. Prevalência e fatores associados à depressão entre idosos institucionalizados: subsídio ao cuidado de enfermagem. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 46, n. 6, p. 1387-1393, 2012.; Vaz; Gaspar, 2011VAZ, S.; GASPAR, N. Depressão em idosos institucionalizados no distrito de Bragança. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra, v. serIII, n. 4, p. 49-58, jul. 2011.), quer em idosos não institucionalizados (Stegenga et al., 2012STEGENGA, B. et al. Depression, anxiety and physical function: exploring the strength of causality. Journal of Epidemiology and Community Health, London, v. 66, n. 7, p. e25, 2012.). A análise dos dados obtidos no ESS (round 5) relativos às amostras em análise revelam a existência de relação entre as limitações nas AVD e as variáveis utilizadas para caraterizar a condição sénior. Em primeiro lugar, as limitações nas AVD apresentam um coeficiente de correlação Eta de η = 0,59 com a forma como os idosos percecionam o seu estado de saúde. A análise do Gráfico 2 permite constatar a diminuição progressiva do nível de saúde percecionada, associada ao aumento das limitações nas AVD. A existência de um número elevado de limitações nas atividades diárias corresponde a níveis de apreciação negativa do estado de saúde. A mesma situação se verifica relativamente aos níveis de felicidade (Gráfico 3) e de bem-estar (Gráfico 4) manifestados.

Gráfico 2
Autoavaliação dos idosos do estado de saúde por nível de limitação nas atividades diárias

Gráfico 3
Nível médio de felicidade dos idosos segun do nível de limitação nas atividades diárias

Gráfico 4
Índice médio de bem-estar dos idosos se gundo nível de limitação nas atividades diárias

Conclusões

Os dados apresentados revelam situações bastantes distintas da condição sénior nos países do Sul da Europa e da Escandinávia. O lugar do idoso na família é um dos fatores diferenciadores das diferentes configurações da condição sénior. Nos países do Sul da Europa a família continua a ter um papel preponderante enquanto meio de proteção social do idoso. Na Escandinávia o papel da família é atenuado pela existência de fortes meios de proteção social de natureza estatal. A importância da família para a condição sénior no Sul da Europa pode ser aferida pelo impacto que tem o facto de o idoso residir sozinho. Nessas situações, verifica-se uma maior vulnerabilidade económica do idoso bem como uma maior propensão para a solidão. Ainda que essa tendência se verifique em ambos os grupos em análise, é, sobretudo, no Sul da Europa que é particularmente evidente o suporte familiar na prevenção de situações de risco entre a população idosa.

A análise realizada indicia que os fatores de suporte social, de natureza formal, que enquadram a vivência da velhice nos países da Escandinávia torna-os mais dependentes dos fatores relacionados com o estado de saúde relegando para segundo plano as condições materiais. No Sul da Europa, onde os mecanismos de proteção social formal são menos desenvolvidos, a condição económica, aferida pelo grau de dificuldade em gerir o orçamento mensal, tem maiores repercussões na condição sénior. As condições materiais de vivência da velhice constituem, assim, um fator de risco com particular incidência junto dos idosos do Sul da Europa.

A existência de diferentes modelos que configuram a condição sénior traduz-se em formas diferenciadas de lidar com a situação. Em relação às limitações na realização das atividades de vida diária, por exemplo, as repercussões no nível de felicidade e no nível de bem-estar são diferentes nos dois grupos de países em análise. Na Escandinávia os valores revelam-se mais elevados, independentemente do nível de incapacidade.

Conclui-se, assim, que a condição de idoso não depende exclusivamente dos fatores biológicos relacionados com a limitação física. Para a condição do idoso contribui, também, a configuração social em que se enquadra a vivência desse período da vida individual. Assim como as vulnerabilidades e os fatores de risco, que são diferentes em função do modelo social.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2013
  • Revisado
    09 Maio 2014
  • Aceito
    03 Jun 2014
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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