Neste número da Saúde e Sociedade apresentam-se artigos sobre questões de saúde que são indiscutivelmente e intrinsecamente sociais, como os temas do trabalho e da violência. Há também artigos sobre o envelhecimento que, neste número, articulam o determinante biológico ao condicionante social, transportando o processo do envelhecimento ao núcleo central de questão social como um todo e da saúde em particular. E, para não fugir à regra, publicamos o que muito caracteriza o campo, artigos sobre os serviços de saúde, acesso, avaliação, qualidade da atenção.
O tema do trabalho não é novo na Saúde Pública/Coletiva. Desde os médicos sociais do século XIX como Salomon Neuman e Rudolf Virchow na Alemanha, Jules Guérin na França e William Farr na Inglaterra, esse tema tem sido objeto de interesse da saúde. Esses médicos, contemporâneos à emergência e ao desenvolvimento inicial do capitalismo, preocuparam-se com a saúde dos trabalhadores, decorrente das formas produtivas e da exploração do trabalho, e trataram, a seu tempo, de investigar tais situações, denunciando-as como um produto eminentemente socioeconômico que demandava políticas sociais, de saúde. Passado um século, temas como os do sofrimento do trabalhador e do adoecimento pelo trabalho persistem, numa perspectiva que se mantém fiel e desdobra daquela original.
Neste número, os artigos sobre o trabalho, entretanto, já não discorrem sobre aquelas mesmas formas de sofrimento e adoecimento, eles discutem, no contexto do capitalismo avançado, a situação de saúde dos trabalhadores decorrente das novas formas sociais do trabalho. Se lá a exploração se traduzia nas longas jornadas, nos ambientes contaminados e poluídos, na exaustão das famílias, hoje, a exploração se liquefaz, se fluidiza, na flexibilização da jornada, na intensificação da jornada pela incorporação tecnológica virtual, na perda crescente do trabalhador dos meios e domínios sobre o seu trabalho, suas atividades. Nessa abordagem inserem-se os artigos "Intensificação do trabalho e saúde dos trabalhadores: um estudo na Mercedes-Benz do Brasil, São Bernardo do Campo, São Paulo", "Relações contratuais e perfil dos cirurgiões-dentistas em Centros de Especialidades Odontológicas de baixo e alto desempenho no Brasil", "Retorno ao trabalho de professores após afastamentos por transtornos mentais", "Participação e direito à saúde dos trabalhadores", "Desenvolvimento da afetividade, das emoções e dos sentimentos humanos no (e fora do) trabalho: uma questão de saúde coletiva e segurança pública" e "Determinantes sociais da saúde no processo de trabalho da pesca artesanal na Baía de Sepetiba, estado do Rio de Janeiro".
Para os excluídos desse processo - as pessoas em sofrimento mental, os moradores de rua, e outros segmentos sociais -, a perspectiva da inclusão no mundo do trabalho permanece como política pública, na lógica da inclusão social pretendida. O artigo "A inclusão social pelo trabalho no processo de minimização do estigma social pela doença" aborda o tema nessa perspectiva.
A violência, tema recorrente e crescente na área da saúde, aparece com força neste número. Destacase o artigo de pesquisadores mexicanos, intitulado "La investigación social en salud en un contexto de violencia: una mirada desde la ética", que aborda os dilemas da pesquisa sobre a saúde de pessoas em situação de violência. Esses pesquisadores encontram dificuldades na realização das pesquisas em função da pressão que sofrem (pelo tráfico de drogas, pelas milícias privadas etc.) para não estudar e não publicizar tais casos, inibindo o seu conhecimento por outros segmentos sociais e populacionais. Uma realidade que, sem qualquer sombra de dúvidas, pode ser extrapolada para outros países latino-americanos que vivem essas mesmas condições.
Aparecem, ainda, os temas da violência de gênero (transexuais, transgêneros, intersexos) para com juventudes e populações vulneráveis.
O tema do envelhecimento vem crescendo, pois torna-se, cada vez mais, uma questão social, uma questão de política social. Com a longevidade das populações e as profundas transformações no mundo do trabalho, a proteção à velhice, oferecida nos moldes do exitoso Estado do Bem-Estar Social desde os anos 1940, é posta em cheque. Já não é possível manter um bom envelhecimento com os parcos recursos da aposentadoria. Os avanços da medicina e das condições sociais prolongaram a vida das pessoas doentes, aspectos que provocam a saúde pública a rever suas ações e estratégias. Da longevidade à imortalidade; eis aí um desafio em relação ao que se compreende como saúde e às políticas públicas de saúde nos dias de hoje.
Fica, aqui, nosso convite à leitura!
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2015