Cadeias produtivas e a vigilância em saúde, trabalho e ambiente1Pesquisa financiada pelo Programa de Excelência Acadêmica da Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - PROEX-CAPES, conforme edital de "Apoio Financeiro a Projetos de Discentes do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública, 2010.

Luís Henrique da Costa Leão Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos Sobre os autores

Resumo

A globalização da economia alterou o padrão produtivo na atualidade e a formação de cadeias de produção é um fenômeno central nessa nova conjuntura. Cadeias produtivas são processos de extração, produção, transporte, distribuição, consumo e descarte de bens e serviços. Para o seu desenvolvimento existem investimentos governamentais econômicos/financeiros, por vezes em confronto direto com os interesses da proteção da saúde dos trabalhadores e ambiental. Isso porque são gerados diversos danos, riscos e vulnerabilidades sociais, ambientais, sanitárias e ocupacionais ao longo das cadeias. A vigilância em saúde, trabalho e ambiente tem o desafio de enfrentar esses complexos problemas para garantir melhorias para as condições de vida. O objetivo deste ensaio teórico é discutir estratégias de vigilância em saúde, trabalho e ambiente, partindo da noção de cadeia produtiva enquanto redes interconectadas de produção-consumo. O artigo apresenta as principais abordagens teóricas sobre cadeias de produção, especialmente, Supply Chain, Global Commodity Chain, Análise de Filière e Agribussiness, destacando as áreas do conhecimento envolvidas. Discute ainda a fragilidade e incipiência da interseção dos saberes e práticas da vigilância em saúde, trabalho e ambiente com a temática das cadeias produtivas, evidenciando a necessidade de superação da vigilância dos produtos em direção à intervenção em toda a cadeia produtiva, mediante a articulação entre as vigilâncias do SUS. Destaca-se também o papel da academia, dos serviços de saúde e das populações para a implementação dessa vigilância.

Palavras-chave:
Cadeia Produtiva; Vigilância em Saúde; Ambiente; Trabalho

Introdução

Este artigo aborda os desafios da vigilância em saúde, trabalho e ambiente diante dos impactos sociais, ambientais e ocupacionais oriundos das cadeias de produção no atual estágio da economia capitalista.

O capitalismo globalizado alterou fortemente o padrão da organização do trabalho. O paradigma fordista, cujo primado era a produção em massa e a rigidez de um processo de trabalho parcelado, gerando produtos homogêneos, contratos de trabalho fixos e coletivos, em um mercado predefinido e com fortes movimentos sindicais organizados por categoria, dá seus primeiros sinais de esgotamento na década de 1970 (Antunes, 1995ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, 1995.). Desde então emergem variações desse fordismo cujos traços básicos seriam a produção pela demanda, intensificação do tempo de trabalho, a necessidade de trabalhadores multifuncionais, o sistema kan-ban, a ênfase no trabalho em equipe, configurando novas formas de exploração (Antunes, 1995ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, 1995.). Nessa nova organização, a concentração de capital não implica necessariamente a concentração física e geográfica do espaço produtivo. Formam-se verdadeiras redes que se dispersam pelos territórios sem prejuízos para a produção, devido às interconexões entre as indústrias e seus stakeholders - fornecedores de insumos, matérias-primas, empresas de logística, transporte, acionistas etc.

Etapas de um processo de produção de determinado bem, mesmo dispersas geograficamente, se conectam de tal modo que partes de um único produto podem ser fabricadas em diferentes lugares do globo e o produto final pode ser consumido em outras regiões.

Esse é um fenômeno marcante na atual "sociedade das redes" (Castells, 2000CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.), facilitado pelas novas tecnologias da informação e comunicação. Tal tendência do capitalismo vem engendrando um arranjo em forma de rede em escala global em todas as esferas da vida, sobretudo na esfera econômica (Castells, 2000CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.). As redes são a nova morfologia social da contemporaneidade, na qual o capital global estrutura-se em torno de uma rede de empresas e de fluxos financeiros. Redes são um conjunto de nós interconectados; estruturas abertas de expansão ilimitada e instrumento apropriado para o funcionamento da economia capitalista (Castells, 2000CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.).

A expansão econômica proporcionada pelas redes produtivas emerge em um contexto de desregulamentação, flexibilização e despolitização facilitadas pela postura do Estado neoliberal. Diferente do "Estado de Bem-Estar Social", atualmente, os estados tendem a deixar fluir a economia, diminuindo a garantia de políticas sociais. A abertura das fronteiras para fluidez da economia vem acompanhada então de conflitos socioambientais, ocupacionais e sanitários.

Os países em desenvolvimento são fortemente afetados nesse sentido, porque a globalização e a implantação de novas tecnologias, através das cadeias produtivas, conectam mercados em países avançados, mas mantêm contratos precários em países em desenvolvimento (Frenkel, 2001FRENKEL, S. J. Globalization, athletic footwear commodity chains and employment relations in China. Organization Studies Lyon, v. 22, n. 4, p. 531-562, 2001.). As empresas passaram a estender seus processos produtivos a vários lugares e regiões, de forma que as operações de design, planejamento estratégico e marketing geralmente permanecem em países desenvolvidos e as atividades de manufatura em países em desenvolvimento, explorando trabalhadores, pagando salários menores e fugindo das leis trabalhistas (Frenkel, 2001FRENKEL, S. J. Globalization, athletic footwear commodity chains and employment relations in China. Organization Studies Lyon, v. 22, n. 4, p. 531-562, 2001.).

O incremento desse modelo econômico vem acompanhado de novos meios de produção de vulnerabilidades sociais, ambientais e sanitárias ameaçando os sistemas que dão suporte à vida e alterando territórios, comunidades e grupos humanos, de modo que é preciso colocar em análise esse fenômeno e levantar questões do ponto de vista da saúde pública, especificamente da vigilância em saúde, trabalho e ambiente.

Diante dessa nova configuração econômico-produtiva, o Estado brasileiro tem a prerrogativa de garantir a saúde da população por meio de "políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (Brasil, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil Brasília, DF: Senado Federal, 1988.). Afinal, a saúde da população expressa a organização social e econômica do país (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 de set. 1990. p. 018055.).

Em diversas leis de organização da saúde pública brasileira, inclusive, são preconizadas ações de controle sobre todas as etapas dos processos de produção, mostrando a necessidade de intervenção "nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo [...] o controle de bens de consumo [...] compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo" (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 de set. 1990. p. 018055., p. 18055). O mesmo Estado, cuja missão é garantir a saúde da população, investe recursos humanos, materiais e financeiros para subsidiar o desenvolvimento das cadeias produtivas em diversos setores da economia nacional.

A cadeia produtiva da agricultura no Brasil demonstra essas contradições, pois esse setor é responsável por 5,5% do Produto Interno Bruto e 32% das exportações e 17 % do emprego (OECD, 2013OECD - THE ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Políticas agrícolas: monitoração e avaliação 2013 dos países da OCDE e das economias emergentes Paris, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.oecd.org/tad/agricultural-policies/AgMon_2013_Brazil_PRT.pdf >. Acesso em: 8 maio 2013.
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). Por outro lado, o agronegócio é cenário de um dos maiores problemas de saúde pública do Brasil - os danos ambientais, sociais e ocupacionais decorrentes da utilização de agrotóxicos.

Considerando que as cadeias de produção trazem repercussões marcantes na saúde do trabalhador, no ambiente e na saúde da população, é importante considerar - tanto no campo como no meio urbano - a gama de riscos ambientais, de adoecimento no trabalho, alimentos e produtos de consumo, relações entre as condições de vida e saúde, entre outros determinantes da saúde da população, o que demanda um olhar da vigilância em saúde, trabalho e ambiente.

É preciso, portanto, avançar na discussão sobre a vigilância em saúde, trabalho, ambiente atentando também para o papel crucial das populações na promoção de ações e resistências aos modelos de desenvolvimento.

Este artigo pretende discutir estratégias de vigilância partindo da noção de cadeia produtiva enquanto redes interconectadas de produção-consumo. Partimos inicialmente de uma discussão sobre as principais ênfases na produção de conhecimentos sobre cadeias produtivas, para, em seguida, destacar limites, desafios e potencialidades para a vigilância. Pretendemos contribuir para o debate entre os variados atores sociais interessados no avanço da vigilância em saúde, trabalho e ambiente no Brasil.

Sobre cadeias produtivas

Cadeia produtiva é o "conjunto de atividades que se articulam progressivamente desde os insumos básicos até o produto final, incluindo distribuição e comercialização, constituindo-se em elos de uma corrente" (Brasil, 2010BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Conceituação. Brasília, DF, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=2&menu=3252 >. Acesso em: 11 ago. 2010.
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, p. 1).

Esse conceito abrange diferentes áreas do conhecimento como agronomia, zootecnia, geografia, administração e engenharia de produção, ciências sociais e econômicas. Existem variadas abordagens teórico-metodológicas a exemplo da Análise de Filière, cadeia de suprimentos (Supply Chain) e a cadeia produtiva global (Global Commodity Chain)

A análise de Filière, desenvolvida por pesquisadores franceses do Institute National de la Recherche Agronomique (INRA) e do Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (CIRAD), surgiu na década de 1960, em estudos sobre o comércio e a agricultura francesa (Raikes; Jensen; Ponte, 2000RAIKES, P.; JENSEN, M. F.; PONTE, S. Global commodity chain analysis and the French filière approach: comparison and critique. Economy and Society, London, v. 29, n. 3, p. 390-417, 2000.). Essa abordagem agregou diversas tradições de pesquisas em organização industrial, economia institucional e economia marxista. Pode ser considerada um conjunto de estudos que têm em comum a utilização da noção de cadeia (Chain, Filière) como ferramenta para suas análises, pois Filière descreve estudos em que um dado produto é seguido ao longo de uma série de atividades, desde o produtor até o consumidor final (Raikes; Jensen; Ponte, 2000RAIKES, P.; JENSEN, M. F.; PONTE, S. Global commodity chain analysis and the French filière approach: comparison and critique. Economy and Society, London, v. 29, n. 3, p. 390-417, 2000.).

O conceito cadeia produtiva está ligado também à noção de Agribussiness. Esse termo se refere ao conjunto de todas as operações que englobam a produção e distribuição de insumos para a atividade rural, como armazenamento, processamento e distribuição de produtos e subprodutos agrícolas (Castro et al., 1998CASTRO, C. C. et al. Estudo da cadeia láctea do Rio Grande do Sul: uma abordagem das relações entre os elos da produção, industrialização e distribuição. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 143-164, 1998.).

Essa noção apareceu inicialmente na Boston Conference on Distribution of Agricultural Products, em 1955, e se consagrou com o livro - A Concept of Agribusiness, publicado em 1957, de autoria de Davis e Goldberg, vindo a ampliar as costumeiras análises estanques da atividade agropecuária (Castro et al., 1998CASTRO, C. C. et al. Estudo da cadeia láctea do Rio Grande do Sul: uma abordagem das relações entre os elos da produção, industrialização e distribuição. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 143-164, 1998.).

A concepção de cadeia produtiva remete também à Wallerstein e sua teoria do Sistema-Mundo (World-System Theory), sendo aprofundada por Gereffi na abordagem Global Commodity Chains (Araki, 2007ARAKI, H. Global commodity chain approach and geography. Japanese Journal of Human GeographyKyoto, v. 59, n. 2, p. 41-61, 2007.), que proliferou em diversos estudos na década de 1980.

A expressão ganha maior relevo com a publicação de Commodity Chains and Global Capitalism, de (Gereffi; Korzeniewicz, 1994GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. Commodity chains and global capitalism. Westport: Praeger, 1994.), que apresenta um panorama conceitual e metodológico dessa temática. Tal abordagem busca compreender como as indústrias globais se organizam e procura identificar o conjunto de atores e firmas ligadas à produção e distribuição de um bem, através do mapeamento dos tipos de relacionamento entre eles (Bair, 2005BAIR, J. Global capitalism and commodity chains: looking back, going forward. Competition & Change, London, v. 9, n. 1, p. 153-180, 2005.). Para esses autores, analisar as cadeias produtivas é "um caminho para entender o relacionamento entre diversos atores e atividades envolvidos na criação de bens e serviços na economia global" (Bair, 2009BAIR, J. (Ed.). Frontiers of commodity chain research. Stanford: Stanford University Press, 2009., p. 2).

A Global Commodity Chains (GCC) é uma perspectiva teórico-metodológica que enfoca a configuração das cadeias de produção no mercado global com ênfases econômicas, empreendendo análises para melhorar a eficiência e competitividade.

Com esse olhar, são realizadas análises prospectivas que identificam fatores condicionantes da qualidade dos produtos em cada elo da cadeia, para desenvolver estratégias econômicas que aumentem a competitividade (Gomes; Rücker; Negrelle, 2004GOMES, E. C.; RÜCKER, N. G. A.; NEGRELLE, R. R. B. Estudo prospectivo da cadeia produtiva do capim-limão, Estado do Paraná. Revista de Economia e Sociologia Rural Brasília, DF, v. 42, n. 4, p. 709-731, 2004.).

Essa mesma tônica está presente na noção de cadeia de suprimento, que focaliza eminentemente as relações entre fornecedores e clientes, com ênfase nos fluxos de insumos e materiais dos processos de produção e comercialização, o que inclui "todas as interações entre fornecedores, fabricantes, distribuidores e clientes" (Zegordi; Nia, 2009ZEGORDI, S. H.; NIA, M. A. B. Integrating production and transportation scheduling in a two-stage supply chain considering order assignment. International Journal of Advanced Manufacturing TechnologyLondon, v. 44, n. 9-10, p. 928-939, 2009., p. 928). Essa abordagem enfatiza os métodos, instrumentos e técnicas de gerenciamento de suprimentos que possibilitem a análise da integração da produção e distribuição das mercadorias.

Existem abordagens das ciências sociais que criticam essas ênfases econômicas por não considerarem fatores sociais em suas análises, como as desigualdades sociais nos processos produtivos. Nesses estudos, o principal eixo de análise está nas determinações sociais subjacentes à gênese, estrutura e evolução das cadeias produtivas globais (Starosta, 2010STAROSTA, G. Global commodity chains and the marxian law of value. Antipode, Berkeley, v. 42, n. 2, p. 433-465, 2010.), pois não se pode desprezar os processos sociais ao longo delas, a fim de desmascarar a cadeia produtiva (Ciccantell; Smith, 2009CICCANTELL, P.; SMITH, D. A. Rethinking global commodity chains integrating extraction, transport, and manufacturing. International Journal of Comparative Sociology, Irvine, v. 50, n. 3-4, p. 361-384, 2009.).

Nessas análises sociológicas, a categoria gênero também é destacada, pois em vários elos das cadeias produtivas existe precarização do trabalho e relações desiguais, demonstrando uma clara divisão sexual do trabalho com exploração de mulheres e até de crianças na base produtiva de diversas marcas e grifes comerciais (Ramamurthy, 2004RAMAMURTHY, P. Why Is Buying a "Madras" Cotton shirt a political act? A feminist commodity chain analysis. Feminist Studies, Maryland, v. 30, n. 3, p. 734-769, 2004.). A marginalização das mulheres, a desigualdade nos salários, o predomínio do trabalho informal, a ausência de contratos e direitos trabalhistas são mais evidentes, inclusive, no início e no final das cadeias produtivas (Saidul, 2008SAIDUL, I. M. D. From sea to shrimp processing factories in Bangladesh: gender and employment at the bottom of a global commodity chain. Journal of South Asian Development Murdoch, v. 3, n. 2, p. 211-236, 2008.).

Ao longo das cadeias produtivas, além do fluxo de materiais e atores envolvidos em todo o processo, e dos custos da produção e distribuição de renda ao longo da cadeia, existem impactos ambientais e sociais e diversas situações de pobreza (Rudenko; Grote; Lamers, 2008RUDENKO, I.; GROTE, U.; LAMERS, J. Using a value chain approach for economic and environmental impact assessment of cotton production in Uzbekistan. In: QI, J.; EVERED, K.T. (Ed.). Environmental problems of central Asia and their economic, social and security impacts Dordrecht: Springer, 2008. p. 361-380.).

De maneira geral, essas análises sociológicas partem de questões bem diferentes da visão meramente econômica. A preocupação está em investigar se "o aumento da exportação de produtos manufaturados de economias em desenvolvimento contribui para o bem-estar dos trabalhadores que os produzem" (Heintz, 2006HEINTZ, J. Low-wage manufacturing and global commodity chains: a model in the unequal exchange. Cambridge Journal of Economics Cambridge, v. 30, n. 4, p. 507-520, 2006., p. 507) e perceber "que relações humanas estão presentes por trás das cadeias produtivas" (McCook, 2008MACHADO, J. M. H. et al. Vigilância em saúde ambiental e do trabalhador: reflexões e perspectivas. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 399-406, 2011., p. 268). Esses estudos são importantes reveladores de situações de vulnerabilidade e precariedade no mundo do trabalho.

Independentemente da abordagem teórica, a noção de cadeia produtiva diz respeito a toda a série de atores, instituições, operações e atividades relativas à produção, distribuição, consumo e descarte de bens e serviços, desde a etapa inicial à final.

Essa visão sobre os elos produtivos permite perceber tanto os fluxos econômicos, materiais do ponto de vista da logística e eficiência quanto as relações sociais injustas e iníquas do ponto de vista da saúde, trabalho e ambiente.

No Brasil, diversas cadeias produtivas que atravessam tanto o meio urbano como rural tais como as da cana-de-açúcar, soja, aço e alumínio, por exemplo, trazem problemas sociosanitários como o deslocamento precário de trabalhadores, queimadas, exploração do trabalho de crianças, exposição a animais peçonhentos e outros fatores e situações de vulnerabilidades (Peres, 2009PERES, F. Saúde, trabalho e ambiente no meio rural brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva Rio de Janeiro, v. 14, n. 6, p. 1995-2004, 2009.).

O campo da saúde pública no Brasil, no entanto, carece de ações, programas, estratégias de controle sanitário e ambiental das cadeias do ponto de vista da saúde do trabalhador e ambiental.

Desafios para a vigilância das cadeias produtivas

A vigilância em saúde pública é uma área que busca analisar condições de saúde da população visando à intervenção, prevenindo fatores de risco, eventos, agravos e doenças e promovendo a qualidade de vida. Emerge nos séculos XVIII e XIX, por influência de sanitaristas como Johann Peter Frank na Alemanha, Sir Edwin Chadwick e Willian Farr, na Inglaterra, entre outros, com ênfases na coleta e interpretação de informações sobre adoecimentos, mortes e condições de vida. E durante o século XX desenvolve-se como campo distinto na saúde pública (Declich; Carter, 1994DECLICH, S.; CARTER, A. O. Public health surveillance: historical origins, methods and evaluation. Bulletin W.H.O. Geneva, v. 72, n. 2, p. 285-304, 1994.), ampliando o conhecimento sobre as doenças infecciosas e a microbiologia, tendo como característica básica a busca por detectar processos sintomáticos, visando ao isolamento de indivíduos e grupos.

No contexto brasileiro, o tema da vigilância em saúde, considerando a relação saúde-trabalho-ambiente, possui vinculações estreitas com o campo da saúde do trabalhador. A saúde do trabalhador se constituiu como um conjunto de conhecimentos e práticas centradas na investigação sobre o processo de trabalho e sua relação com o processo saúde-doença. Surgiu no contexto histórico de lutas sociais da década de 1970 e da Reforma Sanitária Brasileira, influenciado pelo Movimento Operário Italiano e pela Medicina Social Latino-Americana.

Essa área ganha institucionalidade com a criação de diversas estruturas, serviços e programas de saúde do trabalhador na rede pública de saúde, em hospitais universitários em diversas regiões, no decorrer da década de 1980 - período em que ocorrem algumas experiências de vigilância em saúde, trabalho e ambiente. No entanto, a implementação das ações de vigilância em saúde sobre as relações saúde, trabalho e ambiente tem sido um desafio.

Primeiramente porque a vigilância em saúde como um todo é uma temática controversa no Brasil, permanecendo inclusive entraves quanto à integração das vigilâncias sanitária, ambiental, epidemiológica, saúde do trabalhador no campo institucional. A fragmentação das vigilâncias no SUS (ambiental, sanitária, epidemiológica) e de programas de vigilância da água, do ar, exposição química e desastres (Machado et al., 2011MACHADO, J. M. H. et al. Vigilância em saúde ambiental e do trabalhador: reflexões e perspectivas. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 399-406, 2011.), entre outros, além da ênfase assistencial no SUS são questões crônicas que dificultam ações integradoras e mais contundentes.

Diante das cadeias produtivas, as complexidades e desafios aumentam, visto que a missão da vigilância é analisar e intervir sobre processos geradores de danos ao meio ambiente, à saúde da população, inclusive trabalhadora.

Um problema é que a vigilância em saúde do trabalhador historicamente se desenvolveu predominantemente em torno do setor industrial. Suas metodologias, em geral, voltaram-se para as relações e o ambiente de trabalho fabril. E as cadeias produtivas abrangem tanto o setor industrial quanto a agricultura e os serviços e isso impõe o desafio de desenvolvimento de novos métodos de intervenção para a vigilância.

Além desse desafio metodológico, o avanço nas atuações de intervenção esbarra em entraves institucionais como taxas de financiamento aquém das necessidades, a sobrecarga de trabalho das equipes de vigilância nas secretarias de saúde, além das dificuldades para fazer deslanchar atuações intersetoriais entre os órgãos do governo, em suas instâncias regionais, que muitas vezes têm interesses contrários às ações de vigilância no confronto capital-trabalho-ambiente.

Além de responder a demandas internas do campo da saúde pública (fragmentação e predomínio da assistência) a vigilância em saúde precisa dar respostas às questões externas. Ou seja, necessita se posicionar na teoria e na prática diante do momento atual do capitalismo e dos consequentes fenômenos como globalização da economia e seus impactos no mundo do trabalho.

Ocorre que a produção de conhecimento sobre a vigilância das cadeias produtivas ainda é muito limitada no Brasil. Alguns autores, entretanto, têm desenvolvido análises que contribuem para suprir essa lacuna, como (Pignati e Machado, 2011PIGNATI, W.; MACHADO, J. M. H. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população do Estado de Mato Grosso. In: MINAYO-GOMEZ, C.; MACHADO, J.; PENA, P. (Org.). Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. p. 245-272.) ao descreverem os impactos da cadeia produtiva do agronegócio e (Leão, 2011LEÃO, L. H. C. Nas trilhas das cadeias produtivas: subsídios para uma política integradora de vigilância em saúde. 2011. Dissertação (Mestrado em saúde pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2011.) ao propor subsídios para a implementação de práticas integradas em saúde, trabalho e ambiente nas cadeias produtivas. Outros passos devem ser dados para o desenvolvimento de novas estratégias que visem superar limitações da atual configuração da vigilância em saúde no Sistema Único de Saúde.

Uma das principais limitações é a ênfase marcante, tanto na produção do conhecimento quanto nas práticas dos serviços, na vigilância da saúde dos produtos. O produto final geralmente é objeto da vigilância em detrimento de sua cadeia produtiva.

Existe grande quantidade de análises e práticas de vigilância em saúde sobre a cadeia produtiva de alimentos, sobretudo nos setores de produção de suínos (Simeoni et al., 2008SIMEONI, D. et al. Antibiotic resistance genes and identification of staphylococci collected from the production chain of swine meat commodities. Food Microbiology, Amsterdam, v. 25, n. 1, p. 196-201, 2008.), frangos (Naleiro et al., 2009NALEIRO, É. S. et al. Listeria monocytogenes: monitoramento desse perigo biológico na cadeia produtiva de frangos do sul do Rio Grande do Sul. Ciência e Tecnologia de Alimentos Campinas, v. 29, n. 3, p. 626-630, 2009.), verduras (Takayanagui et al., 2006TAKAYANAGUI, O. M. et al. Análise da cadeia de produção de verduras em Ribeirão Preto, SP. Revista Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 39, n. 2, p. 224-226, 2006.), mexilhões (Pereira et al., 2007PEREIRA, C. S. et al. Características de Vibrio parahaemolyticus isolados de mexilhões (Perna perna) comercializados em Niterói, Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Medicina Trocipal, Uberaba, v. 40, n. 1, p. 56-59, 2007.), leite (Olival; Spexoto, 2004OLIVAL, A. A.; SPEXOTO, A. A. Leite informal no Brasil: aspectos sanitários e educativos. Revista Higiene Alimentar São Paulo, v. 18 n. 119, p. 12-17, 2004.), entre outros.

A maioria das práticas e estudos busca avaliar as contaminações decorrentes de agentes biológicos (especificamente determinadas bactérias). Consideram a importância de a vigilância intervir em todas as etapas da cadeia produtiva apenas em função dos riscos cumulativos de contaminação nos sucessivos elos da produção (Simeoni et al., 2008SIMEONI, D. et al. Antibiotic resistance genes and identification of staphylococci collected from the production chain of swine meat commodities. Food Microbiology, Amsterdam, v. 25, n. 1, p. 196-201, 2008.; Naleiro et al., 2009NALEIRO, É. S. et al. Listeria monocytogenes: monitoramento desse perigo biológico na cadeia produtiva de frangos do sul do Rio Grande do Sul. Ciência e Tecnologia de Alimentos Campinas, v. 29, n. 3, p. 626-630, 2009.; Takayanagui et al., 2006TAKAYANAGUI, O. M. et al. Análise da cadeia de produção de verduras em Ribeirão Preto, SP. Revista Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 39, n. 2, p. 224-226, 2006.), bem como da necessidade de desenvolvimento de certificados de qualidade dos alimentos (Bustos, 1999BUSTOS, R. Control de los procesos en la cadena de producción de alimentos para garantizar la calidad e inocuidad en el consumo nacional: la experiencia del Uruguay y el rol del sector salud. In: REUNIÓN INTERAMERICANA DE SALUD ANIMAL A NIVEL MINISTERIAL, 11., 1999, Washington, DC. ... Washington, DC: OPAS, 1999. p. 1-19.). Essa problemática, inclusive, marca algumas reuniões internacionais promovidas por instituições como a Organização Panamericana da Saúde (OPS, 2005OPS - ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. 14ª Reunión interamericana a nivel ministerial en salud y agricultura (RIMSA 14): informe final y documentos seleccionados Washington, DC, 2005. Agricultura y Salud: Sinergia para Desarrollo Local, Cuidad de México, 21 - 22 de abril de 2005.) que enfatizam a importância de garantir alimentos seguros por meio de programas e estratégias como o Programa Nacional de Monitoramento da Qualidade Sanitária de Alimentos - PNMQSA, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos - PARA e o Programa de Análise de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos Expostos ao Consumo - PAMVet, sublinhando ainda a necessidade de controle de zoonoses e contaminação com vistas à segurança alimentar.

A vigilância dessas cadeias produtivas decorre da necessidade de intervir na produção e no comércio dos alimentos, mas o foco está na saúde dos consumidores em detrimento da saúde dos trabalhadores e ambiental. A ênfase está no controle e prevenção de riscos de contaminação dos alimentos a fim de oferecer segurança à população consumidora.

Apesar do destaque dado à importância da análise da cadeia produtiva como fator de proteção à saúde, evitando a contaminação cumulativa, observa-se uma lacuna no que tange à saúde dos trabalhadores e ambiental. Como essas análises se restringem aos riscos à saúde dos consumidores de produtos alimentícios, seu foco é a saúde do produto e não a do trabalhador que produz.

A vigilância da saúde dos produtos sinaliza, assim, uma proteção ao mercado em si, na medida em que não incorpora a criação e implantação de políticas de vigilância em saúde, trabalho e ambiente que cubram tanto os consumidores quanto os trabalhadores e o ambiente.

O foco unilateral na saúde do consumidor é pontual perante os problemas sociais, sanitários e ambientais que existem ao longo das cadeias produtivas e que afetam também a saúde dos trabalhadores e do meio ambiente. Essa prática configura-se, em última instância, como uma vigilância de produtos, já que a ênfase recai sobre o bem de consumo em detrimento das relações sociais e dos fatores condicionantes e determinantes da saúde pública ligados aos processos, atividades e operações no interior de cada elo da cadeia de produção de alimentos.

Nesse sentido, em que medida a proteção dos riscos de contaminação de um produto alimentar não seria somente uma proteção do mercado em si? Historicamente, a criação de dispositivos estatais de vigilância sanitária tem relação com a expansão, progresso e desenvolvimento da economia do Brasil. O surgimento da necessidade de fiscalizar produtos nos portos, por exemplo, guarda relação com a exportação de produtos brasileiros que precisavam ter segurança e qualidade, de modo a não prejudicar as relações comerciais com o mercado internacional. Embora a vigilância tenha recebido novos contornos nos últimos anos, por certo não perdeu essa marca de origem. E, talvez, o interesse de proteger o mercado impeça o avanço de políticas e ações de vigilância em saúde que visem garantir qualidade de vida, equidade, cidadania e justiça social, em detrimento do desenvolvimento meramente econômico.

O fato é que a concepção sobre cadeia produtiva, em toda a dimensão, não tem sido considerada na vigilância em saúde no Brasil. Aliás, existe uma fragilidade na conceituação desse termo no campo da saúde, pois a despeito do uso da expressão, não existe maior rigor conceitual, nem diálogos com as abordagens teóricas sobre esse conceito.

É preciso buscar a superação da vigilância dos produtos em direção à vigilância das cadeias produtivas, considerando que este pode ser um importante objeto de integração das vigilâncias do SUS e demais atores governamentais e entidades populares, na busca por atuações que superem as práticas institucionalmente segmentadas, presentes na desarticulação entre as vigilâncias sanitária, ambiental, epidemiológica e de saúde do trabalhador. Afinal de contas, a intervenção do Estado deve estar no escopo das relações de produção-consumo de maneira sistêmica e a desarticulação e fragmentação dificultam o surgimento de ações mais integradas (Souza, 2007SOUZA, G. S. Trabalho em vigilância sanitária: o controle sanitário da produção de medicamentos no Brasil 2007. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.).

Um importante passo para a superação da vigilância restrita aos produtos seria o desenvolvimento e implantação de mecanismos de rastreamento, sob a ótica da saúde, de um dado bem produzido. A intenção seria criar técnicas e procedimentos de identificação dos elos anteriores e posteriores à comercialização do produto. Assim, a partir das ações de fiscalização de produtos (alimentos, por exemplo), seria possível seguir a cadeia de produção desvelando as principais e prioritárias situações de saúde, trabalho e ambiente presentes. Metodologias similares existem, geralmente vinculadas à garantia da certificação da qualidade da origem de um produto. Existem, inclusive, sistemas de rastreabilidade aplicados a várias cadeias produtivas. Na cadeia produtiva do vinho, por exemplo, esse sistema é utilizado como um indicador de segurança alimentar e permite produzir e disseminar informações que possibilitariam rastrear a história de uma garrafa de vinho desde o plantio da uva até o momento de seu consumo (Porto; Lopes; Zambalde, 2007PORTO, L. F. A.; LOPES, M. A.; ZAMBALDE, A. L. Desenvolvimento de um sistema de rastreabilidade aplicado à cadeia de produção do vinho. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 31, n. 5, p. 1310-1319, 2007.).

Articulações de movimentos sociais em busca do controle sanitário-ambiental das cadeias produtivas são também imprescindíveis para o avanço da vigilância em saúde, trabalho e ambiente.

Um exemplo da possibilidade de uma vigilância estatal/popular integrada em saúde, trabalho e ambiente sobre uma cadeia produtiva pode ser observada em uma articulação social ocorrida a partir de 1992 na região de Carajás no Maranhão, que demonstrou grande potencial de intervenção.

A região fora atingida por impactos socioambientais oriundos de projetos industriais implantados (Santos, 2009SANTOS, M. P. Os caminhos do Alumínio. In: ALMEIDA, R. (Org.). Alumínio na Amazônia: saúde do trabalhador, meio ambiente e movimento social São Luís: Fórum Carajás, 2009. p. 36-52.). A situação mobilizou uma série de atores sociais nacionais e internacionais, resultando em um movimento que possibilitou a criação do programa "Diálogo do Alumínio, responsabilidade global, da exploração ao consumo", cuja finalidade era estudar a cadeia de produção do alumínio e "estabelecer novos mecanismos de controle e de monitoramento dos empreendimentos" (Santos, 2009SANTOS, M. P. Os caminhos do Alumínio. In: ALMEIDA, R. (Org.). Alumínio na Amazônia: saúde do trabalhador, meio ambiente e movimento social São Luís: Fórum Carajás, 2009. p. 36-52., p. 37). Os problemas causados pela cadeia do alumínio impulsionaram diversos atores sociais e governamentais resultando em avanços do ponto de vista sócio-sanitário-ocupacional.

Outro exemplo dessa realidade pode ser observado na cadeia produtiva da cana-de-açúcar no Estado do Rio de Janeiro. Diante das ocorrências de trabalho escravo contemporâneo nesse setor, movimentos sociais formaram um comitê popular pela erradicação que, desde 2003, conseguiu articulações para fechar vários alojamentos precários e diversos outros casos de trabalho escravo foram enfrentados, pois aumentaram também as atuações de auditores fiscais, vindos de outros lugares do Brasil para ações do Grupo Móvel de Fiscalização. No ano de 2009, inclusive, a fiscalização foi tão intensa que o Rio de Janeiro foi considerado o campeão nacional de trabalho escravo (Leão, 2015LEÃO, L. H. C. Trabalho escravo contemporâneo: a construção social de um problema público no norte fluminense. Psicologia e Sociedade Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p. 120-130, 2015.).

A exposição dos casos de trabalho escravo na mídia, na academia e o reconhecimento público por atores do Estado levou um importante grupo produtor de combustível no Brasil a não comprar o álcool produzido por uma usina dessa região que empregara trabalho escravo. Essa ação a partir da cadeia produtiva foi um avanço para o combate ao problema (Leão, 2015LEÃO, L. H. C. Trabalho escravo contemporâneo: a construção social de um problema público no norte fluminense. Psicologia e Sociedade Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p. 120-130, 2015.).

Se, por um lado, existe uma rede de produção de vulnerabilidades, também existem redes de luta contra os impactos da produção, articulados em nível nacional e internacional. E a participação da população em movimentos contínuos e sistemáticos de articulação e atenção às situações de impacto à saúde, trabalho e ambiente ao longo das cadeias produtivas é central para uma vigilância popular da saúde, tanto para a identificação dos riscos quanto para a implementação de ações de transformação dos processos de trabalho.

Outra importante questão para o desenvolvimento de ações de vigilância é situar um processo de trabalho em análise (mesmo o fabril) perante sua cadeia produtiva.

(Dias et al., 2002DIAS, E. C. et al. Processo de trabalho e saúde dos trabalhadores na produção artesanal de carvão vegetal em Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde PúblicaRio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 269-277, 2002.) realizaram um estudo no Vale do Jequitinhonha com o objetivo de identificar as principais condições de risco para a saúde presentes no processo de produção artesanal do carvão vegetal e seus possíveis efeitos sobre a saúde dos trabalhadores. Ao situar esse processo em sua cadeia produtiva, foi possível identificar siderúrgicas com certificações internacionais e carvoarias artesanais com enorme exploração de trabalhadores, incluindo crianças e adolescentes, além da destruição do cerrado e exclusão social de pequenos agricultores.

Em uma mesma cadeia produtiva podem ser identificadas diferenças significativas de vínculos empregatícios. Para (Mendes e Campos, 2004MENDES, R.; CAMPOS, A. C. C. Saúde e segurança no trabalho informal: desafios e oportunidades para a indústria brasileira. Revista Brasileira de Medicina do TrabalhoBelo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 209-223, 2004.), o enfoque sobre a cadeia produtiva é uma maneira de relacionar o setor formal e o informal da economia. "O trabalho informal não existe aleatoriamente, ele compõe a cadeia produtiva do setor formal, entendida aqui como o conjunto de atividades que se articulam progressivamente, desde os insumos básicos até o produto, distribuição e comercialização, como elos de uma corrente" (Mendes; Campos, 2004MENDES, R.; CAMPOS, A. C. C. Saúde e segurança no trabalho informal: desafios e oportunidades para a indústria brasileira. Revista Brasileira de Medicina do TrabalhoBelo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 209-223, 2004., p. 213).

As condições precárias de saúde e segurança no trabalho informal demonstram, de certa forma, os limites da intervenção dos órgãos fiscalizadores, que não conseguem ainda olhar para a cadeia produtiva. "[...] a retomada do conceito de 'cadeia produtiva' e de 'cluster', que poderiam ser os dois critérios básicos para o desenvolvimento e a implementação de políticas de saúde e segurança para e com trabalhadores informais, dentro de uma visão solidária, de interdependência e de cooperação" (Mendes; Campos, 2004MENDES, R.; CAMPOS, A. C. C. Saúde e segurança no trabalho informal: desafios e oportunidades para a indústria brasileira. Revista Brasileira de Medicina do TrabalhoBelo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 209-223, 2004., p. 221).

Assim, a partir do conceito de cadeia produtiva e o discurso da responsabilidade social das empresas, os trabalhadores informais ligados às atividades industriais como fornecedores, prestadores de serviço, distribuidores, vendedores e consumidores "deveriam ser considerados como 'parceiros' e 'stakeholders' estratégicos, também em áreas críticas e vulneráveis da informalidade de trabalho atual, particularmente no campo da saúde e segurança no trabalho" (Mendes; Campos, 2004MENDES, R.; CAMPOS, A. C. C. Saúde e segurança no trabalho informal: desafios e oportunidades para a indústria brasileira. Revista Brasileira de Medicina do TrabalhoBelo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 209-223, 2004., p. 221).

Observar toda a cadeia produtiva é crucial para identificar situações existentes em determinados ramos produtivos, não facilmente detectáveis pela vigilância em saúde, como o trabalho informal, infantil, doméstico e o análogo à escravidão. Assim, práticas de análise e intervenção nas cadeias produtivas do ponto de vista da saúde pública podem trazer alternativas para o enfrentamento das vulnerabilidades, riscos, danos sociais, ambientais, sanitários e ocupacionais cada vez mais agudos, complexos e problemáticos no contexto brasileiro.

Considerações finais

Reconhecer a importância de intervenções sobre todas as etapas das cadeias produtivas requer novos passos de identificação de elementos teóricos e metodológicos que fundamentem práticas e meios para atuações sobre os elos que as constituem. Não basta afirmar a importância da vigilância das cadeias produtivas e a realização de intervenções em todos os elos. É necessário que a academia contribua no desenvolvimento de tecnologias capazes de superar a ausência de métodos para as práticas da vigilância.

O diálogo com as perspectivas teórico-metodológicas sobre cadeias de produção, como a Supply Chain, Global Commodity Chain e as abordagens das ciências sociais podem ser fundamentais nesse processo.

A elaboração de estudos de planejamento e gerenciamento em saúde, visando criar técnicas de controle de cadeias produtivas do ponto de vista sanitário, incorporando essas discussões logísticas e de gerenciamento, pode contribuir para a criação de novos métodos de intervenção para a vigilância em saúde.

Considerando a visão econômica hegemônica sobre a temática das cadeias produtivas, a saúde pública pode desenvolver interseções com esse campo gerando saberes transdisciplinares originais, incluindo a perspectiva de participação de movimentos sociais e populares nas práticas de vigilância.

Certamente as abordagens das ciências sociais têm contribuído para a ampliação da discussão estritamente econômica sobre cadeias produtivas, a partir da consideração de fatores sociais e ambientais. Este enfoque pode contribuir na aproximação do tema das cadeias produtivas à saúde pública, que tem como um de seus pilares epistemológicos as ciências sociais.

Por fim é preciso ressaltar a escassez de pesquisas acadêmicas de caráter empírico vinculadas às ações de vigilância. Esse fato reflete o distanciamento entre a produção de conhecimentos no âmbito acadêmico e no aparelho de Estado responsável por ações públicas de intervenção de vigilância em saúde.

Embora o Estado, por intermédio de seu aparato interventor, tenha uma imensurável capacidade de produzir conhecimentos para ações transformadoras da realidade, o caráter exploratório dessas ações não é acompanhado, via de regra, pelas instâncias técnico-científicas de produção de conhecimentos em saúde, tais como universidades e instituições de pesquisa. Por se tratar de ato público, respaldado pelo poder de polícia, a vigilância em saúde, no mais das vezes, encerra-se em atos operativos ensimesmados que não se harmonizam com os princípios da integralidade, da pesquisa-ação, da intersetorialidade e da perspectiva sistêmica que pautam o sistema de saúde brasileiro.

Do mesmo modo, é recíproca a capacidade da academia de produzir conhecimento em escala não condizente das necessidades sociais da área saúde-trabalho-ambiente. Afinal, diversas áreas do conhecimento, como a economia, por exemplo, desenvolveram abordagens para analisar as cadeias produtivas visando avaliar prospectivamente seus potenciais de mercado e viabilizar melhor fluxo de materiais, produtos e pessoas, entre outras coisas e a produção de conhecimento em vigilância em saúde do trabalhador e saúde ambiental não desenvolveu análises nessa direção.

Este texto demonstra a necessidade da produção de conhecimentos sobre cadeia produtiva do ponto de vista da saúde pública e da vigilância em particular. A escassez de interfaces entre a vigilância e as principais abordagens teóricas sobre esse tema aponta para a necessidade de a saúde pública conduzir outras investigações, inclusive no sentido de subsidiar novas políticas públicas e ações programáticas de vigilância em saúde, trabalho e ambiente sobre cadeias produtivas.

Além da dimensão da produção científica, a inclusão dessa temática nas agendas de formação e educação em saúde entre os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e demais atores institucionais e do controle social responsáveis pela vigilância em saúde, trabalho e ambiente ofereceria subsídios para difusão de novas experiências de investigação-intervenção de cadeias produtivas.

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  • 2
    National Program for Monitoring Sanitary Quality of Food
  • 3
    Program that Analyses Pesticide Residue in Food
  • 4
    Veterinary Drugs Residue Analysis in Food Exposed to the Consumer Program

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2014
  • Revisado
    21 Mar 2015
  • Aceito
    15 Abr 2015
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br